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Metodologias empregadas em estudos de avaliação da atividade alelopática em condições de laboratório: revisão crítica

Methodologies applied in allelopathic activity evaluation studies in the laboratory: a critical review

Resumos

Nas últimas décadas, tem proliferado a formação de grupos de pesquisa dedicados aos estudos na área de alelopatia, em diferentes partes do mundo. O Brasil não ficou imune a essa tendência; prova disso são os números cada vez maiores de artigos científicos publicados em periódicos nacionais e internacionais. O fato de a alelopatia ser uma ciência relativamente jovem, podendo ser considerada em sua fase juvenil de desenvolvimento, tem propiciado a proliferação de técnicas de estudos diversificadas e muitas vezes carentes de embasamento. Adicionalmente, essa peculiaridade dificulta o entendimento das grandezas expressas e do valor biológico que os resultados apresentados podem significar. Uniformizar os procedimentos é, sem dúvida alguma, ponto de partida quando se pensa na dimensão que a alelopatia pode representar em futuro próximo. Neste trabalho, foram revisados criticamente os protocolos pertinentes aos processos empregados nos bioensaios desenvolvidos para caracterizar as propriedades alelopáticas de extratos brutos e de substâncias químicas. Ao mesmo tempo, os pontos fortes e as limitações de cada procedimento são apresentados.

bioensaios; germinação; desenvolvimento; sinergismos; sementes


During the last decades, many allelopathy research groups have been formed, worldwide. As part of this trend, Brazil has published a large number of scientific articles in national and international periodicals. Allelopathy, a relatively new science, is in its first stage of development; thus, a proliferation of often not very sound techniques has occurred. The use of such techniques makes it difficult to interpret the results, their biological value and real meaning. Procedures must become more uniform, as the importance of allelopathy increases. Thus, this work has critically revised the bioassay protocols used to characterize the allelopathic properties of crude extracts and pure substances, presenting the strong points and limitations of each procedure, as well.

bioassays; germination; growth; synergisms; seeds


REVISÃO DE LITERATURA

Metodologias empregadas em estudos de avaliação da atividade alelopática em condições de laboratório - revisão crítica

Methodologies applied in allelopathic activity evaluation studies in the laboratory: a critical review

Souza Filho, A.P.S.I; Guilhon, G.M.S.P.II; Santos, L.S.II

IEngº-Agrº ., Dr., Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, Trav. Dr. Enéas Pinheiro, S/N. 66095-100. Belém-Pará; <apedro@cpatu.embrapa.br>

IIQuím., Dr., Universidade Federal do Pará. Rua Augusto Corrêa, 01. 66075-900. Belém, Pará

RESUMO

Nas últimas décadas, tem proliferado a formação de grupos de pesquisa dedicados aos estudos na área de alelopatia, em diferentes partes do mundo. O Brasil não ficou imune a essa tendência; prova disso são os números cada vez maiores de artigos científicos publicados em periódicos nacionais e internacionais. O fato de a alelopatia ser uma ciência relativamente jovem, podendo ser considerada em sua fase juvenil de desenvolvimento, tem propiciado a proliferação de técnicas de estudos diversificadas e muitas vezes carentes de embasamento. Adicionalmente, essa peculiaridade dificulta o entendimento das grandezas expressas e do valor biológico que os resultados apresentados podem significar. Uniformizar os procedimentos é, sem dúvida alguma, ponto de partida quando se pensa na dimensão que a alelopatia pode representar em futuro próximo. Neste trabalho, foram revisados criticamente os protocolos pertinentes aos processos empregados nos bioensaios desenvolvidos para caracterizar as propriedades alelopáticas de extratos brutos e de substâncias químicas. Ao mesmo tempo, os pontos fortes e as limitações de cada procedimento são apresentados.

Palavras-chave: bioensaios, germinação, desenvolvimento, sinergismos, sementes.

ABSTRACT

During the last decades, many allelopathy research groups have been formed, worldwide. As part of this trend, Brazil has published a large number of scientific articles in national and international periodicals. Allelopathy, a relatively new science, is in its first stage of development; thus, a proliferation of often not very sound techniques has occurred. The use of such techniques makes it difficult to interpret the results, their biological value and real meaning. Procedures must become more uniform, as the importance of allelopathy increases. Thus, this work has critically revised the bioassay protocols used to characterize the allelopathic properties of crude extracts and pure substances, presenting the strong points and limitations of each procedure, as well.

Keywords: bioassays, germination, growth, synergisms, seeds.

INTRODUÇÃO

A alelopatia, como ciência, pode ser considerada como estando, ainda, nos primórdios de sua existência, com longo caminho a ser percorrido na sua consolidação definitiva. Embora seus conceitos tenham sido estabelecidos em passado recente por Molisch, em 1937, observações de que as plantas interferem em outras, na sua vizinhança, na realidade já vinham sendo feitas e relatadas ao longo da história por observadores atentos, como são os casos de Theophrastus (300 anos a.C.) e DeCandolle, em 1823, entre tantos outros. Inicialmente, os estudos envolvendo alelo-patia estavam restritos a países da Europa e América do Norte. Entretanto, ao longo dos últimos 70 anos, essa ciência se espalhou pelo mundo, sendo hoje exercida em países da América do Sul, Ásia e Oriente Médio.

Ao longo desse processo, foram agregados procedimentos experimentais que permitiram o isolamento e a identificação de compostos químicos envolvidos na atividade alelopática das plantas. Foram, ainda, agregados novos equipamentos, que tornaram possível a abordagem em estudos mais avançados, como o uso de cromatografia líquida (HPLC) em primeira instância e, em segunda, o uso de HPLC acoplado a massa, o que permitiu maior eficiência e rapidez dos processos.

Paralelamente a todos esses avanços, técnicas de avaliação da atividade alelopática - mormente em relação aos seus efeitos sobre a germinação de sementes e o desenvolvimento de plântulas (quer de espécies cultivadas, quer de espécies de plantas daninhas) - hoje consagradas foram estabelecidas, possibilitando a identificação e quantificação de aleloquímicos em diferentes frações de plantas doadoras, bem como a caracterização de propriedades alelopáticas. Informações sobre diferentes métodos e abordagens diferenciadas em estudo de alelopatia, em bioensaios de laboratório, podem ser encontradas com certa facilidade na literatura. Basicamente, as técnicas envolvem, na sua grande maioria, fases bem distintas e em sequências lógicas, como segue:

Extrato bruto ou lixiviado - bioensaio - fracionamento do extrato bruto - CCDC - Agrupamento de compostos - bioensaios - purificação - identificação - bioensaios com substâncias.

Esses procedimentos guardam, em si, muitas semelhanças e também variações pequenas. Nos estudos de Chou (1999) e Reinhardt et al. (1999) e de outros autores, diferentes aspectos podem ser encontrados em relação a essas etapas do processo. Leather & Einhellig (1986), em ampla revisão sobre o assunto, listaram vários procedimentos empregados em estudo de alelopatia. Recentemente, Fujii et al. (2003) propuseram o método sanduíche para avaliação de atividade alelopática, o qual vem sendo, em alguma medida, empregado em determinados estudos, sem maiores complicações.

Apesar de todas essas questões, avanços notáveis foram obtidos nos últimos anos, o que permite, hoje, inferências mais consistentes sobre os resultados dos bioensaios e o entendimento mais amplo do papel dos aleloquímicos. Neste trabalho, foram revisados os protocolos pertinentes aos processos utilizados em bioensaios para caracterizar as propriedades alelopáticas desses compostos. Ao mesmo tempo, os pontos fortes e as limitações de cada procedimento são apresentados. Estabelecer pontos de partida comuns pode vir a ser passo importante para superar as dificuldades de entendimento das grandezas expressas e do valor biológico que os resultados apresentados podem significar. Uniformizar os procedimentos é, sem dúvida, questão ímpar quando se pensa na dimensão que a alelopatia pode representar em futuro próximo.

MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE ALELOPÁTICA

Os estudos em condições de laboratório

Avaliação de extratos brutos: um dos procedimentos mais empregados em fase de inicial de prospecção de atividade alelopática de determinada planta é o uso de extratos brutos. Essa prática é mais frequente em países onde as pesquisas estão em fase ainda bem inicial, com pouca ou nenhuma atividade voltada para o isolamento e a identificação de aleloquímicos, embora se deva reconhecer que, mesmo nos países onde as pesquisas estão mais avançadas, trabalhos com essas características são encontrados. Em geral, os trabalhos envolvendo essa técnica utilizam extratos de alta polaridade, como os extratos aquosos, hidroalcoólicos ou mesmo metanólico. O que está por trás desse procedimento é a ideia de que os compostos químicos de alta polaridade possuem, também, alta atividade alelopática, o que, de alguma maneira, pode refletir o potencial alelopático das espécies doadoras em estudo. Isso, em alguma medida, é verdadeiro, especialmente quando se sabe que os compostos fenólicos possuem alta atividade alelopática e são de alta polaridade, com alguns deles solúveis em água.

Entretanto, tal abordagem limita o conhecimento mais amplo sobre as reais potencialidades alelopáticas da planta em estudo. Deve-se ter em mente que as plantas produzem um sem-número de metabólitos com diferentes polaridades, sendo algumas de baixa polaridade, outras de média e, finalmente, os compostos químicos de alta polaridade. Muitos dos aleloquímicos de baixa polaridade possuem alta atividade alelopática, como os monoterpenos, monoterpenos oxigenados, diterpenos e outros, os quais, quando se exploram apenas os extratos de alta polaridade, são perdidos. Um bom exemplo desses aspectos são os óleos essenciais, formados, basicamente, por compostos de baixa polaridade; contudo, em estudo de avaliação da atividade alelopática, eles têm evidenciado alta atividade fitotóxica.

Dessa forma, em estudos de exploração inicial, especialmente quando não há qualquer informação sobre a espécie, o desejável é que se preparem dois tipos de extrato: um de baixa polaridade (utilizando extração exaustiva com hexano) e outro de alta polaridade (tendo como eluente a água ou mesmo o metal ou água + metanol). Esse procedimento permitirá avaliação mais realista das reais potencialidades da planta como fornecedora de agentes alelopáticos.

A planta receptora: um dos aspectos que mais exercem influência nos resultados dos bioensaios de alelopatia é a planta receptora. Em muitos dos trabalhos disponíveis na literatura, observa-se a utilização de uma única espécie (Kato-Noguchi et al., 1994; Xuan & Tsuzuki, 2002; Nishihara et al., 2005); em outros, duas ou mesmo mais espécies (Kongo et al., 1999) são empregadas na avaliação dos efeitos alelopáticos. A espécie mais utilizada como planta indicadora é sem dúvida a alface (Lactuca sativa). O problema é que ela é extremamente sensível aos efeitos tanto de extratos brutos como de aleloquímicos. Essa característica é importante quando se precisa identificar atividades sutis, porém pode induzir a erros, pois pode levar a superestimar a atividade fitotóxica ou mesmo induzir fitotoxicidade onde na realidade ela não existe ou é inexpressiva. Esse problema é especialmente crucial quando se tem na alface a única espécie receptora.

Nos bioensaios onde se avaliam diferentes espécies como receptoras - entre elas a alface - observa-se que a tendência geral é de que os efeitos de maior magnitude estejam incidindo sobre a alface (Macias et al., 2000; Kato-Noguchi, 2003; Shao et al., 2005; Nasir et al., 2005). Aparentemente, o uso de mais de uma espécie permite melhor dimensionamento das reais potencialidades alelopáticas das espécies doadoras do que simplesmente utilizar uma única espécie, além de possibilitar inferências mais amplas e mais próximas da realidade. Por exemplo, pode-se consi-derar que entre as espécies receptoras esteja uma sensível, outra medianamente sensível e outra de baixa sensibilidade.

Bioensaios de germinação: a germinação de sementes é bom indicador das reais potencialidades de um dado aleloquímico (Chiapusio et al., 1997) e, por isso, tem sido largamente utilizada em bioensaios de alelopatia. Entretanto, grandes variações nas abordagens podem ser observadas, o que aponta para a falta de padronização. Em alguns estudos avaliam-se apenas os efeitos sobre a germinação total, enquanto em outros abordagens mais amplas são encontradas, envolvendo, além da germinação total, o índice de velocidade de germinação (IVG), o qual pode ser calculado de várias maneiras. Wardle et al. (1991) estabeleceram a fórmula a seguir, que pode ser empregada sem maiores problemas:

IVG = [N1/1 + N2/2+ N3/3 + ... Nn/n] x 100

em que N1, N2, N3 e Nn são a proporção de sementes germinadas no primeiro, segundo, terceiro e enésimo dias após a semeadura nas placas de Petri, respectivamente. Assim, o IVG pode variar de 0 (se nenhuma semente germinar) a 100 (se todas as sementes germinarem no primeiro dia).

Em geral, as sementes das plantas daninhas são dotadas de mecanismos de dormência, os quais podem ser manipulados, de modo que forneçam percentuais de germinação superiores a 80% (Souza Filho et al., 1998) ou mesmo 70% (Azania et al., 2003). Nos estudos de alelopatia, as sementes dormentes poderiam ser de grande valia na determinação de efeitos estimulatórios. Entretanto, essa propriedade pode levar a interpretação equivocada, porque a indução da germinação não necessariamente implica desenvolvimento das plantas, sobretudo em condições ambientais desfavoráveis.

Os bioensaios de germinação de sementes são, habitualmente, conduzidos em câmeras de germinação, em condições controladas de temperatura e luz, com duração de tempo variável, normalmente entre 7 e 10 dias, embora período de tempo de duração inferior seja encontrado. Em determinados casos, a temperatura é contínua e, em outros, alternada com tempo de duração para claro/escuro bem variado, dependendo das exigências da espécie receptora. Em alguns casos, ao final do período de incubação, contam-se as sementes germinadas e calculam-se, comparativamente ao tratamento testemunha, os efeitos alelopáticos. Em outros casos, contam-se diariamente as sementes e eliminam-se aquelas germinadas, especialmente quando se tem interesse em determinar o índice de velocidade de germinação. Nesses procedimentos, são consideradas sementes germinadas aquelas que apresentam extensão radicular igual ou superior a 2,00 mm (Juntila, 1976; Duram & Tortosa, 1985).

Muitos são as condicionantes que afetam a germinação de sementes em condições de bioensaios, além da luz e da temperatura. Um bom exemplo desses fatores é o potencial osmótico da solução-teste. Em geral, nos bioensaios, a água destilada é empregada como controle, sendo as diferenças observadas entre as duas condições (extrato/substância e água destilada) atribuídas aos efeitos alelopáticos. Todavia, o potencial osmótico, notadamente de extratos brutos, desempenha efetivo papel aditivo no resultado geral, contribuindo para maior inibição da germinação, o que significa não só superestimar os efeitos alelopáticos, em determinados casos, como, ainda, admitir a existência de alelopatia em casos onde não exista (Wardle et al., 1992). O potencial osmótico de uma dada solução é proporcional à concentração desta. Dessa forma, quanto maior a concentração-teste, maiores devem ser os cuidados no sentido de isolar os efeitos osmóticos.

As plantas respondem diferentemente ao potencial osmótico. Por exemplo, para alfafa e azevém, extratos com potencial osmótico abaixo de 0,25 MPa não são hipertônicos para a germinação de sementes (Smith, 1989). Para Sorghum almum, condições de potencial osmótico variando até 0,5 MPa não afetam a germinação das sementes, porém para valores de 1,5 MPa a germinação é totalmente inibida (Eberlein, 1987). Os resultados de Everitt (1987), Souza Filho & Alves (2000a,b) e Chou (1989) também apontam para a necessidade de conhecer os efeitos do potencial osmótico para cada espécie em estudo em bioensaios de alelopatia, a fim de evitar seus efeitos aditivos e aquilatar com mais precisão as reais potencialidades do material em estudo, seja extrato bruto ou mesmo frações ou aleloquí-micos.

Outro fator a ser levado em conta é o número de sementes empregado por cada placa de Petri. Observa-se, também nesse ponto, ampla faixa de variação, que vai desde 5 até 50 sementes por placa de Petri. Poucos estudos são encontrados na literatura abordando a relação entre densidade de sementes e intensidade dos efeitos alelopáticos inibitórios. As informações disponíveis estão restritas basicamente aos trabalhos de Souza Filho et al. (2003), Tseng et al. (2003) e Weidenhamer et al. (1989), que estudaram diferentes densidades de sementes por placa de Petri e verificaram que, quanto maior o número de sementes, menores foram os efeitos inibitórios alelopáticos. Adicionalmente, houve relação positiva entre a densidade e o tamanho das sementes. De outra maneira, quanto maiores eram as sementes, maiores eram as interferências da sua densidade. Conquanto se reconheça o número limitado de informações disponível, esses dois pontos não podem deixar de ser considerados como fonte de interferência em bioensaios de germinação.

Outra preocupação é o volume de solução a ser adicionado em cada placa de Petri. Naturalmente que o volume deve levar em conta o tamanho das placas. A preocupação maior deve ser não gerar condições anaeróbicas, que são limitantes para a germinação das sementes. O volume, entretanto, deve ser o ótimo para produzir a turgescência das sementes nas 24 horas subsequentes. No laboratório, para placas de Petri de 9,0 cm de diâmetro, têm-se utilizado 3,0 mL de solução-teste. Para esse volume, não foi observada restrição na absorção das soluções-teste. Obviamente que, para placas de dimensões superiores, valores maiores deverão ser considerados com vistas a proporcionar as perfeitas condições para que a semente germine sem, entretanto, levar a restrições do tipo anaeróbico.

Bioensaios de desenvolvimento: tradicionalmente, abordam-se os bioensaios de desenvolvimento ou crescimento de plantas separadamente daqueles de germinação de sementes, embora em muitos casos estudem-se tanto os efeitos sobre a germinação como sobre o desenvolvimento no mesmo bioensaio. Basicamente, os procedimentos, no segundo caso, envolvem a incubação de placas de Petri/Gerbox por um determinado período de tempo, ao final do qual contam-se as sementes germinadas e medem-se ou pesam-se as raízes e o hipocótilo. O problema, quando se usa o mesmo bioensaio, é que tanto os extratos como as substâncias afetam o índice de velocidade de germinação (IVG). Dessa forma, ao se medir o alongamento da radícula e do hipocótilo ao final de um dado período de tempo de crescimento, estão sendo medidos também os efeitos sobre o IVG, o que leva a superestimar os efeitos alelopáticos. Assim, o desejável é realizar as avaliações em bioensaios separados.

Em nosso laboratório, tem-se trabalhado em bioensaios separados: germinação e de desenvolvimento. Essa técnica envolve o uso de sementes pré-germinadas, com dois ou, no máximo, três dias de germinação. Esses pro-cedimentos permitem o uso de sementes com radículas bem uniformes quanto ao tamanho, o que possibilita bom controle das parcelas experimentais, evitando, dessa forma, altos níveis de variância. Os trabalhos de Arruda et al. (2005), Vilhena et al. (2009) e Santos et al. (2007) são bons exemplos da aplicação dessa técnica.

Os procedimentos descritos na literatura para os bioensaios de alongamento da radícula e do hipocótilo são muito semelhantes aos descritos para a germinação de sementes, em relação à temperatura e ao tempo de exposição à luz. O tempo de duração dos bioensaios é variado: de apenas 3 três dias, podendo chegar a 10. Em determinados casos, a avaliação é feita medindo-se o comprimento da radícula e do hipocótilo; em outros, a avaliação é feita obtendo-se o peso seco. A razão radícula/hipocótilo, em alguns poucos casos, tem merecido atenção. Seja qual for o procedimento adotado, algumas informações importantes deixam de ser computadas, como, por exemplo, deformidades na radícula, aparecimento ou não de radicelas e de pelos nas raízes e, ainda, o surgimento de necroses, informações que poderiam auxiliar e ampliar o entendimento dos mecanismos de ação dos aleloquímicos.

O volume de solução testada é outro fator que tem variado consideravelmente nos bioensaios. Leather & Einhellig (1986), em ampla revisão sobre o tema, relatam volumes que vão desde 25 mL a 140 mL de solução-teste. Em nosso laboratório, têm-se utilizado para placa de Petri de 9,0 cm de diâmetro apenas 3,0 mL de solução. Esse volume tem propiciado resultado satisfatório, e não têm sido observados efeitos deletérios devido ao fator anaeróbico. Obviamente que o volume da solução a ser adicionado depende, em primeira instância, do tamanho do gerbox ou da placa de Petri; quanto maiores os recipientes, maiores podem ser os volumes empregados. Testes pré-experimentais podem, facilmente, fornecer informações confiáveis a esse respeito.

Comparativamente, os bioensaios de alongamento da radícula têm se mostrado mais sensíveis aos efeitos alelopáticos do que a germinação de sementes. Por exemplo, Souza Filho et al. (2005), trabalhando com diferentes concentrações do ácido p-cumário, observaram que para promover 28% de inibição da germinação de sementes de Mimosa pudica foi necessário concentração de 8,0 mg L-1; enquanto para promover a mesma taxa de inibição da radícula precisou-se de concentração inferior a 1,0 mg L-1. Lobo et al. (2008), utilizando a planta daninha Mimosa pudica como planta indicadora dos efeitos da substância catequina, verificaram inibição da germinação das sementes da ordem de 33%, para concentração de 20 mg L-1; a fim de obter a mesma inibição do desenvolvimento da radícula, porém a concentração exigida foi inferior a 5,0 mg L-1. Entretanto, quando se estudam os óleos essenciais, pequenas variações podem ser observadas em relação a intensidades dos efeitos fitotóxicos sobre a germinação e o desenvolvimento da radícula, podendo estes ser de mesma magnitude (Souza Filho et al., 2009a) ou mais intensos sobre a germinação das sementes, conforme observado por Souza Filho et al. (2009b).

Sinergismos e antagonismo entre substâncias: em comunidade de plantas, as interferências atribuídas ao fator alelopatia são o resultado não só da ação de um único, mas de diferentes aleloquímicos, que são liberados para o ambiente em concentrações, quantidades e épocas distintas. Considerando essas especificidades, pode-se assumir que a atividade biológica de uma dada mistura de aleloquímicos será determinada não apenas pela concentração de cada componente da mistura, como também pela interação entre eles. Nos poucos trabalhos em que essa hipótese é testada, a combinação entre os aleloquímicos envolve o uso de concentrações fixas e as inferências são ditadas em função dos efeitos promovidos em relação às substâncias isoladamente. Por exemplo, se os efeitos promovidos pelas substâncias, testadas juntas, forem de maior magnitude do que quando testadas isoladamente, pode-se afirmar que há sinergismo entre elas (Figura 1A). Caso contrário, se os efeitos forem de menor inten-sidade, pode-se inferir pela existência de antagonismo (Figura 1B). Os trabalhos de Vokou et al. (2003) e Einhellig et al. (1982) são bons exemplos dessa abordagem.



Tradicionalmente, nos procedimentos empregados nesse tipo de abordagem, emprega-se a mesma concentração para as duas substâncias - por exemplo, 200 mg L-1 para cada uma das substâncias. Para a combinação das duas substâncias, embora os procedimentos nunca sejam claros, supõe-se que seja adicionada a mesma concentração de cada substância, o que corresponde a 200 mg L-1 (substância 1) + 200 mg L-1 (substância 2), correspondendo a um total de 400 mg L-1. Esse é ponto limitante, até porque a concentração é fator determinante nos efeitos alelopáticos; talvez por isso mesmo efeitos sinérgicos sejam bem mais documentados do que os antagônicos.

Outro ponto a ser observado nesse tipo de abordagem é que esses procedimentos fornecem resultados de difícil interpretação quando as substâncias analisadas têm intensidades de atividades inibitórias muito diferentes. Um bom exemplo disso é apresentado na Figura 2, empregando dois estilbenos:

S1 = 4-metoxilochocarpeno

S2 = 3,5-dimetoxi-4'-O-prenil-trans-estilbeno


Observa-se que S1+S2 produziu efeito superior a S1, porém inferior a S2. A dificuldade de interpretar esse resultado reside no fato de que: a substância S1 é antagônica a S2; e a substância S2 apresenta efeito sinérgico sobre S1. Adicionalmente a esse resultado, Lobo (2009), em seu trabalho, constatou que, para determinadas combinações de diidroflavonoides e de estilbenos, efeitos antagônicos foram observados para a germinação de sementes da planta daninha malícia (Mimosa pudica), enquanto para o desenvolvimento da radícula e do hipocótilo os efeitos eram sinérgicos. O conjunto dessas informações aponta para possíveis dificuldades de interpretação para alguns resultados que a metodologia fornece.

Recentemente, Souza Filho (2006) propôs um modelo prático (Figura 3) constante de quatro possibilidades de resultados para a combinação de pares de aleloquímicos. Esse modelo preconiza o uso de substâncias na mesma concentração, quer isoladamente, quer em associação. Na Tabela 1, apresenta-se uma proposta teórica em relação a uma provável concentração a ser testada, na avaliação de efeitos entre dois aleloquímicos.


O modelo proposto envolve quatro possibilidades diferentes de resposta, como segue:

Possibilidade A - admite que toda e qualquer combinação entre as duas substâncias produz efeitos alelopáticos inibitórios sempre superiores àqueles efetivados pelas substâncias isoladas. Uma vez essa possibilidade manifestada, admite-se a existência de sinergismo entre as substâncias.

Possibilidade B - apresenta conformação inversa à da possibilidade A. Nesse caso, admite-se que as substâncias puras têm maior potencial inibitório do que qualquer combinação entre as substâncias e, dessa forma, concebe-se a existência de efeitos antagônicos entre as substâncias.

Possibilidade C - as combinações entre as duas substâncias nas proporções de 3:1 e 1:1 são mais efetivas na inibição do que a substância S1 pura/ adicionalmente, para todas as combinações entre as duas substâncias, as inibições são de intensidade à daquelas promovidas pela substância S2; nesse caso, admite-se que S2 potencializa os efeitos de S1.

Possibilidade D - é inversa à possibilidade C e mostra que a substância S1 potencializa a atividade da substância S2.

em que A = uma dada substância S1 pura; B = proporção de 3:1 de S1+S2; C = proporção de 1:1 de S1+S2; D = proporção de 1:3 de S1+S2; e E = substância S2 pura.

No escopo do processo metodológico de avaliação de atividade alelopática de extratos brutos ou mesmo de frações ou, ainda, substâncias puras (bioensaios em condições de laboratório), observa-se considerável variação nos protocolos empregados, mesmo para abordagens similares. A principal consequência dessas variações é a dificuldade de realizar comparações entre dois ou mais trabalhos de pesquisas com o mesmo enfoque. Contudo, as dificuldades não param aí: alguns dos efeitos obtidos são ou de difícil interpretação ou se constituem em fator que leva a percepções equivocadas em relação às informações disponíveis na literatura. Adicionalmente, protocolos inadequados podem redundar na obtenção de efeitos não representativos da realidade, ou porque estão superestimados ou mesmo porque induzem atividade alelopática onde, na realidade, ela não existe. Esses pontos mostram claramente a necessidade urgente do refinamento e da padronização dos atuais protocolos utilizados nesses tipos de avaliação.

Naturalmente, muitas das incongruências observadas são fruto do fato de a alelopatia, como ciência, estar na sua fase juvenil de consolidação, havendo ainda um longo caminho a ser percorrido até que muitas das limitações metodológicas observadas no presente sejam adequadamente equacionadas. Entretanto, o nível atual de conhecimento, referente aos processos metodológicos, aponta para a existência de um conjunto de protocolos que, uma vez empregados de forma sistemática, possibilitam, com bom grau de segurança, a obtenção de resultados mais confiáveis e globais, o que pode redundar em inferências mais próximas da realidade e, assim, refletir, de forma mais contundente, o real papel que a alelopatia pode desempenhar na dinâmica das espécies ou no estabelecimento de estratégias de manejo de plantas daninhas.

LITERATURA CITADA

Recebido para publicação em 10.11.2009 e na forma revisada em 3.9.2010.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Out 2010
  • Data do Fascículo
    2010

Histórico

  • Revisado
    03 Set 2010
  • Recebido
    10 Nov 2009
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