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Formação de calos e regeneração de segmentos apicais de Hypnea musciformis (Wulfen) Lamouroux (Gigartinales, Rhodophyta): obtenção de culturas axênicas e efeitos da concentração do ágar

Callus growth and regeneration of apical segments of Hypnea musciformis (Wulfen) Lamouroux (Gigartinales, Rhodophyta): obtention of axenic cultures and agar concentration effects

Resumos

Culturas axênicas de Hypnea musciformis (Wulfen) Lamouroux foram estabelecidas em meio de Provasoli (PES) sólido com diferentes concentrações de ágar (0,4%, 0,6%, 0,8% e 1,0%) para avaliar o seu efeito na formação de calos e na regeneração de plantas. O cultivo em meio sólido induziu a formação de quatro tipos de calos (apical - CApi, lateral 1 - CLat1, lateral 2 - CLat2 e basal - CBas), os quais são constituídos internamente por proliferações unisseriadas pigmentadas. O tipo CApi foi o mais freqüente (taxa de 5,3 calos por explante em 1,0% de ágar). A maior biomassa das plântulas regeneradas (7,4 g) foi alcançada a partir de calos cultivados a 1,0% de ágar. A formação dos quatro tipos de calos é um dado inédito e indica que as diferentes concentrações de ágar no meio apresentam efeitos morfogenéticos no crescimento dos calos e na regeneração de segmentos apicais em H. musciformis

calos; cultura axênica; efeito do ágar; Hypnea musciformis; Rhodophyta


Axenic cultures of Hypnea musciformis (Wulfen) Lamouroux were established in Provasoli (PES) solid medium with different agar concentrations (0.4%, 0.6%, 0.8% e 1.0%) to evaluate their effects on callus growth and plant regeneration. The cultures in solid medium induced the growth of four types of callus (apical - CApi, lateral 1 - CLat1, lateral 2 - CLat2, and basal - CBas), which consist of pigmented and unisseriate proliferations. The type CApi was the most frequent (rate of 5.3 calli per explant at 1.0% of agar). The highest biomass of regenerated plantlets (7.4 g) was obtained from calli cultured at 1.0% of agar. The growth of the four types of calli is reported for the first time, and indicates that different agar concentrations in the medium induce morphogenetic effects on callus growth and regeneration of apical segments in H. musciformis.

agar effects; axenic culture; callus; Hypnea musciformis; Rhodophyta


Formação de calos e regeneração de segmentos apicais de Hypnea musciformis (Wulfen) Lamouroux (Gigartinales, Rhodophyta): obtenção de culturas axênicas e efeitos da concentração do ágar

Callus growth and regeneration of apical segments of Hypnea musciformis (Wulfen) Lamouroux (Gigartinales, Rhodophyta): obtention of axenic cultures and agar concentration effects

Isolda Cecília BravinI,1 1 Parte da tese de doutorado do primeiro autor, Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia Vegetal da Universidade Federal do Rio de Janeiro. ; Yocie Yoneshigue ValentinI,2 2 Autor para correspondência: yocie@biologia.ufrj.br ; Nair S. YokoyaII

IUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Biologia, Departamento de Botânica, Av. Brigadeiro Trompowsk s/n, 21941-900 Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIInstituto de Botânica, Seção de Ficologia, Caixa Postal 4005, 01061-970 São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

Culturas axênicas de Hypnea musciformis (Wulfen) Lamouroux foram estabelecidas em meio de Provasoli (PES) sólido com diferentes concentrações de ágar (0,4%, 0,6%, 0,8% e 1,0%) para avaliar o seu efeito na formação de calos e na regeneração de plantas. O cultivo em meio sólido induziu a formação de quatro tipos de calos (apical - CApi, lateral 1 - CLat1, lateral 2 - CLat2 e basal - CBas), os quais são constituídos internamente por proliferações unisseriadas pigmentadas. O tipo CApi foi o mais freqüente (taxa de 5,3 calos por explante em 1,0% de ágar). A maior biomassa das plântulas regeneradas (7,4 g) foi alcançada a partir de calos cultivados a 1,0% de ágar. A formação dos quatro tipos de calos é um dado inédito e indica que as diferentes concentrações de ágar no meio apresentam efeitos morfogenéticos no crescimento dos calos e na regeneração de segmentos apicais em H. musciformis.

Palavras-chave: calos, cultura axênica, efeito do ágar, Hypnea musciformis, Rhodophyta

ABSTRACT

Axenic cultures of Hypnea musciformis (Wulfen) Lamouroux were established in Provasoli (PES) solid medium with different agar concentrations (0.4%, 0.6%, 0.8% e 1.0%) to evaluate their effects on callus growth and plant regeneration. The cultures in solid medium induced the growth of four types of callus (apical - CApi, lateral 1 - CLat1, lateral 2 - CLat2, and basal - CBas), which consist of pigmented and unisseriate proliferations. The type CApi was the most frequent (rate of 5.3 calli per explant at 1.0% of agar). The highest biomass of regenerated plantlets (7.4 g) was obtained from calli cultured at 1.0% of agar. The growth of the four types of calli is reported for the first time, and indicates that different agar concentrations in the medium induce morphogenetic effects on callus growth and regeneration of apical segments in H. musciformis.

Key words: agar effects, axenic culture, callus, Hypnea musciformis, Rhodophyta

Introdução

As técnicas de cultura de tecidos em macroalgas marinhas constituem um campo vasto de estudo no âmbito da biotecnologia. Essas técnicas incluem a produção de um grande número de clones, sendo conhecidas atualmente como micropropagação, e podem ser vistas economicamente como uma forma de acelerar a produção de indivíduos selecionados (Polne-Fuller & Gibor 1987, Collantes et al. 1990). No entanto, uma das principais dificuldades encontradas nesses estudos em macroalgas é a fase de obtenção de culturas axênicas, livres de quaisquer tipos de contaminação (Collantes et al. 1990). Com o intuito de otimizar essa fase, alguns trabalhos foram realizados por Saga & Sakai (1983), Garcia-Reina et al. (1987), Lawlor et al. (1987) e Chen & McCracken (1993). Apesar dessa dificuldade, estudos sobre micropropagação, particularmente nas rodofíceas, foram realizados, mais recentemente, em vários locais do mundo, enfocando o crescimento, a indução de calos e a regeneração dos talos por Gusev et al. (1987), Polne-Fuller & Gibor (1987), Bradley & Cheney (1991), Robaina et al. (1990), Liu & Kloareg (1991), Dawes & Koch (1991), Kaczyma & Megnet (1993), Yokoya et al. (1993, 1999, 2003), Yokoya & Handro (1996, 1997), Huang & Fujita (1997), Garcia-Jimenez et al. (1998) e Yokoya (2000).

No Brasil, pesquisas sobre micropropagação de macroalgas se iniciaram com espécies da ordem Gigartinales, conhecidas por serem produtoras de carragenanas. Foram observadas estruturas semelhantes a calos que se desenvolveram a partir de segmentos de talos de Grateloupia filiformis Kützing, e a regeneração foi comparada a partir de segmentos de diferentes partes do talo na presença e na ausência de luz (Yokoya et al. 1993). Posteriormente, Yokoya & Handro (1996) estudaram o efeito de fitorreguladores em segmentos apicais e intercalares ou em estruturas semelhantes a calos de Grateloupia dichotoma J. Agardh. Foi avaliada, ainda, a regeneração induzida pela interação entre os reguladores de crescimento vegetal e a irradiância (Yokoya & Handro 1997). Os efeitos dos fitorreguladores na indução de calos e/ou na regeneração de plântulas foram estudados em Gracilariopsis tenuifrons (C.J. Bird & E.C. Oliveira) Fredericq & Hommersand (Yokoya 2000), em Solieria filiformis (Kützing) Gabrielson (Yokoya & Handro 2002), em duas variantes pigmentares (verde e marrom) de Hypnea musciformis (Wulfen) Lamouroux (Yokoya et al. 2003) e em Gracilaria tenuistipitata Chang & Xia e G. perplexa Byrne & Zuccarello (Yokoya et al. 2004).

Hypnea musciformis é uma rodofícea com alto valor econômico uma vez que se extrai a k-carragenana de sua parede celular, um polissacarídeo com alta qualidade espessante e utilizado em vários segmentos da indústria alimentícia. Nos últimos anos, observou-se um declínio do estoque natural dessa carragenófita no litoral brasileiro (Oliveira Filho 1981, 1998). A possibilidade de esgotamento da massa algácea em seu hábitat natural levou à publicação de diversos trabalhos sobre suas taxas de crescimento e estudos populacionais (Rao 1970, Mshigeni 1977, Durako & Dawes 1980, Shenckman 1989, Wallner et al. 1992, Reis & Yoneshigue-Valentin 1998, Faccini & Berchez 2000). Bravin & Yonehigue-Valentin (2002) cultivaram H. musciformis sob diferentes combinações de fatores abióticos (agitação do meio de cultura, enriquecimento com sais nutrientes e vitaminas e temperatura), com a finalidade de averiguar o crescimento desta espécie em condições controladas. Os resultados indicaram uma influência diferenciada dos fatores abióticos. As maiores taxas de crescimento (em biomassa) foram obtidas em culturas agitadas, com meio enriquecido e a 25 ºC.

Considerando a carência de estudos sobre micropropagação da carragenófita Hypnea musciformis, o presente trabalho tem como objetivo avaliar do efeito da concentração de ágar na formação de calos e na regeneração do talo em culturas axênicas dessa espécie.

Material e métodos

Coleta e preparação do material — Espécimes de Hypnea musciformis (Wulfen) Lamouroux foram coletados manualmente na franja do infralitoral do costão rochoso em março de 2002 na Prainha, local de ressurgência (Município de Arraial do Cabo - Estado do Rio de Janeiro). Foram selecionados ramos apicais com crescimento ativo e isentos de epífitas. Esses ramos foram lavados várias vezes com água do mar do local de coleta previamente filtrada (filtro de malha de 110 mm) até a retirada de materiais indesejáveis. Após a limpeza, os ramos apicais foram colocados em sacos plásticos contendo água do mar filtrada e acondicionados dentro de garrafas térmicas a fim de se manter o material vivo durante o transporte até o laboratório de Botânica Marinha do Departamento de Botânica do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ.

No laboratório, o material foi lavado por mais de três vezes com água do mar filtrada (0,45 mm) e observado sob microscópio estereoscópico, para a eliminação de qualquer resíduo visível. Segmentos apicais com 1 cm de comprimento foram seccionados.

Culturas unialgáceas foram obtidas utilizando-se meio de cultura PES, constituído de água do mar enriquecida com a solução de Provasoli (Provasoli 1968), em culturas estagnadas, sob temperatura de 22 ± 1 ºC, irradiância de 30 ± 5 mmol fótons m-2 s-1, fornecida por duas lâmpadas Osram, do tipo luz do dia, dispostas horizontalmente, e fotoperíodo de 12:12 h. A irradiância foi medida com um quantômetro LICOR (LI-1000 Data Logger) conectado a um sensor quântico (LI-190SA).

A contaminação por diatomáceas foi evitada utilizando-se solução de dióxido de germânio (1 mg L-1) na primeira semana de cultura (Yoneshigue-Valentin 1990). As culturas unialgáceas foram mantidas durante dois meses em 20 frascos do tipo Erlenmeyer (250 mL), contendo três segmentos apicais de 10 mm e 150 mL de meio de cultura PES. O meio foi trocado semanalmente e os ápices de H. musciformis que atingiram aproximadamente 15 mm foram secionados, permanecendo com 10 mm, e sua porção basal foi descartada.

Teste para estabelecer um método de obtenção de explantes axênicos — Talos provenientes de culturas unialgáceas foram utilizados para obtenção dos explantes axênicos. Para tal finalidade, ápices com 5 mm de comprimento, sem ramificação, foram lavados com solução esterilizante (SE), em diferentes tempos (5, 10, 15 e 20 segundos). Essa solução foi preparada com 100 mL de detergente neutro comercial e 1 mL de hipoclorito de sódio na concentração de 0,2 g de cloro ativo por 1 mL (comprimido da Bayer) para cada 9 mL de água do mar esterilizada. A concentração reduzida a 50% (SE/2) também foi testada.

Foram cultivados seis ápices em cada frasco (capacidade de 100 mL) contendo 30 mL de meio PES solidificado com 0,5% de ágar. Após 60 dias de cultivo, foram analisadas as porcentagens de explantes axênicos, contaminados ou degenerados. Os explantes degenerados ou contaminados foram descartados durante o período experimental. A biomassa dos explantes axênicos (matéria úmida) foi avaliada no final do experimento. Com intuito de se conseguir número de explantes suficientes para o experimento seguinte, explantes axênicos com 10 mm e alguns constituídos por esparsas ramificações foram lavados com água do mar autoclavada e cultivados em frascos contendo 30 mL de meio PES sólido com 0,5% de ágar.

Efeito das diferentes concentrações de ágar na formação de calos — Os explantes axênicos foram incubados em meio PES contendo diferentes concentrações de ágar (0,4%, 0,6%, 0,8% e 1,0%). Seis ápices (totalizando aproximadamente 0,02 g de massa úmida) foram adicionados em cada frasco de 100 mL contendo 30 mL do meio de cultura sólido. Depois de 60 dias de incubação, os explantes foram observados sob microscópio estereoscópico para determinação do número de calos formados por explante.

Estudo anatômico dos calos — Foram realizados cortes transversais à mão livre, por meio de uma lâmina de aço. O aspecto geral e os cortes transversais dos calos foram ilustrados usando uma câmara fotográfica acoplada ao microscópio fotônico.

Regeneração das plântulas — Cinco calos apicais com eixos eretos foram seccionados dos explantes obtidos em meio sólido e transferidos para Erlenmeyer contendo 150 mL de meio líquido enriquecido com PES, movimentado por meio de uma bomba de aquário e a 25 ºC (Bravin & Yoneshigue-Valentin 2002). A troca de meio foi realizada a cada 2 semanas e a biomassa (matéria úmida) foi determinada no final do período experimental (40 dias).

Análise estatística — Os dados foram submetidos à análise de variância (ANOVA, unifatorial) e teste de comparação múltipla de Tukey (Zar 1996) para verificar a ocorrência de diferenças significativas entre os tratamentos com diferentes concentrações de ágar na indução de calos e no crescimento final das plântulas. As análises foram realizadas utilizando-se o pacote estatístico STATISTICA (STAT SOFT, versão 6.0).

Resultados

Obtenção de explantes axênicos — O crescimento dos organismos contaminantes sobre os explantes de Hupnea musciformis (Wulfen) Lamouroux foi evitado mediante quatro lavagens sucessivas, levando-se em consideração o tempo, o detergente e a concentração de hipoclorito de sódio (tabela 1, figura 1). Os melhores resultados foram obtidos com lavagens com SE por 5 ou 10 segundos e com SE/2 por 10 ou 15 segundos. As lavagens com SE por 15 ou 20 segundos e SE/2 por 20 segundos causaram necrose nos explantes (respectivamente, 33,3%, 55,6% e 38,9%), enquanto que a lavagem com SE/2 por 5 segundos ocasionou altos níveis de contaminação (27,8%). As lavagens por maior tempo (10 e 15 segundos) resultaram na maior taxa de material axênico (83%) e necrose do talo (38,9%) a 20 segundos (tabela 1).


Os maiores valores em biomassa dos explantes axênicos foram observados nos tratamentos submetidos a lavagens com SE a 5, 10 e 15 segundos e SE/2 a 5 e 10 segundos, atingindo, em média, 0,10 g após o período experimental. Entretanto, nas lavagens com as duas concentrações de soluções esterilizantes por um período maior (SE a 20 segundos e SE/2 a 15 e 20 segundos) a biomassa aumentou somente 0,06 g (figura 1).

Efeito da concentração de ágar e anatomia do calo — Durante o período experimental, foi observado o desenvolvimento de filamentos unisseriados e pigmentados dispostos radialmente e formados pelo alongamento das células corticais em diferentes regiões do talo (figuras 2-5). Nessas regiões não foram observadas as células corticais típicas, normalmente presentes no talo. O agrupamento desses filamentos, formando conglomerados sem diferenciação, foi chamado de calo. Foram encontrados quatro tipos de calos com diferenças na morfologia externa: calo apical (CApi), calo lateral 1 (CLat1), calo lateral 2 (CLat2) e calo basal (CBas), (figuras 2, 3, 4 e 5, respectivamente). Os calos apicais foram observados nas regiões apicais do explante e caracterizaram-se por apresentar filamentos dispostos frouxamente (figura 2). Os calos laterais foram formados nas regiões medianas dos ramos laterais dos explantes, podendo apresentar forma globulosa, quando próximos do ápice (figura 3), ou frouxa, quando mais distantes do ápice (figura 4). Os calos basais, de aspecto radial e frouxo em sua consistência, foram encontrados na base dos explantes (figura 5). Os cortes transversais de todos os calos apresentaram a mesma organização. Eles são constituídos por proliferações unisseriadas dispostas radialmente e desorganizadas internamente (figura 6). No decorrer do desenvolvimento do CApi, ainda sobre o explante, foi observada a formação de eixos eretos pigmentados que se originaram na sua região central (figura 7). Esse desenvolvimento não foi observado para os demais tipos de calos (Clat1, Clat2 e CBas).




Quanto à variação do número de calos induzidos pelas diferentes concentrações de ágar, observou-se que em todas concentrações de ágar testadas houve maior indução de calos partindo do ápice dos explantes (CApi), a qual cresceu à medida que se aumentou a concentração de ágar (figura 8). A média da variação do número de calos induzidos nas diferentes concentrações de ágar pode ser observada na figura 8. As concentrações de ágar de 0,8% e 1,0% induziram as maiores taxas de formação de calos, 4,6 e 5,3 calos por explante, respectivamente. Os calos laterais do tipo 1 (CLat1) foram o segundo tipo mais freqüente, aumentando com a solidificação do meio, sendo encontrados até dois calos deste tipo por explante. Quanto aos calos laterais do tipo 2 (CLat2) e os calos basais (CBas) houve ocorrência bem inferior a dos demais tipos de calos, variando entre zero a cinco calos por frasco. A análise de variância indicou diferenças estatisticamente significativas (P < 0,001) na indução de CApi (F = 28,1) e CLat1 (F = 106,3), CLat2 (F = 32,7) e CBas (F = 33,2). Não foram observadas diferenças significativas (P < 0,05) em relação à indução dos calos apicais entre algumas concentrações de ágar (figura 8).


Regeneração a partir dos calos — Os CApi com eixos eretos obtidos de explantes cultivados em todas as concentrações de ágar testadas foram seccionados e apresentaram regeneração de plântulas (figura 9). Os calos cultivados no tratamento com 1,0% de ágar deram origem a 7,4 g de material algáceo, seguidos de 6,1 g (0,8%), 4,3 g (0,6%) e 2,8 g (0,4%). A análise de variância (F = 92,2, P < 0,001) e o teste de comparação múltipla de Tukey (P < 0,05) indicaram que há diferença significativa entre as concentrações de ágar testadas (figura 9).


Discussão

Foram obtidas culturas de Hypnea musciformis (Wulfen) Lamouroux livres de contaminação através da lavagem com detergente e hipoclorito de sódio, superando um dos principais obstáculos no cultivo de macroalgas marinhas que é a obtenção de explantes axênicos (McCracken 1993). Os tratamentos com soluções esterilizantes, diluídas (SE/2) ou não (SE), por 10 segundos mostraram-se mais adequados, principalmente pela menor porcentagem de contaminantes dos explantes e uma maior sobrevivência dos mesmos no período de 40 dias. Esses sobreviventes foram viáveis e a partir deles foi multiplicado o número de explantes axênicos, através da técnica de subculturas utilizadas na metodologia testada. Nossos resultados são semelhantes aos de Saga & Sakai (1983), usando explantes de Laminaria angustata Kjellman & Petersen, uma feofícea de grande porte.

Os explantes de H. musciformis, cultivados no meio PES em diferentes concentrações de ágar, formaram quatro tipos de calos com diferentes morfologias (CApi, CLat1, CLat2, CBas). Esses quatro tipos de calos desenvolveram-se simultaneamente em alguns desses explantes. Esses resultados são inéditos na literatura para o gênero Hypnea. Yokoya et al. (2003) observaram a formação de apenas um tipo de calo (apical) em variantes verdes e marrons de H. musciformis provenientes do litoral do Estado do Espírito Santo, com ou sem adição de fitorreguladores. Outros estudos relacionados com a indução de calos em rodofíceas indicam, também, a formação de apenas um tipo de calo que, geralmente, está localizado na região seccionada do explante (Polne-Fuller & Gibor 1987, Huang & Fujita 1997).

De maneira geral, foi constatado maior número de calos com o aumento na concentração de ágar no meio de cultura. Sugere-se que esse meio inibiu o crescimento da fronde e estimulou a indução e o crescimento dos calos (Polne-Fuller & Gibor 1987). O número elevado de calos apicais encontrado nos explantes de Hypnea musciformis pode ser explicado pela localização da célula apical (responsável pelo crescimento). A formação de calos na região basal do explante corrobora também com a hipótese de injúria no local onde foi realizada a excisão. Sugere-se que os calos laterais encontrados se originaram na região em que, a priori, seriam formados os ramos laterais.

Quanto à anatomia dos quatro tipos de calos (CApi, CLat1, CLat2, CBas) foi constatado que todos apresentaram a mesma formação morfo-anatômica, sendo constituídos por proliferações unisseriadas e pigmentadas dispostas radialmente com origem nas células corticais. No ambiente natural, H. musciformis não desenvolve esses filamentos unisseriados e seu talo é constituído pelas regiões medular e cortical (Joly 1965). Essa modificação na organização do talo de H. musciformis pode ser denominada calo, tendo como origem a proliferação de células, e representa uma forma anormal de crescimento (Polne-Fuller & Gibor 1987). Esses tipos de calos sem diferenciação em medula e córtex são semelhantes àquele observado para Gracilaria tenuifrons (Yokoya 2000). O desenvolvimento de eixos eretos apenas na região central dos CApi não foi observado nos outros tipos de calos (CLat1, CLat2 e CBas). Este resultado indica que esses eixos se originaram a partir da célula apical do explante de H. musciformis, uma vez que a organização do talo é uniaxial.

As diferenças de biomassa, obtidas durante o processo de regeneração, são semelhantes ao número de calos induzidos nas diversas concentrações de ágar, o que foi demonstrado através da correlação, quase que direta, entre a biomassa e o número de calos para cada concentração. A regeneração desses calos, em meio PES, é um resultado importante, particularmente a alta biomassa alcançada, ressaltando a viabilidade de estudos de micropropagação com a população natural de H. musciformis de Arraial do Cabo.

Em síntese, concluímos que H. musciformis é uma espécie de macroalga marinha com grande potencial para a formação de calos e regeneração do talo, que são processos morfogenéticos fundamentais para o sucesso da micropropagação e de outras aplicações biotecnológicas.

Agradecimentos — Este trabalho foi realizado sob os auspícios do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), através das bolsas de Doutorado (I.C. Bravin) e de Produtividade em Pesquisa (Y. Yoneshigue-Valentin e N.S. Yokoya) e do Pronex/CNPq E-26/171.177/2003 (Y. Yoneshigue-Valentin).

(recebido: 7 de outubro de 2004; aceito: 2 de fevereiro de 2006)

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  • 1
    Parte da tese de doutorado do primeiro autor, Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia Vegetal da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • 2
    Autor para correspondência:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      Mar 2006

    Histórico

    • Recebido
      07 Out 2004
    • Aceito
      02 Fev 2006
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