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Anatomia do eixo vegetativo de Dahlstedtia pinnata (Benth.) Malme e D. pentaphylla (Taub.) Burk. (Leguminosae, Papilionoideae)

Vegetative axis anatomy of Dahlstedtia pinnata (Benth.) Malme and D. pentaphylla (Taub.) Burk. (Leguminosae, Papilionoideae)

Resumos

As plantas do gênero Dahlstedtia ocorrem exclusivamente no Brasil, em áreas de Mata Atlântica. O gênero é constituído por duas espécies, D. pinnata e D. pentaphylla, embora muitos autores o considerem monotípico. O objetivo deste trabalho é estudar comparativamente a anatomia do eixo vegetativo e verificar a presença de caracteres anatômicos importantes para subsidiar a delimitação destas espécies. Os caracteres anatômicos encontrados no eixo vegetativo que poderiam diferenciar as duas espécies são, em sua maioria, quantitativos, devendo ser utilizados com cautela para a identificação dos taxa, pois nem sempre são constantes num grupo. Entretanto, a presença de idioblastos cristalíferos no floema do caule em estrutura secundária de D. pentaphylla, um menor número de camadas de fibras no caule em estrutura primária em D. pinnata e a origem das cavidades secretoras em níveis diferentes na gema caulinar podem se constituir em caracteres distintivos para as duas espécies.


Dahlstedtia Malme is a Neotropical genus, native to the Brazilian Atlantic forest, with two species. It is considered monotypic by many authors. The comparative anatomy of the vegetative axis was studied in order to verify the presence of anatomical characters that can help in the species delimitation. In spite of the anatomical similarity between species, some distinctive characters were found, like the presence of crystalliferous idioblasts in the secondary phloem of D. pentaphylla stem, a smaller number of primary stem fibre layers in D. pinnata, and the region of the secretory cavities origin in the shoot apex. As some differences were quantitative, they must be carefully used in species taxonomic delimitation.

Anatomy; vegetative axis; Leguminosae; Dahlstedtia


Anatomia do eixo vegetativo de Dahlstedtia pinnata (Benth.) Malme e D. pentaphylla (Taub.) Burk. (Leguminosae, Papilionoideae)

SIMONE DE PÁDUA TEIXEIRA1,2,31. Parte da dissertação de mestrado de S. P. Teixeira apresentada na Unicamp. 2. Depto. de Botânica, Universidade Estadual de Campinas. Caixa. Postal 6109, 13081-970 Campinas, SP, Brasil. e ANTONIO CARLOS GABRIELLI21. Parte da dissertação de mestrado de S. P. Teixeira apresentada na Unicamp. 2. Depto. de Botânica, Universidade Estadual de Campinas. Caixa. Postal 6109, 13081-970 Campinas, SP, Brasil.

(recebido em 8 de maio de 1998; aceito em 30 de setembro de 1999)

ABSTRACT - (Vegetative axis anatomy of Dahlstedtia pinnata (Benth.) Malme and D. pentaphylla (Taub.) Burk. (Leguminosae, Papilionoideae). Dahlstedtia Malme is a Neotropical genus, native to the Brazilian Atlantic forest, with two species. It is considered monotypic by many authors. The comparative anatomy of the vegetative axis was studied in order to verify the presence of anatomical characters that can help in the species delimitation. In spite of the anatomical similarity between species, some distinctive characters were found, like the presence of crystalliferous idioblasts in the secondary phloem of D. pentaphylla stem, a smaller number of primary stem fibre layers in D. pinnata, and the region of the secretory cavities origin in the shoot apex. As some differences were quantitative, they must be carefully used in species taxonomic delimitation.

RESUMO - (Anatomia do eixo vegetativo de Dahlstedtia pinnata (Benth.) Malme e D. pentaphylla (Taub.) Burk. (Leguminosae, Papilionoideae). As plantas do gênero Dahlstedtia ocorrem exclusivamente no Brasil, em áreas de Mata Atlântica. O gênero é constituído por duas espécies, D. pinnata e D. pentaphylla, embora muitos autores o considerem monotípico. O objetivo deste trabalho é estudar comparativamente a anatomia do eixo vegetativo e verificar a presença de caracteres anatômicos importantes para subsidiar a delimitação destas espécies. Os caracteres anatômicos encontrados no eixo vegetativo que poderiam diferenciar as duas espécies são, em sua maioria, quantitativos, devendo ser utilizados com cautela para a identificação dos taxa, pois nem sempre são constantes num grupo. Entretanto, a presença de idioblastos cristalíferos no floema do caule em estrutura secundária de D. pentaphylla, um menor número de camadas de fibras no caule em estrutura primária em D. pinnata e a origem das cavidades secretoras em níveis diferentes na gema caulinar podem se constituir em caracteres distintivos para as duas espécies.

Key words: Anatomy, vegetative axis, Leguminosae, Dahlstedtia.

Introdução

As plantas do gênero Dahlstedtia (Leguminosae, Papilionoideae, Millettieae) apresentam porte arbustivo-arbóreo, folhas com 5-7-9 folíolos, inflorescências com flores grandes, tubulosas e de coloração vistosa. Ocorrem exclusivamente no Brasil, em áreas de Mata Atlântica.

O gênero foi estabelecido por Malme em 1905, sendo constituído por duas espécies: D. pentaphylla (Taub.) Burk. e D. pinnata (Benth.) Malme. Alguns autores, como Hutchinson (1964) e Geesink (1981) consideram o gênero monotípico, citando apenas a espécie D. pinnata.

O eixo vegetativo, notadamente o sistema radicular de espécies lenhosas, é pouco explorado em estudos taxonômicos, devido em parte à dificuldade de se coletar material para estudo. Em relação a outros órgãos da planta, as raízes revelam pequenas variações em suas estruturas. Entretanto, quando comparadas ao caule, numa mesma espécie, apresentam diferenças qualitativas e quantitativas em sua estrutura secundária (Machado et al. 1997). A organização da coifa e do meristema subapical, além de associações com micorrizas, podem prover mais dados taxonômicos, os quais, no entanto, são menos utilizados. Um exemplo é o uso da anatomia da raiz em estrutura secundária na identificação de oito gêneros de Caprifoliaceae (Gasson 1994).

Em relação ao caule, a anatomia nodal, em especial o estudo das lacunas foliares, é uma característica auxíliar na taxonomia, tanto de plantas lenhosas como de herbáceas (Howard 1979). A anatomia do xilema secundário, por sua vez, é de extrema valia na identificação de espécies, constituindo uma linha de pesquisa já consolidada.

O objetivo deste trabalho foi estudar a anatomia do eixo vegetativo de Dahlstedtia pinnata (Benth.) Malme e D. pentaphylla (Taub.) Burk. para estabelecer caracteres anatômicos que possam subsidiar a delimitação das duas espécies.

Material e métodos

Os materiais testemunha das duas espécies estudadas encontram-se no herbário da Universidade Estadual de Campinas (UEC) sob os números 28637, 28746, 33741 e 85232 para D. pentaphylla e 300, 17936, 59622 e 73684 para D. pinnata.

Neste estudo utilizaram-se raízes e caules em vários estádios de desenvolvimento, coletados de plântulas obtidas por germinação de sementes em câmara de crescimento, e de oito plantas adultas (quatro por espécie) coletadas no Complexo Botânico Monjolinho, Campinas, SP, e em áreas de encosta da Mata Atlântica nas regiões sul e sudeste. Os ápices caulinares foram coletados em plantas adultas após o período de floração.

O estudo anatômico foi realizado a partir de material fresco e fixado em FAA 50 (Johansen 1940). Os cortes obtidos a mão livre e em micrótomo de congelação foram corados com azul de toluidina diluído e montados em água ou, para preparações semi-permanentes, corados com azul de alcian e safranina aquosa e montados em gelatina glicerinada (Gerlach 1969). Para a confecção de lâminas permanentes, o material foi submetido às técnicas usuais de inclusão em parafina (Sass 1958), seccionados transversal e longitudinalmente em micrótomo rotativo, sendo os cortes corados com safranina e azul de alcian e montados em resina sintética (Gerlach 1969).

O diâmetro de 20 nódulos radiculares de D. pentaphylla foi medido com o auxílio de um paquímetro. Para análise anatômica, foram submetidos às técnicas de inclusão em parafina (Sass 1958), corados com ácido tânico/cloreto férrico/safranina e montados em resina sintética (O'Brien & McCully 1981).

Testes histoquímicos com sudan IV, lugol, solução de cloreto férrico, ácidos clorídrico e sulfúrico, floroglucina (Johansen 1940), cloreto de zinco iodado e ácido sulfúrico (Foster 1949) e solução aquosa de vermelho de rutênio (Jensen 1962) foram realizados em cortes de material fresco.

Para a obtenção das ilustrações foi utilizado um fotomicroscópio ZEISS II.

Resultados

A descrição anatômica a seguir é válida para as duas espécies, sendo ressaltadas apenas as diferenças existentes entre elas.

Ápice caulinar - O ápice caulinar apresenta formato cônico. A região promeristemática é constituída pela túnica, que apresenta duas camadas de células retangulares altas, e pelo corpo, formado por um maciço de células isodiamétricas e sem espaços entre si (figura 1). As células da região central do corpo apresentam-se maiores e menos coradas que as das regiões laterais. As células protodérmicas e as procambiais (figura 2) apresentam núcleo evidente e central e grande densidade citoplasmática. As do meristema fundamental apresentam tamanho maior que as demais células meristemáticas (figura 2) e seus núcleos são pequenos em relação ao seu tamanho.

Figuras 1
- 4. Seções longitudinais do ápice caulinar de Dahlstedtia (primeiros níveis de inserção dos primórdios foliares). 1. Ausência de cavidades secretoras em D. pinnata. Promeristema organizado em túnica (t) e corpo (*). Escala: 43µm. 2. Cavidades secretoras (seta) no meristema fundamental (*) de D. pentaphylla. p – células protodérmicas; pr – células procambiais. Escala: 35µm. 3. Detalhe da cavidade secretora (seta) e dos tricomas glandulares (seta). Escala: 35µm. 4. Detalhe de uma cavidade secretora (seta). Escala: 30µm.

Tricomas glandulares (figura 3) e não-glandulares aparecem em toda a extensão protodérmica do ápice. Os não-glandulares são unisseriados, falcados e constituídos por uma célula basal e uma intermediária, ambas com núcleo evidente, e ainda por uma célula apical longa e afilada. Os glandulares ocorrem em vários tamanhos. O pedúnculo pode apresentar até três células e a cabeça quatro a oito células, sendo que estas últimas apresentam núcleos evidentes, conteúdo granular e citoplasma bastante denso.

Cavidades secretoras em vários estádios de desenvolvimento ocorrem dispersas no meristema fundamental (figuras 2, 3 e 4). As células epiteliais da cavidade apresentam paredes finas e pecto-celulósicas, citoplasma denso, núcleo evidente e central e grande densidade citoplasmática. O lume pode não estar diferenciado ou se apresentar com vários tamanhos, tornando-se maior à medida em que se distancia do ápice. As células epiteliais da cavidade apresentam conteúdos de natureza lipofílica, tanto amorfos como em gota, com coloração variando do amarelo-esverdeado ao castanho. Em D. pentaphylla as cavidades se originam numa região meristemática próxima ao nível de inserção do segundo par de primórdios foliares (figura 2). Em D. pinnata, o início da formação ocorre no nível de inserção do terceiro ou do quarto par de primórdios foliares.

Caule em estrutura primária - A estrutura primária já está diferenciada no segundo entrenó e persiste até o quarto entrenó. A epiderme é unisseriada (figura 8), apresenta parede periclinal externa cuticularizada e os estômatos estão ausentes. Tricomas glandulares e não-glandulares persistem na região do primeiro entrenó. O córtex contém cerca de 10 camadas de células clorofiladas, com paredes pecto-celulósicas (figura 8), sendo que as duas camadas mais internas apresentam células com conteúdo amilífero. Um anel interrompido de fibras pouco lignificadas circunda o sistema vascular (figura 8). Dahlstedtia pinnata e D. pentaphylla apresentam, respectivamente, uma a duas e cerca de seis camadas de fibras perivasculares.

Figuras 5
- 7: Região nodal em Dahlstedtia pinnata. Escala: 1cm=100µm. 5. Saída de três traços vasculares em direção ao pecíolo. 6. Junção dos traços vasculares para a entrada no pecíolo. 7. Saída do quarto traço vascular em direção à gema axilar. Medula (¨); Epiderme (n); Floema (
Figuras 8-12.
Seções transversais do caule de Dahlstedtia pinnata. 8-10. Estrutura primária. 8. Epiderme e córtex com cavidades secretoras (seta). Escala: 43 mm. 9. Detalhe da cavidade secretora. Escala: 30 mm. 10. Sistema vascular e medula com cavidade secretora (seta). Escala: 43 mm. 11 e 12. Estrutura secundária. 11. Lenticela (seta), fibras floemáticas (f). Escala: 77 µm. 12. Distribuição dos vasos, parênquima radial e fibras no tecido xilemático. Escala: 77 mm.

O caule é eustélico; o sistema vascular é circular, fechado e colateral. Na região nodal, na extremidade onde há um alargamento do círculo formado pelo sistema vascular, emergem três traços não contíguos, deixando três lacunas (figura 5), que se fecham pouco depois (figura 6). Ainda no córtex do caule, os dois traços laterais se dividem, cada um em dois, totalizando cinco traços vasculares. Os três centrais vão em direção ao pecíolo (figura 6) e, na base deste, subdividem-se em cinco. Os dois traços laterais restantes vão um para cada estípula. Acima do ponto de fechamento das lacunas, um outro traço se desloca, deixando uma lacuna. No córtex, este traço assume um formato triangular (figura 7), divide-se em três ramos que vascularizam a gema axilar.

A medula é ampla e constituída por células parenquimáticas com conteúdo amilífero (figura 10). Idioblastos de conteúdo fenólico aparecem entre os feixes vasculares, principalmente próximos aos elementos do floema. São células maiores que as corticais e em cortes longitudinais são retangulares e formam longas séries.

Cavidades secretoras constituídas por um lume delimitado por um epitélio unisseriado ocorrem nas regiões cortical e medular (figuras 8, 9 e 10).

Caule em estrutura secundária - A estrutura secundária inicia-se no quinto entrenó. A periderme é constituída por quatro a seis camadas de felema, pela feloderme multisseriada e pelo felogênio. As lenticelas apresentam forma côncava e o tecido de preenchimento é formado por cerca de 13 camadas de células quadrangulares, suberizadas e justapostas. Um anel descontínuo de quatro a cinco camadas de fibras floemáticas lignificadas circunda o cilindro central (figura 11). Em D. pentaphylla este anel apresenta forma pregueada. Nesta espécie ocorrem idioblastos cristalíferos na feloderme, na medula e no parênquima do floema. Em D. pinnata, estes idioblastos ocorrem apenas na camada felodérmica mais próxima ao felogênio. Os cristais são solitários, romboédricos e ocupam todo o espaço intracelular; de acordo com o teste histoquímico empregado e com a verificação do sistema de reticulação, podem ser caracterizados como de oxalato de cálcio. Idioblastos de conteúdo fenólico ocorrem na medula e no parênquima do floema de ambas as espécies.

Os vasos são solitários, apresentam padrão difuso, placas de perfuração simples e duas classes de tamanho (figura 12). As fibras do xilema são libriformes, não septadas, possuem paredes espessadas e formam faixas concêntricas com quatro a cinco camadas, interrompendo-se apenas nas regiões ocupadas pelos raios (figura 12). As faixas mais internas possuem paredes mais espessadas e birrefringentes que as mais externas.

O parênquima axial é do tipo vasicêntrico e os raios parenquimáticos são heterogêneos, com células de conteúdo amilífero, apresentando-se de uni a trisseriados (figura 12).

Ápice radicular - A caliptra é formada por células parenquimáticas (figuras 13 e 14). É trisseriada lateralmente e na extremidade da raiz chega a apresentar 15 camadas (figura 14). As células não apresentam diferenças quanto ao formato e ao grau de vacuolação (figura 14).

Figuras 13-18.
Raiz de Dahlstedtia pentaphylla. 13-15. Ápice. Seções longitudinais. 13. Organização dos meristemas e região lateral da caliptra. * - região das iniciais promeristemáticas. Escala: 67 mm. 14. Células da caliptra. Escala: 40 mm. 15. Iniciais promeristemáticas. Escala: 20 mm. 16-18. Estrutura primária. Seções transversais. 16. Raiz tetrarca com medula. en - endoderme; pe - periciclo; seta - idioblastos de conteúdo fenólico. Escala: 30 mm. 17. Raiz tetrarca sem medula. c - córtex; e - epiderme; seta - endoderme. Escala: 77 mm. 18. Raiz pentarca. seta - idioblastos de conteúdo fenólico. Escala: 77 mm.

Um grupo de células iniciais promeristemáticas, arranjadas irregularmente (figuras 13 e 15) origina os meristemas do cilindro vascular, do córtex e do dermatocaliptrógeno (figura 13). Entre a porção proximal e a distal das células iniciais, há um conjunto de células maiores, vacuoladas e menos evidenciadas pelo corante, formando uma região esférica (figura 15). O dermatocaliptrógeno está localizado na região distal do grupo de iniciais; origina a caliptra e a protoderme.

As células da protoderme, do meristema do córtex e do procâmbio apresentam paredes finas e pecto-celulósicas, núcleo central e grande densidade citoplasmática. Em seções longitudinais as células protodérmicas são retangulares, as do meristema do córtex são isodiamétricas e maiores que as outras meristemáticas, e as do procâmbio são retangulares, estreitas e alongadas no sentido do eixo do ápice.

Raiz em estrutura primária - A epiderme é unisseriada e cuticularizada. Os pêlos radiculares são unicelulares, muito longos e afilados, sendo a extremidade distal arredondada e espessada. O córtex contém 7-14 camadas de células poliédricas (figura 17). Em cortes longitudinais, as células corticais localizadas subepidermicamente possuem formato retangular. A camada cortical mais interna, a endoderme, é constituída por células corticais menores que as outras (figuras 16 e 17), cujas estrias de Caspary foram facilmente visualizadas.

O periciclo é constituído por uma camada de células elípticas, menores que as corticais e com paredes pecto-celulósicas finas (figura 16).

Em D. pinnata, a raiz é diarca quando próxima ao ápice radicular; torna-se sucessivamente triarca, tetrarca (figura 17) e pentarca (figura 18). Nesta espécie, o número de pólos de protoxilema pode variar numa mesma região entre as raízes de uma mesma planta. Em D. pentaphylla, a raiz é tetrarca ou pentarca.

As raízes tetrarcas podem apresentar medula antes dos elementos vasculares estarem completamente diferenciados (figura 16). As células da medula são poliédricas (figura 16) e de paredes pecto-celulósicas.

Idioblastos fenólicos (figuras 16 e 18) e cristalíferos ocorrem na região cortical próxima ao cilindro central, formando séries, quando vistos em seções longitudinais. Os cristais são prismáticos e ocupam todo o espaço intracelular.

Raiz em estrutura secundária - A raiz principal apresenta estrutura secundária com cerca de 2,5 mm e as raízes laterais com cerca de 1,0 mm. O felogênio origina-se de células pericíclicas (figura 19). A feloderme é multisseriada e constituída por células retangulares e achatadas (figura 19). À medida em que a estrutura secundária se torna avançada, o número de camadas da feloderme aumenta, sendo que as camadas mais profundas perdem o alinhamento inicial; isto se deve, provavelmente, à presença de divisões anticlinais e ao aumento do volume celular. O felema contém cerca de quatro a 10 camadas de células suberizadas, retangulares, justapostas e empilhadas. Em torno do sistema vascular ocorre um anel interrompido de quatro a cinco camadas de fibras muito lignificadas, birrefringentes e de origem floemática. Idioblastos contendo cristais prismáticos ocorrem próximos à periderme e, em cortes longitudinais, formam séries.

Figuras 19-25.
Raiz de Dahlstedtia pinnata. Seções transversais. 19. Origem do felogênio a partir do periciclo. (Seta indicando a endoderme). Escala 40 mm. 20. Distribuição dos vasos, raio parenquimático multisseriado (r) e parênquima axial (a). Escala: 43 mm. 21. Células amilíferas na medula. Escala: 77 mm. 22-25. Nódulo radicular de D. pinnata. 22. Vista geral: periderme, córtex e região medular. Escala: 100 mm. 23. Detalhe das células infectadas (seta). Escala: 30 mm. 24. Periderme. f - felogênio; fe - feloderme; fl - felema. Escala: 30 mm. 25. Feixe vascular (seta). Escala: 30 mm.

Os vasos são solitários, apresentam padrão difuso e placa de perfuração simples (figura 20). As fibras são libriformes, não-septadas, birrefringentes e estão arranjadas em faixas concêntricas de três a quatro camadas, interrompidas nas regiões radiais.

O parênquima axial é vasicêntrico, os raios são heterogêneos, suas células acumulam amido e possuem paredes pecto-celulósicas espessadas e muitas pontoações (figura 20). Em dois representantes analisados de D. pentaphylla, o sistema vascular apresenta-se formado por quatro raios parenquimáticos multisseriados (figura 20) dispostos em cruz e por raios uni ou bisseriados. Nos outros dois representantes de D. pentaphylla e em D. pinnata, os raios podem ser de uni a trisseriados e arranjados irregularmente.

As células do parênquima axial apresentam paredes pecto-celulósicas finas, conteúdo amilífero e em cortes transversais são menores que as do parênquima radial (figura 20). O centro da raiz é ocupado por células parenquimáticas. Estas células deixam meatos nos ângulos formados pelo encontro de suas paredes anticlinais e apresentam conteúdo amilífero (figura 21).

Nódulo radicular - Os nódulos radiculares foram encontrados apenas em D. pinnata. Estão presentes em grande número, possuem formato elíptico a arredondado (figura 22), diâmetro de 2,12 mm ± 0,27 e estão fracamente presos às raízes.

Na periderme, o felema apresenta de seis a oito camadas de células retangulares, suberizadas e empilhadas, estando as lenticelas ausentes; o felogênio e a feloderme são unisseriados (figura 24). Logo internamente à periderme, ocorre um tecido meristemático disposto circularmente no nódulo. A região cortical é formada por cerca de 10 camadas de células parenquimáticas e isodiamétricas. No córtex, ocorrem os seis feixes responsáveis pela vascularização do nódulo. Um feixe penetra pela região em que há a ligação do nódulo com a raiz e emite três ramos para cada lado, que se unem novamente na região oposta. Cada feixe é circundado por uma camada de células parenquimáticas de paredes finas e pecto-celulósicas (figura 25).

A região medular contém células parenquimáticas isodiamétricas infectadas, denominadas bacteróides, e células intersticiais, que não são infectadas (figura 23). As infectadas apresentam grande densidade citoplasmática, enquanto que as intersticiais, arranjadas radialmente, são mais vacuoladas (figura 23).

Discussão

As estruturas secretoras encontradas nas gemas caulinares e no caule das duas espécies de Dahlstedtia podem apresentar valor taxonômico. A presença dos tricomas glandulares, tanto em D. pentaphylla como em D. pinnata, é um caráter conservativo no gênero. Já a diferença de local de origem das cavidades secretoras para as duas espécies de Dahlstedtia deve ser melhor estudada, a fim de se verificar se este caráter poderia ser considerado um diagnóstico para a delimitação dessas espécies. Cavidades e canais secretores já haviam sido registrados no caule de algumas espécies de Papilionoideae, como por exemplo Millettia auriculata, Myroxylon pereirae (Solereder 1908, Metcalfe & Chalk 1950) e Stizolobium aterrimum (Bianchini & Corso 1992).

Em Papilionoideae, o esclerênquima perivascular pode se apresentar como um anel ininterrupto ou não e também como grupos isolados de fibras. Em Dahlstedtia ele se apresenta como um anel descontínuo, do mesmo modo que em Derris, Lonchocarpus, Millettia, Pongamia e Wistaria. A presença de um anel contínuo e multisseriado de esclerênquima geralmente caracteriza ordens e gêneros (Solereder 1908). Em Dahlstedtia, a presença deste anel também tem valor unificador para as espécies. Entretanto, o mesmo tecido, ao se apresentar bisseriado em D. pinnata e hexa-seriado em D. pentaphylla, poderia ser útil como caráter distintivo.

O gênero Dahlstedtia foi transferido da tribo Dalbergieae para Millettieae por Geesink (1984). Algumas características do lenho, como o parênquima axial vasicêntrico e os raios predominantemente multisseriados, reforçam tal transferência, já que aproximam Dahlstedtia de outros gêneros de Millettieae, enquanto o afastam de Dalbergieae, onde predominam o parênquima apotraqueal e os raios unisseriados (Baretta-Kuipers 1981).

A distribuição e a abundância de cristais diferiram nas espécies de Dahlstedtia e podem ser consideradas caracteres diagnósticos. A forma, a localização e o tipo de cristal são características úteis em estudos taxonômicos (Fahn 1990) e já foram utilizadas em Leguminosae para a formação de grupos infra-genéricos (Trockenbrodt & Parameswaran 1986).

Quanto à raiz, Patel et al. (1975) classificou a organização do ápice radicular de 11 espécies de Phaseoleae em cinco tipos, com base na origem da caliptra e do corpo radicular, na presença ou ausência de uma columela secundária e de um "knee" Estas estruturas também foram analisadas em Trifolieae por Rao & Shah (1982). Em Dahlstedtia, não se observou a formação de uma columela secundária e nem de uma estrutura como o "knee". Quanto ao arranjo do grupo de iniciais, segundo as classificações de Patel et al. (1975) e Rao & Shah (1982), o ápice de Dahlstedtia apresentou um padrão intermediário, ou seja, não há precisamente um meristema transversal, embora as iniciais não estejam arranjadas muito irregularmente. O tipo de arranjo do grupo de iniciais pode ser regular ou irregular em espécies de um mesmo gênero (Rao & Shah 1982). Entretanto, como observado em Dahlstedtia, nem sempre há uma definição clara em relação ao arranjo do grupo de iniciais, o que torna este caráter não informativo e sem utilidade para fins taxonômicos.

Embora as raízes apresentem pequenas variações em sua estrutura anatômica, sendo pouco utilizadas para fins taxonômicos (Stuessy 1989), Esau (1965) e Fahn (1990) relataram variações no número de pólos de protoxilema em raízes de plantas diferentes e até na mesma planta. Em Dahlstedtia, também há variação na mesma raiz, fato também relatado para Melilotus alba (Bottum 1941). Em Leguminosae têm sido registradas raízes diarcas (Fahn 1990), triarcas (Labouriau 1970) e tetrarcas (Murty & Murty 1989, Bianchini & Corso 1992, Fahn 1990). As espécies de Dahlstedtia apresentaram raízes pentarcas, ainda não relatadas para a família.

Em Dahlstedtia, a endoderme foi encontrada externamente à periderme, sendo eliminada juntamente com as outras camadas corticais, confirmando, assim, a origem pericíclica do felogênio.

A estrutura do nódulo radicular é constante para cada espécie (Bergersen 1982, Corby 1981); portanto, mesmo que a nodulação tenha ocorrido em apenas um representante, o tipo aeschynomenóide deve representar o padrão de D. pinnata. Entretanto, o padrão mais freqüentemente encontrado em Millettieae é o desmodióide, cujas diferenças mais marcantes em relação ao aeschynomenóide são a presença de lenticelas conspícuas e o diâmetro de cerca de 4,5 mm (Corby 1981). Considerações a respeito do tipo de nódulo encontrado em Millettieae, somente poderão ser feitas após a ampliação de estudos da anatomia nodular a outros gêneros, além daquelas de importância agrícola, já bastante pesquisados (Sprent 1980). Não foram observados nódulos em D. pentaphylla.

Concluindo, os caracteres anatômicos encontrados no eixo vegetativo que supostamente poderiam diferenciar as duas espécies são, em sua maioria, quantitativos ou presentes em poucos indivíduos das espécies. Sua utilização deve ser evitada, portanto, já que nem sempre são constantes num grupo. Entretanto, a presença de idioblastos cristalíferos no floema do caule em estrutura secundária de D. pentaphylla e a origem das cavidades secretoras em níveis diferentes na gema caulinar podem ser considerados caracteres distintivos para as duas espécies. Outros trabalhos envolvendo os órgãos foliares, tais como pecíolo, peciólulo, folíolo, e as pétalas papilionáceas estão em andamento com o fim de se levantar novos caracteres que possam auxiliar na delimitação das espécies de Dahlstedtia, bem como verificar a presença e a origem das estruturas secretoras já registradas para o caule.

Agradecimentos – Os autores são gratos à CAPES pela concessão da bolsa de mestrado e às senhoras Esmeralda Z. Borghi e Mary Ester pela confecção das ilustrações.

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3. Autor para correspondência: spadua@unicamp.br

  • 1. Parte da dissertação de mestrado de S. P. Teixeira apresentada na Unicamp.
    2. Depto. de Botânica, Universidade Estadual de Campinas. Caixa. Postal 6109, 13081-970 Campinas, SP, Brasil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Maio 2000
    • Data do Fascículo
      Mar 2000

    Histórico

    • Aceito
      30 Set 1999
    • Recebido
      08 Maio 1998
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