Acessibilidade / Reportar erro

Morfoanatomia e ontogênese do pericarpo de Schizolobium parahyba (Vell.) Blake (Fabaceae, Caesalpinioideae)

Morphology, anatomy and development of Schizolobium parahyba (Vell.) Blake (Fabaceae, Caesalpinioideae) pericarp

Resumos

No presente trabalho, foram estudados aspectos morfológicos e anatômicos do pericarpo em desenvolvimento de Schizolobium parahyba (Vell.) Blake, com o objetivo de descrever esse órgão, fornecendo subsídios para trabalhos taxonômicos e filogenéticos envolvendo a subfamília Caesalpinioideae; objetivou-se, também, identificar e relacionar as estruturas do fruto, envolvidas no processo de fragmentação do pericarpo, que culmina na dispersão das sementes. Nos frutos em desenvolvimento, foi possível a definição de quatro estádios: I - ovário; II - frutos muito jovens, com atividade meristemática no pericarpo; III - frutos jovens até seu tamanho definitivo, caracterizado pelo alongamento celular; IV - fase de amadurecimento, em que ocorre a lignificação em células mesocárpicas e endocárpicas, culminando na fragmentação do pericarpo. Do estudo ontogenético, conclui-se que a parte papirácea responsável pela dispersão da semente é o endocarpo como um todo, incluindo o estrato esclerenquimático e células parenquimáticas internas.

anatomia; desenvolvimento; morfologia; pericarpo; Schizolobium parahyba


In this work, we studied morphologic, anatomical and developmental aspects of Schizolobium parahyba (Vell.) Blake pericarp with aim to describe the fruit wall, supplying subsidies to taxonomic and phylogenetic works with Caesalpinioideae; still, we intend to identify and to relate the pericarp structures involved with fragmentation process, which culminates in seed dispersion. During fruit development we defined four stages: I - ovary; II - very young fruits with meristematic activity in pericarp; III - young fruits until its definitive size, characterized for the cellular elongation; IV - ripening fruits, including mesocarp and endocarp lignification, culminating in the pericarp fragmentation. In conclusion, the papiraceous part responsible to seed dispersion is the whole endocarp, including the sclerenchymatic stratum and inner parenchyma cells.

anatomy; development; morphology; pericarp; Schizolobium parahyba


Morfoanatomia e ontogênese do pericarpo de Schizolobium parahyba (Vell.) Blake (Fabaceae, Caesalpinioideae)* * Parte da dissertação de mestrado de R.C.V. Pietrobom, Pósgraduação em Ciências Biológicas (Botânica), Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil.

Morphology, anatomy and development of Schizolobium parahyba (Vell.) Blake (Fabaceae, Caesalpinioideae) pericarp

Rita de Cássia Violin Pietrobom; Denise Maria Trombert Oliveira1 1 Autor para correspondência: denise@ibb.unesp.br

Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Departamento de Botânica, Caixa Postal 510, 18618-000 Botucatu, SP, Brasil

ABSTRACT

In this work, we studied morphologic, anatomical and developmental aspects of Schizolobium parahyba (Vell.) Blake pericarp with aim to describe the fruit wall, supplying subsidies to taxonomic and phylogenetic works with Caesalpinioideae; still, we intend to identify and to relate the pericarp structures involved with fragmentation process, which culminates in seed dispersion. During fruit development we defined four stages: I - ovary; II - very young fruits with meristematic activity in pericarp; III - young fruits until its definitive size, characterized for the cellular elongation; IV - ripening fruits, including mesocarp and endocarp lignification, culminating in the pericarp fragmentation. In conclusion, the papiraceous part responsible to seed dispersion is the whole endocarp, including the sclerenchymatic stratum and inner parenchyma cells.

Key words: anatomy, development, morphology, pericarp, Schizolobium parahyba

RESUMO

No presente trabalho, foram estudados aspectos morfológicos e anatômicos do pericarpo em desenvolvimento de Schizolobium parahyba (Vell.) Blake, com o objetivo de descrever esse órgão, fornecendo subsídios para trabalhos taxonômicos e filogenéticos envolvendo a subfamília Caesalpinioideae; objetivou-se, também, identificar e relacionar as estruturas do fruto, envolvidas no processo de fragmentação do pericarpo, que culmina na dispersão das sementes. Nos frutos em desenvolvimento, foi possível a definição de quatro estádios: I - ovário; II - frutos muito jovens, com atividade meristemática no pericarpo; III - frutos jovens até seu tamanho definitivo, caracterizado pelo alongamento celular; IV - fase de amadurecimento, em que ocorre a lignificação em células mesocárpicas e endocárpicas, culminando na fragmentação do pericarpo. Do estudo ontogenético, conclui-se que a parte papirácea responsável pela dispersão da semente é o endocarpo como um todo, incluindo o estrato esclerenquimático e células parenquimáticas internas.

Palavras-chave: anatomia, desenvolvimento, morfologia, pericarpo, Schizolobium parahyba

Introdução

A família Fabaceae (= Leguminosae) compreende aproximadamente 650 gêneros e 18.000 espécies e é a maior família de Angiospermas depois de Asteraceae e Orchidaceae (Polhill et al. 1981, Judd et al. 1999). Segundo Judd et al. (1999), são reconhecidos três grupos entre as Fabaceae: Caesalpinioideae, Mimosoideae e Faboideae (= Papilionoideae). Em muitas classificações, estes grupos são considerados subfamílias (Polhill et al. 1981), embora alguns autores tratem-nos como famílias separadas (Cronquist 1981).

Informações a respeito de órgãos reprodutivos das Fabaceae vêm sendo utilizadas, com grande eficiência, para finalidades taxonômicas (Gunn 1984, Lima 1985, Lima 1989-1990). Pate & Kuo (1981) afirmaram que os legumes possuem riqueza de características anatômicas de grande valor para a taxonomia. Von Teichman & Van Wyk (1991) reconheceram a importância taxonômica da morfologia dos frutos devido à pequena plasticidade fenotípica exibida pelo órgão. Assim, é cada vez maior a procura por informações a respeito de frutos e sementes das Fabaceae, de forma a complementar aquelas provenientes dos órgãos vegetativos. Quando o interesse passa para o campo filogenético, a análise dos órgãos reprodutivos torna-se ainda mais indispensável.

Conhecida popularmente como guapuruvu ou ficheira, Schizolobium parahyba (Vell.) Blake possui grande importância econômica. Richter et al. (1974) publicou um estudo tecnológico sobre a espécie, no qual destacou algumas características da madeira, como a durabilidade e baixa suscetibilidade ao ataque de insetos, o que favorece a fabricação de tábuas para assoalho e caixas. Segundo Rizzini (1978), a madeira é bastante utilizada na confecção de canoas e objetos para aeromodelismo, em função da baixa densidade. De acordo com Lorenzi (1992), a madeira é bastante utilizada na confecção de painéis, portas, brinquedos e caixas. A espécie desempenha, ainda, papel de destaque em programas para o reflorestamento misto de áreas degradadas visando à preservação permanente, devido principalmente ao seu rápido crescimento no campo, podendo atingir dez metros de altura no período de dois anos.

O fruto de S. parahyba possui um peculiar padrão de dispersão. Após a abertura das valvas, é exposta uma parte do pericarpo, que envolve a semente e desempenha a função de ala. Na literatura, são encontradas múltiplas interpretações a respeito da natureza da porção pericárpica do diásporo. Segundo Bentham (1870), Gunn (1991) e Barroso et al. (1999), a parte responsável pela dispersão da semente é o endocarpo, já Oliveira & Pereira (1984) afirmaram que se trata do endocarpo mais parte do mesocarpo. Vale ressaltar que nenhum dos autores citados realizou estudo anatômico ou ontogenético que permitisse precisar a participação das camadas pericárpicas no processo de fragmentação do fruto.

Tendo em vista as considerações anteriores, este trabalho foi realizado com os seguintes objetivos: descrever a morfologia e anatomia do pericarpo, nas diversas fases de seu desenvolvimento, fornecendo subsídios para trabalhos taxonômicos e filogenéticos envolvendo as Caesalpinioideae; identificar e relacionar as estruturas do fruto envolvidas no processo de fragmentação do pericarpo que culmina na dispersão da espécie.

Material e métodos

O material botânico estudado constou de botões florais, flores em antese e pós-antese, frutos jovens em várias fases de desenvolvimento e frutos maduros, coletados de seis indivíduos de Schizolobium parahyba (Vell.) Blake, localizados na Fazenda Experimental Lageado e no Câmpus de Rubião Júnior, ambos pertencentes à UNESP de Botucatu, São Paulo, Brasil.

Os estudos morfológicos foram realizados em material fresco, trazido ao laboratório em sacos plásticos e imediatamente examinado, e em material fixado.

Os ovários foram retirados e fixados na mistura Karnovsky (Karnovsky 1965) durante 24 horas. Os frutos coletados foram separados em função de seu tamanho, seccionados quando necessário, sendo fixados em FAA 50 (Johansen 1940) por 48 horas. A conservação do material foi efetuada em álcool 70% (Johansen 1940).

Para preparação das lâminas permanentes, após desidratação em série etílica, o material foi incluído em glicol-metacrilato (JB4, Polysciences) ou hidoxi-etil-metacrilato (Leica) e seccionado com cerca de 8 µm de espessura. Foram obtidas séries transversais e longitudinais. Utilizou-se Azul de Toluidina a 0,05%, pH 4,7 (O'Brien et al. 1964) para coloração das seções que, em seguida, foram montadas em Permount.

As lâminas semi-permanentes, montadas em gelatina glicerinada (Dop & Gautié 1909), foram preparadas por meio da técnica de maceração de Franklin, modificada, conforme sugerido por Kraus & Arduin (1997).

Foram realizados testes microquímicos visando à detecção de algumas substâncias. Foram utilizados os seguintes corantes e reagentes: Vermelho de Rutênio, para identificar polissacarídeos diversos e pectinas (Jensen 1962); Floroglucinol em meio ácido, para evidenciar paredes lignificadas (Sass 1951); Ácido Pícrico, para localizar reservas protéicas; Sudan IV, para a localização de substâncias lipofílicas; Lugol, para detectar amido; Cloreto Férrico, para verificar a ocorrência de compostos fenólicos (Johansen 1940).

Para a descrição dos resultados, utilizou-se a terminologia de Roth (1977), Gunn (1991) e Barroso et al. (1999). O desenvolvimento do pericarpo foi relatado a partir do enquadramento em estádios de desenvolvimento, como o adotado por outros autores (Souza 1984, 1988, 1993, Beltrati & Paoli 1989, Paoli 1991, 1992, Oliveira & Beltrati 1993, Martins & Oliveira 2001). Foram descritos quatro estádios, caracterizados como: Estádio I - ovário; Estádio II - atividade meristemática do pericarpo, especialmente no endocarpo; Estádio III - alongamento celular no pericarpo; Estádio IV amadurecimento geral e fragmentação do pericarpo.

Após a análise do laminário por meio de microscopia de luz, os resultados foram documentados em fotomicrografias produzidas por fotomicroscópio Zeiss, modelo MC80. Para a descrição de aspectos morfológicos gerais, foram confeccionados desenhos a nanquim. Para todas as ilustrações, foram adicionadas escalas nas condições ópticas adequadas.

Resultados

Estádio I (figuras 1-4) – O estádio inicial de desenvolvimento do fruto é representado pelo ovário dos botões florais e flores em pré-antese. Observou-se que o ovário unicarpelar (figura 1) contém cerca de cinco óvulos dispostos em placentação sutural.


A epiderme externa do ovário é unisseriada, composta por células cubóides, de citoplasma denso, rico em compostos fenólicos (figuras 2-4). Ocorre grande número de tricomas tectores unicelulares muito vacuolados, também exibindo compostos fenólicos (figura 1).

O mesofilo ovariano compõe-se de células parenquimáticas aproximadamente isodiamétricas, abrigando pequenos espaços celulares. Adjacente à epiderme, ocorre camada unisseriada formada por células cubóides que contêm compostos fenólicos; alguns idioblastos fenólicos são observados principalmente próximos ao lóculo (figura 2). Imersos na região mais interna do mesofilo, são observados um feixe vascular dorsal em forma de "v" (figuras 1, 3), dois feixes ventrais (figuras 1, 4) e vários cordões procambiais laterais (figuras 1-2).

A epiderme interna é unisseriada, composta por células de citoplasma denso (figura 2).

Estádio II (figuras 5-11) – O segundo estádio é representado pelo ovário de flores em antese e pósantese, que ainda conservam todas as estruturas florais. Nessa fase, predomina a atividade meristemática em todo o pericarpo, principalmente no endocarpo.


O exocarpo é unisseriado e derivado da epiderme externa do ovário. Nessa fase, as células continuam apresentando citoplasma denso, com compostos fenólicos (figuras 5-6). Não foi observada a formação de novos tricomas e os estômatos permanecem em diferenciação, só com as células-guarda evidentes.

O mesocarpo é formado a partir do mesofilo ovariano e permanece parenquimático (figuras 5-6), verificando-se muitas divisões em sentidos variáveis (figuras 9-10). Os feixes dorsal (figuras 5, 8) e ventrais (figura 5) mantêm sua estrutura similar ao estádio anterior e surgem novos cordões procambiais laterais (figuras 5-6).

Derivado da epiderme interna, o endocarpo, neste estádio, apresenta intensa atividade meristemática, constituindo inicialmente duas camadas por meio de divisões periclinais (figuras 7, 10). Posteriormente, o endocarpo constitui maior número de camadas de células (figura 11).

A região placentária é papilosa e composta por grandes células secretoras de substâncias pécticas (figuras 5, 7, 11).

Estádio III (figuras 12-24) – O terceiro estádio é caracterizado pelo crescimento acentuado do fruto, que atinge o seu comprimento e largura definitivos. Nesta fase, predomina a diferenciação e alongamento celular, principalmente no endocarpo.



No exocarpo, as células da epiderme apresentam-se cobertas por espessa cutícula, possuem a parede periclinal externa convexa e mantêm citoplasma denso, rico em compostos fenólicos (figura 14). Os tricomas apresentam-se em menor densidade (figura 13), visto que ocorre a abscisão de muitos deles e o fruto está sendo alongado sem a diferenciação de novos tricomas. Também foi observada a presença de estômatos por toda a superfície.

No mesocarpo, são observadas três regiões: o mesocarpo externo, formado por células parenquimáticas cubóides, sendo as periféricas muito densas, contendo compostos fenólicos (figura 18), os quais são também evidenciados em alguns idioblastos. No mesocarpo médio, verifica-se a diferenciação de feixes vasculares colaterais em toda a lateral das valvas (figura 18) e dos feixes dorsal (figura 16) e ventrais (figura 17). O mesocarpo interno possui várias camadas de células parenquimáticas volumosas, contendo grande quantidade de compostos fenólicos; na região contígua ao endocarpo, algumas camadas apresentam células sem conteúdo especial, sendo as mais internas constituídas por células menores (figura 14).

No endocarpo, duas regiões encontram-se definitivamente distintas: o endocarpo externo, formado por células fibrosas jovens de paredes delgadas, e o endocarpo interno, constituído por tecido parenquimático (figuras 14-16, 18-24). Exceto na região da cavidade seminal, verifica-se o depósito de compostos pécticos internamente, de modo que o endocarpo das duas valvas torna-se inicialmente justaposto e depois coalescido (figuras 16, 23-24).

Estádio IV (figuras 25-35) – Estádio caracterizado pelo amadurecimento do pericarpo, incluindo a lignificação do endocarpo externo e o processo de fragmentação pericárpica.






O fruto maduro é uma criptossâmara, possui formato obovado com o ápice arredondado e a base muito afilada (figura 25). Externamente, o pericarpo é marrom escuro e apresenta várias rachaduras distribuídas por toda a superfície. As valvas são lenhosas e exibem intensa e evidente venação na face interna (figura 26). Após a abertura das valvas, é exposto o endocarpo papiráceo que envolve a única semente e desempenha a função de ala (figura 27).

Nesta fase, as células do exocarpo mantêm-se recobertas por cutícula (figura 28), exibem conteúdo denso e os estômatos tornam-se mais evidentes (figura 28), constituindo poros permanentemente abertos.

No mesocarpo externo, a maioria das células apresenta um grande acúmulo de compostos fenólicos (figura 28). No mesocarpo médio, ocorre a lignificação de grande quantidade de fibras (figuras 28-32), que acompanham os feixes vasculares colaterais (figuras 31-32). Também foram observados pequena compressão e o conseqüente alongamento periclinal das células do mesocarpo interno, acompanhando a formação de longos espaços esquizógenos, que constituem o início da separação do endocarpo (figuras 33-34). Nas células adjacentes ao endocarpo, observamse numerosos cristais prismáticos de oxalato de cálcio.

As regiões dorsal (figura 29) e ventral (figura 30) apresentam, além dos feixes dorsal e ventrais respectivamente, densa rede de feixes colaterais acompanhados por grande quantidade de fibras. Também se observa uma longa faixa de células parenquimáticas percorrendo a região mediana do feixe dorsal (figura 29) e entre os feixes ventrais (figura 30), formando o tecido de separação das valvas.

Nesta fase, ocorre também a lignificação das paredes celulares das fibras formadoras do endocarpo externo e o acúmulo de substâncias pécticas entre as células parenquimáticas que constituem o endocarpo interno (figuras 33-35). Nas margens da cavidade seminal, o endocarpo interno apresenta maior número de camadas celulares contendo compostos fenólicos, as quais constituem um aerênquima (figuras 33-34).

Discussão

Gaertner (1788, apud Roth 1977) definiu o fruto como resultado do amadurecimento do ovário, porém Winkler (1944, apud Roth 1977) destacou que os frutos podem ser formados pelo ovário e por outras partes da flor. Em S. parahyba, verificou-se que o fruto é simples, derivado exclusivamente do desenvolvimento do ovário.

Roth (1977) afirmou que a classificação dos frutos permanece até o presente sem uma solução concreta. Diferentes caracteres, como a estrutura do ovário, número de carpelos e sementes, estruturas associadas à dispersão dos frutos e sementes, deiscência ou indeiscência e consistência do pericarpo são usados para o enquadramento dos tipos de frutos. Barroso et al. (1999) apresentaram definições de tipos e subtipos de frutos baseadas no detalhamento das características morfológicas de cada um.

O tipo mais comum de frutos em Caesalpinioideae é o achatado, mais ou menos oblongo com valvas espessadas e lenhosas. Segundo Cowan (1981), a indeiscência é mais freqüente nas leguminosas arbóreas. Tais observações foram confirmadas no fruto de S. parahyba. Por outro lado, em contraste com a maioria das Caesalpinioideae cujos frutos apresentam várias sementes, os de S. parahyba amadurecem monospérmicos, apesar da existência inicial de cinco óvulos.

Segundo Barroso et al. (1999), uma criptossâmara caracteriza-se pela presença de um pericarpo com duas porções distintas: a externa que se separa em duas valvas distintas ou se rompe irregularmente, e a interna, indeiscente, membranácea ou coriácea, que encerra uma só semente. O fruto da espécie estudada enquadra-se nessa classificação, porém Gemtchújnicov (1976) classifica o fruto apenas como um legume samaróide. Oliveira & Pereira (1984) e Gunn (1991) também consideram o fruto uma criptossâmara.

De acordo com Roth (1977), a parede do ovário transforma-se intensamente durante o desenvolvimento do fruto. A estrutura geral do pericarpo foi descrita por Fahn & Zohary (1955), que destacaram a presença de um tecido parenquimático adjacente à epiderme externa, seguido por um estrato esclerenquimático, de dimensões e composição que variam conforme a espécie ou gênero, podendo haver camadas parenquimáticas delimitando a cavidade seminal.

A definição das três camadas formadoras do pericarpo – exocarpo, mesocarpo e endocarpo – varia conforme a interpretação do autor. Segundo Roth (1977), a maioria dos autores considera o exocarpo derivado somente da epiderme externa do ovário, incluindo as camadas subepidérmicas por ela produzidas, o mesocarpo derivado do mesofilo ovariano e endocarpo derivado da epiderme interna do ovário, também abrangendo as camadas subepidérmicas produzidas por divisões periclinais. Neste trabalho, adotou-se este conceito para a caracterização do pericarpo.

Em relação ao exocarpo, foram encontrados muitos estômatos por toda a superfície do fruto de S. parahyba. Segundo Pate & Kuo (1981), a presença ou ausência, tipo, morfologia e freqüência de estômatos são considerados características de interesse taxonômico.

O mesocarpo é formado por células parenquimáticas que apresentam compostos fenólicos em seu conteúdo. Embora os compostos fenólicos, especialmente os taninos, sejam realmente efetivos na defesa das plantas contra a herbivoria, acredita-se que a sua principal função durante a evolução foi proteger as plantas contra fungos e bactérias (Rosenthal & Janzen 1979).

Pate & Kuo (1981) salientaram a venação do mesocarpo como uma característica de grande interesse taxonômico, porém poucos estudos foram realizados utilizando este aspecto. O mesocarpo do fruto de S. parahyba apresenta intensa e evidente venação, destacada pelos grandes agrupamentos de fibras que acompanham os feixes laterais. Chama a atenção o fato de que esses feixes são visíveis a olho nu, quando ocorre a fragmentação do pericarpo, com conseqüente separação das duas valvas (como pode ser verificado na figura 26).

De acordo com Roth (1977), a composição do endocarpo pode ser homogênea ou heterogênea. No fruto estudado, o endocarpo é formado por uma faixa externa de fibras e uma interna de células parenquimáticas, portanto de composição heterogênea.

A atividade meristemática da epiderme interna dos pericarpos jovens (ou seja, a atividade do meristema adaxial do fruto) produz o tecido denominado "seed cushion". Formado por células parenquimáticas, este tecido envolve a semente e fornece proteção durante o desenvolvimento, sendo comprimido durante o amadurecimento do pericarpo e da semente (Roth 1977). Em S. parahyba, observou-se a formação do "seed cushion", representado por várias camadas de células constituindo um aerênquima que reveste a cavidade seminal.

As observações realizadas neste trabalho mostraram que o fruto de S. parahyba possui estrato esclerenquimático diferenciado e um tecido de separação, de natureza parenquimática, tanto na região dorsal quanto ventral. A separação das valvas entre si se deve, de acordo com Fahn & Zohary (1955), à contração das micelas nas paredes celulares das fibras, fato que produz uma tensão sobre o tecido de separação. Como este tecido constitui uma região de fragilidade, dá-se a ruptura dorsal e ventral do fruto. Deste processo, participam também as fibras mesocárpicas, formadas em grande quantidade junto aos diversos feixes. A separação do endocarpo do restante do pericarpo resulta de processo similar: a contração das fibras endocárpicas gera uma tensão sobre o tecido adjacente (o mesocarpo interno), dando-se a separação na região parenquimática de aspecto mais laxo.

Verificou-se que ocorre separação das duas valvas, porém a semente não é exposta, mantendo-se totalmente envolvida pelo endocarpo indeiscente. Considerando que a deiscência é definida como exposição ou liberação das sementes por abertura naturalmente produzida no pericarpo (Spjut 1994), e considerando ainda que o endocarpo de S. parahyba permanece fechado envolvendo a semente, o fruto da espécie estudada deve ser considerado indeiscente.

As características anatômicas dos pericarpos indicam claramente o processo e modo de dispersão a que a espécie está adaptada (Fahn & Zohary 1955). Estes autores agruparam alguns frutos em tipos e subtipos, levando em conta, principalmente, a composição e orientação do estrato esclerenquimático. O fruto de S. parahyba enquadra-se no tipo Trigonella, cujo estrato esclerenquimático é formado por uma faixa de fibras orientadas longitudinalmente. Este tipo encontra-se incluído no grupo IV, que é composto por frutos deiscentes, com deiscência passiva ou indeiscentes. Ainda segundo os referidos autores, a presença de uma faixa de fibras dispostas num único sentido é uma característica relictual dentre as Fabaceae.

Levando-se em conta algumas características morfológicas citadas por Dudik (1981), como a indeiscência e a monospermia, os frutos de S. parahyba demonstram certo grau de especialização.

É de conhecimento geral que são muitas as funções do pericarpo, mas a principal é a proteção ao embrião, relacionada ao desenvolvimento de camadas mais rígidas, por exemplo no endocarpo. Existem certas relações de reciprocidade entre o desenvolvimento do pericarpo e da testa. Quando o pericarpo é muito desenvolvido, a testa apresenta pequena diferenciação. A testa desenvolve camadas mais rígidas, quando associada a pericarpos deiscentes, de estrutura reduzida ou formados principalmente por células parenquimáticas (Roth 1977). Em S. parahyba, o endocarpo maduro é indeiscente, papiráceo, formado por fibras e células parenquimáticas, que não representam proteção mecânica. Nesta espécie, a função do endocarpo está especialmente relacionada à dispersão da semente, já que este apresenta a estrutura de uma ala.

Pela análise da literatura, encontram-se informações discrepantes a respeito da porção do pericarpo que acompanha a semente. Oliveira & Pereira (1984) consideraram a parte papirácea do fruto como meso-endocarpo. Bentham (1870), Gunn (1991), Garcia & Monteiro (1997), Barroso et al. (1999) descreveram esta estrutura como sendo somente o endocarpo. Por meio do estudo ontogenético aqui apresentado, concluise que a parte papirácea responsável pela dispersão da semente é o endocarpo como um todo, incluindo o estrato esclerenquimático externo e as células parenquimáticas internas, encontrando-se, apenas aleatoriamente, resíduos de células mesocárpicas.

Agradecimentos – Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela bolsa de mestrado concedida à primeira autora.

BELTRATI, C.M. & PAOLI, A.A.S. 1989. Morfologia, anatomia e desenvolvimento das sementes e plântulas de Bauhinia forficata Link. (Leguminosae-Caesalpinioideae). Revista Brasileira de Biologia 49:538590.

BENTHAM, G. 1870. Leguminosae II. In Flora Brasiliensis (C.F.P. Martius, ed.). F. Fleischer, Lipsiae, v.15, pars 2, p.74-75.

COWAN, R.S. 1981. Caesalpinioideae. In Advances in legume systematics. Part 1 (R.M. Polhill & P.H. Raven, eds.). Crown Copyright, Kew, p.57-64.

CRONQUIST, A. 1981. An integrated system of classification of flowering plants. Columbia University Press, New York.

DOP, P. & GAUTIÉ, A. 1909. Manuel de technique botanique. J. Lamane, Paris.

DUDIK, N.M. 1981. Morphology of the pods of Leguminales (Fabales). In Advances in legume systematics. Part 2 (R.M. Polhill & P.H. Raven, eds.). Crown Copyright, Kew, p.897-901.

FAHN, A. & ZOHARY, M. 1955. On the pericarpial structure of the legumen, its evolution and relation to dehiscence. Phytomorphology 5:99-111.

GARCIA, F.C.P. & MONTEIRO, R. 1997. Leguminosae Caesalpinioideae de uma floresta pluvial de planície costeira em Picinguaba, município de Ubatuba, São Paulo, Brasil. Boletim de Botânica, Universidade de São Paulo 16:37-47.

GEMTCHÚJNICOV, I.D. 1976. Manual de taxonomia vegetal: plantas de interesse econômico, agrícolas, ornamentais e medicinais. Editora Agronômica Ceres, São Paulo.

GUNN, C.R. 1984. Fruits and seeds of genera in the subfamily Mimosoideae (Fabaceae). United States Department of Agriculture, Technical Bulletin 1681:1-194.

GUNN, C.R. 1991. Fruits and seeds of genera in the subfamily Caesalpinioideae (Fabaceae). United States Department of Agriculture, Technical Bulletin 1755:1-408.

JENSEN, W.A. 1962. Botanical Histochemistry: principles and practice. W.H. Freeman, San Francisco.

JOHANSEN, D.A. 1940. Plant Microtechnique. McGraw-Hill Book, New York.

JUDD, W.S., CAMPBELL, C.S., KELLOGG, E.A. & STEVENS, P.F. 1999. Plant Systematics: a phylogenetic approach. Sinauer Associates, Sunderland.

KARNOVSKY, M.J. 1965. A formaldehyde-glutaraldehyde fixative of high osmolality for use in electron microscopy. Journal of Cell Biology 27:137A-138A.

KRAUS, J.E. & ARDUIN, M. 1997. Manual básico de métodos em Morfologia Vegetal. Edur, Seropédica.

LIMA, H.C. 1989-1990. Tribo Dalbergieae (Leguminosae - Papilionoideae) - morfologia dos frutos, sementes e plântulas e sua aplicação na sistemática. Arquivos do Jardim Botânico do Rio de Janeiro 30:1-42.

LIMA, M.P.M. 1985. Morfologia dos frutos e sementes dos gêneros da tribo Mimoseae (Leguminosae - Mimosoideae), aplicada à sistemática. Rodriguésia 37:5378.

LORENZI, H. 1992. Árvores brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. Plantarum, Nova Odessa.

MARTINS, M.A.G. & OLIVEIRA, D.M.T. 2001. Morfo-anatomia e ontogênese do fruto e da semente de Tipuana tipu (Benth.) O. Kuntze (Fabaceae: Faboideae). Revista Brasileira de Botânica 24:109-121.

O'BRIEN, T.P., FEDER, N. & MCCULLY, M.E. 1964. Polychromatic staining of plant cell walls by toluidine blue O. Protoplasma 59:368-73.

OLIVEIRA, D.M.T. & BELTRATI, C.M. 1993. Aspectos anatômicos dos frutos e sementes em desenvolvimento de Inga fagifolia (Fabaceae: Mimosoideae). Revista Brasileira Biologia 53:625-636.

OLIVEIRA, E.C. & PEREIRA, T.S. 1984. Morfologia dos frutos alados em Leguminosae-Caesalpinoideae - Martiodendron Gleason, Peltophorum (Vogel) Walpers, Sclerolobium Vogel, Tachigalia Aublet e Schizolobium Vogel. Rodriguésia 36:35-42.

PAOLI, A.A.S. 1991. Estudo morfo-anatômico da unidade de dispersão de Enterolobium contortisiliquum (Vell.) Morong (Leg. - Mimosoideae). Arquivos de Biologia e Tecnologia 34:155-168.

PAOLI, A.A.S. 1992. Desenvolvimento morfo-anatômico do fruto de Dalbergia nigra (Vell.) Fr. All. (Leg. Papilionoideae). Acta Botanica Brasilica 6:65-72.

PATE, J.S. & KUO, J. 1981. Anatomical studies of legume pods - a possible tool in taxonomic research. In Advances in legume systematics. Part 2 (R.M. Polhill & P.H. Raven, eds.). Crown Copyright, Kew, p.903-912.

POLHILL, R.M., RAVEN, P.H. & STIRTON, C.H. 1981. Evolution and systematics of the Leguminosae. In Advances in legume systematics. Part 1 (R.M. Polhill & P.H. Raven, eds.). Crown Copyright, Kew, p.1-25.

RICHTER, H.G., TOMASELLI, I. & MORESCHI, J.C. 1974. Estudo tecnológico do guapuruvu (Schizolobium parahybum). Revista Floresta 5:26-30.

RIZZINI, C.T. 1978. Plantas do Brasil: árvores e madeira úteis do Brasil, manual de dendrologia brasileira. Edgard Blücher, São Paulo.

ROSENTHAL, G.A. & JANZEN, D.H. 1979. Herbivores: their interaction with secondary plant metabolites. Academic Press, New York.

ROTH, I. 1977. Fruits of Angiosperms. Gebrüder Borntraeger, Berlin.

SASS, J.E. 1951. Botanical Microtechnique. State Press, Iowa.

SOUZA, L.A. 1984. Anatomia do desenvolvimento do pericarpo de Lonchocarpus muehlbergianus Hassler (Leguminosae - Faboideae). Revista Unimar 6:5-19.

SOUZA, L.A. 1988. Anatomia de estádios de desenvolvimento da semente de Lonchocarpus muehlbergianus Hassl. (Leguminosae - Faboideae). Garcia de Orta, Serie de Botânica 10:1-9.

SOUZA, L.A. 1993. Morfo-anatomia do desenvolvimento do fruto de Acacia paniculata Willd. (Leguminosae). Arquivos de Biologia e Tecnologia 36:851-871.

SPJUT, R.W. 1994. A systematic treatment of fruit types. Memoirs of the New York Botanical Garden 70:1-182.

VON TEICHMAN, I. & VAN WYK, A.E. 1991. Trends in the evolution of dicotyledonous seeds based on character associations, whit special reference to pachychalazy and recalcitrance. Botanical Journal of the Linnean Society 105:211-237.

(recebido: 4 de junho de 2003; aceito: 22 de agosto de 2004)

  • BARROSO, G.M., MORIM, M.P., PEIXOTO, A.L. & ICHASO, C.L.F. 1999. Frutos e sementes: morfologia aplicada à sistemática de dicotiledôneas. Editora UFV, Viçosa.
  • *
    Parte da dissertação de mestrado de R.C.V. Pietrobom, Pósgraduação em Ciências Biológicas (Botânica), Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil.
  • 1
    Autor para correspondência:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Jul 2005
    • Data do Fascículo
      Out 2004

    Histórico

    • Aceito
      22 Ago 2004
    • Recebido
      04 Jun 2003
    Sociedade Botânica de São Paulo Caixa Postal 57088, 04089-972 São Paulo SP - Brasil, Tel.: (55 11) 5584-6300 - ext. 225, Fax: (55 11) 577.3678 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: brazbot@gmail.com