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Potencial da utilização de coberturas vegetais de sorgo e milheto na supressão de plantas daninhas em condição de campo: I - plantas em desenvolvimento vegetativo

Potential of sorghum and pearl millet cover crops in weed supression under field condition: I - plants in vegetative growth

Resumos

A supressão da infestação de plantas daninhas por espécies cultivadas como culturas de cobertura pode ocorrer durante o desenvolvimento vegetativo das espécies cultivadas como cultura de cobertura, nos estádios precoces de desenvolvimento, ou após a sua dessecação. Efeitos de competição e alelopáticos exercidos durante a coexistência das plantas de cobertura com as espécies daninhas podem ser responsáveis pelo efeito supressivo. Dois experimentos foram realizados a campo, em 1999/2000 e 2000/2001, na área experimental da Faculdade de Agronomia da UFRGS, em delineamento experimental de blocos ao acaso com quatro repetições, objetivando determinar os efeitos de plantas vegetando de genótipos de sorgo, com capacidade distinta de produção de extratos radiculares hidrofóbicos, sobre a supressão de plantas daninhas. Em 1999/2000, os tratamentos foram constituídos pelos genótipos de sorgo RS 11, BR 601 e BR 304, representantes de três classes de produção de extratos radiculares hidrofóbicos em laboratório, pelo genótipo de milheto Comum RS e por uma testemunha sem culturas. Em 2000/2001, os tratamentos foram resultantes da combinação do fator genótipo e do fator posição das plantas daninhas (linha ou entrelinha das culturas). Nos dois anos experimentais, a densidade e o crescimento de plantas daninhas (SIDRH, BIDSS e BRAPL) foram semelhantes entre os genótipos de sorgo e entre estes e o do milheto. Isso ocorreu independentemente do local avaliado, na área total ou individualmente nas linhas e entrelinhas das culturas, indicando ausência de efeito supressor de exudatos hidrofóbicos a campo. No primeiro ano, aos 30 dias após a semeadura, reduções de 41% de infestação e de 74% de massa seca total de plantas daninhas foram observadas, comparando-se os tratamentos cobertos com culturas à testemunha sem culturas, enquanto no segundo ano, aos 14 dias após a semeadura, não foram observadas diferenças entre a área onde havia plantas de sorgo ou milheto e a testemunha descoberta. A densidade de plantas daninhas nas linhas foi inversamente proporcional à população de plantas vivas de sorgo nesse local.

Sorghum spp.; Pennisetum americanum; cobertura de solo; alelopatia; competição


The capacity of supression of weed infestation by cultivation of cover crops can occur during the vegetative growth of the species cultivated as cover crops, at the early stages of development, or after their desiccation. Competition and allelopathic effects performed, during the coexistence of the cover crop with the weeds can be responsible for the supressive effect. Two experiments were carried out under field conditions, in 1999/2000 and 2000/2001, at the Experimental Station of Agronomy College, at the Federal University of Rio Grande do Sul (UFRGS), Brazil, in a randomized block design with four replications, to determine the effects of living plants of sorghum genotypes with distinct capacity of production of hydrophobic root extracts, on supressing weeds. In 1999/2000, the treatments consisted of the RS 11, BR 601, and BR 304 sorghum genotypes, representative of three classes of hydrophobic root extracts production in laboratory, Comum RS pearl millet genotype and a check without crops. In 2000/2001, the treatments were the result of combinations of genotype factors and weed position ( rows or interrows). In the two experimental years, the density and growth of weeds (SIDRH, BIDSS, and BRAPL) were similar between sorghum genotypes and of these with pearl millet. This occurred regardless of the place evaluated, in the total area or individually in the rows or interrows, indicating lack of suppressive effect of hydrophobic exsudates under field conditions. In the first trial, thirty days after seeding, reduction of 41% of infestation and 74% of weed total dry mass were observed, while in the second trial, 14 days after seeding, no differences were observed between sorghum and pearl millet areas and the check without cover crops. Weed density in rows was inversely proportional to living sorghum plant population in these places.

Sorghum spp.; Pennisetum americanum; soil cover crops; allelopathy; competition


ARTIGOS

Potencial da utilização de coberturas vegetais de sorgo e milheto na supressão de plantas daninhas em condição de campo: I — plantas em desenvolvimento vegetativo

Potential of sorghum and pearl millet cover crops in weed supression under field condition: I - plants in vegetative growth

Vidal, R.A.I; Trezzi, M.M.II

IEng.-Agrº, Ph.D., Professor Adjunto, Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul — UFRGS

IIEng.-Agrº, Dr., Professor Adjunto, Curso de Agronomia do CEFET/PR, Unidade de Pato Branco, Via do Conhecimento, Km 01, Caixa Postal 571, 95503-390 Pato Branco-PR

RESUMO

A supressão da infestação de plantas daninhas por espécies cultivadas como culturas de cobertura pode ocorrer durante o desenvolvimento vegetativo das espécies cultivadas como cultura de cobertura, nos estádios precoces de desenvolvimento, ou após a sua dessecação. Efeitos de competição e alelopáticos exercidos durante a coexistência das plantas de cobertura com as espécies daninhas podem ser responsáveis pelo efeito supressivo. Dois experimentos foram realizados a campo, em 1999/2000 e 2000/2001, na área experimental da Faculdade de Agronomia da UFRGS, em delineamento experimental de blocos ao acaso com quatro repetições, objetivando determinar os efeitos de plantas vegetando de genótipos de sorgo, com capacidade distinta de produção de extratos radiculares hidrofóbicos, sobre a supressão de plantas daninhas. Em 1999/2000, os tratamentos foram constituídos pelos genótipos de sorgo RS 11, BR 601 e BR 304, representantes de três classes de produção de extratos radiculares hidrofóbicos em laboratório, pelo genótipo de milheto Comum RS e por uma testemunha sem culturas. Em 2000/2001, os tratamentos foram resultantes da combinação do fator genótipo e do fator posição das plantas daninhas (linha ou entrelinha das culturas). Nos dois anos experimentais, a densidade e o crescimento de plantas daninhas (SIDRH, BIDSS e BRAPL) foram semelhantes entre os genótipos de sorgo e entre estes e o do milheto. Isso ocorreu independentemente do local avaliado, na área total ou individualmente nas linhas e entrelinhas das culturas, indicando ausência de efeito supressor de exudatos hidrofóbicos a campo. No primeiro ano, aos 30 dias após a semeadura, reduções de 41% de infestação e de 74% de massa seca total de plantas daninhas foram observadas, comparando-se os tratamentos cobertos com culturas à testemunha sem culturas, enquanto no segundo ano, aos 14 dias após a semeadura, não foram observadas diferenças entre a área onde havia plantas de sorgo ou milheto e a testemunha descoberta. A densidade de plantas daninhas nas linhas foi inversamente proporcional à população de plantas vivas de sorgo nesse local.

Palavras-chave:Sorghum spp., Pennisetum americanum, cobertura de solo, alelopatia, competição.

ABSTRACT

The capacity of supression of weed infestation by cultivation of cover crops can occur during the vegetative growth of the species cultivated as cover crops, at the early stages of development, or after their desiccation. Competition and allelopathic effects performed, during the coexistence of the cover crop with the weeds can be responsible for the supressive effect. Two experiments were carried out under field conditions, in 1999/2000 and 2000/2001, at the Experimental Station of Agronomy College, at the Federal University of Rio Grande do Sul (UFRGS), Brazil, in a randomized block design with four replications, to determine the effects of living plants of sorghum genotypes with distinct capacity of production of hydrophobic root extracts, on supressing weeds. In 1999/2000, the treatments consisted of the RS 11, BR 601, and BR 304 sorghum genotypes, representative of three classes of hydrophobic root extracts production in laboratory, Comum RS pearl millet genotype and a check without crops. In 2000/2001, the treatments were the result of combinations of genotype factors and weed position ( rows or interrows). In the two experimental years, the density and growth of weeds (SIDRH, BIDSS, and BRAPL) were similar between sorghum genotypes and of these with pearl millet. This occurred regardless of the place evaluated, in the total area or individually in the rows or interrows, indicating lack of suppressive effect of hydrophobic exsudates under field conditions. In the first trial, thirty days after seeding, reduction of 41% of infestation and 74% of weed total dry mass were observed, while in the second trial, 14 days after seeding, no differences were observed between sorghum and pearl millet areas and the check without cover crops. Weed density in rows was inversely proportional to living sorghum plant population in these places.

Key words:Sorghum spp., Pennisetum americanum, soil cover crops, allelopathy, competition.

INTRODUÇÃO

A capacidade supressora de plantas daninhas por culturas de cobertura é amplamente reconhecida e explorada (Putnam et al., 1983; Almeida, 1988; Einhellig & Rasmussen, 1989; Teasdale & Mohler, 1993; Vidal & Bauman, 1996; Theisen et al., 2000). A supressão pode ocorrer tanto durante o desenvolvimento vegetativo das plantas cultivadas, quando efeitos competitivos e alelopáticos poderiam influenciar o desenvolvimento das plantas daninhas, quanto após a dessecação das plantas cultivadas, em que principalmente efeitos físicos (Teasdale & Mohler, 1993; Vidal, 1995) e também de liberação de substâncias alelopáticas (Almeida, 1988) poderiam resultar em supressão.

A competição é dependente de vários fatores, entre eles os relacionados às espécies competidoras, como diferenças morfológicas e fisiológicas entre os genótipos de plantas cultivadas, determinantes da habilidade competitiva com as espécies daninhas (Radosevich et al., 1997; Menezes & Silva, 1998), bem como de características adaptativas das espécies daninhas (Eberhardt et al., 1999). Mudanças no desenvolvimento das plantas devido ao efeito competitivo podem ocorrer em estádios precoces de desenvolvimento, pois há habilidade em perceber precocemente alterações no comprimento de onda luminosa resultantes da presença de plantas na vizinhança (Radosevich et al., 1997; Almeida, 1998).

Dezenas de milhares de compostos secundários de plantas já foram isolados e estimase que centenas de milhares existam na natureza. Há evidências de que a maioria dos metabólitos secundários liberados pelas plantas esteja envolvida em interações com outros organismos, como outras plantas, insetos, fungos e herbívoros, ou seja, apresentam potencial para exercer alelopatia em agroecossistemas (Duke, 1986). Existe forte relação de dependência entre a produção destes metabólitos e as condições de ambiente (Einhellig, 1996), o que dificulta a interpretação de resultados a campo. O conhecimento das potencialidades alelopáticas de culturas pode ser utilizado em benefício do controle de plantas daninhas. A atividade alelopática de plantas de sorgo pode estar relacionada a compostos de natureza tanto hidrofóbica quanto hidrofílica.

Raízes de diferentes espécies de sorgo (Sorghum bicolor, Sorghum vulgare, Sorghum sudanense e Sorghum halepense) exsudam várias benzoquinonas de cadeias longas com elevado potencial alelopático (Netzly & Butler, 1986). O composto hidrofóbico sorgoleone, a principal destas benzoquinonas, é exsudado por raízes vivas (Fate et al., 1990) e representa 90% ou mais dos extratos radiculares extraídos com solventes hidrofóbicos (Nimbal et al., 1996). Em experimentos conduzidos em laboratório e casa de vegetação, sorgoleone inibiu o desenvolvimento de espécies como Eragrostis tef, Lemna minor, Lactuca sativa e Amaranthus retroflexus, mas não afetou o desenvolvimento de Sorghum bicolor, Ipomoea purpurea e Abutilon theophrasti (Netzly et al., 1988; Einhellig & Souza, 1992; Nimbal et al., 1996). O sorgoleone é um potente inibidor da respiração mitocondrial (Rasmussen et al., 1992) e também do transporte de elétrons no fotossistema II, atuando competitivamente no mesmo local de ação de herbicidas como atrazine e diuron (Einhellig et al., 1993; Nimbal et al., 1996; Gonzalez et al., 1997).

Existe variação na produção de sorgoleone entre genótipos de sorgo (Hess et al., 1992; Nimbal et al., 1996; Rodrigues et al., 2001) e entre condições de ambiente (Hess et al., 1992). Variações consideráveis na produção de compostos de natureza hidrofílica, como dos ácidos fenólicos, como os ácidos ferúlico, vanílico, siríngico, p-hidroxibenzóico e, especialmente, p-cumárico, também foram encontradas em tecidos vegetais e no solo (Guenzi & McCalla, 1966; Nicollier et al., 1983; Ben-Hammouda et al., 1995; Weston et al., 1999).

O potencial das substâncias alelopáticas pode ser melhor avaliado sob condição de campo (Inderjit & Weston, 2000), onde estão sujeitas aos processos de retenção, transporte e transformação, que determinam sua dinâmica no solo (Cheng, 1992). Embora o sorgoleone migre das raízes para o solo (Netzly et al., 1988), é provável que, em função de sua elevada hidrofobicidade, a ação desse composto fique restrita à área próxima das plantas liberadoras. A concentração de ácidos fenólicos encontrada no solo muitas vezes é considerada abaixo da necessária para produzir atividade biológica em laboratório (Dalton, 1999). Desconsidera-se, nesse caso, a possibilidade de ocorrer sinergismo (Einhellig, 1996) entre compostos alelopáticos e também de existir gradiente de concentração decrescente à medida que se afasta e crescente à medida que se aproxima das plantas liberadoras, o que poderia resultar em influência sobre a atividade biológica em plantas daninhas.

O objetivo deste trabalho foi determinar os efeitos de plantas vivas de genótipos de sorgo com capacidade distinta de produção de extratos radiculares hidrofóbicos sobre a supressão de plantas daninhas em campo.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram realizados dois experimentos a campo, na Estação Experimental Agronômica (EEA) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), nos períodos 1999/2000 e 2000/2001. O solo do local pertence à unidade de mapeamento São Jerônimo, sendo classificado como areno-argiloso (Argissolo Vermelho Distrófico típico) (Streck et al., 1999). As principais características do solo utilizado encontram-se referidas na Tabela 1. Utilizouse o delineamento de blocos ao acaso, com quatro repetições.

Em 1999/2000 e em 2000/2001, cada unidade experimental apresentou, respectivamente, 32 (2 x 16 m) e 16 m2 (4 x 4 m). Os tratamentos foram compostos pelos genótipos de sorgo RS 11, BR 601 e BR 304, representantes, respectivamente, das classes inferior, intermediária e superior de produção do aleloquímico sorgoleone (Trezzi et al., 2002); pelo genótipo de milheto Comum RS, espécie que não produz sorgoleone; e por uma testemunha sem culturas. As semeaduras foram realizadas em 16/11/99 e 31/10/2000; no primeiro experimento, sobre cobertura de plantas de ervilhaca, e no segundo, sobre cobertura de plantas daninhas que se desenvolveram no local, ambas dessecadas previamente com 720 g ha-1 de glyphosate. Utilizaram-se sementes visando o estabelecimento de 1.200.000 plantas ha-1, para cada genótipo de sorgo, e de 4.000.000 plantas.ha-1 de milheto. Os experimentos foram realizados durante os primeiros 48 (1999/2000) ou 63 dias (2000/2001) após a semeadura (estádios V7 ou V6, respectivamente, em sorgo ou milheto).

Aos 30 dias após a semeadura, em 1999/2000, e aos 14 dias após a semeadura, em 2000/2001, efetuou-se contagem e identificação das espécies daninhas em uma área de 0,175 m2 (0,45 x 0,39 m), com distinção de linha (0,06 m2) e entrelinha (0,115 m2) da cultura apenas em 2000/2001. Neste período efetuou-se também a contagem das plantas de sorgo efetivamente emergidas na linha de semeadura. As plantas daninhas foram secadas em estufa a 60 ºC, para determinação da massa seca. Para comparação da densidade populacional e massa seca de plantas daninhas entre médias de tratamentos, utilizou-se o teste da diferença mínima significativa (DMS), após os dados serem submetidos à análise de variância. Procedeu-se, também, à análise de correlação entre população de plantas daninhas e densidade de plantas de sorgo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O experimento conduzido no primeiro ano experimental (1999/2000) permitiu avaliar a infestação global de plantas daninhas, sem distinção de ocorrência nas linhas e entrelinhas. As espécies daninhas predominantes foram Brachiaria plantaginea (BRAPL) e Sida rhombifolia (SIDRH). Foi testada a hipótese de haver infestação e crescimento diferenciado destas espécies, em função da produção de extratos hidrofóbicos, comparando-se a densidade e o crescimento de plantas daninhas a campo entre os diferentes genótipos de sorgo e entre estes e o do milheto, espécie que não produz sorgoleone.

A densidade e o crescimento de plantas daninhas (SIDRH e BRAPL) foram semelhantes entre os genótipos de sorgo e entre estes e o do milheto, indicando ausência de efeito supressor de exsudatos hidrofóbicos (Tabela 2). No entanto, observaram-se reduções de 41% de infestação e de 74% de massa seca total de plantas daninhas, comparando-se as áreas cobertas com culturas à testemunha descoberta (Tabela 2).

O experimento conduzido no segundo ano experimental (2000/2001) permitiu avaliar as diferenças de infestação de plantas daninhas posicionadas nas linhas e entrelinhas das culturas, aos 14 dias após a semeadura destas. A interação entre os fatores genótipos/espécies e posições das plantas daninhas em relação às linhas da cultura foi significativa para as infestações de BRAPL, Bidens sp. (BIDSS) e total de plantas daninhas, mas não para as populações de SIDRH (Tabela 3). As infestações de BRAPL, SIDRH e BIDSS presentes nas linhas ou nas entrelinhas de semeadura não diferiram entre os genótipos de sorgo e milheto. A variabilidade da infestação natural de plantas daninhas na área pode ter impedido a identificação de diferenças de infestação por espécie. No entanto, nas linhas de semeadura, para o genótipo BR 601 de sorgo ocorreu menor infestação total do que nos outros dois genótipos de sorgo e, também, em relação à testemunha (Tabela 3). Nas entrelinhas da cultura não se verificaram diferenças entre os genótipos de sorgo e de milheto.

Verificou-se correlação negativa (r = - 0,92) entre o número total de plantas cultivadas em genótipos de sorgo e o número de plantas daninhas nas linhas de semeadura. Como o número de plantas do cultivar de sorgo BR 304 nas linhas é inferior aos verificados nos genótipos BR 601 e RS 11 e no cultivar de milheto (Tabela 4), admite-se que a relação entre populações de plantas cultivadas e daninhas nas linhas de semeadura possa ter aumentado a densidade de plantas daninhas do genótipo BR 304, em relação aos demais genótipos de sorgo.

Alelopatia e competição poderiam estar envolvidas no fenômeno relatado anteriormente. Sorgoleone é o principal exsudato hidrofóbico de raízes de sorgo (Netzley & Butler, 1986), embora se desconheça exatamente qual a sua taxa de liberação pelas raízes. A baixa mobilidade de sorgoleone no solo, devido à ausência de solubilidade em água (Netzly & Butler, 1986) e, possivelmente, à elevada adsorção aos colóides do solo (Hess et al., 1992), limita consideravelmente a possibilidade de absorção desse composto pelas plantas. Sua liberação em local próximo de absorção e/ou o contato entre raízes de plantas de sorgo e raízes de plantas daninhas poderiam ser maneiras de produzir efeitos alelopáticos. Populações maiores de plantas liberadoras de substâncias alelopáticas aumentariam a chance de absorção de sorgoleone por plantas daninhas. Dessa forma, é possível que a menor população de plantas do genótipo BR 304 nas linhas de semeadura tenha resultado em maior população de plantas daninhas. Como conseqüência disso, maior população de plantas daninhas poderia reduzir a disponibilidade de substâncias alelopáticas no meio para gerar efeito alelopático (Weidenhamer et al., 1989).

Efeitos reduzidos sobre plantas daninhas nas entrelinhas das culturas são atribuídos a compostos com baixa mobilidade no solo, fato observado apenas com populações de BIDSS nas entrelinhas de milheto (Tabela 3). No entanto, deve-se considerar que outros fatores, como o revolvimento diferencial do solo em linhas e entrelinhas, podem influenciar a emergência de plantas daninhas. O fato de o genótipo BR 304 apresentar maior infestação de plantas daninhas nas linhas (Tabela 3), embora dele se obtivesse alta quantidade de sorgoleone por extração com solvente (Trezzi et al., 2002), pode significar que, para esta substância especificamente, a proximidade entre sistemas radiculares seja mais importante que as diferenças de produção de substâncias alelopáticas entre genótipos, ou que a extração com solventes em laboratório (Trezzi et al., 2002) não forneça estimativa adequada das quantidades exsudadas pelas raízes. Como o milheto não produz sorgoleone, mas também reduziu a população total de plantas daninhas nas linhas de semeadura, em relação a BR 304 (Tabela 3), é possível que essa espécie produza outras substâncias alelopáticas capazes de inibir o desenvolvimento de plantas daninhas. Não está afastada, também, a possibilidade de que os genótipos de sorgo produzam outras substâncias alelopáticas que não sorgoleone, as quais poderiam resultar em desenvolvimento diferencial de plantas daninhas nas linhas de semeadura.

A competição por recursos do meio também pode justificar densidades de plantas daninhas mais elevadas em genótipos de plantas cultivadas com menor população. As plantas são hábeis em perceber precocemente alterações no comprimento de onda luminosa resultantes da presença de plantas na vizinhança, desencadeando, dessa forma, mudanças em seu desenvolvimento (Radosevich et al., 1997; Almeida, 1998). No entanto, é pouco provável que a população de plantas seja modificada tão precocemente (aos 14 dias após a semeadura da cultura) pela interferência competitiva.

Os resultados indicam que a produção diferencial de extratos radiculares hidrofóbicos por genótipos de sorgo, determinada em trabalho em laboratório, não se relaciona à densidade de plantas e ao desenvolvimento de Brachiaria plantaginea e Sida rhombifolia em condição de campo. Demonstram, também, que a densidade total de plantas daninhas nas linhas de semeadura relaciona-se inversamente com a população de plantas de sorgo cultivadas neste local, embora ela não mostre efeito sobre a população de plantas daninhas nas entrelinhas.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em 29.10.2003 e na forma revisada em 18.6.2004

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2004
  • Data do Fascículo
    Jun 2004

Histórico

  • Revisado
    18 Jun 2004
  • Recebido
    29 Out 2003
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