Myxomycetes sobre inflorescências e folhas vivas de lírio-do-brejo (Hedychium coronarium Koenig, Zingiberaceae): registro de um novo substrato

Myxomycetes on living inflorescences and leaves of ginger lily (Hedychium coronarium Koenig, Zingiberaceae): a new substrate register

NOTA CIENTÍFICA SCIENTIFIC NOTE

Myxomycetes sobre inflorescências e folhas vivas de lírio-do-brejo (Hedychium coronarium Koenig, Zingiberaceae): registro de um novo substrato

Myxomycetes on living inflorescences and leaves of ginger lily (Hedychium coronarium Koenig, Zingiberaceae): a new substrate register

Rita C.S. Maimoni-Rodella^I,1; Laise de Holanda Cavalcanti^II

^IUniversidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Departamento de Botânica, Caixa Postal 510, 18618-000 Botucatu, SP, Brasil

^IIUniversidade Federal de Pernambuco, Centro de Ciências Biológicas, Departamento de Botânica, 50740-520 Recife, PE, Brasil

RESUMO

A ocorrência de Myxomycetes sobre plantas vivas de Hedychium coronarium Koenig foi registrada nos Municípios de Botucatu (22o52’ S e 48o26’ W) e Itatinga (23o08’ S e 48o38’ W), São Paulo, região Sudeste do Brasil. Foram encontrados esporóforos sobre brácteas florais, restos de flores e sobre folhas adjacentes às inflorescências em plantas vivas, evidenciando ser este um ambiente favorável ao desenvolvimento de Myxomycetes. Cinco espécies foram encontradas: Didymium bahiense Gottsb., D. nigripes (Link) Fr. (Didymiaceae), Physarum compressum Alb. & Schwein., P. pusillum (Berk. & M. A. Curtis) G. Lister (Physaraceae) e Arcyria cinerea (Bull.) Pers. (Arcyriaceae). Todas podem ser consideradas espécies florícolas, embora haja registros mais freqüentes de sua ocorrência sobre componentes da serapilheira. Este é o primeiro relato da ocorrência de Myxomycetes neste tipo de microhabitat para o Brasil.

Palavras-chave: ecologia, Myxomycetes florícolas, novo substrato

ABSTRACT

The occurrence of Myxomycetes on living individuals of Hedychium coronarium Koenig was registered at Botucatu (22o52’ S and 48o26’ W) and Itatinga (23o08’ S and 48o38’ W) Municipalities, São Paulo State, southeastern Brazil. Sporophores were found on floral bracts, floral remains and leaves near the inflorescences on living plants, which indicates that this is a favourable substract to Myxomycetes development. Five species where found: Didymium bahiense Gottsb., D. nigripes (Link) Fr. (Didymiaceae), Physarum compressum Alb. & Schwein., P. pusillum (Berk. & M. A. Curtis) G. Lister (Physaraceae) and Arcyria cinerea (Bull.) Pers. (Arcyriaceae). All of them can be considered floricolous species, although their occurrence has been reported in several studies on litter material. This is the first record of inflorescence inhabited by Myxomycetes for Brazil.

Key words: ecology, floricolous Myxomycetes, new substratum

Introdução

Myxomycetes são habitantes comuns dos ecossistemas terrestres em todo o mundo (Lado 2001), ocorrendo, geralmente, em quaisquer ambientes onde se encontrem disponíveis umidade e material vegetal em decomposição. Os esporos, disseminados pelo vento ou por animais, estão presentes praticamente em todo lugar. Entretanto, a ocorrência sobre plantas vivas tem sido raramente assinalada, com alguns registros no Brasil sobre diferentes estruturas vivas de palmeiras (Alves & Cavalcanti 1996, Cavalcanti & Mobin 2004), bromeliáceas (Gottsberger 1971) e briófitas (Cavalcanti & Dias Filha 1985). A presença de esporóforos de Myxomycetes sobre espécies cultivadas em hortas, jardins e estufas foi apontada por Ing (1994). Em todas estas situações, o substrato é descrito como capaz de reter considerável umidade. Recentemente, Schnittler & Stephenson (2002) realizaram um trabalho onde inflorescências de várias plantas herbáceas neotropicais foram descritas como um novo microhabitat para os Myxomycetes propondo, então, a designação de florícolas para as espécies a ele associadas. Nota-se, portanto, que substratos vivos foram pouco explorados para a constatação desse grupo de microrganismos.

Assim, o objetivo do presente trabalho é relatar a ocorrência de Myxomycetes sobre plantas vivas de lírio-do-brejo (Hedychium coronarium Koenig), em dois Municípios do Estado de São Paulo, Sudeste do Brasil, visando contribuir para o conhecimento da ecologia e distribuição mundial das espécies florícolas. Este é o primeiro relato da ocorrência de Myxomycetes neste tipo de microhabitat para o Brasil.

Material e métodos

Foram examinadas, em três excursões realizadas no período de fevereiro a maio de 1991, plantas vivas de lírio-do-brejo, ocorrentes em densas populações, em duas áreas adjacentes a ambientes aquáticos no Estado de São Paulo. A primeira localiza-se às margens do Córrego Itaúna, afluente do Ribeirão dos Veados, próximo à sede da Fazenda Santa Maria da Barra Grande, Município de Itatinga (23º08’ S e 48º38’ W) e a outra é um pequeno brejo localizado no Jardim Botânico do Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, situado no Distrito de Rubião Júnior, Município de Botucatu (22º52’ S e 48º26’ W). Os ramos que apresentavam esporóforos de Myxomycetes foram coletados para exame em laboratório. Os espécimes encontrados foram preservados a seco, conforme metodologia descrita em Martin & Alexopoulos (1969) e identificados através de chaves e descrições constantes em Lister (1925), Martin & Alexopoulos (1969) e Farr (1976).

Exsicatas dos espécimes estudados encontram-se depositadas no Herbário BOTU, do Departamento de Botânica, Instituto de Biociências de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP. O número de registro de um espécime representativo de cada táxon encontra-se citado na tabela 1.

Resultados e Discussão

O lírio-do-brejo é uma monocotiledônea originária da Ásia (Kissman 1997) que se encontra amplamente dispersa pelo Brasil, invadindo agressivamente baixadas úmidas e pantanosas, margens de lagos, riachos e canais de drenagem, formando densas populações (Lorenzi 1982). Apresenta grandes inflorescências terminais, de arranjo espiciforme elíptico ou estrobiliforme, com uma seqüência de brácteas parcialmente sobrepostas (Kissmann 1997) e que permanecem na planta por várias semanas. Tal arranjo permite que haja acúmulo de água de chuva, poeira, restos de flores e néctar junto ao eixo da inflorescência. Schnittler & Stephenson (2002) relataram que inflorescências com essas características constituem-se em "câmaras úmidas naturais", propiciando condições adequadas para o desenvolvimento de comunidades de bactérias e leveduras que servem de alimento e favorecem o desenvolvimento de grandes colônias de Myxomycetes.

Sobre essas inflorescências foram encontrados, na estação úmida, nas áreas inventariadas, esporóforos de Myxomycetes, bem como sobre folhas vivas adjacentes, em plantas ocorrentes nas margens de cursos d’água. Supõe-se que tenha ocorrido o desenvolvimento dos plasmódios no interior úmido das inflorescências, já que estas se encontravam a cerca de 1,5 m de altura a partir do solo. Entretanto, plasmódios não foram visualizados em nenhuma das plantas examinadas. A localização dos esporóforos sobre folhas vivas, adjacentes às inflorescências, sobre restos de flores secas, dentro delas e sobre a face externa das brácteas, leva a crer que os plasmódios se deslocaram em direção a locais mais secos por ocasião da esporulação.

No Município de Itatinga foram encontradas cinco espécies enquanto que no Município de Botucatu ocorreu apenas Didymium bahiense (tabela 1). Em ambas as áreas foram encontrados esporóforos sobre brácteas (53,19%), flores secas (25,53%) e folhas adjacentes (21,28%) sendo, porém, as brácteas o substrato onde maior número de ocorrências foi registrado. Nas condições do presente estudo, Physarum compressum pode ser considerado comum no substrato analisado, enquanto Didymium bahiense (única espécie presente nos dois locais) e Didymium nigripes são ocasionais; Physarum pusillum e Arcyria cinerea podem ser considerados raros, segundo o critério de Schnittler et al. (2002). Todas essas espécies foram também citadas por Schnittler & Stephenson (2002) como florícolas em florestas da Costa Rica, Equador e Porto Rico apresentando, entretanto, diferentes graus de associação a esse microhabitat. Esses mesmos autores observaram que, dentre as 31 espécies identificadas com 732 registros, P. compressum e A. cinerea foram incluídas entre as 13 mais abundantes, enquanto D. bahiense, D. nigripes e P. pusillum ocorreram com menos de cinco registros, sendo consideradas raras.

As inflorescências de lírio-do-brejo constituem, portanto, um ambiente favorável ao desenvolvimento de Myxomycetes, embora todas as espécies nelas encontradas não sejam exclusivamente florícolas. Estas espécies são freqüentemente observadas sobre folhas, galhos caídos e demais componentes da serapilheira. Entretanto, os resultados aqui obtidos, associados aos de Schnittler & Stephenson (2002) indicam que P. compressum apresenta uma clara preferência pelo microhabitat das inflorescências.

Embora H. coronarium tenha se mostrado um substrato pouco produtivo nos levantamentos efetuados por Schnittler & Stephenson (2002), os resultados do presente trabalho indicam condições ambientais mais favoráveis ao desenvolvimento de Myxomycetes sobre este substrato do que as verificadas por esses autores.

(recebido: 10 de fevereiro de 2005; aceito: 27 de abril de 2006)

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  08 Jan 2007
• Data do Fascículo
  Jun 2006

Histórico

• Aceito
  27 Abr 2006
• Recebido
  10 Fev 2005