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Tolerância de trigo (Triticum aestivum) e aveia (Avena sp.) a herbicidas inibidores da enzima acetolactato sintase (ALS)

Tolerance of Wheat (Triticum aestivum) and Oat (Avena spp.) to ALS-Inhibiting Herbicides

Resumos

A caracterização de cultivares quanto à tolerância aos herbicidas representa uma ferramenta adicional na identificação de genes de resistência no melhoramento genético de plantas. Os objetivos do presente trabalho foram determinar a variabilidade genética em genótipos de trigo, aveia-branca e aveia-preta para tolerância a quatro herbicidas inibidores da ALS; identificar herbicidas que não apresentam efeito fitotóxico nas espécies avaliadas; e indicar possíveis genótipos tolerantes para utilização em programas de melhoramento. Os resultados demonstraram a existência de variabilidade genética em trigo para tolerância aos herbicidas inibidores da ALS. O herbicida penoxsulam não apresentou efeito sobre a produção de matéria seca nos genótipos de trigo e aveia. Os genótipos de trigo ICA 7, BRS 208 e CD 111 e a aveia-branca (Albasul) evidenciaram tolerância aos herbicidas bispyribac-sodium e penoxsulam; a aveia-preta (Agozebu) também se mostrou tolerante ao metsulfuron-methyl.

cereais de inverno; cultivares; identificação de genes; seletividade


Characterization of genetic tolerance to herbicides is an additional tool in identifying genes related to resistance in plant breeding programs. Thus, the objectives of this research were: to determine the genetic variability in wheat, white and black oat genotypes for tolerance to four ALS-inhibiting herbicides; to identify herbicides that are selective to wheat and oat cultivars; and to identify tolerant genotypes to use in wheat and oat breeding programs at the Universidade Federal de Pelotas. The results showed the existence of genetic variability in wheat for tolerance to ALS-inhibiting herbicides. Penoxsulam had no effect on dry matter production in the evaluated wheat and oat genotypes. Wheat genotypes ICA 7, BRS 208, CD 111, white oat (Albasul) and black oat (Agrozebu) showed tolerance to bispyribac-sodium and penoxsulam. Black oat (Agrozebu), also showed tolerance to metsulfuron-methyl.

winter cereals; cultivars; gene identification; selectivity


ARTIGOS

Tolerância de trigo (Triticum aestivum) e aveia (Avena sp.) a herbicidas inibidores da enzima acetolactato sintase (ALS)

Tolerance of Wheat (Triticum aestivum) and Oat (Avena spp.) to ALS-Inhibiting Herbicides

Hartwing, I.I; Bertan, I.I; Galon, L.II; Noldin, J.A.III; Concenço, G.II; Silva, A.F.II; Aspiazú, I.II; Ferreira, E.A.II

IEngº-Agrº, Dr. em Agronomia, Pós-doutorando Júnior (CNPq) - Centro de Genômica e Fitomelhoramento (CGF) - Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel (FAEM) - Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Caixa Postal 354. 96010-900, Pelotas, RS

IIEngº-Agrº , M.Sc., Doutorando em Fitotecnia, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa-MG, 36570-000, Bolsista do CNPq <galonleandro@ig.com.br> (autor para correspondência)

IIIEngº-Agrº , Ph.D., Pesquisador da Epagri, Estação Experimental de Itajaí, Itajaí-SC

RESUMO

A caracterização de cultivares quanto à tolerância aos herbicidas representa uma ferramenta adicional na identificação de genes de resistência no melhoramento genético de plantas. Os objetivos do presente trabalho foram determinar a variabilidade genética em genótipos de trigo, aveia-branca e aveia-preta para tolerância a quatro herbicidas inibidores da ALS; identificar herbicidas que não apresentam efeito fitotóxico nas espécies avaliadas; e indicar possíveis genótipos tolerantes para utilização em programas de melhoramento. Os resultados demonstraram a existência de variabilidade genética em trigo para tolerância aos herbicidas inibidores da ALS. O herbicida penoxsulam não apresentou efeito sobre a produção de matéria seca nos genótipos de trigo e aveia. Os genótipos de trigo ICA 7, BRS 208 e CD 111 e a aveia-branca (Albasul) evidenciaram tolerância aos herbicidas bispyribac-sodium e penoxsulam; a aveia-preta (Agozebu) também se mostrou tolerante ao metsulfuron-methyl.

Palavras-chave: cereais de inverno, cultivares, identificação de genes, seletividade.

ABSTRACT

Characterization of genetic tolerance to herbicides is an additional tool in identifying genes related to resistance in plant breeding programs. Thus, the objectives of this research were: to determine the genetic variability in wheat, white and black oat genotypes for tolerance to four ALS-inhibiting herbicides; to identify herbicides that are selective to wheat and oat cultivars; and to identify tolerant genotypes to use in wheat and oat breeding programs at the Universidade Federal de Pelotas. The results showed the existence of genetic variability in wheat for tolerance to ALS-inhibiting herbicides. Penoxsulam had no effect on dry matter production in the evaluated wheat and oat genotypes. Wheat genotypes ICA 7, BRS 208, CD 111, white oat (Albasul) and black oat (Agrozebu) showed tolerance to bispyribac-sodium and penoxsulam. Black oat (Agrozebu), also showed tolerance to metsulfuron-methyl.

Keywords: winter cereals, cultivars, gene identification, selectivity.

INTRODUÇÃO

A seletividade aos herbicidas tem possibilitado o controle eficiente das plantas daninhas nas principais culturas de importância agronômica no Brasil, especialmente nas últimas três décadas. O processo de desenvolvimento e registro de novos herbicidas representa investimento elevado por parte das indústrias. Atualmente, diante das limitações para o desenvolvimento de novos compostos, as indústrias têm procurado ampliar as possibilidades de uso de herbicidas já comercializados, por meio da identificação de genes de tolerância ou de resistência e conseqüente transferência para espécies até então suscetíveis, usando como ferramenta a biotecnologia.

A seletividade aos herbicidas pode ser obtida de diferentes formas: época de aplicação, posicionamento do produto em relação às sementes das culturas ou tolerância genética das espécies (Vargas & Fleck, 1999). O melhoramento genético visando a obtenção de seletividade aos herbicidas e a disponibilização de cultivares tolerantes ou resistentes constitui-se em importante ferramenta de manejo de plantas daninhas oferecida aos agricultores, por permitir maior flexibilidade no uso dos herbicidas. Trabalhos de pesquisa indicam que tanto as plantas daninhas como as cultivadas apresentam variabilidade no grau de tolerância a determinados herbicidas (Vargas & Fleck, 1999; Rajguru et al., 2005; Dal Magro et al., 2006; Concenço et al., 2007; Fontana et al., 2007a, b).

Os herbicidas inibidores da ALS compõem uma das classes mais numerosas de herbicidas registrados atualmente, somando 22 ingredientes ativos (Vidal, 2002; Brasil, 2007). Constituem-se, portanto, em alternativas que necessitam ser avaliadas visando o manejo de plantas daninhas em cereais de inverno. Os herbicidas inibidores da ALS registrados para uso comercial no Brasil pertencem a quatro grupos químicos: imidazolinonas, sulfoniluréias, sulfonanilidas e pirimidiniloxi-benzoatos (Vidal, 2002).

Os herbicidas inibidores da ALS, de maneira geral, apresentam baixa toxicidade para mamíferos, alta seletividade às culturas e controlam amplo espectro de plantas daninhas, além de apresentarem alta eficiência mesmo em baixas doses (Vidal, 2002; Silva et al., 2007). No Brasil, cerca de 44% dos herbicidas dessa classe estão registrados para utilização na cultura da soja, 28% para a cana-de-açúcar e 22% para o arroz irrigado, havendo também registros para algodão, feijão, milho, espécies arbóreas e batata (Lorenzi, 2006; Silva & Silva, 2007). Contudo, em trigo e aveia, apesar de serem utilizados para controle de plantas daninhas, existe apenas um herbicida do referido mecanismo registrado (metsulfuron-methyl). O mecanismo mais comum de tolerância das culturas aos herbicidas inibidores da ALS é a capacidade da planta de metabolizar a molécula herbicida (Sweester et al., 1982). Entre as reações metabólicas mais comuns, envolvidas na seletividade de culturas aos inibidores da ALS, estão a hidroxilação do anel aromático, a hidroxilação alifática, a desalquilação, a desesterificação e a conjugação. A enzima citocromo P-450 monooxigenase muitas vezes está associada com reações de hidroxilação das moléculas de herbicida (Vidal, 2002).

Alguns autores têm reportado a intenção de desenvolver culturas tolerantes aos herbicidas inibidores da ALS (Saari & Mauvais, 1996; Shaner et al., 1996). Em algumas espécies de importância agrícola (milho, canola, beterraba, arroz, trigo e soja) foram desenvolvidas constituições genéticas para tolerância aos inibidores da ALS por meio de seleção de células somáticas, melhoramento por mutação, transformação genética e cruzamento interespecífico (Anderson & Georgeson, 1989; McHughen, 1989; Swanson et al., 1989; D'Halluin et al., 1992; Newhouse et al., 1992; Silva & Silva, 2007).

Objetivou-se com o presente trabalho: determinar a variabilidade genética entre genótipos de trigo (Triticum aestivum), aveia-branca (Avena sativa) e aveia-preta (Avena strigosa) para tolerância a quatro herbicidas inibidores da ALS; identificar herbicidas, até então não registrados para cereais de inverno, que apresentam eficiência no controle de plantas daninhas na cultura do trigo; e selecionar genótipos de trigo, pela presença de variabilidade genética para tolerância aos herbicidas testados, para utilização em programas de melhoramento genético.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi conduzido no período de maio a julho de 2006, em área isolada no Centro de Genômica e Fitomelhoramento, pertencente à Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel, Universidade Federal de Pelotas (FAEM/UFPel). Foram utilizados seis genótipos de trigo (ICA 5, ICA 7, BRS 177, BRS 208, IPR 110 e CD111), que ocupam grandes áreas de cultivo na Regiões Sul e Central do Brasil (Comissão Sul-Brasileira de Pesquisa de Trigo, 2005), um genótipo de aveia-branca (Albasul) e um de aveia-preta (Agrozebu). Os genótipos de trigo foram escolhidos por apresentarem características fenotípicas contrastantes para ciclo vegetativo, estatura de planta, hábito de crescimento, capacidade de afilhamento, formato da espiga, características de gluma, como pubescência, cor, comprimento, largura, forma da quilha, coloração das folhas e produtividade de grãos, o que sugere que podem ser geneticamente divergentes.

O delineamento adotado para distribuição dos tratamentos foi de blocos completamente casualizados, com três repetições. Os genótipos de trigo, aveia-branca e aveia-preta foram semeados em linhas em densidade correspondente a 200 sementes viáveis por metro linear (uma linha de 50 cm à cada genótipo), em bandejas de alumínio com as seguintes dimensões: 50 cm de comprimento, 30 cm de largura e 8 cm de profundidade, com oito linhas da cultura em cada unidade experimental. Essas bandejas foram completadas com solo devidamente corrigido com adubação, de acordo com análise química do solo.

Foram utilizados no experimento os seguintes herbicidas e as respectivas doses (X): metsulfuron-methyl - 3,96 g ha-1(Ally); imazethapyr - 100 g ha-1 (Pivot 100 SL); bispyribac-sodium - 50 g ha-1 (Nominee 400 SC); e penoxsulam - 42 g ha-1 (Ricer) – todos inibidores da enzima ALS. Esses herbicidas foram aplicados em cinco diferentes doses, correspondentes a 0X, 1X, 2X, 4X e 8X, sendo X = dose comercial de referência. A aplicação foi feita em pós-emergência (15 dias após a emergência das plântulas), com auxílio de um pulverizador costal, pressurizado por gás carbônico, acoplado a uma barra contendo uma ponta de pulverização do tipo leque (110.015), sendo aplicado volume de calda relativo de 150 L ha-1.

Para avaliação dos efeitos dos tratamentos herbicidas, as plantas foram colhidas aos 32 dias após a aplicação dos tratamentos (DAT), e o material vegetal foi submetido à secagem em estufa a uma temperatura de 60 ºC, até atingir peso constante, determinando-se posteriormente a produção de massa seca (MS).

Os dados de MS foram submetidos à análise estatística no esquema fatorial triplo, considerando os fatores herbicida, dose e genótipo como fixos, com auxílio do programa computacional SAS (2002). Os efeitos da interação entre esses fatores foram testados na análise de regressão pela significância dos distintos graus do polinômio em função das doses de cada herbicida, sendo apresentados na forma de gráficos individuais para cada genótipo, quando verificada a significância de no mínimo um grau do polinômio.

Por fim, como complemento das análises realizadas no trabalho, quando o ajuste da equação de regressão permitiu, foi realizado o cálculo matemático da dose do herbicida (dose comercial do produto ha-1) que proporcionou 80% de redução na produção de MS dos genótipos testados (GR80). Esse parâmetro é semelhante ao recomendado para avaliação da eficiência agronômica de herbicidas. Entretanto, no presente estudo, esse cálculo foi empregado para discriminar a variabilidade genética dentro e entre as espécies avaliadas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados da análise de variância conjunta revelaram diferenças significativas (p < 0,05) para a interação tripla, dos efeitos herbicidas, doses e genótipos, o que implica a necessidade de decomposição de seus efeitos simples. Assim, a análise prosseguiu de modo a verificar a variação na produção de MS dos genótipos nas diferentes doses, sendo então fixados os fatores herbicidas e genótipos. Com a aplicação de equações de regressão não-lineares, foram obtidos os parâmetros até o quarto grau do polinômio, representados pelos valores de quadrado médio (Tabela 1).

Observou-se que os tratamentos com os herbicidas metsulfuron-methyl e imazethapyr se adequaram melhor à análise de regressão, visto que todos os genótipos revelaram no mínimo um grau de polinômio significativo, exceto o genótipo de trigo ICA 5 e a aveia-preta (Agrozebu) para o herbicida metsulfuron-methyl (Tabela 1). Para o herbicida bispyribac-sodium, os genótipos de trigo ICA 5 e IPR 110 expressaram significativos graus de polinômio quadrático e cúbico, respectivamente, ao passo que para os demais genótipos não houve variação em função das diferentes doses empregadas, ou seja, nenhum grau do polinômio foi significativo. O mesmo comportamento foi evidenciado com o herbicida penoxsulam, em que apenas para o genótipo de trigo BRS 177 observou-se significância (grau quadrático) para os graus do polinômio testados. Dessa forma, para os genótipos que revelaram, no mínimo, um grau do polinômio significativo, foram discriminadas as equações de regressão (Tabela 2) e construídos os gráficos para cada herbicida empregado no estudo (Figura 1).


Por meio do ajuste das equações de regressão, pode ser observado para o herbicida metsulfuron-methyl efeito significativo das diferentes doses do produto na produção de MS para a maioria dos genótipos (Tabela 2). O herbicida metsulfuron-methyl, mesmo sendo registrado para controle de plantas daninhas na cultura do trigo, causou redução no desenvolvimento das plantas da maioria dos genótipos a partir da dose mínima testada (3,96 g ha-1), ou seja, a dose recomendada comercialmente (Comissão Sul-Brasileira de Pesquisa de Trigo, 2005). Entretanto, no presente estudo, limitou-se a avaliar o efeito do produto no estádio inicial de desenvolvimento das plantas (até 47 dias após a emergência) e na condição de ambiente protegido. Na Figura 1 é possível verificar que o cultivar de trigo CD 111 apresentou a maior produção de MS no tratamento testemunha, porém houve redução na MS a partir da aplicação do produto. Para este genótipo, em que foi verificado o ajuste da equação de regressão quadrática, pode-se interpretar em nível biológico que a dose de 20 g ha-1 proporciona a menor produção de MS (1,425 g por linha de semeadura). Para os genótipos de trigo que revelaram comportamento linear, considerando uma GR80, seriam necessários 273,60 g ha-1 para o genótipo ICA 7, 76,94 g ha-1 para o BRS 177, 57,73 g ha-1 para o BRS 208 e 124,36 g ha-1 para o IPR 110. Essas diferenças entre os genótipos indicam a existência de variabilidade genética em trigo para o metsulfuron-methyl. Na aveia-branca (Albasul), também foi verificado comportamento variável na produção de MS em função das doses testadas; contudo, observa-se que o efeito das diferentes doses do produto não resulta em desenvolvimento de planta com resposta previsível na produção de MS.

Nos tratamentos com o herbicida imazethapyr foi observado o maior efeito do herbicida pela aplicação das diferentes doses do produto, o que resultou em decréscimo significativo da produção de MS em todos os genótipos testados. Os cultivares de trigo ICA 5, ICA 7, BRS 177 e IPR 110 tiveram ajuste linear na equação de regressão, enquanto BRS 208, CD 111, aveia-branca (Albasul) e aveia-preta (Agrozebu) se ajustaram à equação quadrática. Nos genótipos de comportamento linear, a GR80 indicou variabilidade entre os genótipos ICA 5 (1.180 g ha-1), ICA 7 (1.392 g ha-1), BRS 177 (7.320 g ha-1) e IPR 110 (616 g ha-1), demonstrando que o ICA 7 foi o mais tolerante para o herbicida imazethapyr. Quanto aos demais genótipos, onde o comportamento foi quadrático, a redução da MS em função do incremento das doses foi similar, porém as aveias branca e preta foram sempre inferiores aos cultivares de trigo quanto ao acúmulo da MS. Nesse sentido, baseando-se nas equações de regressão de cada genótipo, foi possível estimar a dose de imazethapyr que acarreta a menor produção de MS: BRS 208 (500 g ha-1; 0,54 g de MS), CD 111 (583,33 g ha-1; 0,45 g de MS), Albasul (600 g ha-1; 0,02 g de MS) e Agrozebu (500 g ha-1; 0,39 g de MS).

A respeito da sensibilidade apresentada pelo trigo, aveia-branca e aveia-preta ao herbicida imazethapyr, podem ser feitas algumas considerações. A verificação de variabilidade entre os genótipos avaliados indica que é possível obter combinações genéticas com maior ou menor nível de tolerância ao herbicida, as quais poderiam ser empregadas em programas de melhoramento genético, buscando a seleção de plantas seletivas ao produto. Outra estratégia é o emprego da mutação induzida em genótipos indicados com alguma tolerância e utilização da seleção assistida por marcadores moleculares. Mais especificamente sobre a possibilidade de uso da mutação induzida, os estudos de Devine & Shukla (2000) com o gene de resistência à enzima ALS indicam que a troca de apenas uma base nitrogenada pode tornar um biótipo resistente a esses herbicidas. Essa descoberta levanta a possibilidade de êxito na ação de agentes mutagênicos em proporcionar alterações na seqüência de aminoácidos da enzima ALS e que podem ser favoráveis ao desenvolvimento de plantas tolerantes.

A existência de variabilidade genética entre as diferentes espécies de cereais de inverno e mesmo entre cultivares dentro da mesma espécie, conforme verificado no presente estudo, também tem sido reportada para tolerância a outros grupos químicos de herbicidas. Vargas & Fleck (1999) relataram a presença de diferenças genéticas entre cultivares de trigo para tolerância aos herbicidas do grupo químico dos ariloxifenoxipropionatos, além de ressaltarem a presença de diferentes graus de resposta em aveia-branca, aveia-preta e azevém; isso evidencia que a constituição genética de uma espécie ou cultivar pode determinar graus variáveis de tolerância ou suscetibilidade aos herbicidas.

Para o herbicida bispyribac-sodium, somente dois genótipos de trigo (ICA 5 e IPR 110) apresentaram redução significativa de MS com o incremento das doses empregadas; o IPR 110 apresentou redução mais acentuada nas três primeiras doses (50, 100 e 200 g ha-1). Quanto aos demais genótipos avaliados, não houve efeito significativo pela aplicação do herbicida, na produção de MS, com o incremento na dose. Similarmente, o herbicida penoxsulam também não proporcionou alterações significativas na produção de MS dos genótipos avaliados, exceto para o trigo, cv. BRS 177, onde, apesar de haver redução na MS em função do aumento na dose (ajuste da equação quadrática), a curva de dose-resposta não mostrou queda expressiva. Isso verificado, a utilização deste herbicida pode ser uma opção para o manejo de plantas daninhas em cereais de inverno como trigo, aveia-branca e aveia-preta. Entretanto, são necessárias novas pesquisas em condições de campo para comprovar a efetividade do produto no controle de plantas daninhas nesses cereais, bem como a ausência de danos no desenvolvimento e na produtividade das culturas.

Pela análise dos resultados obtidos com os herbicidas bispyribac-sodium e penoxsulam, é possível inferir a existência de seletividade para a aveia-branca e a aveia-preta, bem como para a maioria dos genótipos de trigo. A seletividade apresentada por essas culturas está ligada à habilidade das plantas em metabolizar a molécula herbicida para formas não-tóxicas (Sweester et al., 1982); entre as reações metabólicas que comumente ocorrem estão a hidroxilação do anel aromático, hidroxilação alifática, desalquilação, desesterificação e a conjugação, com participação ativa da enzima citocromo P-450 monooxigenase (Vidal, 2002).

Corroborando os resultados deste trabalho, vários outros relatam haver diferenciação de certas culturas quanto à tolerância a herbicidas, destacando-se cultivares de arroz, à mistura formulada de imazethapyr + imazapic e o nicosulfuron (Webster & Masson, 2001; Fontana et al., 2007a, b; Dal Magro et al., 2006), imazethapyr (Levy Jr. et al., 2006; Villa et al., 2006); e, para determinados híbridos de milho, o herbicida sanson (Andrei, 2005) e os híbridos de milho (IT) tolerantes ao grupo das imidazolinonas (Lee et al., 1994). Alguns cultivares de soja têm mostrado tolerância diferencial a vários herbicidas, como bentazon (Hayes & Wax, 1975), chlorimuron (Newson & Shaw, 1992), metribuzin (Martin et al., 1987) e imazaquin (Kent et al., 1988).

Há evidências de variabilidade genética em trigo para tolerância aos herbicidas inibidores da ALS capaz de ser explorada na recomendação e desenvolvimento de cultivares com constituições genéticas seletivas aos diferentes grupos químicos desse mecanismo de ação. Os genótipos de trigo ICA 7, BRS 208 e CD 111 e a aveia-branca (Albasul) podem ser utilizados em cruzamentos para incremento da tolerância aos herbicidas bispyribac-sodium e penoxsulam; a aveia-preta (Agrozebu), além desses dois grupos, também é tolerante ao metsulfuron-methyl. O herbicida penoxsulam apresenta potencial para ser utilizado no manejo de plantas daninhas nas culturas de trigo e aveia.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em 10.6.2007 e na forma revisada em 20.3.2008.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2008

Histórico

  • Revisado
    20 Mar 2008
  • Recebido
    10 Jun 2007
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