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Estudo dos anéis de crescimento de Schizolobium parahyba (Leguminosae: Caesalpinioideae) após episódio de mortalidade em Ilha Grande, Rio de Janeiro

Tree-ring study of Schizolobium parahyba (Leguminosae: Caesalpinioideae) after a mortality episode in Ilha Grande, Rio de Janeiro state

Resumos

Schizolobium parahyba (Vell.) S.F. Blake é uma espécie nativa da Floresta Atlântica, cujos indivíduos arbóreos desapareceram devido a um episódio de mortalidade na Ilha Grande, Rio de Janeiro. Neste trabalho, os anéis de crescimento foram investigados com o objetivo de determinar a idade das árvores mortas, a relação da largura desses anéis com os índices pluviométricos locais e a possível relação do episódio de mortalidade com a estrutura etária da população ou com processos sucessionais. Os resultados demonstraram que os indivíduos morreram com diferentes idades e que a largura dos anéis de crescimento foi significativamente correlacionada com a precipitação anual no período investigado. A possibilidade do episódio de mortalidade refletir um processo de sucessão natural ou um evento particular de uma população senescente foi descartada e é provável que as anomalias climáticas ocorridas entre os anos de 1997 e 2001 tenham contribuído para a mortalidade das árvores.

Brasil; crescimento de árvores; floresta tropical; guapuruvu


Schizolobium parahyba (Vell.) S.F. Blake is a native species of the Atlantic rain forest which trees disappeared from Ilha Grande, Rio de Janeiro, due to a mortality episode. In this study, the growth-rings were investigated with the objective of determining the age of the dead trees, the relationship between growth-ring width and local precipitation, and the possible relationship between mortality episode and the population age structure or successional processes. The results showed that dead individuals had different ages and that growth-rings width was significantly correlated with the annual precipitation in the period investigated. The possibility of the death episode being part of a natural succession process or a particular event of a senescent population was discarded and it is suggested that climatic anomalies that occurred between the years 1997 and 2001 have probably contributed to tree mortality.

Brazil; guapuruvu; tree-growth analysis; tropical rain forest


ARTIGO

Estudo dos anéis de crescimento de Schizolobium parahyba (Leguminosae: Caesalpinioideae) após episódio de mortalidade em Ilha Grande, Rio de Janeiro

Tree-ring study of Schizolobium parahyba (Leguminosae: Caesalpinioideae) after a mortality episode in Ilha Grande, Rio de Janeiro state

Cátia Henriques Callado1 1 Autor para correspondência: ccallado@uerj.br ; Rosana Cardoso Guimarães

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes, Departamento de Biologia Vegetal, Rua São Francisco Xavier, 524, PHLC, sala 224, 20550-013 Rio de Janeiro, RJ, Brasil

RESUMO

Schizolobium parahyba (Vell.) S.F. Blake é uma espécie nativa da Floresta Atlântica, cujos indivíduos arbóreos desapareceram devido a um episódio de mortalidade na Ilha Grande, Rio de Janeiro. Neste trabalho, os anéis de crescimento foram investigados com o objetivo de determinar a idade das árvores mortas, a relação da largura desses anéis com os índices pluviométricos locais e a possível relação do episódio de mortalidade com a estrutura etária da população ou com processos sucessionais. Os resultados demonstraram que os indivíduos morreram com diferentes idades e que a largura dos anéis de crescimento foi significativamente correlacionada com a precipitação anual no período investigado. A possibilidade do episódio de mortalidade refletir um processo de sucessão natural ou um evento particular de uma população senescente foi descartada e é provável que as anomalias climáticas ocorridas entre os anos de 1997 e 2001 tenham contribuído para a mortalidade das árvores.

Palavras-chave: Brasil, crescimento de árvores, floresta tropical, guapuruvu

ABSTRACT

Schizolobium parahyba (Vell.) S.F. Blake is a native species of the Atlantic rain forest which trees disappeared from Ilha Grande, Rio de Janeiro, due to a mortality episode. In this study, the growth-rings were investigated with the objective of determining the age of the dead trees, the relationship between growth-ring width and local precipitation, and the possible relationship between mortality episode and the population age structure or successional processes. The results showed that dead individuals had different ages and that growth-rings width was significantly correlated with the annual precipitation in the period investigated. The possibility of the death episode being part of a natural succession process or a particular event of a senescent population was discarded and it is suggested that climatic anomalies that occurred between the years 1997 and 2001 have probably contributed to tree mortality.

Keywords: Brazil, guapuruvu, tree-growth analysis, tropical rain forest

Introdução

Schizolobium parahyba (Vell.) S. F. Blake (Leguminosae: Caesalpinioideae), o guapuruvu ou bacurubu, é uma espécie nativa da Floresta Atlântica, cuja área natural de distribuição compreende a vertente litorânea da Serra do Mar, desde o Rio de Janeiro até o Rio Grande do Sul (Pio Corrêa 1926, Richter et al. 1974, Lorenzi 1992, Rizzini 1995, Sousa et al. 2005).

A história de S. parahyba na Ilha Grande, Município de Angra dos Reis, Estado do Rio de Janeiro, se confunde com a dos habitantes locais. Os caiçaras tinham por hábito plantar árvores dessa espécie para confecção de canoas para pesca (Santos et al. 2009). Isso se deve à baixa densidade de sua madeira e as altas taxas de crescimento radial (Richter et al. 1974, Ferreira 2002, Lisi et al. 2008, Marcati et al. 2008). Possivelmente, S. parahyba é uma das essências florestais de mais rápido crescimento nas regiões sudeste e sul do Brasil (Inoue et al. 1984). Até alguns poucos anos, o trabalho direto ou indireto na pesca era uma das principais atividades sócio-econômicas desenvolvidas na Ilha Grande. Todavia, a redução dos recursos pesqueiros, associada à criação de unidades de conservação, o que impediu o corte seletivo de árvores a partir de 1971 (Santos et al. 2009), possibilitaram o aumento da população de S. parahyba na região. Essa situação permaneceu até o final do ano de 2001, quando foi constatada a mortalidade de todos os indivíduos arbóreos da espécie.

O ambiente insular pode provocar um parentesco muito próximo entre os indivíduos de uma população em atividade reprodutiva e essa estruturação familiar conduz à perda de variabilidade genética (Ellstrand & Elam 1993). Contudo, o estudo de Freire et al. (2007) constatou que a diversidade genética da população de S. parahyba na Ilha Grande era superior a de outras populações localizadas em diferentes áreas do continente. Esse resultado descartou a hipótese de que problemas relacionados à baixa variabilidade genética teriam causado enfraquecimento e morte dos indivíduos da espécie na ilha.

A identificação das taxas e das causas de mortalidade de espécies arbóreas é essencial, pois permite predizer aspectos relativos ao crescimento das florestas e entender possíveis respostas a situações de estresse ambiental. Compreender esses aspectos da dinâmica populacional em ecossistemas naturais tem se tornado uma ação cada vez mais relevante, visto que muitas espécies têm declinado em direção à extinção (Ricklefs 2003). Cabe ressaltar que os fatores responsáveis pela mortalidade natural são ainda muito pouco conhecidos (Franklin et al. 1987), principalmente quando se trata da mortalidade de uma única espécie em uma floresta aparentemente saudável (Harcombe & Marks 1983).

Vários fatores podem causar a mortalidade de espécies vegetais. Esses são definidos como (i) regulares, quando estão associados a competição por água, luz e nutrientes do solo, idade máxima do táxon ou processos sucessionais, ou (ii) estocásticos, quando estão associados a existência de fogo, ventos muito intensos, temperaturas extremas, secas severas, inundações, poluição ou ataques de pragas (Pedersen 1998, Kitzberger et al. 2000). Em ecossistemas naturais é possível observar que algumas espécies são mais susceptíveis que outras a alguns desses fatores (Harcombe & Marks 1983, Pedersen 1998).

Nesse contexto, os estudos de dendrocronologia podem ser utilizados para a análise de tendências demográficas, propiciando a compreensão da estrutura etária e de pulsos de recrutamento e mortalidade em espécies arbóreas com anéis de crescimento anuais (Pedersen 1998, Villalba & Veblen 1998, Kitzberger et al. 2000, Suarez et al. 2004). Os anéis de crescimento anuais constituem verdadeiros bancos de dados naturais que podem armazenar informações ecológicas e históricas (Kozlowski et al. 1991, Kitzberger et al. 2000). Isso porque, o câmbio, tecido gerador das novas células de xilema e floema secundários, é considerado um sensor dos estímulos ambientais que afetam funções fisiológicas nas plantas. O câmbio responde às variações do ambiente e incorpora informações à estrutura dos anéis de crescimento (Schweingruber 1988, Kozlowski et al. 1991, Rubino & McCarthy 2004).

Schizolobium parahyba apresenta anéis de crescimento distintos (Mainieri & Chimelo 1989, Tomazello Filho et al. 2004, Lisi et al. 2008, Marcati et al. 2008). As investigações sobre a periodicidade de formação desses anéis revelaram o caráter anual dos mesmos em indivíduos crescendo em Floresta Estacional Semidecidual, no Estado de São Paulo (Ferreira 2002, Lisi et al. 2008, Marcati et al. 2008), e em Floresta Ombrófila Densa, no Estado do Rio de Janeiro (C.S. Lisi, dados não publicados).

Este trabalho tem por objetivo investigar, por meio dos anéis de crescimento, a idade de indivíduos mortos de S. parahyba na Ilha Grande, Rio de Janeiro, a relação desses anéis com os índices pluviométricos locais e a possível relação entre o episódio de mortalidade com processos etários e sucessionais.

Material e métodos

A Ilha Grande está situada no litoral sul do Estado do Rio de Janeiro e integra o Município de Angra dos Reis. É a terceira maior ilha brasileira, com uma área de 190 km2 e possui diferentes fitofisionomias da Floresta Atlântica, predominando a Floresta Ombrófila Densa (Oliveira & Coelho Netto 2001). O clima da região é quente e úmido, com temperatura média anual de 24 °C (Oliveira & Coelho Netto 2001). As médias de temperatura máxima podem ser superiores a 30 °C, em fevereiro, e as de temperatura mínima, inferiores a 10 °C, em julho (Salgado & Vasquez 2009). A precipitação total anual alcança níveis superiores a 2.000 mm (Salgado & Vasquez 2009). No período analisado, 1995 a 2001, a precipitação total média foi de 2.076 mm, sendo o ano de 1996, o mais chuvoso (2.515 mm) e o ano de 1997, o mais seco (1.728 mm), segundo dados obtidos da estação meteorológica da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto em Angra dos Reis/RJ.

A pesquisa foi desenvolvida na Vila do Abraão (23°08'37" S-44°09'55,8" W) e em três sítios, distribuídos em um raio de 10 km (tabela 1). Os sítios de coleta estavam localizados na zona de amortecimento do Parque Estadual da Ilha Grande, em trechos anteriormente ocupados para cultivos de subsistência e abandonados entre 10 e 25 anos, de acordo com Oliveira (2002). A altitude variou entre 20 e 80 m e o lençol freático esteve entre dois e três metros de profundidade nos pontos de coleta. As árvores selecionadas para o estudo morreram no período entre novembro de 2001 e março de 2002. Os discos amostrais, obtidos dessas árvores que não estavam tombadas, foram coletados a 1,30 m acima da superfície do solo, após 12 meses deste episódio de mortalidade.

Os indivíduos amostrados apresentavam diâmetros variados (tabela 1), fustes retos, sem bifurcações ou defeitos aparentes. Os discos amostrais foram secos à temperatura ambiente e polidos com lixas sucessivas de 36 a 400 grãos cm-2. Devido ao alto grau de deterioração da madeira e à existência de indivíduos com fustes inclinados, bifurcados ou com caules fusionados, apenas cinco indivíduos foram analisados. O material botânico foi depositado na Xiloteca do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (tabela 1).

Para a descrição microscópica dos anéis de crescimento foram confeccionados corpos de prova do cerne da madeira (Coradin & Muñiz 1991), que após 30 minutos de amolecimento em autoclave, foram seccionados ao micrótomo de deslizamento, nos planos transversal e longitudinal tangencial e radial, com espessuras entre 16 e 20 μm. As secções histológicas obtidas foram coradas pela solução aquosa de safranina 1% e azul de astra 1%, na proporção 6:4 (Bukatsch 1972) e montadas em lâminas permanentes com resina sintética. As imagens foram obtidas utilizando câmera de vídeo Q Collor R3 acoplada ao microscópio Olympus BX41-BF-I-20. A imagem macroscópica foi obtida com câmera digital Sony DSC-40.

Para contagem do número de camadas de crescimento foram definidos dois a três raios em cada disco amostral, partindo da medula em direção ao córtex, no local em que os anéis apresentavam-se mais evidentes. Os raios de cada amostra foram confrontados e as camadas de crescimento descontínuas, descartadas. A idade dos indivíduos foi estimada em função do número de anéis de crescimento. Após datação dessas camadas, foi mensurada a largura dos anéis correspondentes aos anos de 1995 a 2001. A mensuração foi realizada sob microscópio estereoscópico e com auxílio de paquímetro digital. Em seguida, foi realizada a datação cruzada entre os anéis de crescimento das árvores amostradas (Stokes & Smiley 1996). O teste de Spearman (Zar 1999) foi aplicado para correlacionar a largura dos anéis de crescimento de S. parahyba aos índices pluviométricos anuais.

Resultados e discussão

Schizolobium parahyba é uma espécie que apresenta ritmo periódico anual na fenologia e na formação dos anéis de crescimento (Ferreira 2002, Lisi et al. 2008, Marcati et al. 2008, C.S. Lisi, dados não publicados). Nos indivíduos estudados, esses anéis de crescimento são distintos macroscopicamente (figura 1A) e, estruturalmente (figura 1B), se caracterizam pelo achatamento radial das fibras e maior espessamento de suas paredes no lenho tardio e pela presença de parênquima em faixa marginal, com uma a três células de largura, repetindo o padrão referido na literatura (Ferreira 2002, Tomazello Filho et al. 2004, Lisi et al. 2008, Marcati et al. 2008).


O número de anéis de crescimento variou entre os indivíduos estudados, como pode ser observado na tabela 1. O indivíduo 2, com 33 anéis de crescimento foi determinado como o mais jovem e o indivíduo 5, com 69 anéis, como o mais velho, ambos coletados no sítio 2 (tabela 1). A contagem do número de anéis anuais de crescimento da medula ao córtex proporciona a estimativa da idade da árvore na altura da amostra coletada, o que não, necessariamente, coincide com a idade total da árvore desde o momento de sua germinação (Kitzberger et al. 2000). Os resultados obtidos a partir das amostras estudadas neste trabalho constituem aproximações. A existência de falsos anéis ou de flutuações intra-anuais não é descartada totalmente, assim como a possibilidade das idades reais serem mais avançadas que as aqui relatadas. A existência de indivíduos com 69 anéis anos-1, a 1,30 m acima do solo, supera a longevidade potencial do táxon, que de acordo com informações provenientes de áreas de plantio e do conhecimento tradicional, está entre 40 e 50 anos (Lorenzi 1992).

A contagem e a datação dos anéis de crescimento demonstraram que os indivíduos estudados germinaram e alcançaram etapas de maturidade em escala temporal distinta, entretanto, a mortalidade ocorreu de forma sincrônica. O fato da mortalidade atingir indivíduos de meia idade, 33 anos, e bem maduros, 69 anos, exclui a possibilidade do evento representar a dinâmica particular de uma população senescente e, consequentemente, não pode ser considerada como um efeito demográfico relativo à idade máxima do táxon.

Schizolobium parahyba é uma espécie pioneira (Lorenzi 1992, Ferreira 2002, Oliveira 2002, Lisi et al. 2008) e os três sítios de coleta na Vila do Abraão foram determinados como em início de sucessão natural (Callado et al. 2009). As áreas são de transição entre a vegetação antropizada e a melhor preservada, constituindo áreas abertas, onde a luz incide diretamente no solo, descartando a possibilidade de morte em função do processo de regeneração da mata por sucessão natural.

A largura dos anéis de crescimento em cada ano avaliado refletiu uma taxa média de 11,1 mm ano-1 de incremento radial para os indivíduos de S. parahyba (tabela 1); resultado semelhante, 10,4 mm ano-1, foi encontrado para espécie crescendo em outro sítio de Floresta Ombrófila Densa no estado do Rio de Janeiro (C.S. Lisi, dados não publicados). A análise da variação da largura dos anéis de crescimento apresentou correlação significativa com os índices pluviométricos anuais na área de estudo (P < 0,005 e r2 = 0,390). A precipitação é o principal fator que atua na largura dos anéis de crescimento. Esses, de modo geral, são estreitos nos anos mais secos e mais largos nos anos mais chuvosos (Stokes & Smiley 1996, Enquist & Leffler 2001). Os anéis de crescimento formados nos anos de 1998 e 1999 foram mais estreitos que dos outros anos avaliados, apresentando 8 mm de largura em média (figura 2A-B). Esses anéis estreitos refletem um baixo crescimento radial e se formaram sob influência do evento El Niño dos anos 1997-1998, considerado o mais importante do século, segundo a cronologia de intensidade, e o de maior influência na região sudeste do Brasil, originando drásticas anomalias na distribuição de chuvas (Rao et al. 2001, Minuzzi et al. 2005). Nesse período, a precipitação total média foi de 1.750 mm ano-1 na região de estudo. Os anéis de crescimento formados antes e depois do período em questão apresentaram-se mais largos, com 15,4 mm de largura em média (figura 2A-B). Os dois últimos anéis de crescimento foram formados sob influência do fenômeno La Niña. Embora de intensidade moderada, o evento climático foi de longa duração, trazendo significativa elevação da umidade para o período (Rao et al. 2001), e registrado na região por uma precipitação total média de 2.115 mm ano-1. A pluviosidade na bacia hidrográfica de Ilha Grande é uma das mais altas no território brasileiro (Davis & Naghettini 2001, Salgado et al. 2007). A Serra do Mar constitui uma barreira orográfica de extrema importância para a elevada precipitação observada nesta região. Os fatores latitude e proximidade do mar criam condições de forte radiação solar, fornecimento de umidade e núcleos de condensação que, conjugados à posição da Serra em relação à trajetória dos sistemas frontais e linhas de instabilidade, provocam elevada precipitação (Davis & Naghettini 2001). As chuvas intensas são uma característica climática marcante da região e podem promover saturação do solo, enxurradas e desencadear movimentos de massa (deslizamentos, corrida de lama, rastejo) mesmo em áreas vegetadas (Oliveira & Coelho Neto 2001, Salgado & Vasquez 2009).


A alternância brusca entre períodos muitos secos e úmidos pode promover desgaste fisiológico nos organismos vegetais. Segundo Keeland & Sharitz (1997), a alternância no status hídrico do solo resulta em ciclos de morte e regeneração do sistema radicular, afetando consideravelmente o vigor das plantas arbóreas. Suarez et al. (2004) enfatizam o papel cumulativo das alterações do clima sobre as taxas de mortalidade de espécies em ambiente natural. As variações climáticas também podem aumentar ou reduzir a vulnerabilidade das árvores ao ataque de pragas oportunistas (Larsson 1989, Ryerson et al. 2003), como a de alguns insetos, cujas populações podem aumentar durante períodos mais quentes e úmidos (Hard et al. 1980, Campbell 1989, Ryerson et al. 2003, Veblen et al. 2007). Para o gênero Schizolobium Vogel existem relatos que a umidade elevada pode interferir na fitossanidade das árvores e aumentar a susceptibilidade ao surgimento de pragas (Sousa et al. 2005, Costa et al. 2006). Alguns patógenos podem atacar exclusivamente as espécies do gênero (Sousa et al. 2005, Trindade et al. 1999). As principais pragas citadas são: broca-da-madeira (Acanthoderes jaspidea Germar), coleobroca (Micrapate brasiliensis Lesne), serradores (Oncideres dejeani Thompson e O. saga Dalma), mosca-da-madeira (Rhaphiorhynchus pictus Wied.) e crosta-negra-das-folhas (Phyllachora schizolobiicola subsp. schizolobiicola Henn.) (Richter et al. 1974, Sousa et al. 2005). Assim, não é possível descartar que patógenos possam ter se desenvolvido no longo período chuvoso, ocasionado pelo evento La Niña, e atacado os indivíduos de S. parahyba em Ilha Grande. Nenhuma constatação da existência de pragas foi realizada nos sítios de estudo no momento da obtenção das amostras de madeira. Contudo, experimentos realizados com indivíduos jovens de S. parahyba submetidos a crescimento sob solo alagado demonstraram a ocorrência de senescência e abscisão foliar, redução nos teores de clorofilas a e b e aparecimento de fungos nos ápices caulinares, ocasionando elevado índice de mortalidade, caracterizando a espécie como intolerante à inundação (Costa et al. 2006).

A mortalidade de espécies florestais relacionadas aos eventos El Niño e La Niña tem sido investigada com base em estudos dendrocronológicos (Pedersen 1998, Villalba & Veblen 1998, Suarez et al. 2004) e relacionam os períodos severos de seca, resultantes desses fenômenos climáticos, à supressão das taxas de crescimento radial e à morte dos indivíduos arbóreos. Inúmeros estudos enfatizam o declínio do vigor, identificado no lenho pela redução das taxas de crescimento radial, como uma característica proeminente de árvores que estão morrendo (por exemplo, Pedersen 1998, Kitzberger et al. 2000, Cherubini et al. 2002, Suarez et al. 2004). Ao contrário, em S. parahyba, a largura dos anéis de crescimento evidencia taxas elevadas de crescimento no período que precede a morte dos indivíduos estudados, ou seja, no período que inclusive tem a influência do evento La Niña. No entanto, até o momento, nenhum estudo com base nos anéis de crescimento foi conduzido no sentido de relacionar a elevação dos índices pluviométricos a episódios de mortalidade. Tais estudos são necessários, especialmente nos trópicos, onde o período chuvoso ocorre normalmente no verão, quando as plantas apresentam taxas metabólicas mais elevadas e crescimento mais vigoroso (Pimenta et al. 1998, Lobo & Joly 2000), como o que ocorreu na Ilha Grande com S. parahyba.

Agradecimentos - Ao Centro de Estudos Ambientais e Desenvolvimento Sustentável (Ceads), pela infraestrutura de trabalho disponibilizada na Ilha Grande; À Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), pelo apoio financeiro, ao Instituto Estadual de Floresta do Rio de Janeiro (IEF-RJ), atual, Instituto Estadual do Ambiente (Inea), pela licença de pesquisa concedida; à MSc. Leonor Ribas de Andrade, pela apresentação do problema e o auxílio na localização dos indivíduos de S. parahyba; ao Dr. Kenny Tanizaki Fonseca e ao Dr. Sebastião José da Silva Neto, pelas coletas das amostras de madeira; à Bióloga Jeanne Alexandre Teixeira da Glória, pela confecção das lâminas; ao Dr. Luiz Sebastião Poltronieri, pelo envio de material bibliográfico e à Dra. Maura da Cunha, ao MSc. Gabriel U.C. Araújo dos Santos e aos dois assessores anônimos e editores deste periódico, pela leitura crítica, correções e sugestões a este trabalho.

(recebido: 12 de fevereiro de 2009; aceito: 16 de dezembro de 2009)

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    Autor para correspondência:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Aceito
      16 Dez 2009
    • Recebido
      12 Fev 2009
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