Acessibilidade / Reportar erro

Sementes recalcitrantes: intolerantes a baixas temperaturas? Embriões recalcitrantes de Inga vera Willd. subsp. affinis (DC.) T. D. Penn. toleram temperatura sub-zero

Recalcitrant seeds: intolerant to low temperatures? Recalcitrant embryos of Inga vera Willd. subsp. affinis (DC.) T. D. Penn., a tropical species, are tolerant to subzero temperature

Resumos

Sementes recalcitrantes são intolerantes à dessecação e a baixas temperaturas, que são as principais formas de conservação de sementes e, portanto, são de difícil armazenamento. Inga vera subsp. affinis produz sementes denominadas recalcitrantes, uma vez que não toleram redução do teor de água para valores inferiores a 35%. Neste trabalho é demonstrada a tolerância desses embriões a temperatura de -2 ºC. Embriões de I. vera de diferentes estádios de maturação foram armazenados por até 45 dias nas temperaturas de 8 ºC a -18 ºC, com ou sem secagens prévias até -4,0 e -6,0 MPa. Os resultados permitiram observar que, embora nenhum tratamento tenha proporcionado resistância à temperatura de -18 ºC, a secagem dos embriões maduros a -4 MPa proporcionou maior tolerância à redução de temperatura até níveis de congelamento da água (-2 ºC).

armazenamento; congelamento; espécie tropical; germinação de semente; recalcitrante


Recalcitrant seeds are intolerant to both desiccation and low temperatures, the most important mechanisms of seed conservation, consequently their storage is difficult. Inga vera subsp. affinis produces the so-called recalcitrant seeds, since they do not survive to water content lower than 35%. In this work it is demonstrated that these seeds are tolerant to temperatures as low as -2 ºC. Embryos of I. vera of different stages of maturity were stored at temperatures varying from 8 to -18 ºC for until 45 days. Non-dried embryos and both dried to -4 MPa and -6 MPa were stored. Results showed that, despite all embryos died at -18 ºC, some cold tolerance was obtained by mature embryos when stored at -2 ºC, as long as they are dried to -4 MPa.

freezing; recalcitrant; seed germination; storability; tropical tree


ARTIGOS

Sementes recalcitrantes: intolerantes a baixas temperaturas? Embriões recalcitrantes de Inga vera Willd. subsp. affinis (DC.) T. D. Penn. toleram temperatura sub-zero1 1 Parte da dissertação de mestrado do primeiro autor, Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas da Universidade Estadual Paulista, Botucatu.

Recalcitrant seeds: intolerant to low temperatures? Recalcitrant embryos of Inga vera Willd. subsp. affinis (DC.) T. D. Penn., a tropical species, are tolerant to subzero temperature

Marcio R. BonjovaniI; Claudio J. BarbedoII,2 2 Autor para correspondência: claudio.barbedo@pesquisador.cnpq.br

IUniversidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Caixa Postal 510, 18618-000 Botucatu, SP

IIInstituto de Botânica, Av. Miguel Estéfno 3687, 04301-012 São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

Sementes recalcitrantes são intolerantes à dessecação e a baixas temperaturas, que são as principais formas de conservação de sementes e, portanto, são de difícil armazenamento. Inga vera subsp. affinis produz sementes denominadas recalcitrantes, uma vez que não toleram redução do teor de água para valores inferiores a 35%. Neste trabalho é demonstrada a tolerância desses embriões a temperatura de -2 ºC. Embriões de I. vera de diferentes estádios de maturação foram armazenados por até 45 dias nas temperaturas de 8 ºC a -18 ºC, com ou sem secagens prévias até -4,0 e -6,0 MPa. Os resultados permitiram observar que, embora nenhum tratamento tenha proporcionado resistância à temperatura de -18 ºC, a secagem dos embriões maduros a -4 MPa proporcionou maior tolerância à redução de temperatura até níveis de congelamento da água (-2 ºC).

Palavras-chave: armazenamento, congelamento, espécie tropical, germinação de semente, recalcitrante

ABSTRACT

Recalcitrant seeds are intolerant to both desiccation and low temperatures, the most important mechanisms of seed conservation, consequently their storage is difficult. Inga vera subsp. affinis produces the so-called recalcitrant seeds, since they do not survive to water content lower than 35%. In this work it is demonstrated that these seeds are tolerant to temperatures as low as -2 ºC. Embryos of I. vera of different stages of maturity were stored at temperatures varying from 8 to -18 ºC for until 45 days. Non-dried embryos and both dried to -4 MPa and -6 MPa were stored. Results showed that, despite all embryos died at -18 ºC, some cold tolerance was obtained by mature embryos when stored at -2 ºC, as long as they are dried to -4 MPa.

Key words: freezing, recalcitrant, seed germination, storability, tropical tree

Introdução

O agrupamento das sementes em dois tipos, proposto inicialmente por Roberts (1973), considera, basicamente, a intolerância à dessecação, a curta longevidade e a intolerância às temperaturas baixas de um grupo de sementes, então denominadas recalcitrantes, em contraste com as ortodoxas. Esse conceito é aceito, ainda, por muitos autores, acrescentando-se a categoria das intermediárias, que também seriam intolerantes às temperaturas de congelamento e, ainda, intolerantes à secagem até 10% de água (Ellis et al. 1990, Mai-Hong et al. 2006, Usberti et al. 2006). Por outro lado, há autores que consideram a existência de níveis de recalcitrância (Berjak & Pammenter 1994, Pammenter & Berjak 1999, Pammenter et al. 2003), demonstrando a diversidade de respostas das sementes enquadradas em apenas um ou dois grupos (recalcitrantes e/ou intermediárias). Essas formas de classificação ou agrupamentos são importantes, por exemplo, para que se definam estratégias e técnicas diferenciadas de conservação de germoplasma.

Segundo o agrupamento em apenas três categorias, as sementes de Inga vera Willd. subsp. affinis (DC.) T. D. Penn., popularmente conhecida como ingá, seriam enquadradas dentre as recalcitrantes, não tolerando mesmo pequenas reduções do teor de água e apresentando baixa capacidade de armazenamento, perdendo a viabilidade em menos de 15 dias (Carvalho 1994, Bilia & Barbedo 1997). Essa característica torna difícil a conservação de germoplasma na forma de sementes, uma vez que a metodologia convencional de conservação de sementes freqüentemente utiliza a secagem e o armazenamento em câmaras a temperaturas abaixo de zero como forma de preservar a viabilidade das sementes (Barbedo & Bilia 1998, Santos 2001, Rocha 2004). Essas sementes geralmente apresentam atividade metabólica intensa, tanto durante sua formação, quanto após sua colheita (Barbedo & Marcos Filho 1998, Castro et al. 2004). Assim, métodos para o armazenamento das sementes recalcitrantes devem obrigatoriamente considerar a redução do metabolismo (Andréo et al. 2006).

Acima de determinados níveis de hidratação, a água torna-se congelável, tanto nas sementes intolerantes à dessecação quanto nas tolerantes, podendo ocasionar danos devido à formação de cristais de gelo nos tecidos e levando à perda da viabilidade (Fonseca & Freire 2003). A principal conseqüência da formação de cristais de gelo é a ruptura mecânica, tanto da estrutura citoplasmática quanto da membrana celular, pela expansão da água congelada, resultando na desagregação celular (Taiz & Zeiger 2004). Pode ocorrer, ainda, enorme tensão e estresse físico em células vegetais submetidas ao congelamento. Isso porque, durante a transição de fase do líquido extracelular, com a conseqüente formação de gelo, há dessecação dos tecidos vegetais pela migração da água do interior da célula para o meio extracelular (Guy 2003).

As sementes que toleram desidratação quase completa podem suportar, conseqüentemente, temperaturas extremamente baixas, o que supostamente não ocorre com as sementes intolerantes à dessecação. Contudo, ainda não foram estabelecidos os limites de redução da temperatura para estas sementes. A aquisição da tolerância à dessecação é um fenômeno complexo, envolvendo a interação de ajustes metabólicos e estruturais, permitindo que as células resistam a perdas consideráveis de água sem a ocorrência de prejuízos. A maior ou menor eficiência desses fatores poderia, dessa forma, acarretar a formação de sementes com diferentes níveis de tolerância à dessecação (Marcos Filho 2005). Possivelmente, tal fato poderia ocorrer, também, em relação à tolerância à redução da temperatura.

Estudos realizados por Barbedo & Cicero (2000) mostraram que sementes de Inga uruguensis armazenadas hidratadas e embebidas em solução de ácido abscísico 10-4 M, a 10 ºC, podem apresentar germinação superior a 80% após 40 dias. Andréo et al. (2006), por sua vez, controlando a mobilização de água entre a semente e o meio, obtiveram embriões com germinação superior a 80% após 90 dias de armazenamento, também a 10 ºC, quando mantidos em substratos com soluções de PEG a -2,4 MPa. Bilia et al. (1998), estudando os limites de tolerância à dessecação dessas sementes, conseguiram armazená-las, na mesma temperatura utilizada por aqueles autores, por até 60 dias quando o teor de água foi reduzido até 50%.

A capacidade de armazenamento é ampliada para muitas espécies, quando a redução do teor de água das sementes está associada à diminuição de temperatura do ambiente (Walters 1998). Contudo, há espécies que não toleram grande redução da temperatura, principalmente o congelamento (Chin et al. 1989). Considerando a dificuldade no armazenamento de sementes intolerantes à dessecação e, ainda, o fato de não terem sido estabelecidos os limites inferiores de temperatura suportados por essas sementes, no presente trabalho foram avaliados os limites de tolerância à baixa temperatura de embriões de Inga vera subsp. affinis de diferentes estádios de maturação, associados a diferentes níveis de secagem, com vistas à ampliar o período de armazenamento das sementes dessa espécie.

Material e métodos

Obtenção do material vegetal - Frutos de Inga vera Willd. subsp. affinis (DC.) T. D. Penn. foram coletados em janeiro de 2007, a partir de dez matrizes plantadas no Município de Santo André, SP (23º37' S, 46º31' W).

Os frutos foram levados em sacos de algodão ao Laboratório de Sementes do Instituto de Botânica, São Paulo, SP (23º37' S, 46º32' W) e abertos manualmente para retirada das sementes. Estas foram classificadas segundo o estádio de maturação, baseando-se em informações de Figliolia (1993) e Barbedo & Cicero (2000); assim, as sementes foram agrupadas em quatro estádios conforme a espessura da sarcotesta (tegumento carnoso) que as reveste. A seguir, essa sarcotesta foi removida, também manualmente uma a uma, obtendo-se os embriões excisados utilizados nos experimentos. Os embriões foram, então, avaliados quanto à sua qualidade fisiológica, por meio da determinação do seu teor de água e o seu potencial hídrico e, ainda, por testes de germinação e vigor, conforme descrito abaixo.

Secagem - Os embriões obtidos, separados por estádio de maturação, após retirada amostra controle (sem secagem), foram submetidos a dois níveis de secagem, em estufa a 30 ± 1 ºC com circulação de ar forçada (Bilia et al. 1998), denominadas secagem leve e secagem severa, procurando-se levar os embriões aos potenciais hídricos de, respectivamente, -4 e -6 MPa. Para tanto, amostras de embriões foram retiradas periodicamente e avaliadas quanto ao seu potencial hídrico, até que atingissem valores próximos aos desejados.

Ao final de cada nível de secagem, os embriões foram novamente avaliados quanto à sua qualidade fisiológica, conforme descrito anteriormente.

Temperaturas de armazenamento - Após a obtenção dos níveis de secagem desejados, os embriões foram embalados em sacos de polietileno (0,05 mm) fechados, etiquetados e armazenados nas temperaturas de 8 ºC, 4 ºC, 2 ºC, -2 ºC e -18 ºC.

Após 15, 30 e 45 dias, amostras dos embriões foram removidas das câmaras de armazenamento, mantidas em ambiente de laboratório com temperatura constante de 20 ± 2 ºC por 24 horas para aclimatação e, em seguida, avaliados novamente quanto à sua qualidade fisiológica.

Avaliações fisiológicas - O teor de água dos embriões foi avaliado pelo método da estufa a 103 ± 2 ºC / 17 horas (ISTA 1985). O potencial hídrico dos embriões foi avaliado em potenciômetro WP4 (Dewpoint Potentiameter, Decagon), baseando-se na temperatura de espelho no ponto de orvalho da atmosfera, após equilíbrio higroscópico com a amostra. Para aferição do potencial hídrico real dos embriões e do potencial registrado pelo potenciômetro, amostras foram incubadas em soluções de polietileno glicol 6000 (PEG) com diferentes potenciais osmóticos, segundo Michel & Kaufmann (1973), até peso constante, sendo então avaliadas no potenciômetro.

O teste de germinação foi realizado em rolo de papel Germitest, com duas folhas para a base e outra para cobertura, pré-umedecidas na proporção de duas vezes e meia o peso do papel (Brasil 1992), colocados em germinadores Marconi tipo MA400, com circulação interna de água, regulados para a temperatura constante de 25 ºC e luz constante (Bilia & Barbedo 1997). As avaliações foram realizadas aos sete e aos 14 dias, sendo computados os embriões germinados (protrusão de raiz primária com, no mínimo, 1 cm) e as plântulas normais (plântulas com sistema radicular e eofilos desenvolvidos e sem defeitos aparentes). Como a espécie produz sementes poliembriônicas, os embriões contidos em cada semente foram mantidos juntos em todas as avaliações. Mesmo quando houve protrusão de mais de uma raiz primária ou surgimento de mais de uma plântula por embrião, apenas uma raiz e/ou plântula por embrião foram registradas (Bilia & Barbedo 1997).

Delineamento experimental e análise estatística dos dados - O delineamento experimental utilizado para as avaliações fisiológicas foi o inteiramente casualizado, com três repetições para todos os testes, em esquema fatorial 4 x 3 x 5 (estádio de maturação x níveis de secagem x temperatura de armazenamento), para cada período de armazenamento. Os resultados obtidos foram analisados pelo teste F e as médias foram comparadas entre si pelo teste de Tukey, ao nível de 5% (Santana & Ranal 2004). A correção da normalidade e da heterogeneidade dos dados em porcentagem, quando necessária, foi feita pela transformação para arc sen (x / 100)0,5.

Resultados e discussão

Os embriões de Inga vera dos quatro estádios de maturação avaliados apresentaram elevado teor de água inicial (55,4% a 76,8%), correspondendo a potencial hídrico de -1,3 MPa (tabela 1), indicando que, por ocasião da colheita, tinham ainda água livre, ou seja, água do tipo 5, retida em potencial de 0 a -1,5 MPa (Vertucci 1993). As características deste tipo de água correspondem a soluções diluídas, não se ligando às macromoléculas e sendo suficiente para que ocorra germinação (Vertucci & Farrant 1995, Castro et al. 2004, Marcos Filho 2005).

As alterações no teor de água e no potencial hídrico desses embriões, decorrentes das secagens, segundo a análise de variância, não foram influenciadas pelo estádio de maturação. Após a secagem leve, os embriões apresentaram, em média, 55,3% de água, correspondendo a água retida com tensões de cerca de -3,9 MPa (tabela 1). Nesse potencial hídrico (-1,5 a -4,0 MPa), que caracteriza ainda água do tipo 4 (Vertucci 1993), tem-se solução mais concentrada, ocupando os espaços intercapilares entre as macromoléculas, mas ainda não interagindo com sua superfície. Essa água tem importância relevante, uma vez que é favorável à conservação de sementes intolerantes à dessecação (Marcos Filho 2005), como são as da espécie em estudo. A remoção dessa água, obtida com a secagem severa, levou os embriões a teores de água e potenciais hídricos próximos a, respectivamente, 47% e -6 MPa (tabela 1) caracterizando, portanto, presença apenas de água do tipo 3 (-4 a -11 MPa, segundo Vertucci 1993). Essa água se caracteriza por já se associar aos sítios hidrofóbicos das macromoléculas, formando pontes de união (Marcos Filho 2005).

Dessa forma, pode-se assumir que as secagens dos embriões dos quatro estádios de maturação levaram a modificações nas propriedades da água, inicialmente do tipo 5 (sem secagem), para os tipos 4 (secagem leve) e 3 (secagem severa). Contudo, é importante salientar que, mesmo no maior nível de secagem, os embriões não atingiram o teor crítico de água descrito por Bilia et al. (1999), ou seja, próximo a 37%.

Ainda pelos resultados da tabela 1 pode-se verificar que os embriões do estádio I apresentaram teor de água superior ao dos estádios II e III e estes, por sua vez, superiores ao do estádio IV. As modificações sugerem que, do estádio I ao IV, as sementes estivessem amadurecendo pois, segundo Figliolia & Kageyama (1994), essa redução no teor de água é comum entre as sementes de Inga uruguensis (sinonímia da espécie em estudo no presente trabalho) à medida que amadurecem. Contudo, os resultados de conteúdo de matéria seca desses embriões (tabela 1) demonstram que o máximo acúmulo foi obtido já no estádio III. Diversos autores consideram que o máximo acúmulo de matéria seca nas sementes caracteriza o ponto de maturidade fisiológica (Carvalho & Nakagawa 2000, Marcos Filho 2005, Mai-Hong et al. 2006). No caso das sementes em estudo, que não apresentam a clássica dessecação ao final da maturação (Barbedo & Marcos Filho 1998), poderia-se supor, portanto, que os embriões do estádio IV já teriam condições de iniciar o processo de germinação, tendo suficientes maturidade e água disponível. Essa informação concorda com a hipótese de Faria (2006) de que essas sementes não têm comportamento típico, aproximando-se mais ao comportamento de plântulas em crescimento. A máxima qualidade fisiológica das sementes de Inga vera subsp. affinis, dessa forma, ocorreria bem antes de sua dispersão, hipótese considerada, também, por Mai-Hong et al. (2006) para sementes de Mimusopis elengi L.

Considerando os resultados do teste de germinação dos embriões dos quatro estádios e nos três níveis de desidratação (tabela 1), pode-se verificar que todos apresentavam, inicialmente, a mesma capacidade em germinar e produzir plântulas normais. Com a secagem, os embriões demonstraram comportamento diferenciado, sendo que os do estádio III foram os únicos a suportar a secagem severa sem apresentar alterações na germinação ou na capacidade de desenvolver plântulas normais (tabela 1). Tal fato reforça a idéia de que esses embriões estariam mais próximos ao ponto de maturidade fisiológica que os dos outros três estádios. Para sementes de Inga uruguensis, a identificação do estádio de maturidade fisilógica das sementes e, conseqüentemente, o momento ideal para a colheita são condições ideais para a conservação da sua viabilidade durante o armazenamento (Barbedo & Cicero 2000).

Os resultados de condutividade elétrica da solução de embebição dos embriões, que avalia a integridade das membranas celulares (Marcos Filho 2005), demonstraram os danos promovidos a essas membranas com a remoção de água, principalmente após a secagem severa (tabela 1), uma vez que, de modo geral, aumentaram com o progesso da secagem. De acordo com a classificação de Barbedo & Cicero (1998), baseada na condutividade elétrica, no presente trabalho apenas os embriões dos estádios II e III seriam de elevada qualidade fisiológica.

Comparando-se os resultados de germinação, de plântulas normais e de condutividade elétrica com os de potencial hídrico dos embriões (tabela 1) nota-se que os embriões do estádio III (supostamente maduros) com água ainda do tipo 4 mas já sem a do tipo 5 (secagem leve) não demonstraram qualquer perda na qualidade fisiológica. Já com a remoção da água do tipo 4 (secagem severa) apresentaram os primeiros sinais de danos nas membranas (condutividade elétrica), embora sem alterações nos valores de germinação, concordando com Marcos Filho (2005) quanto à necessidade da presença de água do tipo 4 para conservação de sementes recalcitrantes.

Após 15 dias de armazenamento, notou-se que o teor de água (figura 1) e o potencial hídrico (tabela 2), em geral, não apresentaram grandes diferenças entre as temperaturas utilizadas e, ainda, que o teor de água inicial (tabela 1) manteve-se praticamente constante após esse período de armazenamento (figura 1), o potencial hídrico apresentando pequenas alterações (tabelas 1 e 2). Entre os estádios de maturação, os embriões do estádio I mantiveram-se mais hidratados e os do estádio IV mais desidratados (figura 1), conforme observado inicialmente (tabela 1), comportamento semelhante ao observado para potencial hídrico, com os embriões do estádio I apresentando maiores valores (menos negativos) e os do IV, menores (tabelas 1 e 2).


A manutenção da viabilidade dos embriões foi influenciada pela temperatura já nos primeiros 15 dias de armazenamento (tabela 3), demonstrando a sensibilidade dos embriões de qualquer estádio e qualquer nível de desidratação a -18 ºC. Esse resultado já era esperado, uma vez que todos os embriões apresentavam água congelável (tipos 3, 4 e 5), ou seja, com potencial hídrico igual ou superior a -11 MPa (Vertucci & Farrant 1995, Marcos Filho 2005). Surpreendentemente, porém, os embriões suportaram o armazenamento a -2 ºC, principalmente os do estádio III (tabela 3), inclusive mantendo elevada capacidade de desenvolver plântulas normais (tabela 4).

Os embriões dos estádios I e IV apresentaram redução nos valores de germinação e de desenvolvimento de plântulas normais nas temperaturas de 2 e -2 ºC (tabelas 3 e 4), principalmente nesta última. Em contraste, os embriões do estádio III, submetidos a secagens leve e crítica, apresentaram tolerância à redução da temperaura para -2 ºC, com germinabilidade acima dos 80% (tabela 3), porém apenas os submetidos a secagem leve mantendo elevada capacidade de produzir plântulas normais (tabela 4).

Segundo o agrupamento das sementes em ortodoxas, recalcitrantes e intermediárias, as sementes de Inga vera não suportariam baixas temperaturas (abaixo de 15 ºC), o que não condiz com os resultados obtidos no presente trabalho, pois suportaram temperaturas inferiores à de congelamento da água. Portanto, os resultados apresentados reforçam a hipótese da existência de níveis de recalcitrância (Berjak & Pammenter 1994, Pammenter & Berjak 1999, Pammenter et al. 2003), demonstrando a diversidade de respostas das sementes enquadradas em apenas um ou dois grupos (reclacitrantes e/ou intermediárias). De fato, parece mais apropriado o uso da categorização das sementes apenas para fins didáticos e para previsão genérica do tempo de armazenamento possível (Kermode & Finch-Savage 2002, Dickie & Pritchard 2002).

A secagem leve aumentou, aparentemente, a resistência da maioria dos embriões à redução da temperatura, diferentemente da secagem severa que prejudicou, principalmente, a capacidade dos embriões em desenvolver plântulas normais (tabela 4). Esse comportamento pode estar relacionado com o possível teor de água ótimo para a redução da temperatura, ou seja, com água disponível para prevenir os danos por dessecação, mas em teor de água baixo o suficiente para prevenir os danos por cristalização da água pelo congelamento (Eira et al. 1999). Os resultados obtidos para desenvolvimento de plântulas normais, principalmente os do armazenamento a 2 ºC e a -2 ºC (tabela 4) sugerem, também, que os embriões do estádio II foram mais tolerantes ao frio do que os do estádio IV, talvez indicando maior vigor. Tal fato reforça a idéia de que os embriões do estádio IV foram colhidos em fase bem posterior à sua maturidade fisiológica, conforme discutido anteriormente.

Aos 30 dias de armazenamento o teor de água apresentou tendência à uniformização por estádio e por nível de secagem (figura 2), praticamente não sendo influenciado pela temperatura de armazenamento. O potencial hídrico, por sua vez, que também foi pouco influenciado pela temperatura de armazenamento, apresentou tendência a manter-se mais negativo, para embriões submetidos a secagem severa, e menos negativos para os não submetidos a secagem, ficando os submetidos a secagem leve em posição intermediária (tabela 5).


A germinação e a produção de plântulas normais, após 30 dias de armazenamento, decresceram em todos os tratamentos, inclusive com a perda completa da viabilidade para os embriões dos estádios I, II e IV em temperatura igual ou inferior a -2 ºC (tabelas 6 e 7), demonstrando a baixa longevidade das sementes de Inga vera subsp. affinis, conforme já descrito por outros autores (Bilia et al. 1999, Barbedo & Cicero 2000, Andréo et al. 2006). Após esse período de armazenamento, poucos tratamentos apresentaram valores iguais ou superiores a 50% para germinação e desenvolvimento de plântulas normais (estádio III, secagem leve, 8 ºC, 4 ºC e 2 ºC; estádio IV, sem secagem ou secagem leve, 8 ºC - tabelas 6 e 7). Após 45 dias de armazenamento, apenas dois tratamentos (estádios III e IV, submetidos a secagem leve) mantiveram germinação e desenvolvimento de plântulas normais com valores superiores a 50% (figura 3).


Evidencia-se, novamente, a relação positiva entre os embriões do estádio III e a secagem leve após 30 e 45 dias de armazenamento, sempre com melhor desempenho que os embriões dos estádios II e IV. A secagem leve pode ter produzido, também, um estresse osmótico semelhante ao freqüentemente encontrado em sementes ortodoxas ao final da maturação (Barbedo & Marcos Filho 1998, Castro et al. 2004). Nesse sentido, novos estudos poderiam incluir diferentes graus desse estresse analisando-se, também, alterações nos compostos de reserva dos embriões, como carboidratos, proteínas, ácido abcísico (ABA) e, ainda, a expressão de genes regulados pelo ABA e pelo potencial osmótico.

De maneira geral, a secagem leve (-4 MPa) proporcionou, aos embriões de Inga vera, maior tolerância à redução de temperatura até níveis de congelamento da água (-2 ºC), principalmente para os estádios II e III. Contudo, tal tolerância não significou melhora na capacidade de armazenamento, uma vez que embriões armazenados a 8 ºC conservaram-se por período superior aos armazenados sob temperaturas inferiores. Apesar disso, a possibilidade de submeter embriões dessa espécie a temperaturas próximas a 0 ºC, sugere que seja possível reduzir substancialmente seu metabolismo, principal fonte de sua deterioração durante o armazenamento (Barbedo & Marcos Filho 1998) e, ainda, fomenta a possibilidade de armazená-los por períodos superiores aos maiores obtidos até o presente momento, ou seja, 90 dias (Andréo et al. 2006). A remoção de toda a água do tipo 5, ou seja, água livre (Vertucci & Farrant 1995, Marcos Filho 2005), parece ser fundamental para o sucesso da redução da temperatura de armazenamento, assim como a identificação e obtenção de embriões com a máxima qualidade fisiológica e, principalmente, antes de iniciarem a germinação dentro do próprio fruto, ainda que não visível.

Futuros trabalhos para identificação desse ponto de colheita, bem como estudos associando-se níveis e tipos de secagem a temperaturas de armazenamento, podem trazer ainda maiores benefícios. A associação de outros processos de controle do metabolismo desses embriões como, por exemplo, a utilização de inibidores da germinação (ABA, por exemplo) e o controle da mobilização de água (em soluções osmoticamente controladas, com o uso de PEG, por exemplo), já iniciados por alguns autores (Bilia et al. 1999, Barbedo & Cicero 2000, Faria 2006, Andréo et al. 2006), também podem trazer benefícios. Contudo, os resultados obtidos até o presente momento são, ainda, insuficientes para a adequada conservação da viabilidade dessas sementes durante seu armazenamento.

Agradecimentos - Os autores agradecem à Fapesp (Proc. 2005/04139-7) e ao CNPq (Proc. 481484/2007-8) pelo apoio financeiro ao projeto; à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo/Projeto Bolsa-Mestrado, pela bolsa concedida a M.R. Bonjovani; ao CNPq, pela bolsa de produtividade em pesquisa concedida a C.J. Barbedo; à Prefeitura do Município de Santo André, pela permissão para as coletas de sementes.

(recebido: 04 de julho de 2007; aceito: 21 de maio de 2008)

  • ANDRÉO, Y., NAKAGAWA, J. & BARBEDO, C.J. 2006. Mobilização de água e conservação da viabilidade de embriões de sementes recalcitrantes de ingá (Inga vera Will. subsp. affinis (DC.) T. D. Pennington). Revista Brasileira de Botânica 29:309-318.
  • BARBEDO, C.J. & BILIA, D.A.C. 1998. Evolution of research on recalcitrant seeds. Scientia Agricola 55 (especial):121-125.
  • BARBEDO, C.J. & CICERO, S.M. 1998. Utilização do teste de condutividade elétrica para previsão do potencial germinativo de sementes de ingá. Scientia Agricola 55:249-259.
  • BARBEDO, C.J. & CICERO, S.M. 2000. Effects of initial quality, low temperature and ABA on the storage of seeds of Inga uruguensis, a tropical species with recalcitrant seeds. Seed Science and Technology 28: 793-808.
  • BARBEDO, C.J. & MARCOS FILHO, J. 1998. Tolerância à dessecação em sementes. Acta Botanica Brasilica 12:145-164.
  • BERJAK, P. & PAMMENTER, N.W. 1994. Recalcitrant is not an all-or-nothing situation. Seed Science Research 4:263-264.
  • BILIA, D.A.C. & BARBEDO, C.J. 1997. Estudos de germinação e armazenamento de sementes de Inga uruguensis Hook. et Arn. Científica 25:379-391.
  • BILIA, D.A.C., MARCOS FILHO, J. & NOVEMBRE, A.D.C.L. 1998. Conservação da qualidade fisiológica de sementes de Inga uruguensis Hook. et Arn. Revista Brasileira de Sementes 20:48-54.
  • BILIA, D.A.C., MARCOS FILHO, J. & NOVEMBRE, A.D.C.L. 1999. Desiccation tolerance and seed storability of Inga uruguensis Hook. et Arn. Seed Science and Technology 27:77-89.
  • BRASIL. Ministério da Agricultura e Reforma Agrária. 1992. Regras para análise de sementes. SNDA/DNDU/CLAV, Brasília.
  • CARVALHO, P.E.R. 1994. Espécies florestais brasileiras: recomendações silviculturais, potencialidades e uso da madeira. Embrapa/CNPF, Brasília.
  • CARVALHO, N.M. & NAKAGAWA, J. 2000. Sementes: ciência, tecnologia e produção. 4Ş ed. Fundação Cargill, Campinas.
  • CASTRO, R.D., BRADFORD, K.J. & HILHORST, H.W.M. 2004. Desenvolvimento de sementes e conteúdo de água. In Germinação: do básico ao aplicado (A.G. Ferreira & F. Borghetti, orgs.). Artmed, Porto Alegre. p.51-67.
  • CHIN, H.F., KRISHNAPILLAY, B. & STANWOOD, P.C. 1989. Seed moisture: recalcitrant vs orthodox seeds. In Seed moisture (P.C. Stanwood & M.B. McDonald, eds.). Crop Science Society of America, Madison. p.15-22.
  • DICKIE, J.B. & PRITCHARD, H.W. 2002. Systematic and evolutionary aspects of desiccation tolerance in seeds. In Desiccation and survival in plants: drying without dying (M. Black & H.W. Pritchard, eds.). CABI Publishing, New York. p.239-259.
  • EIRA, M.T.S., WALTERS, C., CALDAS, L.S., FAZUOLI, L. C., SAMPAIO, J.B. & DIAS, M.C.L.L. 1999. Tolerance of Coffea spp. seeds to desiccation and low temperature. Revista Brasileira de Fisiologia Vegetal 11:97-105.
  • ELLIS, R.H., HONG, T.D. & ROBERTS, E.H. 1990. An intermediate category of seed storage behaviour? I. Coffee. Journal of Experimental Botany 41:1167-1174.
  • FARIA, J.M.R. 2006. Desiccation tolerance and sensitivity in Medicago truncatula and Inga vera seeds. PhD thesis, Wageningen University, Wageningen, The Netherlands.
  • FIGLIOLIA, M.B. 1993. Maturação de sementes de Inga uruguensis Hook. et Arn. associada à fenologia reprodutiva e à dispersão de sementes em floresta ripária do rio Moji-Guaçu, município de Moji-Guaçu, SP. Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, Piracicaba.
  • FIGLIOLIA. M.B. & KAGEYAMA, P.Y. 1994. Maturação de sementes de Inga uruguensis Hook. et Arn. em floresta ripária do rio Moji-Guaçu, Município de Moji-Guaçu. Revista do Instituto Florestal 6:15-52.
  • FONSECA, S.C.L. & FREIRE, H.B. 2003. Sementes recalcitrantes: problemas na pós-colheita. Bragantia 62:297-303.
  • GUY, C.L. 2003. Freezing tolerance of plants: current understanding and selected emerging concepts. Canadian Journal of Botany 81:1216-1223.
  • ISTA. 1985. International rules for seed testing. Seed Science and Technology 13:356-513.
  • KERMODE, A.R. & FINCH-SAVAGE, B.E. 2002. Desiccation sensitivity in orthodox and recalcitrant seeds in relation to development. In Desiccation and survival in plants: drying without dying (M. Black & H.W. Pritchard, eds.). CABI Publishing, New York. p.149-184.
  • MAI-HONG, T., HONG, T.D., HIEN, N.T., HAI, H.H., TUNG, T.D., LE-TAM, V.T., NGOC-TAM, B. & ELLIS, R.H. 2006. Seed development, maturation and storage behaviour of Mimusops elengi L. New Forest 32:9-19.
  • MARCOS FILHO, J. 2005. Fisiologia de sementes de plantas cultivadas. Fealq, Piracicaba.
  • MICHEL, B.E. & KAUFMANN, M.R. 1973. The osmotic potential of polyethylene glicol 6000. Plant Physiology 51:914-916.
  • PAMMENTER, N.W. & BERJAK, P. 1999. A review of recalcitrant seed physiology in relation to desiccation-tolerance mechanisms. Seed Science Research 9:13-37.
  • PAMMENTER, N.W., NAIDOO, S. & BERJAK, P. 2003. Desiccation rate, desiccation response and damage accumulation: can desiccation sensitivity be quantified? In The biology of seeds: recent research advances (G. Nicolás, K.J. Bradford, D. Côme & H.W. Pritchard, eds.). CABI Publishing, Oxon/Cambridge. p.319-325.
  • ROBERTS, E.H. 1973. Predicting the storage life of seeds. Seed Science and Technology 1:499-514.
  • ROCHA, Y.T. 2004. Ibirapitanga: história, distribuição geográfica e conservação do pau-brasil (Caesalpinia echinata Lam., Leguminosae) do descobrimento à atualidade. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • SANTANA, D.G. & RANAL, M. 2004. Análise da germinação: um enfoque estatístico. Ed. Universidade de Brasília, Brasília.
  • SANTOS, I.R.I. 2001. Criopreservação de germoplasma vegetal. Biotecnologia, Ciência e Desenvolvimento 20:60-65.
  • TAIZ, L. & ZEIGER, E. 2004. Fisiologia vegetal. 3Ş ed. Artmed, Porto Alegre.
  • USBERTI, R., ROBERTS. E.H. & ELLIS, R.H. 2006. Prediction of cottonseed longevity. Pesquisa Agropecuária Brasileira 41:1435-1441.
  • VERTUCCI, C.W. 1993. Predicting the optimum storage conditions for seeds using thermodynamic principles. Journal of Seed Technology 17:41-53.
  • VERTUCCI, C.W. & FARRANT, J.M. 1995. Acquisition and loss of desiccation tolerance. In Seed development and germination (J. Kigel & G. Galili, eds.). Marcel Dekker Inc., New York. p.237-271.
  • WALTERS, C. 1998. Understanding the mechanisms and kinetics of seed aging. Seed Science Research 8:223-244.
  • 1
    Parte da dissertação de mestrado do primeiro autor, Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas da Universidade Estadual Paulista, Botucatu.
  • 2
    Autor para correspondência:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Jun 2008

    Histórico

    • Aceito
      21 Maio 2008
    • Recebido
      04 Jul 2007
    Sociedade Botânica de São Paulo Caixa Postal 57088, 04089-972 São Paulo SP - Brasil, Tel.: (55 11) 5584-6300 - ext. 225, Fax: (55 11) 577.3678 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: brazbot@gmail.com