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Judaísmo e homossexualidade no Rio de Janeiro: notas de uma pesquisa

Resumos

Neste artigo apresentamos uma análise exploratória das opiniões e iniciativas de lideranças judaicas em relação às atitudes e às demandas dos grupos LGBT na sociedade brasileira. Organizado em quatro seções, iniciamos este artigo com uma breve apresentação da pesquisa que deu origem aos dados aqui analisados, para, em seguida, tratar das questões metodológicas e das circunstâncias em que ocorreram as entrevistas com os líderes de duas comunidades judaicas na cidade do Rio de Janeiro. Na terceira seção abordamos as percepções dos rabinos sobre a homossexualidade e as bandeiras do movimento social pela diversidade sexual. Na quarta, à guisa de conclusão, argumentamos que, a despeito das diferenças nas formas de lidar com a tradição bíblica, a percepção dos rabinos sobre a homossexualidade é similar e negativa.

judaísmo; homossexualidade; lideranças religiosas


In this paper we present an exploratory analysis of the opinions and initiatives of Jewish leaders toward the attitudes and the demands of the lesbian, gay, bisexual and transgender groups in brazilian society. Our article is organized in four sections, and we begin with a brief presentation of the research that led to the data analyzed here, and then we deal with the methodological issues and circumstances in which the interviews with the leaders of two Jewish communities in Rio January took place. In the third section we discuss the rabbis' perceptions on homosexuality and the flags of the social movement for sexual diversity. In the fourth, as a conclusion, we argue that despite the differences in their ways of dealing with the biblical tradition, the rabbis' perception of homosexuality is similar and negative.

Judaism; homosexuality; religious leaders


Judaísmo e homossexualidade no Rio de Janeiro: notas de uma pesquisa1 1 Esse estudo foi realizado pela Escola de Serviço Social da UFRJ, com o apoio técnico e financeiro do Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS (MS/SVS/PN-DST/AIDS), por meio do Projeto de Cooperação Técnica Internacional (AD/BRA/03/H34) firmado entre o governo brasileiro e o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime – UNODC. O protocolo dessa pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Enfermagem Anna Nery da UFRJ e o consentimento livre e esclarecido foi obtido de todos os participantes. As autoras agradecem também ao CNPq e à Faperj pelas bolsas de iniciação científica e de produtividade concedidas aos alunos e aos pesquisadores da equipe de investigação.

Maria das Dores Campos Machado; Myriam Lins de Barros; Fernanda Delvalhas Piccolo

RESUMO

Neste artigo apresentamos uma análise exploratória das opiniões e iniciativas de lideranças judaicas em relação às atitudes e às demandas dos grupos LGBT na sociedade brasileira. Organizado em quatro seções, iniciamos este artigo com uma breve apresentação da pesquisa que deu origem aos dados aqui analisados, para, em seguida, tratar das questões metodológicas e das circunstâncias em que ocorreram as entrevistas com os líderes de duas comunidades judaicas na cidade do Rio de Janeiro. Na terceira seção abordamos as percepções dos rabinos sobre a homossexualidade e as bandeiras do movimento social pela diversidade sexual. Na quarta, à guisa de conclusão, argumentamos que, a despeito das diferenças nas formas de lidar com a tradição bíblica, a percepção dos rabinos sobre a homossexualidade é similar e negativa.

Palavras-chave: judaísmo, homossexualidade, lideranças religiosas.

ABSTRACT

In this paper we present an exploratory analysis of the opinions and initiatives of Jewish leaders toward the attitudes and the demands of the lesbian, gay, bisexual and transgender groups in brazilian society. Our article is organized in four sections, and we begin with a brief presentation of the research that led to the data analyzed here, and then we deal with the methodological issues and circumstances in which the interviews with the leaders of two Jewish communities in Rio January took place. In the third section we discuss the rabbis' perceptions on homosexuality and the flags of the social movement for sexual diversity. In the fourth, as a conclusion, we argue that despite the differences in their ways of dealing with the biblical tradition, the rabbis' perception of homosexuality is similar and negative.

Keywords: Judaism, homosexuality, religious leaders.

1. Introdução

No presente artigo abordaremos as percepções e ações de lideranças judaicas frente às práticas e reivindicações dos grupos LGBT2 2 Considerando as recomendações da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis sobre a necessidade de se dar visibilidade ao segmento das lésbicas e suas demandas no ativismo brasileiro, e as tendências internacionais, que projetam a atuação das lésbicas na superação da ideologia patriarcal e de dominação masculina, é que se utiliza a sigla LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros). na sociedade brasileira. O tema ganha sua relevância na atual conformação do campo religioso e no alcance desse nas demais esferas da vida social. Além disso, cabe ressaltar que, uma vez que a literatura socioantropológica tem explorado as tensões entre os grupos cristãos e afro-brasileiros em relação às demandas dos novos sujeitos sexuais, passando ao largo da tradição judaica, faz-se necessário debruçar-se sobre esses agentes religiosos.

Em relação ao papel das religiões na ordem social contemporânea existem muitas divergências teóricas, mas é largamente aceita, entre os cientistas sociais3 3 Ver Casanova 1994; Gauchet 2004; Giddens 1995; Berger 2008; Hervieu-Leger 2005; Habermas 2007, entre outros. , a ideia de que o processo de diferenciação institucional e a crescente produção de ideologias no ocidente deslocaram o universo religioso do papel de princípio regulador da vida social e política, afastando paulatinamente a moral pública da moral religiosa. Nesse sentido, Gauchet (2004) argumenta que, depois de um período de hegemonia do discurso político, é cada vez mais a esfera jurídica, em particular o discurso dos direitos humanos, que fornece "a norma organizadora da consciência coletiva" e o "padrão de ação pública".

Seguindo as trilhas abertas por Weber e Gauchet, Daniele Hervieu-Leger (2005:38) afirma que as religiões vêm continuamente perdendo a capacidade de fornecer aos atores individuais e coletivos das sociedades ocidentais "o conjunto de referências, normas, valores e símbolos que lhes permitem dar sentido à vida e às suas experiências". Ou seja, os laços sociais e a organização política nas sociedades laicizadas não são mais definidos pelo religioso e "um ecumenismo de valores, no qual o ideal de fraternidades entre os homens absorve e dilui toda a referência à transcendência, parece estar em vias de se impor através de uma moral, geralmente aceite dos direitos humanos (idem:60-61)".

Se do ponto de vista da ordem social observa-se a mudança do lugar e do estatuto do sagrado, no interior da esfera religiosa percebe-se a tendência de recomposição das crenças ou de uma contínua reinvenção da tradição e das fronteiras identitárias. Afinal, como já demonstrou Giddens (1995), numa situação de pluralização institucional as identidades religiosas são permanentemente confrontadas com as identidades e os discursos dos diferentes atores coletivos agindo na esfera pública, o que exige um reposicionamento das estruturas eclesiásticas e dos grupos confessionais. Ou seja, as transformações ocorridas nos dois últimos séculos na ordem social ocidental colocaram em xeque os discursos já cristalizados, demandando a reinterpretação criativa e a adequação da tradição ao contexto contemporâneo.

Nessa chave interpretativa, a diferenciação institucional e o florescimento de ideologias seculares deixam duas possibilidades para as tradições religiosas: a) a recusa do engajamento discursivo e b) a comunicação ou o diálogo. A primeira possibilidade implica quase sempre a assunção do fundamentalismo, que consiste na defesa da tradição de forma estrita (Giddens 1995:14); a segunda propõe uma abertura para o diálogo com o diferente e o desafio das negociações dos valores e sentidos.

Nesse sentido, temos assistido, nos últimos anos, à emergência do debate entre os discursos religiosos e o dos movimentos sociais pela diversidade sexual, esse último pautado pela lógica dos direitos sociais, sobretudo no que se refere à liberdade de expressão. Nessa discussão, ora o conflito e o jogo de acusações são acentuados, ora é manifestada uma tentativa de comunicação.

Tendo em vista o cenário acima é que, neste artigo, iremos abordar as opiniões e iniciativas das lideranças judaicas em relação aos grupos LGBT.

2. Encontros e desencontros com os rabinos: notas metodológicas

Em novembro de 2007, uma equipe de sete pesquisadores da Escola de Serviço Social da UFRJ4 4 Andréa de Moraes Alves, Fernanda Delvalhas Piccolo, Luciana Zucco, José Pedro Simões, Maria das Dores Campos Machado, Myriam Lins de Barros e Murilo Peixoto Mota. começou a desenvolver uma pesquisa qualitativa sobre as percepções de lideranças religiosas e de fiéis homossexuais sobre os temas da diversidade sexual e da discriminação em relação ao público LGBT no Rio de Janeiro. Entre as cinco tradições que compunham a amostra encontrava-se o judaísmo, e logo tratamos de buscar contatos com a comunidade a fim de verificar quais rabinos representariam melhor as diferentes vertentes instaladas na cidade. Assim, como fizemos com os católicos, os espíritas, os evangélicos e os afro-brasileiros, uma vez confeccionada uma lista com nomes de rabinos com posições de destaque entre os judeus da cidade do Rio de Janeiro5 5 De acordo com Gruman (2005:134), "a maior ou menor notoriedade e legitimidade de cada rabino vai depender do poder simbólico exercido pela corrente da qual participa. Quanto mais influente ela é na determinação do que é a religião judaica e, mais ainda, do que é a identidade judaica, na medida em que, para os religiosos, e mesmo para muitos desses jovens, o judaísmo está bem próximo de uma definição religiosa, maiores as chances de sua sinagoga receber grande quantidade de fiéis nas cerimônias mais cotidianas como o 'shabat', o início do descanso semanal ordenado por Deus". , a equipe tratou de agendar as entrevistas.

Deve-se esclarecer que, como na equipe de pesquisadores não havia ninguém pertencente à cultura judaica, no interregno de quatro meses (novembro de 2007 a fevereiro de 2008) solicitamos ajuda aos amigos mais chegados, aos conhecidos, aos alunos e a dirigentes das múltiplas entidades e associações que se colocam como atores coletivos dessa comunidade étnica6 6 Estamos interpretando esse grupo como comunidade étnica em função da construção social de sua identidade cultural, que demarca fronteiras com outros grupos sociais. . Embora a ajuda dos amigos tenha sido preciosa, muitas ligações telefônicas para os números indicados ficaram sem retorno, várias negativas foram ouvidas com a explicação de que sobre esse tema o rabino não falaria, ou com a sugestão de que fossem procurados os líderes liberais7 7 A corrente do judaísmo liberal/reformista surgiu no século XIX, na Alemanha. Na visão de Bila Sorj (1997:77): "procurando responder à crescente autonomia dos indivíduos face à autoridade religiosa tradicional esta corrente modificou muitas doutrinas e práticas tradicionais do judaísmo como as leis dietéticas, a observância do shabat, a ideia de uma origem divina da Bíblia, a crença de que os judeus são 'o povo escolhido'. Consequentemente, permitiu aos judeus o desenvolvimento de uma identidade comunitária com baixos custos à liberdade individual. De fato, a participação numa congregação deste tipo pouco afeta as rotinas da vida cotidiana como, por exemplo, as escolhas relativas às atividades profissionais, ao lazer ou lugar de moradia". — praticamente apenas dois nomes eram repetidos, pois somente eles poderiam se mostrar abertos o suficiente para tratar da questão da sexualidade e, particularmente, da homossexualidade. A cada ligação para as secretárias dos rabinos, era solicitado que fosse encaminhado um e-mail para a entidade que eles representavam explicando do que se tratava a entrevista. Podemos pensar que os e-mails foram utilizados pelos liberais mais citados com o intuito de evitar o constrangimento de negar o pedido encaminhado mediante a indicação de algum conhecido dos líderes religiosos.

Na segunda quinzena de março de 2008, depois de ter entrevistado quinze lideranças de outras expressões religiosas, a secretária de um rabino, com quem se travou contato após a liderança principal da sinagoga não ter retornado aos nossos chamados, telefonou para uma das pesquisadoras da equipe e agendou uma entrevista para quinze dias depois. Nesse telefonema foi ressaltado que o mesmo teria somente uma hora para nos atender. Mesmo com o tempo exíguo, a pesquisadora confirmou a entrevista. Poucos dias depois, graças ao empenho de um amigo, conseguiríamos abrir a porta blindada de uma segunda sinagoga e ser recebidos por um rabino ortodoxo.

A dificuldade também se apresentou no contato com os judeus gays e as judias lésbicas que deveriam compor nossa amostra e nos falar do processo de construção de sua identidade homossexual no interior de uma comunidade judaica. Entramos em sites, procuramos os membros da comunidade no Orkut, enviamos e-mails para a liderança dos movimentos gays e a resposta mais frequente era que, como esse tema não era bem visto pela maioria dos judeus, não obteríamos acesso às pessoas com essa identidade religiosa e orientação sexual.

Outra questão que emergiu nos contatos com os gays e as lésbicas desse grupo é a noção de que o fato de que ser judeu não está ligado necessariamente à dimensão religiosa da comunidade. Tal identidade passa, para muitos, pelo nascimento como marcador de pertencimento a uma "comunidade" construída pelas redes de relações nas quais se está inserido, pelas escolas em que se estuda, sem que a vivência religiosa propriamente dita se faça presente. Essa argumentação expressa, não só uma característica da própria religiosidade, que tem um caráter mais étnico do que universal8 8 De acordo com a sociologia da religião de Weber (1965), o status de povo pária fez com que se desenvolvesse, entre os judeus, uma "ética farisaica dual", baseada em tabus e de caráter particular. Ver, ainda, entre outros, Freitas (2007). , mas também uma relutância em debater o tema da sexualidade humana na interface com o judaísmo.

Neste artigo, conforme salientamos acima, privilegiaremos, entretanto, as percepções das lideranças sobre a temática da homossexualidade. Nesse sentido, deve-se adiantar que a forma de recepção e a maneira como transcorreram as duas entrevistas com as lideranças deixaram claras as diferenciações existentes no que, de início, parecia-nos simplesmente a "comunidade judaica" no Rio de Janeiro9 9 Segundo Sorj (1997:68), "se para um olhar exterior, os judeus são definidos basicamente como membros de um grupo religioso, internamente prevalecem inúmeras modalidades de autopercepção e coesão grupal. Há mais de cem anos, as identidades dos judeus europeus (continente onde se localiza a maioria deles) fundavam-se em ideologias concorrentes entre si, visões de mundo e práticas culturais que os dividiam entre religiosos tradicionalistas, liberais e assimilacionistas, além das divisões de natureza geográfica, derivada dos países em que viviam ou provinham, ou de comportamento (alemães, poloneses, lituanos, sefaraditas etc.). No início deste século, outras identidades emergem: judeus religiosos versus seculares [...] versus sionistas. Com o estabelecimento do Estado de Israel, em 1948, emerge uma nova distinção entre judeus israelenses e judeus de diáspora. Cada uma destas divisões apresenta, evidentemente, outras clivagens e nuanças". . Entretanto, como pretendemos demonstrar neste trabalho, as leituras distintas da Tora e do Talmude, que alimentam concepções e relações de gênero anuançadas, não produzem efeitos similares quando examinamos os discursos das autoridades religiosas com relação à homossexualidade10 10 De acordo com Plaskow (2002), entre os grupos judeus, o debate sobre a homossexualidade ocorre basicamente a partir de dois versos do Levítico e dos comentários rabínicos. .

Cabe salientar que, em se tratando de uma investigação financiada pelo Ministério da Saúde, a pesquisa em questão seguiu as exigências de apresentação do projeto e do roteiro de entrevistas a um comitê de ética, assim como da leitura prévia, acompanhada da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por parte dos entrevistados e dos pesquisadores11 11 Seguindo o protocolo de pesquisa da Resolução CNS 196/96, os sujeitos participantes de pesquisas devem ter sua identidade resguardada. Por esse motivo, como será visto adiante, será mantido o anonimato dos rabinos entrevistados, que serão identificados por uma sigla. . Se por um lado tais procedimentos mantêm o projeto dentro dos parâmetros éticos definidos pelo órgão de fomento, protegendo os sujeitos da pesquisa, por outro ampliam as dificuldades inerentes ao processo de negociação e construção da confiança entre esses e os pesquisadores especialmente quando se pretende conhecer percepções e atitudes em relação às identidades estigmatizadas por alguns setores da nossa sociedade, como é o caso dos homossexuais. Outro fator importante é que durante a pesquisa a temática da diversidade sexual e da discriminação a esses segmentos sociais estava na pauta da discussão pública, visto que havia a proposta, pelos movimentos sociais LGBT, de uma lei que criminalizaria a homofobia, e os atores principais da polêmica em torno desse assunto eram as lideranças religiosas.

O debate público do Projeto de Lei (PL 122/96), em tramitação no Congresso Nacional, que prevê a criminalização da homofobia constitui uma variável interveniente poderosa no processo de investigação junto a sujeitos com elevado grau de escolaridade e cientes das repercussões de suas falas. No caso específico das lideranças judaicas, que tanto relutavam em falar sobre a temática, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido funcionou como um amplificador das desconfianças e teve uma influência perceptível nas falas dos dois rabinos. Para começar, apenas um rabino respondeu a todas as questões que compunham o roteiro. O outro, alegando que se encontrava muito ocupado e atrasado em seus atendimentos, negociou o número de perguntas e interrompeu a entrevista, como veremos a seguir. De qualquer maneira, esse artigo tem um caráter exploratório e serve para identificar pontos que merecem maior aprofundamento em pesquisas futuras.

Uma breve descrição da situação das duas entrevistas pode ser útil para entendermos as complexas negociações entre os pesquisadores e os rabinos.

Na data tradicionalmente considerada "o dia da mentira" em nosso país, o primeiro de abril, a pesquisadora responsável pelo projeto do Ministério recebeu por telefone a confirmação da entrevista com o rabino ortodoxo (R.1). E foi o próprio entrevistado quem, sorrindo, tratou de lembrar a coincidência da data. Devemos esclarecer ainda que, juntamente com a confirmação do encontro, a pesquisadora recebeu uma cuidadosa explicação do amigo que intermediou o pedido e que acompanharia toda a entrevista: de que a mesma não deveria estender a mão para o religioso, pois "ele não pode tocar nas mulheres". Com essa advertência, nosso amigo antecipava os interditos e as prescrições para as relações de gênero que se apresentariam no discurso sobre a sexualidade, bem como as assimetrias entre os homens e as mulheres na comunidade religiosa.

É importante lembrar que, na literatura especializada, a proibição acima aparece relacionada à menstruação feminina, que torna as mulheres "impuras" por determinados períodos de tempo e, portanto, uma ameaça à liderança religiosa masculina. Diante da impossibilidade de saber de antemão quais mulheres se encontram nessa condição, evita-se o contato físico com todas as desconhecidas (Risman 1994).

Segundo Douglas (2000:178), esse interdito está baseado nos capítulos 12 e 15 do Levítico, nos quais a "perda" de fluidos corporais vitais — o sêmen e o sangue menstrual — é interpretada através da lente da desordem reprodutiva. Nessa linha de interpretação, a menstruação, tal como a ejaculação involuntária noturna, expressaria a negação da fertilidade e, por isso, o toque corporal em uma mulher ou em um homem nessas condições constituiria uma ameaça à cultura bíblica. No caso masculino, a possibilidade de purificação do corpo é mais rápida e não depende da intermediação do corpo sacerdotal; já a situação das mulheres requer um período maior de resguardo e de interdito12 12 Ver também Risman (1994). . A dimensão reprodutiva assume um papel fundamental nos discursos sobre a sexualidade humana na tradição judaica e, nesse sentido, a referida interdição expressa uma impureza ritualística e revela uma analogia entre o tabernáculo e o corpo humano. Ou seja, da mesma forma que se deve preservar o altar da conspurcação pelas coisas impuras, deve-se evitar o contato corporal com as mulheres menstruadas, pois nessa condição elas expressam uma situação de desordem reprodutiva que é uma ameaça à cultura bíblica 13 13 Restrições com relação à mulher durante o período menstrual também se fizeram presentes nos discursos de lideranças do candomblé e de um ramo pentecostal. Um pai de santo afirmou que, do ponto de vista espiritual, "quando a mulher para de menstruar ela pode fazer determinadas coisas que ela não podia quando ela menstruava, entendeu? Ela tem um poder, de fazer mais coisas além do que ela já fazia." Já o pastor pentecostal argumenta que até poucos anos atrás as mulheres menstruadas não podiam subir no púlpito de sua igreja. .

As passagens da Bíblia que tratam da impureza ritualística dos corpos não foram, contudo, mencionadas em nenhum momento da entrevista de uma hora concedida nas instalações da sinagoga. Ao contrário, sem saber das orientações transmitidas anteriormente, o rabino, ao término do encontro, talvez temendo que a pesquisadora lhe oferecesse a mão e acabasse passando por um constrangimento, lhe afirmou que no judaísmo "as mulheres são consideradas sagradas e como tal devem ser respeitadas pelos homens", justificando assim que não se despedissem com o tradicional gesto de aperto de mãos. Gentilezas à parte, esse não seria o único momento em que o entrevistado procuraria atenuar as assimetrias que marcam a ordem de gênero nos grupos religiosos judeus mais tradicionais.

Vale a pena mencionar ainda outra forma de definição de fronteiras sociais expressa na situação da entrevista. A pesquisadora havia combinado de se encontrar com o seu informante na sinagoga e quando chegou, não o tendo visto, resolveu se apresentar na portaria e verificar se o rabino e seu amigo já se encontravam à sua espera no interior da instituição. O porteiro, por trás do vidro blindado, informara que o rabino não estava e que seu companheiro também não havia chegado, sugerindo a ela que esperasse lá fora, na calçada. Ao chegar o intermediário do encontro, nossa pesquisadora viria a saber, entretanto, que ao contrário do que afirmara o porteiro, o rabino se encontrava na sinagoga, e que essa informação não lhe fora fornecida antes porque ela era uma pessoa desconhecida. A preocupação com a segurança revelada também pelo forte muro que circunda o prédio e pelo rígido controle da entrada de estranhos ficou ainda mais marcante quando o religioso começou a falar sobre o tema da discriminação na sociedade contemporânea14 14 De acordo com Bernardo Sorj (1997:24), a sociedade brasileira apresenta "baixos níveis de discursos e práticas antissemitas", mas mesmo assim "as lideranças comunitárias encontram-se numa situação defensiva, apoiando-se em discursos defasados e materiais discursivos importados de Israel e, em menor medida dos Estados Unidos. Este discurso centrado no tema do antissemitismo e da memória das perseguições sofridas pelo povo judeu leva muito pouco em consideração a experiência real dos jovens judeus brasileiros". . Embora o foco da entrevista fosse a sexualidade humana e a intolerância às expressões alternativas à sexualidade heterossexual, o discurso do rabino deslocava a discriminação para a dimensão étnica com o intuito de demonstrar a complexidade do debate15 15 "Um judeu, que saia na rua vestido como tal, é agredido verbalmente, fisicamente e, às vezes, pior do que isso, ou então um judeu que vive num prédio e tem vizinhos que não o suportam só pelo fato dele ser judeu. A gente sofre isso todo dia, não há nenhuma novidade. Como é que a gente encara esse pessoal? Como coitados, eles não sabem nem o que é ser judeu. Eles têm uma imagem, um pré-julgamento já feito disso e agridem a gente. Eu, pessoalmente, passo pela rua e ouço, dependendo da época do ano, ou eu sou chamado de Papai Noel ou eu sou chamado de Osama. Tinha uma época que era Enéas [ex-deputado federal pelo Partido da Reedificação da Ordem Nacional - PRONA], ninguém me chamou de Lula até hoje não sei por quê... Então o que acontece? A gente sofre isso todo dia praticamente e a gente olha para os outros infelizmente e diz: 'Coitados, eles não tem o mínimo conhecimento do que vem a ser judeu'. E eu estou usando meu caso como exemplo de discriminação". . Antes de examinarmos a fala dessa liderança, vejamos as circunstâncias em que ocorreu a outra entrevista.

O encontro com o rabino que se autodeclarou "liberal conservador" (R.2) havia sido agendado quinze dias antes por sua secretária, via telefone, para o final da tarde. Quando a pesquisadora chegou à sinagoga, deparou-se com uma portaria com vidro blindado fumê e uma porta de ferro. A pesquisadora tentou comunicar-se com o segurança, que estava atrás do vidro, para identificar-se, mas não foi preciso, pois logo a primeira porta de ferro foi aberta. Após essa, há outra, e só então é possível entrar no prédio da instituição. Ao fundo, após um corredor, há um balcão. A pesquisadora foi até lá e identificou-se para a atendente. Essa última solicitou que a primeira pegasse o elevador, fosse até o terceiro andar e depois subisse mais um andar pela escada, ao final da qual atravessaria uma outra porta e poderia enfim postar-se, esperando, no sofá à esquerda. Afirmou ainda que, enquanto ela fizesse tal trajeto, avisaria o rabino de sua presença.

A facilidade de entrada na sinagoga lembrou à pesquisadora o episódio vivido por ela mesma quando entrevistava uma lésbica judia em uma praça em Ipanema. Nessa ocasião, a entrevistadora foi abordada e identificada, devido a suas características físicas, como membro da comunidade judaica por uma frequentadora da praça que se declarou judia. Tal impressão foi confirmada pela jovem informante, mas imediatamente negada pela pesquisadora. Observa-se, nessa situação, a incorporação pelos próprios judeus de estereótipos que homogeneízam um grupo social, criando um "tipo" específico. Entretanto, a recepção mais facilitada da representante de nossa equipe não se restringiu à sua maior liberdade de acesso ao interior da sinagoga. Afinal, o rabino que se dispôs a recebê-la cumprimentou-a com dois beijos no rosto, perguntou se ela queria café e, frente à resposta afirmativa, encaminhou a mesma para ir se servir na pequena cozinha em frente à sua sala, dizendo que ficasse à vontade, pois ele iria acompanhar as pessoas que havia atendido anteriormente até à saída.

Descrevemos essas circunstâncias porque elas indicam o que depois foi observado ao longo das entrevistas: estávamos em face de lideranças religiosas com apropriações distintas da tradição judaica no tocante às relações de gênero e ao papel das mulheres na sociedade contemporânea. No entanto, no que se refere à homossexualidade, verificam-se muito mais pontos de contato que divergências entre as falas do ortodoxo e do liberal. Para começar, a simpatia e a receptividade mais calorosa à segunda pesquisadora foram contrabalançadas pela interrupção da entrevista depois de quarenta e cinco minutos de conversa, sem a conclusão do roteiro apresentado. Na realidade, no início do encontro o rabino já havia sinalizado que, em virtude de seus vários compromissos, não poderia nos conceder muito tempo. Assim, a pesquisadora teve que escolher quais questões fazer, para otimizar o tempo e o conteúdo da entrevista.

3. O espinhoso tema da homossexualidade

A sociologia da religião de Weber sugere tensões entre as éticas religiosas que tendem a racionalizar a conduta social e a sexualidade. Nessa perspectiva, o ascetismo religioso ativo se opõe ao erotismo e faz da renúncia às relações sexuais uma condição de domínio de si mesmo16 16 Segundo Bendix (1986:171), na sociologia de Weber "o judaísmo e o cristianismo são tipificados por um ascetismo religioso ativo, pela ideia de uma ação ética positiva sob orientação divina. O homem é simplesmente um instrumento nas mãos de Deus e deve portanto estar constantemente consciente de que suas ações estão entre os meios pelos quais Deus realiza seus desígnios. A partir desse ponto de vista, o mundo é uma fonte de tentações; todas as satisfações sensuais levam ao afastamento de Deus." . Isso valeria tanto para o cristianismo quanto para o judaísmo, ainda que na versão talmúdica do judaísmo a dupla moralidade — uma interna para a comunidade e outra, mais branda, dirigida ao exterior — possa ser interpretada como uma expressão da adaptação ao mundo. Ou seja, na forma talmúdica do judaísmo, observa-se uma valorização crescente da lei e da dimensão ritual da religião em detrimento da ascese sistemática. A relação com a sexualidade torna-se muito mais naturalista do que ascética17 17 De acordo com as palavras de Weber (1994:409): "a tradição e sua casuística imperam em toda área do relevante diante de Deus, e não a ação racional, metódica, orientada independentemente por um fim [...]". . Sintetizando o pensamento weberiano, o autodomínio vigilante "do judeu devoto, no sentido tradicional, emana do cismar sobre a lei que contribuiu para desenvolver seu intelecto e da necessidade de concentrar-se no cumprimento exato dela." (Weber 1994:409).

Nessa chave interpretativa, a concepção de matrimônio no judaísmo, como em todas as religiões proféticas, apresenta uma dimensão econômica: ele é percebido como uma instituição essencialmente destinada a engendrar e criar filhos. Da mesma forma, o judaísmo compartilha com várias outras tradições a condenação estrita das relações sexuais não legais e a observância dos períodos de abstinência, estabelecidos por motivos higiênicos. O que pode se transformar de uma tradição religiosa para outra são as conexões de sentido que estão por trás da atitude repressiva à sexualidade.

As mudanças culturais das últimas décadas e, em especial, a revolução sexual e os movimentos feministas e LGBT, trouxeram novos desafios às autoridades religiosas. Algumas denominações, no esforço de readequação aos novos tempos, criaram círculos de discussão e de atuação junto aos fiéis. De qualquer maneira, percebe-se uma tentativa de associar a temática às questões mais amplas, sejam elas questões específicas da juventude ou da família, gerando os "especialistas" na área. Esses são aqueles líderes religiosos que respondem não só pelas atividades nos novos espaços de intervenção, mas também pela representação da comunidade no debate público, com a participação em programas na mídia eletrônica e a publicação de livros ou artigos em jornais de grande circulação. No caso dos cristãos, pesquisas têm demonstrado a ausência de univocidade de opiniões, sugerindo descontinuidades nos discursos das autoridades18 18 Ver, entre outros, Natividade e Oliveira (2007). , mas reafirmam que a sexualidade segue sendo um tema espinhoso para a maioria das autoridades religiosas.

No Brasil, as lideranças judaicas têm relutado em participar da discussão pública sobre a questão da homossexualidade e das demandas dos movimentos LGBT, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, onde, desde o final dos anos 70, muitas organizações judaicas importantes se uniram num movimento de oposição à discriminação baseada na orientação sexual e de defesa dos direitos civis de gays e lésbicas (Elwell 2004). Em nossa pesquisa, apenas o rabino "liberal conservador" demonstrou algum interesse pelo tema da homossexualidade, afirmando que até já teria realizado uma enquete junto aos rabinos sobre essa questão. Sua pressa em terminar o encontro sugere, entretanto, certo incômodo em falar sobre esse assunto com uma pesquisadora desconhecida e do sexo feminino.

Tomando o caso do rabino ortodoxo, percebe-se que a homossexualidade não constitui uma temática que pareça merecer atenção especial seja da liderança, seja da comunidade judaica como um todo. Trata-se, conforme o rabino, de um "mau hábito", que se tornou um "vício" ou um "desvio psicológico", "como a cleptomania"19 19 A ênfase na cleptomania pode ser uma consequência da prisão, nos Estados Unidos, da mais importante liderança judaica com atuação no Brasil, por causa de um roubo de gravatas. Como foi amplamente divulgado na imprensa nacional e internacional, o rabino Henry Sobel tentou se livrar das acusações com a desculpa de que era cleptomaníaco e estava em tratamento psiquiátrico. e muitos outros "desvios mentais existentes hoje". Em suas palavras:

Eventualmente, a pessoa pode ter um mau hábito, e um mau hábito pode causar um pecado? Pode! Então a gente pode chegar num ponto onde uma pessoa que tem um mau hábito vai acabar fazendo algo de errado. Esse algo de errado pode ser roubar, pode ser matar, pode ser ter relações ilícitas. Mas é sempre resultado de mau hábito. Então a gente vai tratar disso como um hábito que tem que ser corrigido. Quando se corrige um hábito, aí você pode usar o psicólogo, como você pode usar de boa vontade, como você pode usar de treinamento, de instrução de uma série de caminhos, mas todos eles válidos para o indivíduo. Então, não tem como falar de um grupo, eu estou falando de indivíduos. [...] Então, como eu posso dizer, esse indivíduo tem um problema, uma preferência sexual um pouco diferente, se quiser colocar assim. E se ele gostasse de gatos como opção sexual, como é que as pessoas o tratariam? Só porque todo mundo já está acostumado com uma determinada opção, isso legaliza a opção? Você torna isso mais normal? Então tudo que é comum é normal? Não! Nem tudo que é comum é normal!

Na visão dessa liderança, é um equívoco tratar de forma coletiva esse "desvio" e isso só estaria acontecendo "porque, nos dias de hoje, ser simpático à causa homossexual rende votos aos políticos". Em sua visão, essa é uma questão pessoal, e quando solicitado por alguma família ou membro da comunidade, cabe a ele aconselhar para que se encaminhem os filhos, parentes e/ou amigos homossexuais para os psicólogos.

O uso da categoria "desvio" para classificar o comportamento homossexual não é uma especificidade das autoridades religiosas judaicas, aparecendo recorrentemente no debate sobre a diversidade sexual. Nesse sentido, foram identificados pontos de contato entre os discursos do rabino ortodoxo e dos pastores pentecostais investigados em nosso estudo. Essa convergência resulta da reconhecida ênfase atribuída pelas autoridades religiosas aos livros que integram a Bíblia Hebraica e, mais especificamente, às passagens (18,3; 18,22 e 20,13) do Levítico e à história de Sodoma (Gênesis), quando se fala da homossexualidade. No caso do judaísmo, a teóloga feminista Plaskow (2002:130) afirma que o fato de se privilegiar os trechos do Levítico no debate sobre a homossexualidade faz com que essa problemática seja frequentemente pensada em termos de comportamentos privados e que se ignore uma série de injunções na Bíblia e na tradição rabínica sobre a "formação de relações éticas, a criação de comunidades e a garantia da justiça social". Dito de outra forma, coloca-se não só a homossexualidade, mas a própria sexualidade como um "problema peculiar para a ética, um discreto e embaraçoso domínio que requer uma regulação única."

Aplicando o conceito de "heterossexualidade compulsória" de Adrienne Rich (1980) e inspirada na interpretação de Gayle Rubin (1975) sobre organização do sexo, Plaskow (2002) sugere que a supremacia da heterossexualidade se apresenta na tradição judaica fortemente entrelaçada com a visão da complementaridade dos gêneros e com a concepção da subordinação da mulher. De modo que pôr em xeque as percepções predominantes sobre a homossexualidade nas comunidades judaicas resulta em questionar uma série de relações estabelecidas em distintas esferas: sexual, social, econômica e religiosa.

A condenação institucional da homossexualidade calcada nos livros sagrados cria um discurso não problematizado na comunidade religiosa. A acusação de desvio desloca para o plano individual os conflitos de ordem social e expõe as relações de poder na convivência entre aqueles que interpretam as leis sagradas e constroem as regras e aqueles a quem essas regras devem ser aplicadas (Becker 2009; Velho 1981). Afinal, conflitos na definição de regulamentos e fronteiras sociais ocorrem nas comunidades religiosas e nos relacionamentos dessas com os movimentos sociais e políticos da sociedade mais ampla. Nesse contexto, o rabino ortodoxo R1 apresenta de forma mais explícita a disputa de poder com relação à interpretação da homossexualidade, colocando, na arena de luta, de um lado a perspectiva religiosa e de outro, a perspectiva política.

Assim, quando perguntamos a R.1 como os homossexuais seriam avaliados por Deus, ele nos disse:

Como pessoas que têm um problema pra resolver, como são avaliados eventualmente os fumantes que se agridem, ou como são avaliadas aquelas pessoas que traem suas esposas, ou como são avaliadas as pessoas que roubam, às vezes, roubam por, como é que chama?! Por doenças, não é doença, como chama?! É cleptomania! É óbvio que tem casos que são casos de opção individual e tem casos que são infelizmente mais profundos, ou seja, vamos dizer onde há uma opção subconsciente, se é que eu posso chamar assim, há uma tendência. Então, é obvio que cada caso tem que ser avaliado como um caso e não como uma classe. Entende?

A adoção de crianças por parte de homossexuais é outro tema que, na visão desse rabino, atenta contra a definição de "família". Para ele, a família é composta pelo elo de parentalidade entre dois sexos distintos (masculino e feminino). As outras possibilidades de composição não seriam abarcadas por essa categoria, devendo assim ser nomeadas de forma diferente (como tutela ou monitoramento).

Eu não estou dizendo que eles não são pessoas boas, que não podem dar carinho, porque cada caso é um caso... Mas é óbvio que eu não posso chamar isso de família nem de adoção. É chamado de monitoramento, tutela, use o nome que quiser, mas isso não é família. Porque se Deus está dizendo que é saudável para uma criança ter pai e mãe, então isso deve ser saudável em mais de um sentido, não só no religioso. Então é obvio que tem que se trabalhar nesse sentido.

Direitos previdenciários garantidos a casais homossexuais seriam, assim, uma legislação a respeito de algo que é "anômalo".

Quando se tem uma família, a gente entende que existe um vínculo de responsabilidade, vamos dizer assim, mútuos. Pensão, como eu já te falei antes, é um conceito de vínculo. Então eu só entendo pensão enquanto eles estiverem casados. Eu não consigo entender a ideia de pensão quando eles já não têm mais nenhum vínculo. Mas já que se criou uma anomalia, tem que legislar em cima da anomalia, fica difícil.

Eventualmente você vai encontrar até dentro da comunidade judaica pessoas que sofrem de AIDS e ninguém sabe, por quê? Porque eles tão sendo tratados como indivíduos, tão tendo um maior apoio dentro do que é possível. Ninguém está discutindo agora de onde ele pegou, como ele pegou... A questão é outra: eu tenho que ajudar alguém que está com problemas de saúde, então eu não tenho que fazer um pré-julgamento, senão daqui a pouco nós vamos ter um partido dos aidéticos, entende o que eu quero dizer? Você novamente transformou uma doença numa causa política.

Questionado sobre o projeto que criminaliza a homofobia, o rabino afirma que:

A gente está pegando um problema pessoal, individual, transformando numa causa política e legislando em cima. Só isso. Ou seja, discriminação não é um problema do homossexual, é um problema em geral, entende, então se eu não trato do problema como um todo, não adianta eu tratar a varejo. E por que não tem um projeto de discriminação contra os judeus? Eu sofro mais, muito mais porque é dia a dia. Ninguém está preocupado com isso porque não dá voto. Entende o que eu quero dizer? Ou seja, o número X de judeus que tem no Brasil não dá número suficiente de votos para enfim interessar os políticos A, B ou C. Eles [os homossexuais], porém, têm influências. Eu não estou falando do indivíduo, eu estou falando do poder de um grupo específico. Então novamente a gente volta pra aquela questão de antes: a discriminação, o problema de legislar em cima de discriminação...

Para responder às questões sobre a homossexualidade, R.1 volta-se para os textos sagrados, que segundo ele existem há 3.320 anos e foram entregues diretamente aos homens por Deus. Nesses textos está posto o que Deus quer que seja feito dentro ou fora do judaísmo. Assim, nos códigos "passados" por Deus existe "uma estrutura de como aplicá-los no dia a dia. Desta forma o que feito ao longo dos séculos é a aplicação das regras a situações atuais".

Para R.1, a autoridade religiosa é conferida pelo conhecimento dos textos, das fontes, e não sobre sua interpretação realizada a cada momento histórico, como fazem outros que se dizem rabinos, mas não o são. Para a ortodoxia judaica, o tempo é um tempo que se reinstaura a cada instante pelos textos bíblicos e que conforma uma fronteira entre a comunidade e a sociedade mais ampla, onde se desenvolvem mudanças históricas. A distinção entre a comunidade e suas regras, baseadas nos textos sagrados, e a sociedade como um todo, com suas leis, é marcada por limiares que filtram e reescrevem as mudanças históricas, transpondo-as para o interior da comunidade como parte do tempo cíclico.

Assim é vista a pauta de discussão política dos direitos de gays e lésbicas em relação à união civil e à constituição da família no âmbito da sociedade. Se essa pauta reflete a introdução de novas questões sociais, para R.1 ela é a expressão de interesses particulares que, ao contrário de trazer uma ideia de universalidade de direitos, acabam, na verdade, por discriminar. Para exemplificar, o entrevistado salienta que hoje são criados muitos grupos na sociedade com interesses particulares, "grupos de adúlteros, ou sei lá, de pessoas interessadas na homossexualidade, grupos de assassinos ou de ladrões". Se não se pode examinar a agenda política como uma demanda de um conjunto de pessoas com interesses comuns, o problema se resume, na opinião do rabino, ao plano de cada indivíduo. Desse modo, a homossexualidade é vista como uma questão individual que não deve ser tratada como uma questão política, mas sim como um problema particular, conforme salientamos anteriormente.

A proposta de solução para tais problemas individuais é o tratamento que tem como finalidade a "regeneração", uma vez que a homossexualidade é um "mau hábito", que se tornou um "vício". E para essa desordem de ordem individual há o "psicólogo", "a boa vontade", o "treinamento" e a "instrução de uma série de caminhos". A pessoa que tem esse problema, esse mau hábito, o possui por opção, uma vez que, entre o bem e o mal, a escolha recaiu no erro.

R.1 mostra, no entanto, que há também a possibilidade de se entender a homossexualidade como algo mais profundo, como "uma opção subconsciente". O encaminhamento ao psiquiatra, aos terapeutas e aos psicólogos é visto como o caminho correto. Seja lá como se originar esse "vício", consciente ou inconscientemente, não se pode entender, todavia, tal comportamento como normal, mesmo que ele possa ser comum. Assim sendo, não seria justo legislar sobre o desvio, uma vez que quaisquer legislações sociais feitas sobre "desvios individuais" são equivocadas em sua essência, posto que transformam o pessoal em político.

O rabino expõe que o comportamento sexual normal é o heterossexual, porque é através da união entre homem e mulher que o surgimento de uma nova vida é possível. Ou seja, essa união é constituinte e constitutiva da família. Não há problemas sexuais distintos de problemas familiares. Quando isso ocorre, é sinal de que a sexualidade se tornou uma mercadoria e deixou de fazer parte da família.

Analisando as conexões de sentidos nos mandamentos de procriação e de matrimônio no judaísmo antigo, Weber (1994:401) argumenta que ambos resultavam da forma de se conceber as relações sexuais (legítimas e normais) e estavam diretamente relacionados à importância que se atribuía aos descendentes nos grupos judeus. Já no judaísmo talmúdico, na visão do autor, a valorização do matrimônio decorreria também da ideia de "ser absolutamente insuperável o instinto sexual do homem comum" e da necessidade de se "abrir um caminho legitimamente regulamentado" para o exercício da sexualidade. De qualquer maneira, a preocupação com a descendência persistiria.

No judaísmo, a família é o âmbito por excelência da transmissão de tradições e de legados. No trabalho de Sorj (1997) e na tese de Gruman (2006) sobre casamentos mistos, vemos como esses são considerados uma ameaça à continuidade da comunidade judaica religiosa. Na etnografia realizada por Gruman, em uma palestra de um rabino ortodoxo a jovens o casamento misto foi estimado como um golpe mais sério à continuidade dos judeus do que o holocausto. Segundo o estudo de Sorj, a boa receptividade da conversão de não judeus ao judaísmo no caso de casamentos mistos se dá nas situações em que há a centralidade da família no projeto do(a) convertido(a) e do casal.

Tentando se afastar do discurso mais tradicionalista, o rabino "liberal conservador", R.2, explica que

a homossexualidade, assim como o adultério, é vista de forma negativa no judaísmo. Se você ler [os livros sagrados] verá que está prevista a pena de morte para aqueles que praticam um ou outro. Mas nunca na história do judaísmo se matou alguém por ser homossexual. Em teoria deveria ser assim, mas na prática, novamente, deveria alguém ter assistido essa união sexual, homossexual, e muitas coisas deveriam acontecer para que esse testemunho seja válido e então, comprovar essa união. Tem alguns rabinos [nos EUA] que fazem casamentos homossexuais e outros que não. Tem alguns seminários rabínicos que aceitam como estudantes do sexo masculino ou feminino homossexuais [nos EUA] e tem outros que não aceitam. Tem muitas instituições que têm grupos de homossexuais com alguma visibilidade e têm muitos outros que não têm, mas que nunca expulsariam alguém por ser homossexual. Quer dizer, permitiria sua participação como ser humano e não distintivamente como homossexual. Assim como não se pergunta para alguém se é heterossexual ou não, também não se vai perguntar se é homossexual ou não...

Nessa perspectiva, embora perceba a homossexualidade como uma orientação sexual, uma escolha individual, que enquanto tal merece respeito, salienta que esse "não é o caminho natural da vida". Nas suas palavras:

O caminho natural era o que expressava esse preceito religioso de um homem e uma mulher unirem-se para criar nova vida. Eu não sou ortodoxo nessa interpretação, por isso falava que não tem que ser cada relação sexual para reproduzir, mas somos chamados a nos unirmos — homens e mulheres — e a reproduzirmos, e a criar nova vida. [...] Eu posso ser tolerante para aceitar e respeitar a escolha do indivíduo que está escolhendo o seu parceiro sexual, mas isso não quer dizer que eu ache que seja o mais certo. Ou seja, eu não acho é que toda orientação sexual tenha a mesma legitimidade, a mesma ... não encontro a palavra mais apropriada.

E se falar dos comportamentos e dos desejos dos homens que fazem sexo com outros homens é um desafio para o rabinato, mais difícil ainda é o debate sobre as outras expressões da sexualidade humana. Para esse rabino,

tecnicamente não existe a homossexualidade feminina. É porque na definição de sexualidade tem que existir penetração, então, tecnicamente a homossexualidade feminina não existe.

Essa declaração expressa bem a invisibilidade das lésbicas no interior da maioria dos grupos judeus, como já identificara Plaskow (2002:131). Segundo essa autora,

embora o lesbianismo não seja explicitamente mencionado na Bíblia, os rabinos encontram uma referência no Levitico 18:3, 'não procedereis conforme os costumes do Egito... ou de Canaã'. Eles interpretam tais costumes como o casamento entre homens e o casamento entre mulheres. As duas versões do Talmude — palestino e babilônico — contêm breves discussões sobre mulheres que têm contatos sexuais com outras mulheres, e se elas cometeram ou não atos sexuais ilícitos, estando, por essa razão, proibidas de casarem com sacerdote. O consenso entre os rabinos de que são atos 'meramente licenciosos' e não relações sexuais de fato, e, portanto não são depreciativos, revela outra arma no arsenal da heterossexualidade compulsória: definindo o sexo entre mulheres como impossível acaba-se por torná-lo invisível (Tradução livre).

De forma similar, no discurso do rabino "liberal conservador", a redução da sexualidade a uma das múltiplas formas de fazer sexo, via penetração, o que requer a presença masculina, serve não só para reafirmar o controle sobre os corpos femininos, mantendo o lesbianidade fora do debate, como também para atualizar as normas sobre as uniões afetivas e o casamento, como vemos a seguir:

As perguntas mais difíceis e as que são mais frequentes hoje seriam a de se fazer uma cerimônia de casamento homossexual ou não [...] porque [...] nesse sentido ainda não tem um consenso. Mas é uma questão que se está discutindo nesses anos [...] rabinos nos Estados Unidos, em Israel, na América Latina... e se está produzindo muito material de consulta e de reflexão. Porque para dar uma resposta judaica se tem que... pesquisar em todos os textos, na Tora, no Talmude e em tantos outros textos e a partir desse conhecimento dar uma resposta atual.

O rabino "liberal conservador", R.2, diferentemente da interpretação ortodoxa, percebe que o fluxo do tempo histórico é e deve ser acompanhado pela comunidade religiosa. É assim que entende os próprios textos religiosos: eles são interpretáveis a partir de cada momento histórico. Para R.2, o judaísmo é uma tradição interpretativa historicamente contextualizada. A dimensão temporal das acepções é ela mesma parte da tradição. Assim afirma ele: "as interpretações que fazem os movimentos liberais é parte da mesma corrente que tem milhares de anos". Desse modo, o que esse rabino entende como uma virtude milenar da religião — a interpretação dos textos sagrados à luz das mudanças históricas —, o rabino ortodoxo vai entender como um erro.

De maneira análoga à do discurso ortodoxo, entretanto, o sexo é entendido por R.2 como uma instância sagrada. Ele busca no Gênesis o primeiro preceito de Deus: crescei e multiplicai-vos. A perspectiva liberal redimensiona as relações sexuais de casais heterossexuais no mundo moderno, incluindo o planejamento familiar e não restringindo o sexo apenas à procriação. A ideia básica é a da responsabilidade nas relações sexuais. A sacralidade da sexualidade é conferida, assim, pela família, segundo sua leitura da lei talmúdica. Essa sacralidade é definida também pelo que há de natural na heterossexualidade. Tal natureza, própria da condição humana, foi criada por Deus. Nesse sentido, a forte associação do sexo com a procriação no judaísmo constitui um elemento importante para se entender a rejeição da homossexualidade por parte dos rabinos entrevistados.

É importante notar que a homossexualidade também é percebida como uma opção individual, que mesmo que não seja legitimada, não chega ser qualificada como "demoníaca". A individualidade de tal opção é concebida como algo da ordem privada. O rabino explicita que o que ocorre "dentro do seu quarto, de sua casa" diz respeito ao indivíduo: "Fora não tem diferença. Ele não é menos humano do que qualquer outro". Assim como ocorre com o adultério, a homossexualidade só terá uma condenação religiosa se for testemunhada; caso contrário, a condenação é social, da própria comunidade.

Para R.2, o drama vivido pelo malabarismo cotidiano de se aceitar as opções individuais e ainda assim ter que se adequar às mudanças da sociedade e manter sua comunidade religiosa só encontra respostas nos textos sagrados.

Se a homossexualidade é uma questão individual, como chegar ao homossexual e ser capaz de abrir as portas para que ele possa se regenerar, ou conseguir acolhê-lo na comunidade, como qualquer um? Ou como trazer, para os jovens, as questões da sexualidade? O "boca a boca", nas palavras de R.1, ou a "fofoca", nas de R.2, é o veículo para descobrir quem é homossexual e o meio de poder fazer chegar a essa pessoa uma solução. Rejeitando a interpretação da fofoca como uma função agregadora, Elias e Scotson (2000) sugerem que a fofoca não tem tal dimensão funcional, uma vez que ela é o tratamento que o próprio grupo dá a si mesmo, a forma da comunidade falar de si mesma. A coesão do grupo não é, assim, resultado da fofoca. Ao contrário, é a pressuposição da coesão do grupo e da comunidade que permite que a fofoca possa circular.

No caso dos discursos dos dois rabinos, a fofoca emerge como uma forma de representação da comunidade como um grupo coeso e forte, com fronteiras protetoras contra as ameaças do mundo contemporâneo, mais porosas no caso de R.2 e mais fechadas para R.1. O debate político e a possível definição de uma legislação sobre direitos sexuais (o dos homossexuais em particular), e mais, a presença de indivíduos das coletividades LGBT em suas comunidades religiosas, criam a necessidade de respostas para os dois rabinos, que apesar de suas diferentes percepções da realidade reconhecem esses segmentos sociais carregados de ambiguidades. Se a ortodoxia de R.1 elabora respostas definitivas, para R.2 as respostas apresentam o que chama de contradições presentes hoje na sociedade moderna, tanto dentro da comunidade religiosa como na sociedade mais ampla. Assim como ocorre com outros líderes mais liberais e mais abertos aos debates, essas contradições se apresentam como dramas em que o indivíduo tem que escolher, optar e definir-se continuamente em cada situação.

4. Considerações finais

Embora esse estudo seja circunscrito à capital do Estado do Rio de Janeiro e se baseie nas percepções e atitudes de apenas dois rabinos, oferece a oportunidade de ampliar as discussões socioantropológicas sobre a complexa relação das religiões com a sexualidade para além dos limites do cristianismo e das tradições afro-brasileiras.

Ainda que todas as religiões projetem imagens ideais de condutas, esses ideais variam de uma fé para outra não só em termos das qualidades que se exigem dos homens e das mulheres, mas também em função dos objetivos que lhes são atribuídos (Bendix 1986). No caso das lideranças aqui examinadas, observa-se que a valorização da "lei sagrada" faz com que as práticas sexuais sejam avaliadas a partir da oposição entre formas lícitas e ilícitas de viver a sexualidade e com que a homossexualidade seja lançada no pantanoso terreno do que é ilícito. Dito de outra maneira: as opiniões dos rabinos corroboram a tese da heterossexualidade compulsória na tradição judaica e demonstram que são muitos os desafios a serem enfrentados pelos que lutam a favor da diversidade sexual na contemporaneidade.

Uma peça-chave para a compreensão do exposto acima é a percepção da assimetria de gênero, principalmente quando associada à ideia de poluição corporal e social. Assim como abordamos essa associação em relação lesbianidade, podemos conjecturar que a homossexualidade masculina é vista como um deslocamento do homem do polo masculino das representações de gênero, hierarquicamente superior, para o feminino. Nesse deslocamento, o homem tornaria-se impuro, uma ameaça à ordem socialmente estabelecida em relação à sexualidade, que tem como seu fim a procriação, visto que ele não cumpriria o seu papel reprodutivo, ameaçando a própria continuidade da comunidade. Isso ganha especial dimensão quando consideramos que se trata de uma comunidade étnica com forte apelo endogâmico.

Notas

Recebido em março de 2009

Aprovado em janeiro de 2010

Maria das Dores Campos Machado (mddcm@uol.com.br)

Doutora em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro. Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordena o Núcleo de Pesquisa Religião, Ações Sociais e Política da Escola de Serviço Social. É autora dos livros Política e Religião, Rio de Janeiro, FGV (2006); Carismáticos e Pentecostais: Adesão religiosa e seus efeitos na esfera familiar, Campinas, Ed. Autores Associados/ANPOCS (1996) e de vários artigos em periódicos científicos nacionais e internacionais.

Myriam Lins de Barros (myriamlinsdebarros@gmail.com)

Doutora em Antropologia Social pelo Museu Nacional/UFRJ. Professora Titular da Escola de Serviço Social/UFRJ. Autora do livro "Autoridade e Afeto. Avós, filhos e netos na família brasileira" editado pela Zahar, das coletâneas "Velhice ou Terceira Idade: estudos antropológicos sobre identidade, memória e política" e "Família e gerações", ambos publicados pela FGV Editora. Tem realizado pesquisas, publicado artigos e orientado nas áreas da família, velhice, juventude, geração, relações de gênero e antropologia urbana. É co-editora da Revista Praia Vermelha/PPGSS/UFRJ e co-coordenadora das séries "Família, Geração e Cultura" e "Análises Sociais Contemporâneas" da FGV Editora.

Fernanda Delvalhas Piccolo (fernandapiccolodoc@uol.com.br / fernanda.piccolo@ifrj.edu.br)

Doutora em Antropologia Social pelo Museu Nacional/UFRJ. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ).

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  • 1
    Esse estudo foi realizado pela Escola de Serviço Social da UFRJ, com o apoio técnico e financeiro do Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS (MS/SVS/PN-DST/AIDS), por meio do Projeto de Cooperação Técnica Internacional (AD/BRA/03/H34) firmado entre o governo brasileiro e o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime – UNODC. O protocolo dessa pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Enfermagem Anna Nery da UFRJ e o consentimento livre e esclarecido foi obtido de todos os participantes. As autoras agradecem também ao CNPq e à Faperj pelas bolsas de iniciação científica e de produtividade concedidas aos alunos e aos pesquisadores da equipe de investigação.
  • 2
    Considerando as recomendações da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis sobre a necessidade de se dar visibilidade ao segmento das lésbicas e suas demandas no ativismo brasileiro, e as tendências internacionais, que projetam a atuação das lésbicas na superação da ideologia patriarcal e de dominação masculina, é que se utiliza a sigla LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros).
  • 3
    Ver Casanova 1994; Gauchet 2004; Giddens 1995; Berger 2008; Hervieu-Leger 2005; Habermas 2007, entre outros.
  • 4
    Andréa de Moraes Alves, Fernanda Delvalhas Piccolo, Luciana Zucco, José Pedro Simões, Maria das Dores Campos Machado, Myriam Lins de Barros e Murilo Peixoto Mota.
  • 5
    De acordo com Gruman (2005:134), "a maior ou menor notoriedade e legitimidade de cada rabino vai depender do poder simbólico exercido pela corrente da qual participa. Quanto mais influente ela é na determinação do que é a religião judaica e, mais ainda, do que é a identidade judaica, na medida em que, para os religiosos, e mesmo para muitos desses jovens, o judaísmo está bem próximo de uma definição religiosa, maiores as chances de sua sinagoga receber grande quantidade de fiéis nas cerimônias mais cotidianas como o 'shabat', o início do descanso semanal ordenado por Deus".
  • 6
    Estamos interpretando esse grupo como comunidade étnica em função da construção social de sua identidade cultural, que demarca fronteiras com outros grupos sociais.
  • 7
    A corrente do judaísmo liberal/reformista surgiu no século XIX, na Alemanha. Na visão de Bila Sorj (1997:77): "procurando responder à crescente autonomia dos indivíduos face à autoridade religiosa tradicional esta corrente modificou muitas doutrinas e práticas tradicionais do judaísmo como as leis dietéticas, a observância do shabat, a ideia de uma origem divina da Bíblia, a crença de que os judeus são 'o povo escolhido'. Consequentemente, permitiu aos judeus o desenvolvimento de uma identidade comunitária com baixos custos à liberdade individual. De fato, a participação numa congregação deste tipo pouco afeta as rotinas da vida cotidiana como, por exemplo, as escolhas relativas às atividades profissionais, ao lazer ou lugar de moradia".
  • 8
    De acordo com a sociologia da religião de Weber (1965), o
    status de povo pária fez com que se desenvolvesse, entre os judeus, uma "ética farisaica dual", baseada em tabus e de caráter particular. Ver, ainda, entre outros, Freitas (2007).
  • 9
    Segundo Sorj (1997:68), "se para um olhar exterior, os judeus são definidos basicamente como membros de um grupo religioso, internamente prevalecem inúmeras modalidades de autopercepção e coesão grupal. Há mais de cem anos, as identidades dos judeus europeus (continente onde se localiza a maioria deles) fundavam-se em ideologias concorrentes entre si, visões de mundo e práticas culturais que os dividiam entre religiosos tradicionalistas, liberais e assimilacionistas, além das divisões de natureza geográfica, derivada dos países em que viviam ou provinham, ou de comportamento (alemães, poloneses, lituanos, sefaraditas etc.). No início deste século, outras identidades emergem: judeus religiosos
    versus seculares [...]
    versus sionistas. Com o estabelecimento do Estado de Israel, em 1948, emerge uma nova distinção entre judeus israelenses e judeus de diáspora. Cada uma destas divisões apresenta, evidentemente, outras clivagens e nuanças".
  • 10
    De acordo com Plaskow (2002), entre os grupos judeus, o debate sobre a homossexualidade ocorre basicamente a partir de dois versos do Levítico e dos comentários rabínicos.
  • 11
    Seguindo o protocolo de pesquisa da Resolução CNS 196/96, os sujeitos participantes de pesquisas devem ter sua identidade resguardada. Por esse motivo, como será visto adiante, será mantido o anonimato dos rabinos entrevistados, que serão identificados por uma sigla.
  • 12
    Ver também Risman (1994).
  • 13
    Restrições com relação à mulher durante o período menstrual também se fizeram presentes nos discursos de lideranças do candomblé e de um ramo pentecostal. Um pai de santo afirmou que, do ponto de vista espiritual, "quando a mulher para de menstruar ela pode fazer determinadas coisas que ela não podia quando ela menstruava, entendeu? Ela tem um poder, de fazer mais coisas além do que ela já fazia." Já o pastor pentecostal argumenta que até poucos anos atrás as mulheres menstruadas não podiam subir no púlpito de sua igreja.
  • 14
    De acordo com Bernardo Sorj (1997:24), a sociedade brasileira apresenta "baixos níveis de discursos e práticas antissemitas", mas mesmo assim "as lideranças comunitárias encontram-se numa situação defensiva, apoiando-se em discursos defasados e materiais discursivos importados de Israel e, em menor medida dos Estados Unidos. Este discurso centrado no tema do antissemitismo e da memória das perseguições sofridas pelo povo judeu leva muito pouco em consideração a experiência real dos jovens judeus brasileiros".
  • 15
    "Um judeu, que saia na rua vestido como tal, é agredido verbalmente, fisicamente e, às vezes, pior do que isso, ou então um judeu que vive num prédio e tem vizinhos que não o suportam só pelo fato dele ser judeu. A gente sofre isso todo dia, não há nenhuma novidade. Como é que a gente encara esse pessoal? Como coitados, eles não sabem nem o que é ser judeu. Eles têm uma imagem, um pré-julgamento já feito disso e agridem a gente. Eu, pessoalmente, passo pela rua e ouço, dependendo da época do ano, ou eu sou chamado de Papai Noel ou eu sou chamado de Osama. Tinha uma época que era Enéas [ex-deputado federal pelo Partido da Reedificação da Ordem Nacional - PRONA], ninguém me chamou de Lula até hoje não sei por quê... Então o que acontece? A gente sofre isso todo dia praticamente e a gente olha para os outros infelizmente e diz: 'Coitados, eles não tem o mínimo conhecimento do que vem a ser judeu'. E eu estou usando meu caso como exemplo de discriminação".
  • 16
    Segundo Bendix (1986:171), na sociologia de Weber "o judaísmo e o cristianismo são tipificados por um ascetismo religioso ativo, pela ideia de uma ação ética positiva sob orientação divina. O homem é simplesmente um instrumento nas mãos de Deus e deve portanto estar constantemente consciente de que suas ações estão entre os meios pelos quais Deus realiza seus desígnios. A partir desse ponto de vista, o mundo é uma fonte de tentações; todas as satisfações sensuais levam ao afastamento de Deus."
  • 17
    De acordo com as palavras de Weber (1994:409): "a tradição e sua casuística imperam em toda área do relevante diante de Deus, e não a ação racional, metódica, orientada independentemente por um fim [...]".
  • 18
    Ver, entre outros, Natividade e Oliveira (2007).
  • 19
    A ênfase na cleptomania pode ser uma consequência da prisão, nos Estados Unidos, da mais importante liderança judaica com atuação no Brasil, por causa de um roubo de gravatas. Como foi amplamente divulgado na imprensa nacional e internacional, o rabino Henry Sobel tentou se livrar das acusações com a desculpa de que era cleptomaníaco e estava em tratamento psiquiátrico.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Jul 2010

    Histórico

    • Recebido
      Mar 2009
    • Aceito
      Jan 2010
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