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Interferência da palha de cana-de-açúcar (Saccharum spp.) na emergência de espécies de plantas daninhas da família convolvulaceae

Sugar cane (Saccharum spp.) straw interference in emergence of weed species of the convolvulaceae family

Resumos

Este trabalho foi conduzido na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal-UNESP, com o objetivo de estudar o efeito de diferentes quantidades de palha de cana-de-açúcar deixadas na superfície do solo sobre a emergência de algumas espécies de plantas daninhas pertencentes à família Convolvulaceae. Os tratamentos foram distribuídos no esquema de parcelas subsubdivididas, com a quantidade de palha nas parcelas de 0, 5, 10, 15 e 20 t ha-1, as variedades SP 79 2233 e RB 83 5486 nas subparcelas e as espécies de plantas daninhas nas subsubparcelas. Aos 45 dias após semeadura (DAS), a presença de 15 t ha-1 de palha reduziu em 46 e 62% o número de plantas de I. quamoclit e M. cissoides, respectivamente. Entretanto, a presença de 20 t ha-1 reduziu em 82, 65, 62, 70, 60 e 88% o número de plantas de I. quamoclit, I. purpurea, I. grandifolia, I. hederifolia, I. nil e M. cissoides, respectivamente, quando comparadas à ausência de palha.

cobertura morta; Ipomoea spp.; Merremia cissoides


This research was conducted at FCAV of Jaboticabal-UNESP-Brazil, aiming to study the effect of different amounts of sugarcane straw placed on the soil surface on emergence of some weed species of the Convolvulaceae family. The experimental design was a split-split-plot with the straw amounts in the plots (0, 5, 10 ,15 and 20 t ha-1), sugarcane cultivars (SP 79 2233 e RB 83 5486) in the split-plots and weeds in the split-split-plots. The presence of 15 t ha-1 of straw reduced in 46 and 62% the number of I. quamoclit and M. cissoides plants, 45 days after sowing (DAS), respectively. However, 20 t ha-1 of straw reduced in 82, 65, 62, 70, 60 and 88% the number of I. quamoclit, I. purpurea, I. grandifolia, I. hederifolia, I. nil, M. cissoides, respectively, when compared to the absence of straw.

mulching; Ipomoea spp.; Merremia cissoides


ARTIGOS

Interferência da palha de cana-de-açúcar (Saccharum spp.) na emergência de espécies de plantas daninhas da família convolvulaceae

Sugar cane (Saccharum spp.) straw interference in emergence of weed species of the convolvulaceae family

Azania, A.A.P.M.I; Azania, C.A.M.I; Gravena, R.I; Pavani, M.C.M.D.II; Pitelli, R.A.II

IPós-graduandos em Produção Vegetal, FCAV-UNESP, Via de Acesso Paulo D. Castelane, s/n, 14884-900 Jaboticabal-SP

IIProfs. Drs. do Dep. de Biologia Aplicada à Agropecuária da FCAV-UNESP

RESUMO

Este trabalho foi conduzido na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal-UNESP, com o objetivo de estudar o efeito de diferentes quantidades de palha de cana-de-açúcar deixadas na superfície do solo sobre a emergência de algumas espécies de plantas daninhas pertencentes à família Convolvulaceae. Os tratamentos foram distribuídos no esquema de parcelas subsubdivididas, com a quantidade de palha nas parcelas de 0, 5, 10, 15 e 20 t ha-1, as variedades SP 79 2233 e RB 83 5486 nas subparcelas e as espécies de plantas daninhas nas subsubparcelas. Aos 45 dias após semeadura (DAS), a presença de 15 t ha-1 de palha reduziu em 46 e 62% o número de plantas de I. quamoclit e M. cissoides, respectivamente. Entretanto, a presença de 20 t ha-1 reduziu em 82, 65, 62, 70, 60 e 88% o número de plantas de I. quamoclit, I. purpurea, I. grandifolia, I. hederifolia, I. nil e M. cissoides, respectivamente, quando comparadas à ausência de palha.

Palavras-chave: cobertura morta, Ipomoea spp., Merremia cissoides.

ABSTRACT

This research was conducted at FCAV of Jaboticabal-UNESP-Brazil, aiming to study the effect of different amounts of sugarcane straw placed on the soil surface on emergence of some weed species of the Convolvulaceae family. The experimental design was a split-split-plot with the straw amounts in the plots (0, 5, 10 ,15 and 20 t ha-1), sugarcane cultivars (SP 79 2233 e RB 83 5486) in the split-plots and weeds in the split-split-plots. The presence of 15 t ha-1 of straw reduced in 46 and 62% the number of I. quamoclit and M. cissoides plants, 45 days after sowing (DAS), respectively. However, 20 t ha-1 of straw reduced in 82, 65, 62, 70, 60 and 88% the number of I. quamoclit, I. purpurea, I. grandifolia, I. hederifolia, I. nil, M. cissoides, respectively, when compared to the absence of straw.

Key words: mulching, Ipomoea spp., Merremia cissoides.

INTRODUÇÃO

A colheita de cana-crua foi implantada no Brasil há menos de duas décadas, para minimizar os problemas que a colheita tradicional com queima causa ao homem e ao meio ambiente. Por se tratar de uma técnica relativamente nova, os produtores ainda não estão totalmente adaptados à nova realidade. Diante dos diversos problemas enfrentados nas áreas colhidas com cana-crua, foram destacados aqueles relacionados às plantas daninhas, que, em algumas áreas, apresentaram mudanças na composição das espécies infestantes, devido à presença da palha da cana-crua.

A composição da flora infestante e a eficiência do controle de plantas daninhas pela cobertura morta devem ser determinadas pela quantidade, composição, periodicidade da produção e tempo de permanência da cobertura morta na área, que são características que dependem do cultivar, clima e manejo da área (Almeida & Rodrigues, 1985).

Teasdale et al. (1991) observaram redução de 78% de algumas espécies de plantas daninhas quando a densidade da cobertura morta foi superior a 300 g m-2 e a porcentagem de recobrimento do solo foi superior a 90%. Os autores afirmaram que a cobertura morta pode ter interferido na qualidade da luz e reduzido a germinação das sementes, além de ter impedido fisicamente a emergência das plântulas.

De acordo com Taylorson & Borthwick (1969) e Fener (1980), a cobertura morta afetou a comunidade infestante não só alterando a quantidade de radiação solar incidente, mas também a qualidade do comprimento das ondas luminosas e a manutenção da temperatura com menores oscilações.

Egley & Duke (1985) mencionaram que a redução da amplitude térmica da superfície do solo pode interferir de modo decisivo na germinação de muitas espécies. A exigência de maior ou menor amplitude térmica do solo constituiu-se no modo mais eficiente de controlar a germinação no solo.

Segundo Pitelli (1995), o efeito físico da cobertura morta também pode reduzir as chances de sobrevivência das plantas daninhas com pouca quantidade de reserva nas sementes, as quais podem não ser suficientes para garantir a sobrevivência da planta no espaço percorrido dentro da cobertura morta, até que tenha acesso à luz e inicie o processo de fotossíntese.

Medina Melendez (1990) observou que a palha de cana-de-açúcar inibiu parcialmente a germinação de sementes de Amaranthus viridis, Galinsoga parviflora, Portulaca oleracea e Lepidium virginicum e totalmente a germinação de sementes de Brachiaria decumbens, Cenchrus echinatus, Ipomoea spp. e Bidens pilosa.

Martins et al. (1999) estudaram os efeitos da cobertura do solo, com quantidades crescentes de palha de cana-de-açúcar até 15 t ha1, sobre a germinação de algumas das principais plantas daninhas da cultura da cana-de-açúcar no Brasil. Dentre as espécies estudadas, constataram que Ipomoea grandifolia somente sofreu redução na germinação na presença de 15 t ha1 de palha, havendo estímulos à germinação nas quantidades de 2 a 10 t ha-1 de palha.

As convolvuláceas, principalmente as pertencentes aos gêneros Ipomoea e Merremia, destacam-se dentre as plantas daninhas que podem causar sérios danos à cultura da cana-de-açúcar, especialmente em áreas de cana-crua. Além de competirem com a planta cultivada, podem interferir nas práticas culturais, especialmente na colheita mecanizada, reduzindo sua eficiência. Dessa forma, devido ao crescente aumento das áreas destinadas à colheita mecanizada da cana-crua, foi conduzido o presente trabalho com o objetivo de estudar o efeito de quantidades crescentes de palha de cana-de-açúcar sobre a emergência de Ipomoea spp. e Merremia cissoides.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi conduzido na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal-UNESP, em área experimental pertencente ao Departamento de Biologia Aplicada à Agropecuária, em molduras de alvenaria construídas sobre o solo, com área de 1,44 m2/parcela. O substrato utilizado no preenchimento das molduras foi preparado na proporção 2:1, sendo terra de textura argilosa e torta de filtro, respectivamente.

A partir dos dados obtidos nos testes de germinação (Tabela 1), semeou-se quantidade de sementes necessária para obter no mínimo 25 plantas de Merremia cissoides, Ipomoea quamoclit, Ipomoea purpurea, Ipomoea grandifolia, Ipomoea hederifolia e Ipomoea nil, aproximadamente a 3 cm de profundidade e cobertas com palha dos cultivares SP 792233 e RB 835486, nas densidades de 0, 5, 10, 15 e 20 t ha-1. A partir do lote de sementes de cada espécie, foi conduzido teste de germinação, e as sementes não-germinadas foram cortadas ao meio e submetidas, durante 24 horas, ao teste topográfico de tetrazólio a 0,1%, para determinação do percentual de viabilidade do lote.

A temperatura do solo e a quantidade de água foram monitoradas do início ao final da instalação do experimento, sendo o monitoramento da temperatura em 5 e 10 cm de profundidade e a quantidade de água, através do controle de chuvas e irrigação.

O delineamento experimental utilizado foi em blocos, com cinco tratamentos casualizados e cinco repetições, sendo os tratamentos distribuídos no esquema de parcelas subsubdivididas, com as densidades de palha nas parcelas, a palha dos cultivares nas subparcelas e as espécies de plantas daninhas nas subsubparcelas. As parcelas foram constituídas por 1,44 m2, as subparcelas por 0,72 m2 e as subsubparcelas por 0,12 m2. A análise de variância pelo teste F foi utilizada para avaliar o efeito dos tratamentos sobre as variáveis analisadas; posteriormente, para comparação das médias dos tratamentos, utilizou-se o teste de Tukey a 5% de probabilidade.

Avaliaram-se a emergência das plantas de cada espécie, aos 15, 30 e 45 dias após semeadura (DAS), e a massa seca das plantas, coletadas aos 45 DAS.

RESULTADOS E DISCUSSÃO >

Em laboratório, no teste de germinação realizado nos lotes de sementes, constatou-se que as Ipomoea spp. e Merremia cissoides estavam dormentes. Ocorreu que nenhuma espécie apresentou germinação maior que 30% e que a viabilidade das sementes não-germinadas foi de 93% para I. nil, 97% para I. quamoclit e I. purpurea, 98% para M. cissoides e 99% para I. grandifolia e I. hederifolia.

No campo, conforme se pode observar pela Tabela 2, os cultivares RB 835486 e SP 792233 não diferiram estatisticamente; portanto, as diferenças estatísticas observadas para as variáveis avaliadas devem-se principalmente ao aumento das densidades de palha ou a fatores da própria espécie daninha.

Considerando apenas o fator densidade de palha, observa-se que a média do número de plantas daninhas de todas as espécies, para as três épocas avaliadas, diminuiu à medida que se aumentou a densidade de palha. Entretanto, as densidades de 15 e 20 t ha-1 de palha proporcionaram as maiores reduções no número médio de plantas daninhas de todas as espécies, especialmente a densidade de 20 t ha1 de palha, que, unicamente, diferiu estatisticamente de todas as outras densidades quanto ao número médio de plantas daninhas nas três avaliações, e à massa seca aos 45 DAS (Tabela 2).

Portanto, de acordo com a Tabela 2, quando se considera o número médio de plantas daninhas para cada espécie, independentemente da densidade, observa-se que I. hederifolia foi a espécie que mais se desenvolveu, por apresentar o maior número de indivíduos e acúmulo de massa seca, enquanto M. cissoides foi a que menos se desenvolveu, devido ao menor número de indivíduos e acúmulo de massa seca. As plantas daninhas que mais emergiram a camada de palha foram I. hederifolia, I. grandifolia, I. quamoclit, I. nil, M. cissoides e I. purpurea, das quais I. quamoclit, I. nil, M. cissoides e I. purpurea não apresentaram diferenças estatísticas.

As espécies de Ipomoea spp. e M. cissoides nas subsubparcelas diferiram estatisticamente em razão das densidades de palha nas parcelas e não dos diferentes cultivares de cana-de-açúcar utilizados nas subparcelas.

Observa-se pela Tabela 3 que, aos 45 DAS, a presença de 15 t ha-1 de palha reduziu em 46 e 62% o número de plantas de I. quamoclit e M. cissoides, respectivamente. No entanto, a presença de 20 t ha-1 reduziu em 82, 65, 62, 70, 60 e 88% o número de plantas de I. quamoclit, I. purpurea, I. grandifolia, I. hederifolia, I. nil e M. cissoides, respectivamente, quando comparadas à ausência de palha.

Observou-se também, pela Tabela 3, que a densidade de 10 t ha-1 de palha reduziu o número de plantas de I. grandifolia e M. cissoides somente até os 15 DAS, pois ambas as espécies recuperaram-se nas demais avaliações, apresentando somente redução no número de plantas na presença de 20 t ha-1 de palha.

A tendência da camada de palha em reduzir o número de plantas daninhas também foi observada por Teasdale et al. (1991), que conseguiram reduzir em até 78% o número de plantas daninhas com cobertura de palha superior a 3 t ha-1. Martins et al. (1999) também constataram reduções significativas do número de plantas daninhas de Ipomoea grandifolia, D. horizontalis, B. plantaginea e B. decumbens ao utilizarem como densidade máxima 15 t ha1 de palha de cana-de-açúcar.

Os baixos números de plantas daninhas encontrados em áreas cobertas por palha podem estar relacionados com a qualidade do comprimento de luz e a temperatura (Taylorson & Borthwick, 1969; Fener, 1980) ou com o impedimento físico formado pela camada de palha sobre o desenvolvimento dos cotilédones, que não conseguem ultrapassar a barreira da palha e morrem antes de iniciar o processo fotossintético (Pitelli, 1995).

Quanto às oscilações térmicas no solo (Tabela 4), observou-se que a temperatura diminuiu com o aumento das densidades de palha, sendo a máxima redução observada de 13,2 e 6,2%, comparando a ausência e presença de 20 t ha-1 de palha nas profundidades de 5 e 10 cm, respectivamente. Nessa densidade, pode-se deduzir que os baixos números de plantas daninhas sejam também devido à temperatura, pois, segundo Egley & Duke (1985) e Velini & Negrissoli (2000), a amplitude térmica na superfície do solo pode interferir na germinação de muitas espécies.

Portanto, seja por motivo de temperatura ou simplesmente impedimento físico, a densidade de 20 t ha-1 de palha de cana-de-açúcar, em relação à ausência de palha, reduziu em mais de 60% o número de plantas de M. cissoides, Ipomoea quamoclit, I. purpurea, I. grandifolia, I. hederifolia e I. nil.

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. José Carlos Barbosa, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal, pela colaboração na análise estatística.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em 5/3/2002 e na forma revisada em 7/8/2002.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Set 2009
  • Data do Fascículo
    Ago 2002

Histórico

  • Recebido
    05 Mar 2002
  • Aceito
    07 Ago 2002
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