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Jeanine Felfili, uma mulher florestal

Jeanine Felfili, uma mulher florestal

Tarciso S. Filgueiras

Jeanine Maria Felfili Fagg nasceu em Várzea Grande, cidade da área de influência de Cuiabá, no Estado de Mato Grosso. Como perdeu a mãe biológica ainda criança, ela e os irmãos foram criados por uma tia, a quem Jeanine considerava como sua verdadeira mãe. Cedo se dedicou com afinco aos estudos que sempre tiveram prioridade em sua vida. Aos 20 anos ingressou no curso de Engenharia Florestal da UFMT, cônscia de que queria uma carreira na área florestal. Finda a graduação, ingressou, em seguida, no curso de mestrado em Manejo Florestal da Universidade Federal de Viçosa. Concluído o mestrado, foi contratada pelo departamento de Engenharia Florestal da Universidade de Brasília, onde deu início a uma profícua e vitoriosa carreira de professora, pesquisadora e cidadã. Suas primeiras ações foram no sentido de implantar, de imediato, um grande programa de pesquisa integrada, envolvendo todas as intuições afins no Distrito Federal: Universidade de Brasília, Embrapa, IBGE e Jardim Botânico. Era o projeto "Biogeografia do Bioma Cerrado" que tantos dividendos científicos obteria, tanto na formação de recursos humanos quanto na geração de dados sobre a biodiversidade, manejo, conservação e recuperação de áreas degradadas no Cerrado. Sua formação acadêmica foi concluída com o doutorado em Oxford, na Inglaterra, em 1993.

Mulher de personalidade forte, apesar da pequena estatura, da fala suave e insinuante. Jeanine era uma líder natural. Conseguia atrair para sua área de influencia desde alunos de iniciação científica até pesquisadores de renome em suas próprias especialidades dentro e fora do Brasil. Sua capacidade de trabalho era algo extraordinário. Nunca se dizia cansada. Consequentemente, também não conseguia admitir cansaço nem desânimo nas outras pessoas, pois ela era a primeira a se entregar de maneira total ao que fazia. Ela sempre tinha pressa. Parece que intuíra que sua vida seria breve, por isto corria, corria, corria.

Na Universidade de Brasília, teve atuação multivariada, exatamente como nas análises estatísticas que fazia. Colaborou na estruturação do novo curso de Engenharia Florestal, com opção pelo estudo da flora do Cerrado, teve papel efetivo na implantação do curso de pós-graduação do seu departamento (mestrado e doutorado), criou novas disciplinas, publicou muito, em periódicos nacionais e internacionais. À medida que amadurecia científica e moralmente, Jeanine começou a ampliar sua área de atuação profissional. Foi quando ultrapassou o campus e começou a ver o que acontecia com o ambiente em torno de si. Entrava em ação a Jeanine eco-cidadã. Além de atuar na área estritamente acadêmica de estudos da biodiversidade e manejo racional dos recursos florestais do bioma Cerrado, notou que somente isto não bastava. Era necessário dar um passo qualitativo além. Foi quando começou a atuar na área de recuperação de áreas degradadas. Isto ensejou o início de interações profissionais inteiramente novas para ela: a legislação ambiental, a fundação de uma ONG ("Vida Verde") e do "Centro de Referência em Conservação da Natureza e Recuperação de Áreas Degradadas"(CRAD).No âmbito da legislação ambiental, trabalhou lado a lado com técnicos do CREA, políticos ligados à questão ecológica e também com o Ministério Público. Como sua atuação foi sempre suprapartidária, ela transitava livremente entre as diversas câmaras técnicas e era frequentemente chamada a opinar sobre questões ambientais da mais alta relevância para a região do Bioma Cerrado. Tornou-se também muito ativa na associação dos moradores do bairro onde morava (Park Way) que fica dentro de uma APA (APA Gama/Cabeça de Veado). Conseguia envolver um grande número de alunos e cidadãos comuns na recuperação de nascentes, áreas degradadas e na implantação da "Feira de Ciência" e da "Feira Botânica", sempre com enorme entusiasmo e dedicação.

Em pouco mais de 25 anos de atuação na Universidade de Brasília, sua produção científica impressiona. Mais de 100 artigos em periódicos científicos, 71 livros, 36 trabalhos em Anais de congresso, 21 capítulos de livros, aproximadamente 21 dissertações de mestrado e 10 teses defendidas sobre os mais variados temas, onde, porém, predomina aquilo que sempre foi o foco de seu interesse profissional, as florestas encontradas na região do Cerrado.

De maneira despojada, colaborou com um grande número de cursos de pós-graduação, seja ministrando disciplinas, seja atuando em bancas examinadoras. Com os periódicos científicos teve relação especial, pois atuou ativamente tanto como consultor "ad hoc" quanto Editor de área, sempre imprimindo seu caráter de comprometimento com o rigor cientifico e a presteza das informações.

O lado mulher de Jeanine sempre foi muito acentuado. Esposa dedicada e mãe amorosa, todo o tempo livre era passado com a família. Aliás, nem sempre Jeanine sabia separar a família do trabalho. Frequentemente, um era extensão da outra. Seu esposo, Dr Christopher W. Fagg, agora professor da UnB, foi seu suporte e grande colaborador. Suas duas filhas, Juliana (23 anos) e Emma (16) estavam acostumadas a acompanhar a mãe, desde a mais tenra idade, nas atividades de campo. Lembro-me de ver Jeanine amamentar a pequena Emma à sombra de um pequizeiro, em pleno cerrado, entre duas amostragens consecutivas. Depois desse ato de amor, o pai segurava a bebê para o clássico arroto, enquanto Jeanine voltava, renovada, para continuar as medições...

No dia 13 de julho de 2009, um massivo Acidente Vascular Cerebral (AVC) ceifou a vida da Jeanine de maneira brusca e inesperada. Uma vida dedicada ao trabalho. Não um trabalho qualquer, mas o trabalho diferenciado de estudar as árvores e o ambiente natural onde elas crescem. Trabalho feito com afeição profunda e comprometimento. Jeanine passou entre nós como um zéfiro, uma briza passageira e fugaz. Todavia, os frutos dos seus trabalhos são permanentes, mais permanentes que as inúmeras parcelas implantadas por ela. Frutos duradouros tanto para nós cidadãos brasileiros, quanto para sua pequena e amada família.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Dez 2009
  • Data do Fascículo
    Set 2009
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