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Micromorfologia foliar na análise da fitotoxidez por glyphosate em Eucalyptus grandis

Leaf micromorphology in the analysis of glyphosate toxicity in Eucalyptus grandis

Resumos

Foram avaliados os efeitos da deriva de formulações comerciais de glyphosate sobre a superfície foliar e o crescimento de clones de eucalipto. Mudas de seis clones foram submetidas a 129,6 g ha-1 de glyphosate das formulações comerciais Scout®, Roundup NA®, Roundup transorb® e Zapp QI®. Entre os clones não foram identificadas diferenças quanto à tolerância ao glyphosate. Plantas expostas à deriva simulada de Roundup transorb® e Zapp QI® apresentaram, respectivamente, a maior e menor porcentagem de intoxicação. Observou-se menor massa seca em plantas expostas ao glyphosate, independentemente da formulação, e menor altura naquelas expostas ao Scout® e ao Roundup transorb®. As características quantitativas da superfície foliar não foram afetadas pelo glyphosate. As alterações micromorfológicas ocorreram na ausência de danos visíveis e foram observadas em ambas as faces da epiderme, em todos os clones avaliados. Danos como erosão e aspecto amorfo das ceras epicuticulares e infestação por hifas fúngicas ocorreram, independentemente da formulação utilizada. A avaliação anatômica da superfície foliar foi relevante para descrição e interpretação dos danos causados pelo glyphosate. Os dados de crescimento e de intoxicação indicam o Zapp QI® como a formulação de menor risco para a cultura do eucalipto quanto aos efeitos indesejáveis da deriva.

herbicida; microscopia eletrônica de varredura; ceras epicuticulares; anatomia foliar


The effects of commercial glyphosate drift on the leaf surface and growth of eucalypt clones were evaluated. Seedlings of six clones were submitted to 129.6 g ha-1 sub-rate of commercial glyphosate formulations Scout®, Roundup NA®, Roundup transorb® and Zapp QI®. No differences in tolerance to glyphosate were observed among the clones. Plants exposed to simulated drift of Roundup transorb® and Zapp QI® presented the highest and lowest intoxication percentages, respectively. Plants exposed to glyphosate reduced dry biomass, regardless of the formulation, and also reduced height of the plants exposed to Scout® and Roundup transorb®. Leaf surface characteristics were not affected by glyphosate application. However, the micromorphological damages occurred prior to the appearance of visible symptoms, and were observed on both faces of the epidermis, in all clones tested. Damages such as erosion and amorphous aspect of epicuticular waxes and infestation of fungal hyphae occurred, independently of the formulation used. The anatomical evaluation of the leaf surface effectively described the damages caused by glyphosate. The growth and intoxication data indicate Zapp QI® formulation as presenting the lowest risk to eucalypt culture, in relation to the undesirable herbicide drift effects.

herbicide; scanning electron microscopy; epicuticular waxes; leaf anatomy


ARTIGOS

Tuffi Santos, L.D.I; Sant'Anna-Santos, B.F.I; Meira, R.M.S.A.II; Ferreira, F.A.III; Tiburcio, R.A.S.T.IV; Silva, E.C.F.V

IProfessor Adjunto do Instituto de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Av. Universitária, n. 1000, Bairro Universitário, 39404-006 Montes Claros-MG, <ltuffi@yahoo.com.br>

IIProfessora Adjunta do Dep. de Biologia Vegetal, Universidade Federal de Viçosa - DFT/UFV, Avenida P.H. Rolfs, s/n, 36570-000 Viçosa-MG

IIIProfessor Titular do Dep. de Fitotecnia - DFT/UFV

IVMestrando do Dep. de Fitotecnia - DFT/UFV

VGraduando em Agronomia - DFT/UFV

RESUMO

Foram avaliados os efeitos da deriva de formulações comerciais de glyphosate sobre a superfície foliar e o crescimento de clones de eucalipto. Mudas de seis clones foram submetidas a 129,6 g ha-1 de glyphosate das formulações comerciais Scout®, Roundup NA®, Roundup transorb® e Zapp QI®. Entre os clones não foram identificadas diferenças quanto à tolerância ao glyphosate. Plantas expostas à deriva simulada de Roundup transorb® e Zapp QI® apresentaram, respectivamente, a maior e menor porcentagem de intoxicação. Observou-se menor massa seca em plantas expostas ao glyphosate, independentemente da formulação, e menor altura naquelas expostas ao Scout® e ao Roundup transorb®. As características quantitativas da superfície foliar não foram afetadas pelo glyphosate. As alterações micromorfológicas ocorreram na ausência de danos visíveis e foram observadas em ambas as faces da epiderme, em todos os clones avaliados. Danos como erosão e aspecto amorfo das ceras epicuticulares e infestação por hifas fúngicas ocorreram, independentemente da formulação utilizada. A avaliação anatômica da superfície foliar foi relevante para descrição e interpretação dos danos causados pelo glyphosate. Os dados de crescimento e de intoxicação indicam o Zapp QI® como a formulação de menor risco para a cultura do eucalipto quanto aos efeitos indesejáveis da deriva.

Palavras-chave: herbicida, microscopia eletrônica de varredura, ceras epicuticulares, anatomia foliar.

ABSTRACT

The effects of commercial glyphosate drift on the leaf surface and growth of eucalypt clones were evaluated. Seedlings of six clones were submitted to 129.6 g ha-1 sub-rate of commercial glyphosate formulations Scout®, Roundup NA®, Roundup transorb® and Zapp QI®. No differences in tolerance to glyphosate were observed among the clones. Plants exposed to simulated drift of Roundup transorb® and Zapp QI® presented the highest and lowest intoxication percentages, respectively. Plants exposed to glyphosate reduced dry biomass, regardless of the formulation, and also reduced height of the plants exposed to Scout® and Roundup transorb®. Leaf surface characteristics were not affected by glyphosate application. However, the micromorphological damages occurred prior to the appearance of visible symptoms, and were observed on both faces of the epidermis, in all clones tested. Damages such as erosion and amorphous aspect of epicuticular waxes and infestation of fungal hyphae occurred, independently of the formulation used. The anatomical evaluation of the leaf surface effectively described the damages caused by glyphosate. The growth and intoxication data indicate Zapp QI® formulation as presenting the lowest risk to eucalypt culture, in relation to the undesirable herbicide drift effects.

Keywords: herbicide, scanning electron microscopy, epicuticular waxes, leaf anatomy.

INTRODUÇÃO

No Brasil, diferentes formulações de glyphosate estão registradas para a cultura do eucalipto, podendo ser utilizadas tanto no preparo da área de plantio como na manutenção em aplicações dirigidas. Embora existam várias marcas comerciais de glyphosate (Heap, 1997), elas se baseiam no mesmo mecanismo de ação, diferindo apenas nos sais empregados na formulação, como o sal potássico, sal de isopropilamina e sal de amônio.

Regularmente, tem sido registrada a ocorrência de intoxicação na parte aérea do eucalipto causada pelo glyphosate, caracterizada pela presença de folhas cloróticas, evoluindo em alguns casos para necroses e redução do crescimento da planta. Outros distúrbios e alterações morfológicas, como superbrotamento, seca de gemas apicais e de ponteiros, têm sido atribuídos aos efeitos do glyphosate (Tuffi Santos et al., 2005, 2006, 2007a). Mesmo em empresas que adotam elevado nível tecnológico, verifica-se o contato do glyphosate com as plantas de eucalipto, atingindo, principalmente, os ramos mais baixos, o que vem se constituindo num problema para a produção.

Entre os critérios utilizados para nortear a escolha de uma formulação de glyphosate enfatiza-se a eficiência no controle de plantas daninhas e a velocidade de absorção, pois são características que podem ser influenciadas pelo regime de chuvas do local.

Embora a eficiência de uma formulação herbicida esteja relacionada à presença de surfatantes, que podem variar conforme o produto comercial, esses ingredientes também podem potencializar o efeito tóxico no eucalipto. Assim, a intensidade da aplicação e a formulação utilizada são informações importantes no manejo da cultura, quanto ao contato indesejado do herbicida no momento da aplicação. Entretanto, na literatura não foram encontradas informações sobre os efeitos das diferentes formulações nas plantas de eucalipto.

A camada mais externa da cutícula - que corresponde à cera epicuticular e é originada pela deposição de ceras na superfície da cutícula - pode apresentar diversas morfologias (Metcalfe & Chalk, 1979), o que pode influenciar a permeabilidade e molhabilidade da superfície da folha (Fahn, 1990). Características da superfície foliar de eucalipto podem estar relacionadas com a tolerância de determinados clones ao glyphosate (Tuffi Santos et al., 2006), e alterações micromorfológicas antecedem o aparecimento de danos visíveis (Tuffi Santos et al., 2007a), demonstrando que estudos microscópicos fornecem dados adicionais relevantes.

Dessa forma, foram avaliados os efeitos da deriva de formulações comerciais de glyphosate sobre a superfície foliar e sobre o crescimento de clones de eucalipto, possibilitando indicar a formulação que apresenta menor potencial de risco para a cultura.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi conduzido em ambiente protegido, usando mudas padronizadas de seis clones de Eucalyptus grandis, adquiridos na CIA Suzano Papel e Celulose, codificados como UFV01, UFV02, UFV03, UFV04, UFV05 e UFV06. As mudas foram cultivadas em vasos de 10 L contendo substrato constituído de 5/6 de solo argiloso e 1/6 de areia, com adubação e calagem conforme as exigências da cultura.

O delineamento experimental utilizado foi o de blocos casualizados com quatro repetições, sendo considerado como parcela experimental cada vaso. A dose aplicada foi de 129,6 g e.a. ha-1 de glyphosate, correspondente a 9% da dose de 1.440 g ha-1 desse herbicida, usando as formulações comerciais: Roundup transorb®, Scout®, Roundup NA® e Zapp QI®. O ensaio foi instalado em fatorial 6 x 4 + 1, sendo seis clones, quatro formulações + uma testemunha sem herbicida.

A aplicação foi realizada sobre as plantas de eucalipto, quando estas atingiram 0,5 m de altura em média, utilizando pulverizador costal com pressão constante mantida a CO2 pressurizado, munido de barra com dois bicos tipo leque TT 110.02, operando a 250 KPa de pressão. A pulverização foi direcionada sobre o eucalipto, simulando deriva, de modo que não atingisse o terço superior das plantas.

Diariamente, após a aplicação do herbicida, foram avaliadas as alterações morfológicas nos órgãos aéreos à vista desarmada, sendo estas registradas. Aos 14, 28 e 42 dias após a aplicação (DAA) avaliou-se, visualmente, a porcentagem de intoxicação das plantas por glyphosate em relação à testemunha, em que 0% corresponde à ausência de sintomas visíveis e 100%, à morte das plantas (Frans, 1972).

Aos 42 DAA, foram registrados os dados de altura das plantas (região entre o coleto e o ápice das plantas) e diâmetro do caule a 1 cm do solo. Posteriormente, a parte aérea das plantas foi cortada na região do coleto, embalada em sacos de papel e mantida em estufa de ventilação forçada (65 ± 3 ºC) até atingir peso constante, para obtenção da massa seca.

Aos 14 DAA foram coletadas folhas - totalmente expandidas e sem injúrias visíveis - do terceiro nó do primeiro ramo basal das plantas de eucalipto. Para secagem, o material foi processado segundo metodologia proposta por Paiva et al. (2003). As amostras foliares foram dispostas entre duas folhas de papel-filtro, mantidas em dessecador com sílica-gel durante sete dias e, posteriormente, transferidas para estufa a 40 °C, pelo mesmo período. Os fragmentos retirados da região mediana da folha (0,5 cm2) foram cobertos com ouro em metalizador (modelo FDU010, Bal-Tec, Balzers). A análise e a documentação foram realizadas em microscópio eletrônico de varredura com câmera digital (modelo JSMT200, Jeol Co.).

Para descrever os caracteres da superfície, parte das folhas foi fixada em FAA50 e estocada em etanol 70%. Fragmentos foliares de aproximadamente 1 cm2, provenientes da região mediana de cada folha coletada (um fragmento por planta), foram submetidos à dissociação epidérmica utilizando-se ácido nítrico e ácido crômico (Jensen, 1962). As amostras foram coradas com azul de astra e fucsina básica (Kraus et al., 1998), e as lâminas, montadas em água glicerinada. As observações e a documentação fotográfica foram realizadas em microscópio de luz (modelo AX70TRF, Olympus Optical, Tokyo, Japão) equipado com sistema U-Photo.

Para determinação de índice estomático, densidade estomática (estômatos mm-2), densidade de células epidérmicas propriamente ditas (número de células mm-2) e densidade de cavidades (cavidades mm-2 - mensuradas conforme as células de cobertura na epiderme foliar), foram realizadas nove observações por planta para cada face epidérmica, em campos com área correspondente a 6,71 mm2. Os dados da superfície epidérmica foram obtidos com auxílio do software ANATI QUANTI (Aguiar et al., 2007). O cálculo do índice estomático foi feito de acordo com a fórmula de Cutter (1978):

Índice Estomático (IE) = NE/(CE + NE) x 100, em que NE é o número de estômatos e CE o número de células epidérmicas propriamente ditas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Intoxicação e crescimento das plantas

Os primeiros sintomas de intoxicação foram observados quatro dias após a aplicação (DAA) nos seis clones de eucalipto, sendo caracterizados por murcha, clorose e enrolamento das folhas dos ápices das plantas pulverizadas com as diferentes formulações de glyphosate. Os sintomas iniciais evoluíram para necroses, observadas principalmente nos bordos foliares.

Entre os clones e para a interação clone x formulação não houve diferença (P > 0,05) na porcentagem de intoxicação aos 14, 28 e 42 DAA. Por outro lado, houve variação na intoxicação (P < 0,05), em todas as épocas de avaliação, para as formulações utilizadas. Em avaliação realizada aos 14 DAA, o Roundup transorb® e o Scout® causaram maior intoxicação nos clones, não havendo diferença em relação às demais formulações (Tabela 1). Plantas de eucalipto expostas ao Roundup transorb® e Zapp QI® apresentaram, respectivamente, a maior e a menor porcentagem de intoxicação, verificada aos 28 e 42 DAA (Tabela 1).

As injúrias estão de acordo com o observado por Tuffi Santos et al. (2005, 2007a) para clones de eucalipto submetidos à deriva simulada de glyphosate, assim como para outras espécies herbáceas e arbóreas submetidas à deriva desse herbicida, como algodão - Gossypium hirsutum (Miller et al., 2004; Yamashita & Guimarães, 2005), varjão - Parkia multijulga (Yamashita et al., 2006) e teca - Tectona grandis (Vieira et al., 2006).

Necroses nos bordos foliares ocorrem em plantas expostas ao glyphosate, devido à alta mobilidade desse herbicida via simplasto (Bromilow & Chamberlain, 2000). Similarmente, as injúrias nas partes mais jovens das plantas de eucalipto (ápices) também são explicadas pela alta mobilidade do produto, podendo, entretanto, se estender para as partes mais velhas da planta, como relatado por Tuffi Santos et al. (2007a). Contudo, nas situações em que o glyphosate entra em contato com partes localizadas da planta ou em caso de altas doses, os sintomas observados podem ser restritos ao órgão atingido ou se desenvolver a partir deste, como observado por Schönherr (2002).

O contato das formulações de glyphosate com o eucalipto afetou (P<0,05) a altura e a massa seca da parte aérea das plantas, havendo diferença na altura de plantas em função do clone. Não houve diferença (p < 0,05) para diâmetro do caule e massa seca da parte aérea em função do fator clone e para diâmetro do caule em função da formulação, bem como para interação clone x formulações, em todas as variáveis de crescimento avaliadas.

A massa seca das plantas tratadas com as diferentes formulações foi inferior à das plantas não tratadas com glyphosate (Tabela 2). Adicionalmente, plantas expostas ao Scout® e ao Roundup transorb® apresentaram, aos 42 DAA, menor altura (Tabela 2). Entretanto, o diâmetro do caule não diferiu entre plantas tratadas ou não com glyphosate (Tabela 2).

Características da superfície foliar

Nenhuma das características quantitativas da superfície foliar foi afetada pelas formulações de glyphosate (P > 0,05), não havendo também a interação formulação x clone (P>0,05). Entretanto, entre os clones avaliados observou-se diferença (P < 0,05) em todas as características, exceto para número de células epidérmicas da face abaxial (Tabela 3).

Todos os clones apresentaram folhas anfiestomáticas e ceras em formato de placas nas faces abaxial (Figura 1A, C, D, F, G, I) e adaxial (Figura 1B, E, H) da superfície foliar. As células epidérmicas que recobrem as cavidades secretoras do mesofilo (células de cobertura) mostraram formato distinto do das células epidérmicas propriamente ditas (Figura 1B, H).


Todas as formulações utilizadas causaram alterações micromorfológicas em uma ou ambas as faces da epiderme, em todos os clones avaliados. Na face adaxial da superfície foliar, houve predomínio de injúrias como erosão das ceras epicuticulares (Figura 2A, G, H) e infestação por hifas fúngicas (Figura 2B, C). Observaram-se, na face adaxial da epiderme, ceras epicuticulares com aspecto amorfo (Figuras 2D e 3A) e hifas fúngicas, responsáveis pela dissolução das ceras nas regiões infestadas (Figura 2F e Figura 3B, C). Na face abaxial, além da presença de hifas fúngicas (Figuras 2B e 3D) e ceras epicuticulares com aspecto amorfo (Figura 3E), observou-se a ocorrência de erosão das ceras epicuticulares (Figura 2E, G, H e Figura 3F, G, H) e obliteração dos estômatos pela cera erodida (Figura 2E e Figura 3G, H).



A observação de áreas com ceras epicuticulares erodidas e/ou com aspecto amorfo e a proliferação de fungos, em folhas visualmente com aspecto sadio, confirmam o valor prognóstico de observações microscópicas. A microscopia eletrônica de varredura é o método mais simples e direto para o estudo das ceras epicuticulares (Barthlott, 1981), sendo amplamente utilizada em avaliações dos efeitos de substâncias fitotóxicas, como poluentes atmosféricos (Furlan et al., 2006; Sant'Anna-Santos et al., 2006a,b; Silva et al., 2005) e herbicidas (Tuffi-Santos et al., 2007a).

Amostras desidratadas pela secagem ao ponto crítico são empregadas no estudo das ceras epicuticulares (Bondada et al., 1996), porém os solventes utilizados nas etapas da desidratação podem destruir as ceras (Juniper & Jeffree, 1983), havendo a necessidade de cuidados para prevenir alterações no seu formato e padrão de deposição (Paiva, 2005). Paiva (2005) e Furlan et al. (2006) observaram em amostras foliares de Tradescantia pallida e Psidium guajava, respectivamente, uma boa preservação do padrão das ceras epicuticulares sem a utilização de fixadores, solventes e secagem ao ponto crítico, o que torna técnicas como a proposta por Paiva et al. (2003) relevantes para o diagnóstico correto das injúrias causadas por agentes fitotóxicos na morfologia das ceras epicuticulares. No presente trabalho, a técnica proposta por Paiva et al. (2003) resultou em imagens de boa qualidade e na preservação do padrão das ceras epicuticulares de forma similar à observada por Tuffi Santos et al. (2007a), em que a fixação, desidratação e secagem ao ponto crítico foram utilizadas para avaliar o efeito do glyphosate na micromorfologia foliar de clones de eucalipto, demonstrando que as duas técnicas podem ser usadas para essa cultura.

A erosão das ceras epicuticulares pode ser atribuída à presença de adjuvantes nas formulações herbicidas comercializadas, que visam aumentar a penetração do produto ativo nas plantas daninhas a serem controladas. No caso do contato do glyphosate com plantas não alvo, esses adjuvantes podem potencializar os problemas de intoxicação. Assim, a presença de adjuvantes e surfatantes, eficazes nas formulações de herbicidas, propicia melhor cobertura e penetração no alvo, sendo uma das possíveis explicações para os efeitos diferenciados na intoxicação e no crescimento do eucalipto quando da exposição à deriva de diferentes formulações de glyphosate.

Nas observações micromorfológicas, não foram encontradas diferenças marcantes que expliquem a intensidade de intoxicação variável causada pelas diferentes formulações, conforme observado por Tuffi-Santos et al. (2007a). A cutícula foliar é a principal via de penetração do glyphosate, sendo o seu conhecimento de importância fundamental nos estudos de absorção de herbicidas (Devine, 1990). Os surfatantes favorecem a entrada de glyphosate na folha, por possibilitar que o herbicida supere a cutícula foliar e as barreiras da membrana, vindo a atingir seu sítio de ação (Feng et al., 1999). Segundo Schönherr (2002), a presença de água é fundamental para uma boa absorção de glyphosate pelas folhas, sendo evidente que grande parte do herbicida absorvido passe por poros hidratados da cutícula.

A erosão das ceras pela formulação herbicida usada aumenta a afinidade da superfície da folha pela água. Segundo Barthlott (1981), superfícies que apresentam filme de água são favoráveis à colonização por microrganismos, como os fungos observados em folhas expostas ao tratamento com glyphosate, independentemente da formulação utilizada. Esse fato pode predispor a cultura ao ataque de patógenos. Na literatura, alguns trabalhos relatam os efeitos do glyphosate sobre a diminuição da severidade de doença de plantas, como da ferrugem do eucalipto (Tuffi Santos et al., 2007b), da ferrugem do trigo e de soja resistente ao herbicida (Feng et al., 2005), bem como do herbicida, aumentando a incidência de patógenos, como de Fusarium solani em soja (Sanogo et al., 2001) e de Alternaria cassiae em plantas de Cassia obtusifolia (Sharon et al., 1992). No presente estudo, é provável que as hifas fúngicas presentes sejam de fungos oportunistas e saprófitos, aproveitando-se de condições favoráveis, como a erosão das ceras, e da presença de pequenas necroses causadas pelo glyphosate.

A avaliação anatômica da superfície foliar foi relevante para descrição e interpretação dos danos causados pelo glyphosate, porém não ofereceu subsídios para discriminação dos clones quanto à tolerância às diferentes formulações do herbicida. Por sua vez, os dados de crescimento e de intoxicação permitiram indicar o Zapp QI® como a formulação de menor risco para a cultura do eucalipto quanto aos efeitos indesejáveis da deriva. Essa informação deve ser considerada na escolha da formulação a ser utilizada no manejo de plantas daninhas em eucalipto, levando em consideração a eficiência no controle e o preço do produto no mercado. Nos casos em que o objetivo for eliminar as plantas de eucalipto, como na dessecação da rebrota para o plantio de novas mudas, o Roundup transorb® constitui-se numa boa opção, dado o seu maior efeito tóxico nas plantas em detrimento das outras formulações testadas.

AGRADECIMENTOS

À Suzano Papel e Celulose e ao CNPq, pelo suporte financeiro, e ao Núcleo de Microscopia e Microanálise (UFV), pelo suporte físico.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em 14.4.2009 e na forma revisada em 13.11.2009.

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  • Micromorfologia foliar na análise da fitotoxidez por glyphosate em Eucalyptus grandis

    Leaf micromorphology in the analysis of glyphosate toxicity in Eucalyptus grandis
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Recebido
      14 Abr 2009
    • Aceito
      13 Nov 2009
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