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Ecologia morfofuncional de plântulas de espécies arbóreas da Estação Ecológica do Panga, Uberlândia, Minas Gerais

Functional morphology and ecology of tree species seedlings of the Ecological Station of Panga, Uberlândia, Minas Gerais

Resumos

Realizou-se a classificação morfofuncional de plântulas de 122 espécies arbóreas da Estação Ecológica do Panga. Espécies de três formações florestais contíguas - mata de galeria, mata mesófila semidecídua e cerradão - tiveram suas plântulas classificadas segundo suas características cotiledonares de posição, textura e exposição. O estudo objetivou verificar se as espécies estudadas enquadravam-se no sistema de classificação utilizado e se existiria alguma relação entre os tipos morfofuncionais de plântulas com grupos sucessionais, síndrome de dispersão, peso das sementes, micro-habitat, sistemas sexuais, épocas de frutificação e relação entre a biomassa de raízes e partes aéreas. As espécies foram incluídas em cinco categorias, sendo 63 espécies do tipo fanero-epígeo-foliáceo (PEF), 20 fanero-epígeo-armazenador (PER), 10 fanero-hipógeo-armazenador (PHR), 28 cripto-hipógeo-armazenador (CHR) e apenas uma espécie do tipo cripto-epígeo-armazenador (CER). A classificação morfofuncional mostrou-se eficaz, representando praticamente todas as espécies. Não houve relações significativas dos grupos morfofuncionais com a síndrome de dispersão, época de frutificação, biomassa raiz/parte aérea ou local de ocorrência das espécies estudadas. Por outro lado, foi possível relacionar os grupos sucessionais, peso das sementes e os sistemas sexuais aos grupos morfofuncionais. Espécies pioneiras, em sua maioria com sementes pequenas e leves apresentaram quase exclusivamente plântulas PEF, enquanto espécies climácicas tolerantes à sombra, usualmente com um menor número de sementes maiores e com maior quantidade de reservas, apresentaram predominantemente plântulas CHR. Este tipo também foi predominante entre espécies dióicas. Os resultados demonstraram que, pelo menos no estágio inicial, a morfologia desempenha funções determinantes nos processos de desenvolvimento e estabelecimento das plântulas de espécies arbóreas.

cerrado; cotilédones; ecologia; estabelecimento; plântulas


The seedling functional morphology classification was used to study 122 tree species occurring at the Ecological Station of Panga, Uberlândia, Minas Gerais. The tree species of three contiguous forest formations - gallery forest, semideciduous forest and "cerradão" - had their seedlings classified according to the position, texture and cotyledon exhibition. This study intended to verify if all the studied species would fit in a functional morphology classification system and if seedling morphology would have any relation with some ecological traits, such as successional group, type of dispersal, fruiting period, seed weight, habitat, sexual system, and root/stem biomass allocation. The species were subdivided into five categories: 63 species of the phanero-epigeal-foliaceous type (PEF), 20 phanero-epigeal-reserve type (PER), 10 phanero-hypogeal-reserve type (PHR), 28 crypto-hypogeal-reserve type (CHR) and only one species of the crypto-epigeal-reserve type (CER). The classification used was very effective, representing almost all the studied species. There were no significant relationships between functional morphology groups and type of dispersal, fruiting period, root/stem biomass or micro-habitat. On the other hand, significant relationships were found between successional groups, seed weight and sexual systems with seedling functional morphology categories. Pioneer species, mostly with small and light seeds, presented almost exclusively PEF seedlings, while shade tolerant climax species, which usually produce fewer and larger seeds with plenty of reserves, showed mostly CHR seedlings. This seedling type prevails also among the dioecious species. The results demonstrated that morphology has, at least in early stages, a determinant role in the processes of tree seedling establishment and development.

cerrado; cotyledons; ecology; establishment; seedling


Ecologia morfofuncional de plântulas de espécies arbóreas da Estação Ecológica do Panga, Uberlândia, Minas Gerais

Functional morphology and ecology of tree species seedlings of the Ecological Station of Panga, Uberlândia, Minas Gerais

Kaila ResselI,1 1 Autor para correspondência: kailarp@rc.unesp.br ; Frederico A.G. GuilhermeI; Ivan SchiaviniII; Paulo E. OliveiraII

IUniversidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Departamento de Botânica, Av. 24-A, 1515 - Bela Vista, 13506-900 Rio Claro, SP, Brasil

IIUniversidade Federal de Uberlândia, Instituto de Biologia, Caixa Postal 593, 38400-902 Uberlândia, MG, Brasil

RESUMO

Realizou-se a classificação morfofuncional de plântulas de 122 espécies arbóreas da Estação Ecológica do Panga. Espécies de três formações florestais contíguas – mata de galeria, mata mesófila semidecídua e cerradão – tiveram suas plântulas classificadas segundo suas características cotiledonares de posição, textura e exposição. O estudo objetivou verificar se as espécies estudadas enquadravam-se no sistema de classificação utilizado e se existiria alguma relação entre os tipos morfofuncionais de plântulas com grupos sucessionais, síndrome de dispersão, peso das sementes, micro-habitat, sistemas sexuais, épocas de frutificação e relação entre a biomassa de raízes e partes aéreas. As espécies foram incluídas em cinco categorias, sendo 63 espécies do tipo fanero-epígeo-foliáceo (PEF), 20 fanero-epígeo-armazenador (PER), 10 fanero-hipógeo-armazenador (PHR), 28 cripto-hipógeo-armazenador (CHR) e apenas uma espécie do tipo cripto-epígeo-armazenador (CER). A classificação morfofuncional mostrou-se eficaz, representando praticamente todas as espécies. Não houve relações significativas dos grupos morfofuncionais com a síndrome de dispersão, época de frutificação, biomassa raiz/parte aérea ou local de ocorrência das espécies estudadas. Por outro lado, foi possível relacionar os grupos sucessionais, peso das sementes e os sistemas sexuais aos grupos morfofuncionais. Espécies pioneiras, em sua maioria com sementes pequenas e leves apresentaram quase exclusivamente plântulas PEF, enquanto espécies climácicas tolerantes à sombra, usualmente com um menor número de sementes maiores e com maior quantidade de reservas, apresentaram predominantemente plântulas CHR. Este tipo também foi predominante entre espécies dióicas. Os resultados demonstraram que, pelo menos no estágio inicial, a morfologia desempenha funções determinantes nos processos de desenvolvimento e estabelecimento das plântulas de espécies arbóreas.

Palavras-chave: cerrado, cotilédones, ecologia, estabelecimento, plântulas

ABSTRACT

The seedling functional morphology classification was used to study 122 tree species occurring at the Ecological Station of Panga, Uberlândia, Minas Gerais. The tree species of three contiguous forest formations - gallery forest, semideciduous forest and "cerradão" – had their seedlings classified according to the position, texture and cotyledon exhibition. This study intended to verify if all the studied species would fit in a functional morphology classification system and if seedling morphology would have any relation with some ecological traits, such as successional group, type of dispersal, fruiting period, seed weight, habitat, sexual system, and root/stem biomass allocation. The species were subdivided into five categories: 63 species of the phanero-epigeal-foliaceous type (PEF), 20 phanero-epigeal-reserve type (PER), 10 phanero-hypogeal-reserve type (PHR), 28 crypto-hypogeal-reserve type (CHR) and only one species of the crypto-epigeal-reserve type (CER). The classification used was very effective, representing almost all the studied species. There were no significant relationships between functional morphology groups and type of dispersal, fruiting period, root/stem biomass or micro-habitat. On the other hand, significant relationships were found between successional groups, seed weight and sexual systems with seedling functional morphology categories. Pioneer species, mostly with small and light seeds, presented almost exclusively PEF seedlings, while shade tolerant climax species, which usually produce fewer and larger seeds with plenty of reserves, showed mostly CHR seedlings. This seedling type prevails also among the dioecious species. The results demonstrated that morphology has, at least in early stages, a determinant role in the processes of tree seedling establishment and development.

Key words: cerrado, cotyledons, ecology, establishment, seedling

Introdução

A ecologia morfofuncional visa compreender as funções das estruturas morfológicas nos processos de desenvolvimento e estabelecimento das plantas. Os principais estudos de classificação morfofuncional de plântulas foram realizadas por Duke (1965, 1969), Ng (1978), Vogel (1980), Garwood (1983), Rousteau (1983) e Miquel (1987), com base principalmente na posição, textura, exposição e função dos cotilédones durante o processo de germinação e crescimento inicial.

As plântulas classificadas como epígeas erguem seus cotilédones acima do nível do solo. Hipógeas são as plântulas cujos cotilédones permanecem abaixo ou ao nível do solo, ao fim do processo de formação das plântulas. Cotilédones foliáceos são freqüentemente delgados, verdes e fotossintetizantes, enquanto cotilédones carnosos são normalmente espessos, funcionando como órgãos de reserva, podendo ou não ser fotossintetizantes (Vogel 1980). Plântulas fanerocotiledonares possuem cotilédones expostos, enquanto plântulas criptocotiledonares possuem cotilédones ocultos dentro do tegumento da semente (Duke 1965).

Baseando-se em características cotiledonares e no comprimento do hipocótilo, Miquel (1987) classificou as plântulas em: fanero-epígeo-foliáceas (PEF), fanero-epígeo-armazenadoras (PER), fanero-hipógeo-armazenadoras (PHR), cripto-hipógeo-armazenadoras (CHR) e cripto-epígeo-armazenadoras (CER). Este sistema de classificação reúne os esquemas utilizados por Ng (1978) e Garwood (1983), possibilitando comparações entre os estudos realizados anteriormente com os mais recentes (Garwood 1995, Ibarra-Manríquez et al. 2001, Marques 2002) sobre a ecologia e a morfologia de plântulas em comunidades tropicais.

Visando compreender como a morfologia das plântulas está relacionada com características ecológicas das espécies arbóreas de matas do Brasil central, o presente estudo teve como objetivos: a) verificar se as espécies arbóreas estudadas enquadram-se na classificação morfofuncional proposta por Miquel (1987) e (b) verificar se existe relação entre os tipos morfofuncionais de plântulas e determinadas características ecológicas.

Material e métodos

O trabalho foi realizado na Estação Ecológica do Panga (EEP), Uberlândia, MG, pertencente à Universidade Federal de Uberlândia. A Estação ocupa uma área de 409,5 ha, (19º09' - 19º11' S e 48º23' - 48º24' W), com altitude média de 800 m. A região caracteriza-se por um clima tropical Aw, segundo a classificação de Köppen (Rosa et al. 1991). Uma descrição da vegetação pode ser encontrada em Schiavini & Araújo (1989).

O estudo foi realizado para 122 espécies arbóreas dentre as 162 registradas em um levantamento fitossociológico para a área (I. Schiavini e colaboradores, dados publicados parcialmente em Moreno & Schiavini 2001). A área amostrada é representada por três formações florestais contínuas: mata de galeria, mata mesófila semidecídua e cerradão, para as quais foram demarcadas 21, 150 e 40 parcelas de 100 m2, respectivamente. Todos os indivíduos com circunferência à altura do peito (CAP) acima de 15 cm foram registrados.

A classificação das características morfofuncionais das plântulas foi feita a partir de informações da literatura e observações diretas das plântulas, no habitat natural ou resultantes da germinação em viveiro. O acompanhamento da germinação foi realizado no viveiro florestal da Universidade Federal de Lavras com o objetivo de obter plântulas do maior número possível das espécies amostradas na área de estudo. Para tal, 50 sementes de 60 espécies foram semeadas em saquinhos plásticos de 17 × 30 cm, em um substrato composto por areia, terra e esterco (3:1:1), de forma que metade da semente ficasse exposta. Todas as sementes foram irrigadas e protegidas por sombrite de malha 50%, ao longo do período de germinação.

O sistema de classificação utilizado (sensu Miquel 1987), compreende cinco tipos morfofuncionais de plântulas: fanero-epígeo-foliáceo (PEF), fanero-epígeo-armazenador (PER), fanero-hipógeo-armazenador (PHR), cripto-hipógeo-armazenador (CHR) e cripto-epígeo-armazenador (CER). Os termos foram traduzidos e as abreviações tiveram como fonte o trabalho de Garwood (1995). Estas abreviações (mantidas do original em inglês para facilitar comparação) foram utilizadas no decorrer do trabalho, e representam as características dicotômicas de exposição, posição e textura: fanerocotilar (P), criptocotilar (C), epigeal (E), hipogeal (H), foliáceo (F) e armazenador (R).

As características morfológicas das plântulas foram associadas com outras características morfológicas e ecológicas de cada espécie, tais como: grupo sucessional, peso das sementes, sistema sexual, alocação da biomassa raiz/parte aérea, local de ocorrência, síndrome de dispersão e época de frutificação.

A caracterização das espécies arbóreas em grupos sucessionais foi feita através de observações na área de estudo. O método de classificação em grupos sucessionais foi baseado no sistema de Swaine & Whitmore (1988), o qual consiste em três grupos principais: espécies pioneiras, clímax "exigentes de luz" e clímax "tolerantes à sombra", dependendo das exigências luminosas requeridas para o estabelecimento dos indivíduos.

O peso das sementes (S) foi obtido de sementes beneficiadas e através de informações da literatura. Para a análise, utilizaram-se três classes de peso, em gramas: S < 0,1 g; 0,1 g < S <1,5 g e S > 1,5 g.

Para a estimativa de alocação de biomassa raiz/parte aérea, foram colhidas cinco plântulas de cada espécie disponível, cinco meses após a data de emergência. As plântulas foram lavadas e divididas em parte aérea e radicular na altura do colo, secas em estufa a 70 ºC por, aproximadamente, 48 h e pesadas até atingirem peso constante. Os peso secos foram analisados para definir a razão raiz/parte aérea.

As espécies foram separadas quanto ao local de ocorrência em: espécies de matas de galeria, mata mesófila semidecídua e cerradão.

Os tipos de dispersão foram obtidos a partir da análise da morfologia dos diásporos coletados (síndromes de dispersão) e de consultas bibliográficas. A caracterização das síndromes foi padronizada segundo informações de Aguiar et al. (1993), Howe & Smallwood (1982), Howe & Westley (1997) e Pires-O'Brien & O'Brien (1995). Os diásporos foram classificados como zoocóricos, anemocóricos e autocóricos (estes últimos incluem as espécies barocóricas) para possibilitar a comparação dos resultados obtidos com outros estudos.

A coleta de dados fenológicos foi feita em herbários (HUFU, UB, ESAL), em fontes bibliográficas e através de observações no campo. Os dados sobre sistemas sexuais foram obtidos de Oliveira & Paula (2001).

Para avaliar as possíveis relações da morfologia das plântulas com as características ecológicas, foram utilizadas análises de qui-quadrado de contingência. Para avaliar os resultados de alocação de biomassa em relação à morfologia das plântulas e em relação aos locais de ocorrência, foram utilizadas análises de variância (one way ANOVA; Sokal & Rohf 1981).

Resultados e Discussão

Distribuição dos tipos morfofuncionais de plântulas - Os tipos morfofuncionais de 122 espécies arbóreas da Estação Ecológica do Panga (tabela 1) foram subdivididos em: 63 PEF, 20 PER, 10 PHR, 28 CHR e 1 CER.

A classificação morfofuncional utilizada representou de forma satisfatória todas as espécies arbóreas estudadas. Apenas Pseudobombax tomentosum não se adequou perfeitamente. Nesta espécie, os cotilédones foliáceos fotossintéticos são erguidos bem acima do nível do solo, mas não pelo desenvolvimento do hipocótilo e sim pelo desenvolvimento dos pecíolos cotiledonares que se desenvolvem a partir do colo da plântula, ou seja, no nível do solo. Como esta espécie possui uma estrutura funcionalmente semelhante às plântulas fanero-epígeo-foliáceas, ela foi considerada como do tipo PEF.

Os resultados demonstram a adequação da classificação, mesmo sendo simples e focada somente em características cotiledonares. Entretanto, é preciso relembrar que o desenvolvimento e o estabelecimento são processos dinâmicos e o uso de uma classificação baseada somente em um estágio de vida destas espécies pode ocultar informações importantes sobre as funções da morfologia das plantas.

Na análise da distribuição dos tipos morfofuncionais (figura 1), o tipo PEF foi significativamente mais freqüente (51%), CHR (23%) e PER (17%) foram intermediários, e PHR (8%) e CER (1%) foram significativamente menos comuns (c2 = 89,9; p < 0,001). Pôde-se perceber uma distribuição semelhante a outras quatro florestas tropicais já estudadas (tabela 2), nas quais o tipo morfofuncional PEF foi sempre o mais freqüente, variando de 39% a 51% do total de espécies, enquanto o tipo morfofuncional CER foi o mais raro, variando de 1% a 8%. A similaridade na abundância dos tipos morfofuncionais de plântulas entre as florestas tropicais comparadas sugere que pressões seletivas semelhantes podem estar agindo na determinação da morfologia das plântulas e que, se isto for correto, estudos de ecologia morfofuncional poderiam ser aplicados para os trópicos como um todo (Garwood 1995).


Grupos sucessionais em relação aos tipos morfofuncionais - A distribuição dos tipos morfofuncionais entre grupos sucessionais apresentou uma alta porcentagem do tipo PEF para as espécies pioneiras (75%) e clímax exigentes de luz (55%), o que corresponde à estratégia esperada para espécies em estágios sucessionais iniciais (figura 2). Esta relação foi significativa (c2 = 34,01; p < 0,001). Esses grupos sucessionais, principalmente as pioneiras, tendem a crescer rapidamente para competir por espaço e luz (Ng 1978). Neste caso, cotilédones prontamente fotossintetizantes, significam uma vantagem adicional.


Por outro lado, uma alta porcentagem do tipo morfofuncional CHR foi observada para as espécies clímax tolerantes à sombra (52%). Geralmente estas espécies formam bancos de plântulas e podem sobreviver no sub-bosque por longos períodos (Schiavini et al. 2001). Para isso é fundamental que possuam substâncias nutritivas armazenadas e o tipo CHR mantém estas reservas relativamente protegidas. Outra característica importante dos criptocotilédones é que o tegumento da semente pode funcionar como uma barreira protetora.

Os tipos morfofuncionais PER e PHR estão relativamente bem distribuídos nos três estágios sucessionais. Isto pode ser explicado pela subdivisão dos cotilédones armazenadores em fotossintetizantes ou não. Apesar dos dados mostrarem esta tendência, não foi possível testar esta hipótese devido ao número insuficiente de espécies representando estas categorias. Outro problema em relação ao tamanho de amostra ocorreu com o tipo morfofuncional CER. Não foi possível realizar nenhuma consideração, uma vez que só a espécie Virola sebifera apresentou este tipo morfofuncional.

Peso das sementes em relação aos tipos morfofuncionais - Cerca de 73% das sementes mais leves (S < 0,1 g) corresponderam ao tipo morfofuncional PEF (figura 3). O tipo PEF é freqüente em espécies de estágios sucessionais iniciais, as quais investem em uma grande quantidade de sementes de pouca biomassa, ou seja, com pouca ou nenhuma capacidade de armazenamento. Por outro lado, a maioria das espécies com sementes mais pesadas (> 1,5 g) apresentou plântulas do tipo CHR, com um predomínio de espécies de estágios finais de sucessão. Estas espécies tardias investem em poucas sementes, porém ricas em reservas nutritivas, as quais conferem às sementes uma maior biomassa.


Os resultados obtidos na EEP são semelhantes àqueles encontrados na Malásia (Ng 1978) e no Gabão (Miquel 1987), apesar deles terem utilizado o tamanho das sementes em vez do peso. No presente trabalho, utilizou-se o peso das sementes pois, acredita-se que esta medida está mais correlacionada com o investimento da planta parental do que o tamanho, característica esta que pode ser influenciada pela forma de dispersão.

Ng (1978) mostrou, para as espécies arbóreas da Malásia, que a abundância relativa de plântulas fanero-epígeas (PEF + PER) diminuía com o aumento do tamanho da semente, de 100% para sementes menores que 3 mm para 50% em sementes maiores que 20 mm. Resultados semelhantes foram obtidos para plântulas no Gabão (Hladik & Miquel 1990), onde apenas 5% das espécies com sementes > 40 mm possuíam plântulas do tipo PEF, com esta porcentagem aumentando para 19% nas sementes menores (20 < S < 40 mm).

Sistemas sexuais em relação aos tipos morfofuncionais - Ao classificar os tipos morfofuncionais de plântulas em hermafroditas, monóicos e dióicos, observou-se que a maior parte das espécies é hermafrodita e esta categoria está bem distribuída dentre os cinco tipos morfofuncionais de plântulas. No entanto, entre as plantas dióicas observou-se uma alta porcentagem (41%) de espécies com plântulas do tipo CHR (figura 4). Esta associação entre dioicia e plântulas CHR é provavelmente indireta, apesar de Vogel (1980) sugerir que este tipo morfofuncional permitiria uma maior capacidade de sobrevivência a estas plântulas em condições de mata, o que seria vital para espécies dióicas. Ele argumenta que a continuação das populações de plantas dióicas depende de árvores matrizes isoladas, requerendo plântulas com maior capacidade de sobrevivência.


Analisando os tipos morfofuncionais segundo sua vulnerabilidade, Vogel (1980) concluiu que plântulas do tipo CHR seriam mais resistentes, por possuírem suas reservas nutritivas protegidas pelo tegumento da semente e por estarem sob o solo. É possível, no entanto, que a associação entre dioicia, hábito lenhoso, estágios secundários de sucessão e dispersão por animais (Ibarra-Manríquez & Oyama 1992), todos fatores associados com plântulas CHR, seja mais importante que uma relação direta entre dioicia e esta estratégia de estabelecimento.

Alocação de biomassa em relação aos tipos morfofuncionais - Segundo os dados de grupos sucessionais e peso de sementes já analisados, pôde-se observar que existe uma tendência para que plântulas PEF sejam pequenas, geradas por sementes pequenas, com pouca ou nenhuma reserva nutritiva, enquanto que plântulas CHR tendem a ser grandes, geradas por sementes grandes e com considerável reserva nutritiva.

Portanto, a partir destas relações seria plausível especular que a alocação de biomassa poderia ser diferente para os diferentes tipos morfofuncionais. Para verificar possíveis correlações entre a morfologia funcional das plântulas e a alocação diferencial de sua biomassa para raiz ou parte aérea, 27 espécies arbóreas foram analisadas (tabela 3), mas a análise não mostrou nenhuma diferença significativa na relação entre a biomassa de raiz e parte aérea entre os tipos morfo-funcionais (F = 0,459; p = 0,714). Como este resultado pode ter sido influenciado pelo número de espécies analisadas em cada tipo, sugere-se que novas análises sejam realizadas.

Os resultados tampouco foram significativos quanto a possíveis diferenças na alocação de biomassa raiz/parte aérea entre espécies das diferentes fitocenoses estudadas (F = 2,106; p = 0,116). Espécies exclusivas do cerradão e presentes no grupo cerradão/mata mesófila semidecídua, parecem apresentar as maiores taxas de alocação de biomassa na parte radicular, mas a variação foi grande e o número de espécies analisado foi restrito. Espécies características destas áreas são espécies típicas do cerrado e tendem a desenvolver sistemas radiculares mais profundos e/ou espessados, em busca de camadas mais úmidas do solo, de maneira a sobreviver à seca e às queimadas ocasionais destas áreas (Moreira & Klink 2000).

Estes resultados sugerem que mesmo que as plântulas apresentem diferentes padrões de alocação de biomassa entre os ambientes, estes padrões não terão relação direta com os tipos morfofuncionais. Eles provavelmente vão variar com as exigências do ambiente e condições de disponibilidade de luz e umidade para a continuação do desenvolvimento inicial (Moreira & Klink 2000, Hoffmann & Franco 2003).

As espécies vicariantes podem ser um bom exemplo desta flexibilidade da forma de alocação. Em plantas congenéricas a morfologia funcional das plântulas é geralmente a mesma. No entanto, plantas de cerrado apresentam um maior espessamento radicular, enquanto que plantas de matas podem apresentar uma maior alocação de biomassa na parte aérea e um espessamento radicular menor (Hoffmann & Franco 2003). Por exemplo, podemos citar as três espécies do gênero Qualea. Q. dichotoma, presente nas três fitocenoses, Q. grandiflora, presente na mata mesófila semidecídua e cerradão e Q. multiflora, presente apenas no cerradão, são espécies congenéricas e possuem plântulas do mesmo tipo morfofuncional, mas diferem sob o aspecto de alocação de biomassa (tabela 3).

Aparentemente, as funções da morfologia das plântulas no processo de estabelecimento limitam-se ao primeiro estágio de desenvolvimento, participando efetivamente no aumento das suas chances de sobrevivência. A partir do momento em que a plântula sobrevive ao estágio inicial de estabelecimento, novas características morfológicas se desenvolvem e a plântula passa a depender diretamente do meio em que se estabeleceu. Isto pode ser demonstrado pela independência da alocação da biomassa e das estratégias de crescimento em relação às características morfológicas iniciais das plântulas.

Locais de ocorrência em relação aos tipos morfofuncionais de plântulas - Alguns trabalhos (Vogel 1980, Lima 1989) sugerem que os tipos morfofuncionais de plântulas estariam distribuídos em microhabitats específicos. Por exemplo, Lima (1989) sugere que os tipos morfofuncionais fanero-epígeos (PEF + PER) seriam mais abundantes em matas secas com alta disponibilidade de luz e em florestas não inundáveis. Já o tipo morfofuncional CHR estaria mais relacionado à formações vegetais periodicamente alagáveis ou a formações de situações edáficas e/ou climáticas adversas como aquelas encontradas no cerrado sensu stricto.

Analisando a distribuição das espécies arbóreas da Estação Ecológica do Panga em: 1) espécies exclusivas da mata mesófila semidecídua, 2) espécies presentes na mata de galeria e 3) espécies presentes no cerradão, observou-se que as espécies com plântulas fanero-epígeas (PEF + PER) encontraram-se distribuídas principalmente no cerradão e na mata mesófila semidecídua (figura 5). Estas fitocenoses são consideradas relativamente secas e sem períodos de inundação, além da maior incidência de luz devida à deciduidade parcial de ambas as fitocenoses. Em relação às espécies com plântulas do tipo CHR, pôde-se observar uma porcentagem considerável destas espécies na mata de galeria e no cerradão. Este resultado corresponderia à hipótese de Lima (1989), uma vez que a mata de galeria estudada possui períodos de inundação, enquanto que o Cerradão, tem solos bem drenados, mas tão pobres quanto os do cerrado contíguo.


Entretanto, é necessário salientar que a diferença de amostragem entre as três fitocenoses contínuas pode estar influenciando estes resultados. Durante o levantamento fitossociológico foram demarcados oito transectos, que resultaram em 21 parcelas na mata de galeria, 150 na mata mesófila semidecídua e 40 no cerradão. Além disso, uma melhor análise seria possível caso o número de espécies exclusivas a cada uma das fitocenoses fosse maior.

Síndromes de dispersão e épocas de frutificação em relação aos tipos morfofuncionais - Ao se dividirem as espécies arbóreas da Estação Ecológica do Panga em zoocóricas, anemocóricas e autocóricas, pôde-se observar que as três síndromes de dispersão estão distribuídas de forma similar dentre os tipos morfofuncionais (tabela 4). Hladik & Miquel (1990) relacionaram os grupos morfofuncionais com alguns grupos específicos de vertebrados, encontrando correlações, tais como, um maior número de espécies com plântulas do tipo CHR dispersas por macacos. A dispersão deste tipo morfo-funcional, que está associado a sementes maiores, deve ser facilitado por vetores de maior porte.

Em relação às épocas de frutificação, pôde-se observar que as espécies arbóreas que apresentavam plântulas PEF e PER frutificaram principalmente nos meses mais secos (57% e 72%, respectivamente), ao contrário das espécies com plântulas cripto-hipógeas (CHR), que frutificaram principalmente na estação chuvosa (62%). Existem sugestões na literatura que na estação chuvosa a atividade de vetores bióticos, associados às sementes maiores do tipo CHR, seria mais intensa (e.g. Gottsberger & Silberbauer-Gotsberger 1983). Para obtenção de resultados mais conclusivos seria necessário utilizar como referência os períodos específicos de dispersão das sementes.

A morfologia funcional das plântulas na área estudada parece estar relacionada, como em outras florestas tropicais, principalmente com o estágio sucessional. Plantas clímax tardias têm sementes preponderantemente CHR, que exibem maior capacidade de armazenamento e proteção durante o processo de germinação e estabelecimento. No outro extremo, plântulas de espécies pioneiras têm cotilédones expostos e fotossintetizantes (PEF), que rapidamente assumem a função de nutrir a plântula em desenvolvimento. Fatores como tipo de dispersão, tamanho das sementes e até mesmo sistema sexual, parecem estar indiretamente associados à morfologia funcional apropriada a cada estágio sucessional. Após o processo inicial de estabelecimento, a morfologia funcional tem pouco efeito, e as condições ambientais e exigências específicas ao crescimento, em determinados habitats, tomam o controle do processo de estabelecimento. Estratégias de alocação de recursos ao longo dos primeiros meses de crescimento, por exemplo, parecem ser independentes do tipo de morfologia funcional. Apesar de provavelmente limitada a fase inicial do estabelecimento, a influência da morfologia funcional das plântulas no processo de estabelecimento parece ser importante e comum às várias florestas tropicais já estudadas. A classificação utilizada parece se adequar às plântulas destas espécies lenhosas do bioma cerrado e, a morfologia das plântulas, pode ser utilizada para entender o processo de regeneração nestas florestas e orientar a escolha de espécies para projetos de recuperação.

Agradecimentos – O trabalho foi parte do Mestrado em Engenharia Florestal da primeira autora, realizado no Departamento de Ciências Florestais da Universidade Federal de Lavras, que também proveu condições para algumas das análises. A autora foi bolsista da Fapemig e Capes. O Instituto de Biologia da UFU possibilitou infra-estrutura para o restante das análises e facilidades para o trabalho de campo. Parte do trabalho de campo e apoio logístico complementar foram feitos no âmbito do projeto integrado do CNPq (ref. 520872 / 96-7).

(recebido: 13 de novembro de 2002; aceito: 5 de fevereiro de 2004)

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    Autor para correspondência:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Set 2004
    • Data do Fascículo
      Jun 2004

    Histórico

    • Aceito
      05 Fev 2004
    • Recebido
      13 Nov 2002
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