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Estrutura do tegumento seminal de quatro espécies de Leguminosae (Caesalpinioideae), ocorrentes numa área de caatinga (PE Brasil)

Structure of the seed coat in four species of the Leguminosae (Caesalpinioideae), occuring in the caatinga (PE Brazil)

Resumos

Neste estudo observou-se que os tegumentos seminais de Caesalpinia ferrea, C. pyramidalis, Senna martiana e S. spectabilis var. excelsa estão compostos de um estrato de macrosclereídes, revestido por cutícula e subcutícula, seguido por uma camada de osteosclereídes, parênquima esclerificado e camada interna também de osteosclereídes. A impermeabilidade dos tegumentos seminais, possivelmente, se restringe à região das macroesclereídes.


According to this paper, the seminal coats of Caesalpinia ferrea, C. pyramidalis, Senna martiana and S. spectabilis var. excelsa were composed of one layer of macrosclereids, coated by a cuticle and a subcuticle layer, followed by a layer of osteosclereids, sclerified parenchyma and another inner layer of osteosclereids. The impermeability of these seed seminal coats is probably restricted to the macrosclereids region.

Leguminosae; seeds; coat; impermeability


Estrutura do tegumento seminal de quatro espécies de Leguminosae (Caesalpinioideae), ocorrentes numa área de caatinga (PE ­ Brasil)

GLADYS FLÁVIA DE A. MELO-PINNA11. Departamento de Botânica, Universidade Federal de Pernambuco, Cidade Universitária, 50372-970 Recife, PE, Brasil. Departamento de Botânica, Universidade Federal de Pernambuco, Cidade Universitária, 50372-970 Recife, PE, Brasil. , MARCILÉA SANTOS MARTINS NEIVA21. Departamento de Botânica, Universidade Federal de Pernambuco, Cidade Universitária, 50372-970 Recife, PE, Brasil. Departamento de Botânica, Universidade Federal de Pernambuco, Cidade Universitária, 50372-970 Recife, PE, Brasil. e DILOSA CARVALHO DE ALENCAR BARBOSA11. Departamento de Botânica, Universidade Federal de Pernambuco, Cidade Universitária, 50372-970 Recife, PE, Brasil. Departamento de Botânica, Universidade Federal de Pernambuco, Cidade Universitária, 50372-970 Recife, PE, Brasil.

(recebido em 13/04/98; aceito em 12/05/99)

ABSTRACT - (Structure of the seed coat in four species of the Leguminosae (Caesalpinioideae), occuring in the caatinga (PE ­ Brazil)). According to this paper, the seminal coats of Caesalpinia ferrea, C. pyramidalis, Senna martiana and S. spectabilis var. excelsa were composed of one layer of macrosclereids, coated by a cuticle and a subcuticle layer, followed by a layer of osteosclereids, sclerified parenchyma and another inner layer of osteosclereids. The impermeability of these seed seminal coats is probably restricted to the macrosclereids region.

RESUMO - (Estrutura do tegumento seminal de quatro espécies de Leguminosae (Caesalpinoideae), ocorrentes numa área de caatinga (PE ­ Brasil)). Neste estudo observou-se que os tegumentos seminais de Caesalpinia ferrea, C. pyramidalis, Senna martiana e S. spectabilis var. excelsa estão compostos de um estrato de macrosclereídes, revestido por cutícula e subcutícula, seguido por uma camada de osteosclereídes, parênquima esclerificado e camada interna também de osteosclereídes. A impermeabilidade dos tegumentos seminais, possivelmente, se restringe à região das macroesclereídes.

Key words - Leguminosae, seeds, coat, impermeability

Introdução

As Leguminosae compreendem uma das maiores famílias dentre as dicotiledôneas, com cerca de 650 gêneros que reúnem mais de 18000 espécies. A subfamília Caesalpinioideae consiste de aproximadamente 150 gêneros e 2200 espécies, distribuídas nas regiões tropicais e subtropicais (Cronquist 1981).

Vários trabalhos foram realizados sobre anatomia das sementes de Leguminosae, como os de Isely (1955), Gunn (1981), Beltrati & Paoli (1989), Oliveira & Beltrati (1994) e Serrato-Valenti et al. (1992). Por ser um ecossistema ainda pouco estudado, no que diz respeito à anatomia vegetal, a caatinga representa uma fonte de novas pesquisas com grande importância na elucidação de problemas morfo-anatômicos e fisiológicos.

A proposta deste trabalho é caracterizar morfo-anatomicamnte o tegumento seminal de quatro espécies de Leguminosae (Caesalpinioideae), amplamente distribuídas na caatinga, e relacionar a permeabilidade do tegumento com as condições ambientais.

Material e métodos

Foram estudadas as sementes de Caesalpinia ferrea Mart. ex Tul. (jucá, pau-ferro), C. pyramidalis Tul. (catingueira), Senna martiana (Benth.) Irwin & Barneby (canafístula) e S. spectabilis (D.C.) Irwin & Barneby var. excelsa (Schrad) Irwin & Barneby (canafístula-de-besouro) coletadas em uma área de caatinga, localizada no município de Alagoinha-PE.

As sementes foram coletadas, fixadas em FAA 50 e posteriormente conservadas em etanol 70% (Johansen 1940). Foram feitos cortes à mão livre e em micrótomo rotativo. Neste caso, o material foi previamente desidratado e incluído em parafina, conforme descrito por Johansen (1940) e Sass (1958). Para os cortes à mão livre, procedeu-se a embebição prévia das sementes em glicerina 50% por aproximadamente quatro horas, a fim de conseguir o amolecimento dos envoltórios. Foi utilizada dupla coloração, azul de astra e fucsina básica (Kraus et al. 1998).

As fotomicrografias foram obtidas do Fotomicroscópio Olympus - Vanox e as ilustrações através da câmara clara acoplada ao microscópio. Foram realizadas 40 medidas, para cada espécie, do comprimento da camada paliçádica utilizando-se de ocular micrométrica acoplada ao microscópio óptico.

Para o teste de permeabilidade, sementes das quatro espécies foram embebidas em solução 1% de azul de metileno por 24 horas. Parte dessas sementes foram escarificadas mecanicamente, utilizando-se lixa de ferro, para retirar a camada paliçádica. Posteriormente, essas sementes foram seccionadas e analisadas em microscopia óptica, para determinar o limite de penetreção do corante que apresenta peso molecular próximo ao da água.

Testes histoquímicos foram realizados para amido e celulose, evidenciados com fluroglucina ácida; substâncias lípidicas com sudan IV; mucilagem e substâncias pécticas, através de azul de metileno (Johansen 1940, Sass 1958).

Especimes-testemunho de cada espécie encontram-se depositados no Herbário da Universidade Federal de Pernambuco (UFP), sob os números de registro 14027, 14028, 14029 e 14030.

Resultados

De um modo geral, as quatro espécies apresentam estrutura do tegumento bastante similar.

Em uma descrição da estrutura do tegumento, observou-se a presença de uma camada paliçádica, formada por macrosclereídes alongadas no sentido radial (figura 1 ), dispostas compactamente e constituídas de paredes celulares desigualmente espessas; tendo uma forma cônica a porção superior (figura 2 ). Comparando-se as quatro espécies, há uma variação no comprimento das macroesclereídes: C. ferrea ( c = 100 µm), C. pyramidalis (c = 90 µm), S. martiana (c = 52 µm) e S. spectabilis var. excelsa (c = 30 µm).

Figuras 1-4. Corte transversal da semente.1. Caesalpinia ferrea, evidenciando parte do tegumento externo com presença da linha lúcida (seta), osteosclerídeos externos (os) e camada paliçádica (p). 2. C. pyramidalis, macroesclereídes (seta), com a extremidade superior cônica, em material dissociado. 3. C. pyramidalis, evidenciando pleurograma (seta). 4. C. pyramidalis, extrato cuticular (seta) e parênquima paliçádico (p). Escala = 100 µm, exceto figura 1 = 50 µm.

A linha lúcida, linha refrativa que percorre transversalmente as macrosclereídes através de todo o tegumento, localiza-se um pouco acima da metade destas células (figuras 1 e 3 ). Acima da camada paliçádica, foi observado, para todas as espécies, extrato cuticular (figura 4 ) de natureza mucilaginosa, o qual é facilmente retirado após embebição da semente em solução aquosa.

Abaixo da camada paliçádica, ocorrem osteosclereídes, formando apenas uma camada de células geralmente colunares (figura 1 ), com as extremidades distais dilatadas e apresentando uma constrição mediana que lhes confere forma característica.

Parênquima, ocorrendo entre as camadas externa e interna de osteosclereídes, formado por células de paredes espessadas (figura 3 ), de natureza celulósica. Tais células são um pouco mais alongadas no sentido hilo-chalasa, e estão dispostas em estratos numericamente variáveis conforme a região da semente (figura 5 ).

Figura 5. Representação esquemática de um corte transversal da semente de Senna spectabilis var. excelsa evidenciando a irregularidade do tegumento e a disposição dos feixes vasculares nas regiões da chalaza e da micrópila (escala 100 µm). * Região correspondente ao parênquima, situada entre as duas camadas de osteosclereídes.

Com relação ao suprimento vascular, observou-se a presença de feixes anfivasais na região da micrópila e da chalaza (figuras 5 e 6 ).

Figuras 6-7. Corte longitudinal da semente. 6. Senna martiana, feixe vascular (seta) e parênquima paliçádico (p). 7. Caesalpinia pyramidalis, pleurograma bastante evidenciado (seta). Escalas = 50 µm (figura 6 ) e 100 µm (figura 7 ).

Pleurograma foi obsevado apenas em Caesalpinia pyramidalis (figura 7 ). Nas demais espécies, o tegumento apresenta-se irregular como em Senna spectabilis var. excelsa (figura 5 ), mas não foi observada linha fissural na camada paliçádica, que caracteriza o pleurograma.

As secções histológicas feitas em sementes imersas em solução aquosa de azul de metileno revelaram que este corante penetra em níveis diferentes nos tegumentos. No entanto, nas quatro espécies, foi observado que o corante não ultrapassa a porção cônica das macrosclereídes, exceto nas sementes que foram previamente escarificadas. Estas apresentaram uma penetração de azul de metileno até o endosperma.

Discussão

Os caracteres estruturais como a presença da linha lúcida em toda a extensão do tegumento externo, camada paliçádica e osteosclereídes bastante evidente, observados no tegumento seminal das quatro espécies estudadas no presente trabalho, foram descritos por outros autores (Corner 1976, Crestana & Beltrati 1988 e Beltrati & Paoli 1989), em sementes de espécies de Caesalpinioideae.

Algumas pesquisas demonstram que a posição da linha lúcida é variável. De acordo com Netolitzky,1926 (apud Margarido 1977), na maioria dos casos, ela situa-se logo abaixo da cutícula ou do estrato mucilaginoso, podendo, entretanto, cruzar à altura da metade da célula epidérmica, como em Gleditschia e Caesalpinia. No presente trabalho, não foi observada variação da posição da linha lúcida, incluindo as duas espécies de Caesalpinia.

Os testes de embebição com azul de metileno revelaram que, nas quatro espécies estudadas, a exemplo do que ocorre com a maioria das Leguminosae (tegumento mais resistente), a ação impermeabilizante do tegumento de suas sementes, possivelmente se restringe à região cônica das macroesclereídes. Gopinathan & Babu (1985) afirmam que se a camada de Malpighi (macroesclereídes) está presente, implica na impermeabilidade. Cavanagh (1983), por sua vez, estudando a estrutura da semente de Acacia, conclui que a impermeabilidade destas sementes é devido principalmente à estrutura destas células, como consequência, a viabilidade destas sementes é muito longa.

Outros autores têm demonstrado que a impermeabilidade das sementes de Leguminosae tem sido atribuída a diferentes regiões da camada paliçádica Cavazza (1950), Corner (1951), Werker et al. (1973) e Werker (1980).

Margarido (1977), estudando Dimorphandra mollis (Leguminosae) ocorrente no cerrado, verificou a presença de sementes no solo, durante período de estiagem, com um leve destacamento do tegumento na região do pleurograma, sugerindo que a embebição seria facilitada nessa área, durante a estação chuvosa. Outros pesquisadores como Boelcke (1946) e Lima (1985) também fazem referência à presença de uma linha fissural (pleurograma) nas sementes de Leguminosae, sugerindo ser uma região de maior fragilidade à superfície do tegumento.

No presente trabalho, constatou-se que após escarificação mecânica das sementes, e conseqüente retirada da camada paliçádica, o azul de metileno penetrou em área maior, chegando a alcançar o endosperma. Isso corrobora com os diversos autores, mencionados anteriormente, que caracterizam a camada paliçádica como responsável pela impermeabilidade da semente.

Na área de estudo do presente trabalho, o período de estiagem é extenso, característico da caatinga. No caso das quatro espécies estudadas, o período de frutificação ocorre durante o período de estiagem. Devido à alta temperatura, há rompimento do tegumento, possivelmente, a partir do pleurograma em C. pyramidalis. Com isto, quando houver disponibilidadae de água, as sementes são potencialmente capazes de absorver água e, conseqüentemente iniciar o processo de germinação.

Embora nas demais espécies não tenha sido observado pleurograma, acredita-se que a irregularidade do tegumento, juntamente com as fissuras causadas pela elevada temperatura, facilitem a penetração da água. Comparando estes resultados, pode-se concluir que C. pyramidalis está mais adaptada às condições xéricas e que representa um excelente material para trabalhos de reflorestamento de áreas degradadas na caatinga.

Agradecimentos - À Dra Nanuza Luiza de Menezes (USP, São Paulo ) pela imprescindível colaboração na realização deste trabalho; ao CNPq pela concessão da bolsa de estudo.

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2. Mestrado em Biologia Vegetal, Universidade Federal de Pernambuco. Bolsista do CNPq.

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  • 1. Departamento de Botânica, Universidade Federal de Pernambuco, Cidade Universitária, 50372-970 Recife, PE, Brasil.
    Departamento de Botânica, Universidade Federal de Pernambuco, Cidade Universitária, 50372-970 Recife, PE, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Out 2000
    • Data do Fascículo
      Dez 1999

    Histórico

    • Recebido
      13 Abr 1998
    • Aceito
      12 Maio 1999
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