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Desempenho de populações híbridas F2 de arroz-vermelho (Oryza sativa) com arroz transgênico (O. sativa) resistente ao herbicida amonio-glufosinate

Performance of F2 hybrid populations of red rice (Oryza sativa) with ammonium-glufosinate-resistant transgenic rice (O. sativa)

Resumos

O arroz-vermelho e o arroz-preto constituem-se nas principais plantas daninhas infestantes da cultura de arroz irrigado, devido à dificuldade de controle seletivo desta espécie em lavouras comerciais. A utilização de cultivares geneticamente modificados resistentes a herbicidas não-seletivos constitui uma alternativa de controle do arroz-vermelho e arroz-preto em arroz irrigado. O objetivo deste trabalho foi avaliar o comportamento de populações híbridas F2 originárias do cruzamento entre o arroz transgênico resistente ao herbicida glufosinato de amônio (arroz GM) e o arroz-vermelho ou arroz-preto. As populações híbridas F2 resultantes do cruzamento entre o arroz transgênico e o arroz-vermelho e preto são viáveis, mas não apresentam vantagem competitiva aparente em comparação com o arroz-vermelho e arroz-preto não-hibridizado, respectivamente. Nas populações híbridas F2, as características morfológicas, como capacidade de perfilhamento, número de folhas produzidas e estatura média das plantas, foram em parte reduzidas e em parte não foram afetadas pela introgressão do gene BAR. A duração média do período entre o transplante e 50% da fase de floração aumentou nos híbridos F2 entre arroz-vermelho e arroz GM, comparado com os parentais arroz-vermelho e arroz GM. Nos híbridos com arroz-preto, observou-se o contrário: as plantas reduziram o ciclo médio em relação a este. O degrane natural médio observado nos quatro cruzamentos foi inferior ao apresentado pelos dois parentais (arroz-vermelho e arroz-preto)-aspecto este também desfavorável à persistência do arroz-vermelho no ambiente. A esterilidade média de espiguetas aumentou e a produção de sementes viáveis foi inferior ou no máximo similar àquela observada no arroz-vermelho e no arroz-preto. A dormência de sementes foi pouco afetada, quando comparadas as populações híbridas F2 portadoras do gene BAR com os parentais arroz-vermelho e arroz-preto. Mesmo assim, os usuários dessa tecnologia deverão adotar, obrigatoriamente, medidas que evitem a possibilidade de cruzamento entre o arroz transgênico e o arroz-vermelho ou arroz-preto.

arroz geneticamente modificado; arroz-preto; arroz-daninho; gene BAR; Liberty Link; resistência a herbicidas; adaptabilidade


Red rice is an important weed in paddy rice fields. The use of ammonium glufosinate - resistant genetically modified (GM) rice cultivars is a viable alternative for controlling red rice in cultivated rice crops. The objective of this study was to evaluate the behavior of F2 hybrid population derivates of crossing between ammonium glufosinate - resistant GM rice and red rice. The F2 hybrid population derivates of crossing between GM rice and red rice are viable but do not present any apparent competitive advantage over red rice. The morphological characteristics of the F2 hybrid populations, such as tillering capacity, number of leaves produced and average plant height were partly reduced and partly unaffected by the introgression of the bar gene. The period between rice planting and 50% flowering increased in the red rice x GM rice F2 hybrids, compared to the parental red rice and GM rice. Average seed shattering rate in the four hybrid families was lower than in the red rice ecotypes, with such aspect also being unfavorable to the persistence of red rice in the environment. Seed dormancy of the hybrids was similar to that of the red rice ecotypes. However, management practices should be adopted to avoid crossing between transgenic rice and red rice.

Genetically modified (GM) rice; weedy rice; bar gene; Liberty Link; herbicide resistance; adaptability


ARTIGOS

Desempenho de populações híbridas F2 de arroz-vermelho (Oryza sativa) com arroz transgênico (O. sativa) resistente ao herbicida amonio-glufosinate

Performance of F2 hybrid populations of red rice (Oryza sativa) with ammonium-glufosinate–resistant transgenic rice (O. sativa)

Noldin, J.A.I; Yokoyama, S.II; Stuker, H.II; Rampelotti, F.T.III; Gonçalves, M.I.F.III; Eberhardt, D.S.IV; Abreu, A.V; Antunes, P.VI; Vieira, J.VII

IEng.-Agr., Ph.D., Pesquisador da Epagri, Estação Experimental de Itajaí, Caixa Postal 277, 88301-970 Itajaí-SC, <noldin@epagri.rct-sc.br>

IIEng.-Agr., Dr., Pesquisadores da Epagri, Estação Experimental de Itajaí

IIIBióloga, Epagri, Estação Experimental de Itajaí

IVEng.-Agr., M.S., Pesquisador da Epagri, Estação Experimental de Itajaí

VEng.-Agr., Bayer Seeds, Av. Maria Coelho Aguiar, 215, 05804-902 São Paulo-SP

VIEng.-Agrônoma, Piracicaba-SP

VIIEstudante de Biologia/Biotecnologia, Univali, Itajaí-SC

RESUMO

O arroz-vermelho e o arroz-preto constituem-se nas principais plantas daninhas infestantes da cultura de arroz irrigado, devido à dificuldade de controle seletivo desta espécie em lavouras comerciais. A utilização de cultivares geneticamente modificados resistentes a herbicidas não-seletivos constitui uma alternativa de controle do arroz-vermelho e arroz-preto em arroz irrigado. O objetivo deste trabalho foi avaliar o comportamento de populações híbridas F2 originárias do cruzamento entre o arroz transgênico resistente ao herbicida glufosinato de amônio (arroz GM) e o arroz-vermelho ou arroz-preto. As populações híbridas F2 resultantes do cruzamento entre o arroz transgênico e o arroz-vermelho e preto são viáveis, mas não apresentam vantagem competitiva aparente em comparação com o arroz-vermelho e arroz-preto não-hibridizado, respectivamente. Nas populações híbridas F2, as características morfológicas, como capacidade de perfilhamento, número de folhas produzidas e estatura média das plantas, foram em parte reduzidas e em parte não foram afetadas pela introgressão do gene BAR. A duração média do período entre o transplante e 50% da fase de floração aumentou nos híbridos F2 entre arroz-vermelho e arroz GM, comparado com os parentais arroz-vermelho e arroz GM. Nos híbridos com arroz-preto, observou-se o contrário: as plantas reduziram o ciclo médio em relação a este. O degrane natural médio observado nos quatro cruzamentos foi inferior ao apresentado pelos dois parentais (arroz-vermelho e arroz-preto)–aspecto este também desfavorável à persistência do arroz-vermelho no ambiente. A esterilidade média de espiguetas aumentou e a produção de sementes viáveis foi inferior ou no máximo similar àquela observada no arroz-vermelho e no arroz-preto. A dormência de sementes foi pouco afetada, quando comparadas as populações híbridas F2 portadoras do gene BAR com os parentais arroz-vermelho e arroz-preto. Mesmo assim, os usuários dessa tecnologia deverão adotar, obrigatoriamente, medidas que evitem a possibilidade de cruzamento entre o arroz transgênico e o arroz-vermelho ou arroz-preto.

Palavras-chave: arroz geneticamente modificado, arroz-preto, arroz-daninho, gene BAR, Liberty Link, resistência a herbicidas, adaptabilidade.

ABSTRACT

Red rice is an important weed in paddy rice fields. The use of ammonium glufosinate - resistant genetically modified (GM) rice cultivars is a viable alternative for controlling red rice in cultivated rice crops. The objective of this study was to evaluate the behavior of F2 hybrid population derivates of crossing between ammonium glufosinate - resistant GM rice and red rice. The F2 hybrid population derivates of crossing between GM rice and red rice are viable but do not present any apparent competitive advantage over red rice. The morphological characteristics of the F2 hybrid populations, such as tillering capacity, number of leaves produced and average plant height were partly reduced and partly unaffected by the introgression of the bar gene. The period between rice planting and 50% flowering increased in the red rice x GM rice F2 hybrids, compared to the parental red rice and GM rice. Average seed shattering rate in the four hybrid families was lower than in the red rice ecotypes, with such aspect also being unfavorable to the persistence of red rice in the environment. Seed dormancy of the hybrids was similar to that of the red rice ecotypes. However, management practices should be adopted to avoid crossing between transgenic rice and red rice.

Key words: Genetically modified (GM) rice, weedy rice, bar gene, Liberty Link, herbicide resistance, adaptability.

INTRODUÇÃO

O arroz-vermelho é uma planta daninha que causa elevados prejuízos ao arroz irrigado em várias regiões produtoras (Souza & Fisher, 1986; Dunand, 1988; Montealegre & Vargas, 1989; Pantone & Baker, 1991; Noldin, 2000). As populações de arroz-vermelho são bastante variáveis com relação às características das plantas, bem como às dos grãos, e são agrupadas de acordo com as características das sementes: os ecótipos que apresentam sementes com glumas de cor palha, marrom ou amarelada são chamados de arroz-vermelho, enquanto os ecótipos cujas sementes apresentam glumas de cor escura ou preta são conhecidos como arroz-preto (Noldin et al., 1999a; Vaughan et al., 2001). O arroz-vermelho é indesejável para os produtores porque compete com o arroz comercial, reduzindo a produtividade das lavouras; sua mistura com arroz-branco pode reduzir o preço de comercialização; há aumento dos custos de produção devido ao custo das práticas adicionais de controle adotadas pelo produtor; e as sementes de arroz-vermelho podem permanecer viáveis no solo por longo período de tempo (Noldin, 1995; Noldin et al., 2002a) – conseqüentemente, uma vez que a área é infestada, torna-se difícil a sua erradicação.

Até recentemente, a literatura reportava o arroz-vermelho infestante das lavouras de arroz irrigado no Brasil e outros países americanos como pertencente à mesma espécie do arroz comercial, Oryza sativa (Hoagland, 1978). Trabalhos recentes realizados com o auxílio de marcadores moleculares relatam que, em áreas de produção de arroz irrigado nos estados de Arkansas, Louisiana, Mississipi e Texas, também foram identificados ecótipos de arrozvermelho com características de O. nivara e O. rufipogon (Vaughan et al., 2001).

O principal mecanismo de disseminação do arroz-vermelho ocorre pelo uso de sementes de arroz contendo sementes da planta daninha (Noldin et al., 1997). Dentre as dificuldades de controle em áreas infestadas, destacam-se a elevada capacidade de degrane natural e o elevado grau de dormência das sementes do arroz-vermelho (Noldin et al., 1999a).

O controle do arroz-vermelho em lavouras infestadas somente pode ser feito com a utilização de um conjunto integrado de práticas (Noldin, 1988, 2000), que incluem o uso de sementes puras e de sistema de semeadura com sementes pré-germinadas, transplantio e medidas de controle a serem adotadas antes da implantação da lavoura, como preparo do solo na entressafra e adoção do sistema de cultivo mínimo.

Na década de 1990, com o desenvolvimento da engenharia genética, surgiu a possibilidade do uso de cultivares de arroz geneticamente modificado (arroz GM), transformados para resistência a herbicidas não-seletivos, como o amônio-glufosinate ([amônio-DL-homoalanina-4-il(metil)] fosfinato), ingrediente ativo das marcas comerciais Basta, Finale e Liberty.

A resistência em plantas ao herbicida amônio-glufosinate é obtida através da incorporação do gene de resistência conhecido como bialophos resistence (BAR) ou o gene de resistência para phosphinothricin acetyltransferase (PAT) (Drodge et al., 1992). Entre as culturas comerciais nas quais a resistência ao herbicida amônio-glufosinate foi inserida estão a soja e o milho (Ritter & Menbere, 2001), bem como o arroz, pois o uso dessa tecnologia pelos orizicultores permitiria o controle seletivo do arroz-vermelho em áreas plantadas com cultivares resistentes (Linscombe & Jodari, 1996; Sankula et al., 1997, 1998; Pinto et al., 2000; Andres et al., 2000), apesar de Noldin et al. (1999b) terem identificado elevado grau de tolerância ao herbicida amônio-glufosinate em um ecótipo de arroz-preto oriundo de lavouras do Texas, Estados Unidos.

Cruzamentos recíprocos de dois cultivares de arroz transgênicos com um ecótipo de arroz- vermelho, realizados para determinar a natureza da herança da resistência ao herbicida amônio-glufosinate, evidenciaram que a expressão do gene BAR é monogênica e por interação alélica de dominância completa, pois todas as plantas da geração F1 foram resistentes e a segregação observada em todas as famílias F2 foi de 3:1, ou seja, três plantas resistentes para uma planta suscetível (Sankula et al., 1998).

A maioria das populações de arroz-vermelho que infestam as áreas de arroz irrigado apresenta parentesco próximo com o arroz cultivado; diversos trabalhos têm mostrado que o arroz-vermelho pode ser cruzado naturalmente com o arroz cultivado, produzindo híbridos que poderiam incorporar características de ambos, aumentando a sua agressividade como planta daninha (Galli et al., 1980; Noldin et al., 2002b). Apesar de o arroz ser uma planta autógama, a literatura menciona a ocorrência de fecundação cruzada, ao redor de 1% (Jodon, 1959), variando em função do ambiente e dos genótipos envolvidos (Jachuck & Sampath, 1966), tendo sido relatadas taxas de cruzamento superiores a 50% (Langevin et al., 1990). Trabalhos recentes, desenvolvidos com o objetivo de avaliar o fluxo gênico entre o arroz transgênico e o arroz comercial não-transgênico, mostraram que ocorre fluxo gênico entre o arroz-vermelho e o arroz transgênico quando cultivados lado a lado ou em distâncias curtas (Sanders et al., 1998; Messeguer et al., 2001; Noldin et al., 2002b). Sob condições de plena sincronia na floração entre a planta daninha e o arroz GM e considerando este arroz como doador ou receptor de pólen, os autores reportaram taxas de cruzamento que variaram de 0,02 a 0,26% (Noldin et al., 2002b). Messeguer et al. (2001) detectaram taxas de fluxo gênico entre o arroz transgênico e o não-transgênico levemente inferiores a 0,1% em parcelas localizadas lado a lado. Assim, qualquer gene alienígena introduzido em cultivares comerciais de arroz poderá em curto espaço de tempo ser incorporado ao complexo de arroz-vermelho infestante das lavouras comerciais, através do fluxo de pólen dos cultivares geneticamente modificados (Olofsdotter et al., 2000). Para isso, é necessária a avaliação do comportamento dos híbridos resultantes, visando gerar conhecimento sobre possíveis alterações nas características das plantas híbridas originárias do cruzamento entre o arroz transgênico e o arroz-vermelho.

Estudos recentes desenvolvidos nos Estados Unidos evidenciaram que a introgressão do gene BAR em plantas de arroz-vermelho através de hibridação controlada em arroz transgênico resistente ao herbicida amônio-glufosinate não alterou a adaptabilidade dos híbridos para características como dormência ou produção de sementes (Oard et al., 2000).

Além disso, há que se considerar o fato de que, no caso do arroz GM resistente a herbicidas, a duração da tecnologia no campo estará na dependência da rapidez com que o gene de resistência será incorporado ao arroz-vermelho, rapidez esta dependente, entre outros fatores, da herança do caráter, dos possíveis efeitos pleiotrópicos que o gene terá nas populações daninhas, da adaptabilidade destes híbridos e das práticas de manejo adotadas pelos agricultores.

O presente trabalho teve como objetivo avaliar o comportamento de populações híbridas, geração F2, originárias do cruzamento entre o arroz transgênico resistente ao herbicida amônio-glufosinate (arroz GM) e o arroz-vermelho e arroz-preto.

MATERIAL E MÉTODOS

O trabalho foi desenvolvido em três etapas no período de 1998 até 2001, todas conduzidas segundo as normas de biossegurança previstas na legislação brasileira. A etapa 1 foi desenvolvida na Estação Experimental da Agrevo, em Cosmópolis-SP, e as etapas 2 e 3 foram desenvolvidas na Epagri, Estação Experimental de Itajaí-SC.

Hibridação controlada (etapa 1). Na safra 1998/99, foi realizado o cruzamento entre dois ecótipos de arroz-vermelho (arroz-vermelho e arroz-preto), um cultivar de arroz comercial (Epagri 108), uma linhagem de arroz transformada para resistência ao herbicida amônio-glufosinate através da inserção do gene BAR (arroz GM) e o cultivar original Bengal, que deu origem ao arroz GM. Os cruzamentos foram realizados manualmente, com o progenitor feminino no estádio de pré-emissão da panícula, conforme recomendado para a espécie. Determinou-se o número de sementes obtidas em cada cruzamento.

Geração F1 (etapa 2). As sementes F1 foram germinadas em condições controladas e as plântulas obtidas transplantadas individualmente em vasos com capacidade para três litros de solo, mantidos em casa de vegetação durante todo o ciclo. As panículas, colhidas de cada planta individualmente, deram origem a uma progênie.

Geração F2 (etapa 3). Devido à limitada disponibilidade de espaço na casa de vegetação para a avaliação de todas as populações híbridas e respectivas progênies, foram selecionados apenas quatro cruzamentos para a terceira etapa do trabalho, ou seja, aqueles que envolviam o arroz GM com o arroz-vermelho ou arroz-preto, tanto como parental feminino ou masculino. Para cada cruzamento, foram utilizadas oito progênies e, de cada uma destas, 18 plantas.

Sementes foram pré-germinadas em caixas "gerbox" em estufa e cinco sementes foram semeadas em vasos com capacidade para três litros de solo. No estádio de duas a três folhas foi efetuado o desbaste, deixando-se apenas uma planta por vaso.

As determinações efetuadas foram: datas de emissão da terceira e sexta folha, início do perfilhamento, início da floração, 50% da floração, floração plena e teste de resistência ao herbicida amônio-glufosinate, por meio do pincelamento com solução 1% do herbicida Liberty Link em uma folha previamente demarcada em um dos perfilhos de cada uma das plantas. O número total de folhas por plantas foi determinado através da demarcação periódica das folhas emitidas, e a contagem final foi feita por ocasião da emissão da folha bandeira. A estatura de plantas foi medida desde o nível do solo até o ápice da panícula, sendo efetuada a contagem do número de perfilhos por planta. O degrane das sementes na panícula foi determinado próximo do ponto de colheita, utilizando a escala proposta pelo Irri (1976).

As panículas de cada planta F2 foram colhidas individualmente, no período compreendido entre os meses de dezembro de 2000 e abril de 2001. Após a colheita de todas as plantas, foi efetuado o corte dos colmos a uma altura de 10 cm do solo, o que propiciou o rebrote e a colheita de panículas adicionais, permitindo assim a realização de testes de dormência imediatamente após a colheita.

As determinações efetuadas após a colheita foram número de espiguetas cheias e vazias por panícula, peso de mil grãos e teste de germinação, dormência e viabilidade, realizado em maio de 2002. A esterilidade de espiguetas foi calculada dividindo-se o número de espiguetas vazias pelo número de espiguetas cheias. Como ocorreu grande variabilidade em épocas de colheita e na quantidade de sementes produzidas por panícula e/ou por planta, os testes de germinação e dormência foram realizados com sementes oriundas de colheitas realizadas num período de 30 dias: 10 de janeiro a 10 de fevereiro de 2001. Essa determinação foi efetuada em sementes colhidas em seis plantas de cada progênie; para cada planta foram avaliadas três amostras com 25 sementes, perfazendo 18 repetições. Uma segunda avaliação de germinação e dormência foi feita com sementes colhidas do rebrote – para este caso, foi possível a avaliação imediatamente após a colheita e aos 30 dias. Nesta avaliação foram incluídas sementes, colhidas no mesmo estádio de maturação, de três plantas de cada progênie. Para os parentais, também foram avaliadas sementes colhidas de três plantas. Os testes foram conduzidos com três amostras de 10 sementes, perfazendo nove repetições.

As características avaliadas foram submetidas à análise de variância com delineamento inteiramente casualizado, sendo as repetições assim constituídas: para os quatro genótipos parentais e o cultivar Epagri 108, 18 repetições; e para as quatro populações híbridas F2, oito repetições, formadas pelas médias das oito progênies. As médias foram comparadas pelo teste de Duncan em nível de 5% de probabilidade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Hibridação controlada (etapa 1)

Inicialmente, havia sido prevista a efetivação de 20 cruzamentos, porém alguns não foram realizados por não ter ocorrido coincidência de floração entre os genótipos. O número variável de sementes F1 obtidas em cada cruzamento sugere que pode haver diferenças de compatibilidade entre os genótipos estudados (Tabela 1). Comparando o número de sementes produzidas nos cruzamentos que envolveram o arroz GM, verifica-se que maior número delas foi produzido sempre que este arroz foi usado como parental masculino. Nesse sentido, o maior número de sementes foi obtido no cruzamento entre o cultivar Bengal (parental feminino) e o arroz GM, indicando boa compatibilidade entre ambos, provavelmente devido à similaridade genética. O número de sementes produzidas nos cruzamentos que envolveram o arroz-vermelho e o arroz GM mostra que, também neste caso, ocorre boa compatibilidade entre estes tipos de arroz e que, na lavoura, não haveria problemas de compatibilidade genética para ocorrer fluxo gênico do arroz GM para o arroz-vermelho. Nos cruzamentos envolvendo o arroz-vermelho com os cultivares comerciais não-portadores do gene BAR (Epagri 108 e Bengal) ocorreu reduzido número de sementes formadas, exceto no cruzamento arroz-preto/Epagri 108. Possivelmente, há maior compatibilidade do arroz GM com o arroz-vermelho, pois o número total de sementes formadas nos quatro cruzamentos envolvendo estes parentais (193 sementes) foi bem maior que o número total de sementes originadas dos quatro cruzamentos entre o arroz-vermelho e o cultivar Epagri 108 (34 sementes). Ressalta-se, entretanto, que esses resultados podem ter sido influenciados por diferenças de ciclos/floração entre os genótipos.

Geração F1 (etapa 2)

O desenvolvimento das plantas F1 foi normal, porém a produção de espiguetas férteis (sementes) foi baixa, tanto nos híbridos como nos parentais. Provavelmente isso tenha ocorrido porque durante algumas fases de desenvolvimento das plantas, especialmente na fase de diferenciação do primórdio floral e microsporogênese, ocorreram temperaturas superiores a 37ºC, consideradas prejudiciais à planta de arroz na fase reprodutiva (dados não apresentados). Normalmente, a hibridação entre parentais distantes, como no caso envolvendo o arroz comercial com o arroz-vermelho, pode resultar em altas taxas de esterilidade, fato este observado em algumas das progênies colhidas.

As panículas produzidas em cada uma das plantas F1 deram origem a uma progênie. A percentagem de formação de progênies, resultado da divisão do número de progênies obtidas pelo número de sementes F1 semeadas, variou de 12 a 66,7% (Tabela 1). Os maiores valores, 66,7 e 63,3%, foram observados no cruzamento 2 (arroz GM/arroz-preto) e no cruzamento 14 (Bengal/arroz-preto), respectivamente. Isso confirma as observações da etapa 1, sobre a alta compatibilidade genética entre arroz GM e arroz-preto. Dos 15 cruzamentos realizados e que originaram sementes F1, apenas dois (arroz-vermelho/Epagri 108 e Epagri 108/arroz-preto) não originaram descendentes.

Novamente a compatibilidade do arroz-vermelho e arroz-preto com o arroz GM evidencia-se pelo grande número total de progênies e percentagem total de progênies formadas nos quatro cruzamentos (69 progênies, 36%), ao contrário dos cruzamentos do arroz-vermelho com o cultivar comercial Epagri 108 (quatro progênies, 11%).

Geração F2 (etapa 3)

Germinação e dormência das sementes. Os resultados do teste de germinação realizado com as famílias e progênies selecionadas para a avaliação comparativa das populações F2 não evidenciaram diferenças significativas na germinação, dormência e viabilidade das sementes nos tratamentos com ou sem quebra de dormência (dados não apresentados). Possivelmente isso esteja associado ao período de tempo transcorrido, aproximadamente três meses, entre a colheita e a realização do teste. Nesse período, as sementes foram mantidas armazenadas em temperatura ambiente, no laboratório, condição esta favorável à superação da dormência em semente de arroz-vermelho e arroz (Noldin, 1995). Apenas duas progênies e o cultivar Bengal apresentaram germinação inferior a 80%. O percentual máximo de dormência apresentado pelas sementes foi de 2,7%, o qual não diferiu dos percentuais apresentados pelas sementes do ecótipo de arroz-vermelho e pelo cultivar Epagri 108, que foi de 0,7%. Os genótipos parentais (arroz-preto, arroz GM e Bengal) não apresentaram sementes dormentes. O cultivar Bengal apresentou o menor percentual de viabilidade de sementes, 70,7%. Para todos os demais os percentuais variaram de 79,3 a 98,7%.

Teste para verificação da resistência ao herbicida amônio-glufosinate. O pincelamento foliar permitiu a identificação das plantas portadoras do gene BAR para resistência ao herbicida amônio-glufosinate (Tabela 2). Todas as plantas de arroz GM foram resistentes, e todas as plantas dos genótipos Bengal, Epagri 108, arroz-vermelho e arroz-preto mostraram suscetibilidade ao herbicida. Entre as progênies F2, de um total de 136 plantas testadas em cada um dos cruzamentos, o percentual de plantas resistentes variou de aproximadamente 44% no cruzamento 5, arroz-vermelho/arroz GM, até um máximo de 73% no cruzamento recíproco, arroz GM/arroz-vermelho. De acordo com trabalhos anteriores, a proporção de segregação mais esperada na geração F2 seria de 3:1, ou seja, 3 plantas resistentes para cada planta suscetível – proporção apresentada nos cruzamentos 1 e 2 (Tabela 2). Reforçando a hipótese de a resistência ao herbicida amônio-glufosinate ser dominante, a maioria das plantas do cruzamento 6 mostrou-se resistente, porém apenas a hipótese de herança digênica pode ser aceita (proporção 9R:7S, p=0,05). Oard et al. (2000) também encontraram essa proporção de segregação em uma das populações F2 que avaliaram; segundo os autores, uma das possíveis explicações para este resultado seria a ocorrência de múltipla inserção do gene BAR no cultivar transgênico.

As segregações apresentadas pela maioria dos cruzamentos sugerem, portanto, que a herança da resistência ao herbicida amônio-glufosinate é controlada por dominância completa (cruzamentos 1, 2 e 6). Entretanto, o cruzamento 5 mostra um padrão de segregação anormal, pois a maioria das plantas foi suscetível (segregação 7R:9S), semelhante à segregação encontrada em duas das cinco populações F2 (arroz transgênico/arroz-vermelho) estudadas por Oard et al. (2000). A comparação dos resultados do cruzamento 5 com o cruzamento recíproco envolvendo o arroz-vermelho (cruzamento 1) induz à hipótese de que um efeito materno pode estar influenciando o padrão de segregação para a resistência ao herbicida. Esta hipótese também foi sugerida por Oard el al. (2000), que encontraram situação semelhante em populações F2 originadas de cruzamentos recíprocos envolvendo arroz transgênico e um ecótipo de arroz-vermelho. É importante lembrar que os resultados obtidos neste estudo precisam ser confirmados na geração F3, inclusive as hipóteses de dupla inserção do gene BAR e de ocorrência de efeito materno.

Duração dos períodos de desenvolvimento. A variação no período médio entre o transplante e a emissão da terceira folha foi inferior a dois dias, variando de 24 dias para o cultivar Epagri 108 a 25,5 dias para o cruzamento entre o arroz GM e o arroz-vermelho que emitiu a terceira folha em tempo superior tanto ao do arroz GM quanto ao do parental, o arroz-vermelho de onde se originou (Tabela 3). Os genótipos avaliados iniciaram o perfilhamento dos 33 aos 34,1 dias após o plantio.

A emissão da sexta folha ocorreu, em média, aos 44,6 dias, variando de 41,8 dias para o arroz GM até o máximo de 47,3 para as plantas do cruzamento arroz GM/arroz-vermelho. O período necessário para emissão da sexta folha foi estatisticamente menor no arroz GM que no arroz-preto (46,8 dias). Das quatro populações híbridas F2, apenas uma delas–a população originada do cruzamento arroz-preto/arroz GM–apresentou período de emissão da sexta folha estatisticamente igual ao do arroz GM. As outras três populações F2 emitiram a sexta folha no mesmo tempo que seu parental arroz-vermelho (arroz GM/AP e AV/arroz GM) ou demoraram mais tempo (arroz GM/AV).

A duração do período entre o transplante até a floração foi variável entre os cruzamentos e os outros genótipos (Tabela 3). O arroz GM e o cultivar Bengal foram os mais precoces, 96,1 e 98,4 dias, até o estádio de 50% da floração; o cultivar Epagri 108 apresentou a floração mais tardia (121,4 dias). As populações híbridas oriundas do cruzamento arroz GM/arroz-vermelho ou arroz-vermelho/arroz GM tenderam a apresentar ciclo mais longo que o dos parentais. A mesma tendência não foi observada nos cruzamentos que envolveram o arroz-preto com o arroz GM, onde as plantas de ambas as populações (arroz GM/AP e arroz-preto/arroz GM) apresentaram ciclos intermediários aos dos parentais. As populações resultantes dos cruzamentos arroz GM/AV, arroz GM/AP e AV/arroz GM mostraram maior variabilidade na duração do período até 50% da floração (Figura 1). O cruzamento arroz-preto/arroz GM mostrou comportamento similar ao do arroz GM, em que a maioria das plantas avaliadas alcançou 50% da floração num curto espaço de tempo.


Um aspecto interessante que deve ser considerado nos genótipos é a duração total do período de floração, pois isso tem implicações diretas no fluxo gênico entre os cultivares comerciais utilizados pelos agricultores e as populações de arroz-vermelho (Figura 1). Nesse sentido, o cultivar Epagri 108 foi o que apresentou o menor período (21 dias), e o cruzamento arroz-preto/arroz GM, a maior duração do período de floração, com 29,5 dias (Tabela 3). A duração do período total de floração das quatro populações híbridas e dos genótipos parentais foi de aproximadamente 30 dias (Figura 1), evidenciando que as populações F2 mantêm as possibilidades de cruzamento natural existentes entre o arroz comercial e o arroz-vermelho (Langevin et al., 1990; Noldin et al., 2002b; Olofsdotter et al., 2000).

Características morfológicas. As características morfológicas avaliadas foram o número de perfilhos por planta, o número total de folhas por planta e a estatura de plantas (Tabela 4). O arroz-vermelho e o arroz-preto produziram mais perfilhos por planta que os demais genótipos e cultivares avaliados. O número médio de perfilhos nas quatro populações híbridas F2 variou de 7,3 a 9,1 por planta. Duas populações F2 (AV/arroz GM e AP/arroz GM) mostraram número médio de perfilhos estatisticamente intermediário entre o arroz GM e o arroz-vermelho, e as outras duas populações (arroz GM/AV e arroz GM/AP) apresentaram o número de perfilhos estatisticamente igual ao do parental arroz GM e dos cultivares Bengal e Epagri 108. O cultivar comercial Epagri 108 (7,7 perfilhos por planta) destaca-se pela sua alta capacidade de perfilhamento em condições de lavoura.

O arroz-preto apresentou número médio de 12,9 folhas por planta, significativamente superior a todos os demais genótipos (Tabela 4 e Figura 2A), enquanto o arroz- vermelho e os cultivares arroz GM e Bengal apresentaram os menores números médios de folhas. Nos cruzamentos em que o arroz GM foi utilizado como progenitor masculino, o número médio de folhas foi similar ao do arroz GM das populações 5 e 6; nos outros cruzamentos, o número médio de folhas foi intermediário entre o arroz-preto e o arroz GM (populações 1 e 2). Os cruzamentos arroz GM/arroz-preto e arroz-vermelho/arroz GM mostraram maior variabilidade entre plantas quanto ao número de folhas produzidas (Figura 2A).


A estatura média das plantas variou significativamente entre os genótipos (Tabela 4 e Figura 2B). O arroz-vermelho e o arroz-preto apresentaram maior estatura (163,3 e 163,9 cm, respectivamente), enquanto o arroz GM apresentou o menor porte das plantas (97,6 cm). A estatura média das plantas das populações híbridas foi intermediária (132,6 a 154,3 cm) entre os parentais (arroz-vermelho, arroz-preto e arroz GM), com tendência, na maioria das populações híbridas, de este caráter aproximar-se das características dos parentais arroz-vermelho e arroz-preto. Além disso, nestas populações ocorreu maior variabilidade entre as plantas, por tratar-se de populações segregantes (Figura 2B). Plantas de maior estatura tendem a maior adaptabilidade e competitividade em condições de lavoura de arroz.

Degrane. O degrane ou debulha natural das sementes no estádio de maturação foi máximo para o arroz-vermelho e o arroz-preto, ou seja, nestes dois genótipos, 100% das panículas avaliadas apresentaram degrane máximo–nota igual a 9 (Figura 3). Por outro lado, os cultivares comerciais Bengal e Epagri 108 mostraram-se resistentes ao degrane–a maioria das panículas avaliadas apresentou nota 3. O arroz GM também apresentou resistência ao degrane, característica esta similar à do cultivar Bengal, do qual foi desenvolvido. Observou-se maior variabilidade no percentual de degrane entre populações híbridas, comparativamente à dos demais genótipos. No entanto, o maior percentual (aproximadamente 60 a 95%) das plantas de cada um dos quatro cruzamentos apresentou níveis de degrane igual a 7 ou 9, o que as classifica como suscetíveis à debulha natural após a maturação das sementes (Figura 3). Entre as populações, constata-se que as plantas oriundas dos cruzamentos com arroz-preto (arroz GM/AP e AP/arroz GM) – e onde o arroz GM foi o parental feminino e o arroz-vermelho o parental masculino (arroz GM/AV) – tenderam a ser mais degranadoras que as do cruzamento de arroz-vermelho/arroz GM. Merece destaque o fato de que um percentual superior a 40% das plantas oriundas do cruzamento AV/arroz GM apresentou notas de degrane igual a 3 ou 5, caracterizando-as como resistentes ou medianamente suscetíveis ao degrane natural. Populações de arroz-vermelho com maior resistência ao degrane terão menor adaptabilidade ecológica, e a tendência é de não se estabelecerem como planta daninha, pois elas serão colhidas junto com o arroz comercial e um baixo percentual de sementes é incorporado ao banco de sementes no solo.


Componentes de rendimento. A maior esterilidade (70,7%) foi observada no cruzamento arroz-vermelho/arroz GM (Tabela 4). Em geral, as quatro populações F2, o arroz GM e os dois cultivares comerciais apresentaram taxas de esterilidade extremamente altas, raramente observadas, especialmente em cultivares comerciais, como o Epagri 108 (Tabela 4). Por outro lado, para o arroz-vermelho e o arroz-preto, as taxas de esterilidade observadas–de 10,1 e 17,7%, respectivamente – podem ser consideradas normais para plantas de arroz. As altas taxas de esterilidade observadas neste estudo certamente podem ser parcialmente atribuídas às elevadas temperaturas observadas na casa de vegetação durante os meses de janeiro a março, período este coincidente com o período reprodutivo da maioria das plantas (dados não apresentados). Nesse período, em vários dias foram observadas temperaturas próximas ou superiores a 35 ºC, consideradas prejudiciais às plantas de arroz no período de fecundação e desenvolvimento das espiguetas (Satake, 1995). Merece destaque o fato de o arroz-vermelho e o arroz-preto terem apresentado baixas taxas de esterilidade nesse mesmo ambiente, podendo ser resultado de uma melhor adaptação a esta condição de estresse ambiental.

O arroz-vermelho destacou-se com o maior peso de grãos por panícula (3,1 g), resultado da baixa taxa de esterilidade e do maior tamanho das sementes, evidenciado pelo peso de mil sementes, significativamente superior ao de todos os demais genótipos. Comparativamente, observou-se que, em média, as quatro populações híbridas avaliadas produziram menor peso de sementes por panícula que os parentais arroz-vermelho, arroz-preto e arroz GM, exceto no caso do cruzamento arroz GM/arroz-preto, em que a produção de sementes foi similar à dos parentais arroz-preto e arroz GM.

Germinação e dormência pós-colheita. Na Tabela 5 são reportados os dados de germinação, dormência e viabilidade das sementes, avaliados três a quatro meses após a colheita. Observou-se que todos os genótipos apresentaram percentuais de germinação entre 84,3 e 98,0% - conseqüentemente, percentuais extremamente baixos de dormência (máximo de 2,1% para o cruzamento arroz GM/AV). O cultivar Bengal e o arroz GM apresentaram as menores percentagens de germinação, e o arroz-preto e o vermelho, as maiores. A percentagem de germinação das sementes nas populações híbridas F2 não se diferenciou significativamente daquela do cultivar Epagri 108. A exemplo do que foi observado na germinação, também foram constatadas diferenças entre arroz GM, arroz-vermelho e arroz-preto, populações de arroz GM/AP, AV/arroz GM e AP/arroz GM, com relação à viabilidade das sementes (Tabela 5). Os elevados percentuais de germinação e os baixos níveis de dormência observados nesta avaliação certamente foram resultado das condições favoráveis à quebra de dormência e germinação do arroz durante o período de armazenagem das sementes no laboratório, no período entre a colheita e a realização do teste.

O teste de germinação realizado por ocasião da colheita do rebrote mostrou elevado percentual de dormência nas sementes da maioria dos genótipos (Tabela 6). O cruzamento entre arroz GM e arroz-preto apresentou 82,9% de sementes dormentes na colheita, significativamente superior aos percentuais observados para os demais genótipos, exceto as plantas do cruzamento arroz-vermelho/arroz GM. A maioria dos genótipos apresentou percentual de viabilidade inferior a 80%, tanto na avaliação efetuada imediatamente após a colheita do rebrote como aos 30 dias, inclusive os cultivares Epagri 108 e Bengal. Provavelmente isso seja resultado do limitado desenvolvimento das sementes formadas pelo rebrote, cujo período de maturação dos grãos ocorreu no mês de abril. Aos 30 dias após a colheita, o percentual de dormência ainda era elevado (36,4 a 53,3%) entre as populações, sem diferenças significativas entre si, e o arroz-vermelho. Nesta avaliação, o arroz GM não mais apresentava sementes dormentes e o cultivar Bengal mostrava apenas 2% de sementes dormentes.

O desenvolvimento deste trabalho permitiu observar o comportamento de populações híbridas F2 originadas do cruzamento do arroz transgênico resistente ao herbicida amônio-glufosinate o arroz-vermelho e arroz-preto.

A duração média do período entre o transplante e 50% da fase de floração aumentou nos híbridos entre arroz-vermelho e arroz GM, comparado com os parentais arroz-vermelho e arroz GM. Nos híbridos com arroz-preto observou-se o contrário: as plantas dos cruzamentos arroz GM/AP e AP/arroz GM reduziram o ciclo médio em relação ao arroz-preto, mas apresentaram ciclo maior que o do arroz GM. Esta característica de maior precocidade no ambiente natural poderá favorecer a persistência destas populações no ambiente, pois, associada aos elevados percentuais de degrane natural antes da colheita do arroz comercial, favorece a alimentação do banco de sementes. No caso dos híbridos de arroz GM/arroz-vermelho, em que se observou alongamento do ciclo, estes tenderiam a desaparecer, pois poderiam ser colhidos juntos com os cultivares comerciais antes que produzissem sementes viáveis. O degrane natural médio observado nos quatro cruzamentos foi inferior ao apresentado pelos dois parentais (arroz-vermelho e arroz-preto), aspecto este também desfavorável para a persistência do arroz-vermelho e preto no ambiente. A esterilidade média de espiguetas aumentou e a produção de sementes viáveis foi inferior ou no máximo similar àquela observada no arroz-vermelho e no arroz-preto. A dormência de sementes, característica de importância na persistência e longevidade das sementes de arroz-vermelho e arroz-preto no ambiente natural, igualmente foi pouco afetada, comparada à das populações híbridas F2 portadoras do gene BAR com os parentais arroz-vermelho e arroz-preto.

Resultados obtidos em estudo conduzido em dois locais nos Estados Unidos (Louisiana e Arkansas) indicaram que populações híbridas resultantes do cruzamento entre o arroz GM resistente ao herbicida amônio-glufosinate e o arroz-vermelho não tiveram a adaptabilidade afetada, considerando os parâmetros como dormência e produção de sementes, os quais estão estreitamente relacionados com a capacidade reprodutiva das populações (Oard et al., 2000). Estudos conduzidos por 10 anos em 12 locais da Europa em que os pesquisadores avaliaram a capacidade de sobrevivência em ambiente natural de culturas transgênicas como colza e milho resistente ao amônio-glufosinate e beterraba- açucareira resistente ao herbicida glyphosate – mostraram que em nenhum dos casos as plantas transgênicas avaliadas foram mais invasivas ou persistentes no ambiente natural que as não-transformadas geneticamente (Crawley et al., 2001). No entanto, estudo de adaptabilidade realizado com híbridos F2 entre a cultura transgênica Brassica napus e a planta daninha Brassica rapa mostrou que a introgressão dos transgenes na espécie B. rapa reduziu a aptidão dos híbridos na segunda geração (Hauser et al., 1998a, b).

Os resultados obtidos neste trabalho evidenciam que a incorporação de características como o gene BAR para resistência ao herbicida amônio-glufosinate não contribuiu para alterar o comportamento dos híbridos de arroz-vermelho e arroz-preto, concordando com relatos de outros autores (Raybould & Gray, 1994; Crawley et al., 2001), de que a transferência do caráter resistência a herbicidas para silvestres possivelmente não resultará em vantagens competitivas para estas populações híbridas. Ressalta-se, no entanto, que neste experimento foram utilizados nos cruzamentos apenas dois ecótipos de arroz-vermelho, enquanto existem dezenas infestando lavouras de arroz irrigado, os quais apresentam grande variabilidade genética (Noldin et al., 1999a; Menezes et al., 2002). A transferência para o arroz-vermelho de outras características — como, por exemplo, a resistência a seca, pragas ou doenças — poderia resultar em vantagem competitiva para os híbridos portadores de tais características (Crawley et al., 2001).

Por outro lado, os resultados deste estudo mostram que os híbridos F2, resultantes do cruzamento entre o arroz portador do gene BAR para resistência ao herbicida amônio-glufosinate e o arroz-vermelho, são viáveis, possibilitando assim o estabelecimento de populações de arroz-vermelho e arroz-preto portadoras do gene BAR. Há de ser ressaltado que, embora estes resultados evidenciem que os híbridos de arroz-vermelho originários do escape dos transgenes possam não apresentar vantagens competitivas, na hipótese desta tecnologia vir a ser utilizada em larga escala em lavouras de arroz irrigado, uma série de medidas devem ser obrigatoriamente adotadas pelos usuários no sentido de evitar ou, pelo menos, minimizar as possibilidades de cruzamento entre o arroz transgênico e o arroz-vermelho. Caso esses cuidados não sejam adotados, a transferência da resistência ao herbicida amônio-glufosinate para o arroz-vermelho irá ocorrer num curto período de tempo, inviabilizando o uso desta tecnologia na cultura do arroz irrigado.

DEDICATÓRIA

Os autores dedicam este trabalho in memoriam do amigo e colega de trabalho Eng. Agr. Dr. Satoru Yokoyama, o qual teve participação direta e decisiva na execução deste. Dr. Satoru, geneticista do projeto arroz irrigado da Epagri – Estação Experimental de Itajaí, foi um exemplo de pesquisador dedicado e deixou uma grande lacuna no melhoramento de arroz irrigado no Brasil. Embora a sua vida tenha sido abreviada pela vontade divina, temos certeza de que os conhecimentos e as informações por ele gerados em muito contribuirão para o êxito da orizicultura catarinense e brasileira.

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Takazi Ishiy e a Sra. Donna Mitten, bem como aos revisores, pelo apoio e pelas sugestões para a melhoria deste trabalho.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em 10.3.2003 e na forma revisada em 10.9.2004

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Dez 2004
    • Data do Fascículo
      Set 2004

    Histórico

    • Aceito
      10 Set 2004
    • Recebido
      10 Mar 2003
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