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Círio de Nazaré: agenciamentos, conflitos e negociação da identidade amazônica

Resumos

O trabalho descreve registros etnográficos da Festa do Círio de Nazaré, em Belém, Pará, indicando que a promoção dessa manifestação é agenciada desde bases identitárias diversificadas, gerando circuitos e fluxos que convergem para um ritual complexo e difuso. Essa promoção tem tensionado os papéis dos atores sociais e religiosos locais, que buscam se apropriar desse bem religioso e devocional, promovendo manifestações que complementam a dinâmica da festa. Tais apropriações evidenciam agenciamentos e conflitos que extrapolam a esfera religiosa propriamente dita, mas gravitam em torno da centralidade ritual da Festa do Círio. Forma-se, assim, um campo de negociações em torno das apropriações do evento, firmando um imperativo social de desempenho que orienta os projetos dos atores, como agenciamentos da religiosidade.

Círio de Nazaré; agenciamentos identitários; bem religioso e devocional; projetos sobrepostos


This paper describes the ethnographic records of the Círio de Nazaré Feast, in Belém, Pará, indicating that the promotion of this event has since brokered diversified bases of identity, generating circuits and flows that converge to a complex and diffuse ritual. This promotion has tensioned the roles of social and religious local actors who seek to take of this religious and devotional good and promoting events that complement the dynamic of the Feast. Such appropriations show assemblages and conflicts that go beyond the religious sphere itself, but revolve around the central ritual of the Feast of Círio. Form is thus a field of negotiations on the appropriations of the event, establishing a social imperative performance that guides the projects of the actors, such as assemblages of religiosity.

Círio de Nazaré; identity assemblages; religious and devotional good; overlapped projects


Círio de Nazaré: agenciamentos, conflitos e negociação da identidade amazônica1 1 Agradecimentos ao CNPq, pelo auxílio financeiro (Edital MCT/CNPq 14/2009 – Universal) que subsidiou a pesquisa cujos dados são em parte considerados aqui.

José Rogério Lopes

RESUMO

O trabalho descreve registros etnográficos da Festa do Círio de Nazaré, em Belém, Pará, indicando que a promoção dessa manifestação é agenciada desde bases identitárias diversificadas, gerando circuitos e fluxos que convergem para um ritual complexo e difuso. Essa promoção tem tensionado os papéis dos atores sociais e religiosos locais, que buscam se apropriar desse bem religioso e devocional, promovendo manifestações que complementam a dinâmica da festa. Tais apropriações evidenciam agenciamentos e conflitos que extrapolam a esfera religiosa propriamente dita, mas gravitam em torno da centralidade ritual da Festa do Círio. Forma-se, assim, um campo de negociações em torno das apropriações do evento, firmando um imperativo social de desempenho que orienta os projetos dos atores, como agenciamentos da religiosidade.

Palavras-chave: Círio de Nazaré, agenciamentos identitários, bem religioso e devocional, projetos sobrepostos.

ABSTRACT

This paper describes the ethnographic records of the Círio de Nazaré Feast, in Belém, Pará, indicating that the promotion of this event has since brokered diversified bases of identity, generating circuits and flows that converge to a complex and diffuse ritual. This promotion has tensioned the roles of social and religious local actors who seek to take of this religious and devotional good and promoting events that complement the dynamic of the Feast. Such appropriations show assemblages and conflicts that go beyond the religious sphere itself, but revolve around the central ritual of the Feast of Círio. Form is thus a field of negotiations on the appropriations of the event, establishing a social imperative performance that guides the projects of the actors, such as assemblages of religiosity.

Keywords: Círio de Nazaré, identity assemblages, religious and devotional good, overlapped projects.

O corpo não é uma máquina como nos

diz a ciência. Nem uma culpa como nos

fez crer a religião. O corpo é uma festa.

Eduardo Galeano2 2 Disponível em: pensador.uol.com.br/autor/Eduardo_Galeano.

Etnografia impressionista e impressões etnográficas

O Círio de Nazaré é imensidão, intensidade, emoção, corporeidade, aparente confusão, conflitos de identidade, festa devocional, celebração de alteridade. Esses registros, sentidos desde o primeiro contato com a festa, em 2010, configuram um campo de pesquisa no qual um conjunto de manifestações religiosas e profanas se revela como potencial de investigação e análise3 3 "É como se dentro de uma festa religiosa existisse uma profana e vice-versa" (Del Priore 2000:19). . Porém, desde que Isidoro Alves publicou O carnaval devoto, em 1980, descrevendo o conjunto ou a sequência de rituais que compõem esse evento como um ritual complexo, etnografar a Festa do Círio de Nazaré é um desafio para qualquer antropólogo.

A riqueza de suas elaborações – muitas delas atuais, mesmo passados trinta anos – é um subsídio importante para outros antropólogos e pesquisadores que incursionaram pela festa (Alves 2002; Figueiredo 2005; Sare 2005; Pantoja 2006; Amaral 1998; Matos 2010). Essas elaborações e suas releituras tão minuciosas permitem que o antropólogo que revisita esse campo se desonere da necessidade de descrever os mesmos aspectos já bem situados em tais obras e possa assim buscar novos olhares e estranhamentos. Foi desse modo que, subsidiado por tais leituras, mergulhei nos eventos desse ritual complexo, buscando assumir uma coetaneidade4 4 O sentido de coetaneidade que se estabelece entre pesquisadores e sujeitos da pesquisa, na experiência etnográfica, foi definido por Fabian (2006:59) como compartilhamento do espaço e do tempo das manifestações produzidas e vividas pelos sujeitos pesquisados, possibilitando ao pesquisador uma objetivação da experiência comum vivenciada. com seus atores na experiência de sentimentos de participação religiosa ou profana, nos diversos circuitos e fluxos que a produzem, para descrever as impressões que se corporificam no pesquisador e, posteriormente, analisar suas dinâmicas. Dessa perspectiva, descrevo minhas impressões na forma de "empreendimentos textuais significantes", situados histórica e culturalmente na rede de relações vividas nesse evento (Clifford 2003).

Nesse sentido, os termos iniciais que qualificam o Círio anunciam uma experiência descritiva que denomino de etnografia impressionista, elaborada sobre registros de observações realizadas na Festa do Círio5 5 Para a análise aqui elaborada, utilizo registros etnográficos realizados nas Festas do Círio de 2009 e de 2010. Na primeira, eu mesmo acompanhei o evento. Na segunda, o acompanhamento foi realizado pelo então doutorando em Ciências Sociais da PUC-SP, André Luiz da Silva, pesquisador participante do projeto que coordeno. , a partir de 2009, para um projeto que se estenderá até 2012. Chama-se impressionista porque salienta percepções depuradas de registros etnográficos elaborados sob a marca da intensidade de estímulos, à maneira de Simell (1973), que uma celebração religiosa popular desse vulto imprime sobre o antropólogo6 6 Porém, uma etnografia impressionista não prescinde, como se procura mostrar aqui, de uma análise situacional (Van Velsen 1987) que a complemente, o que, por sua vez, implica que o etnógrafo mantenha a consciência de sua "situação biograficamente determinada" (Schutz 1974:40). Desde esse ponto de vista, essa etnografia impressionista adota a abordagem fenomenológica como possibilidade de apreender as tipicidades em construção no movimento dos atores que produzem agenciamentos em festas religiosas, no quadro de um projeto em realização pelo autor, que inclui outros eventos correspondentes no Brasil. .

Nos períodos festivos passados em Belém7 7 Os eventos centrais do Círio e da Festa de Nossa Senhora de Nazaré ocorriam nos últimos sábado e domingo de outubro, desde 1886. Porém, "em 1901, o bispo [de Belém] fixou o segundo domingo como data oficial do Círio" (Amaral 1998). , incluídos os dias anteriores e posteriores à festa, observei uma profusão de atividades e manifestações que se exibiam a minha percepção, invadindo-a e questionando meus sentidos físicos, a ponto de levar minha capacidade de discriminação aos limites da cognição.

Já na primeira incursão etnográfica, fui conhecer os caminhos da procissão do Círio e observar os preparativos para a festa, em uma espécie de cortejo individual. É muito simples descobrir os roteiros das procissões, uma vez que eles se mantêm há vários anos, mas também, porque as ruas por onde passam estão demarcadas com cartazes da festa, dispostos como bandeiras nos postes. Desde o Colégio Gentil Bitencourt à Estação das Docas, passando pela Basílica e estendendo-se à Catedral da Sé (e muito além, fora desse circuito8 8 Denomino como circuito um trajeto específico demarcado pela movimentação de atores significativos na produção de um evento festivo. Esse circuito, que demarca os rituais processionais que ocorrem na festa, está relacionado aos eventos originais que compõem o imaginário do achado da imagem da santa e seus desdobramentos históricos, ou mitológicos. A esse respeito, ver Alves (1980), Amaral (1998), Maués (2009) e Matos (2010). ), enquanto trabalhadores da Prefeitura de Belém acabam de montar arquibancadas e outros suportes logísticos, funcionários do comércio, de bancos, de empresas, de instituições públicas, de escolas e demais agências governamentais, assim como moradores de casas e edifícios fazem os últimos preparativos nos motivos das decorações que homenageiam Nossa Senhora de Nazaré. Seja nos enormes banners com a imagem da santa, ou nos pequenos altares ou réplicas da berlinda que carrega a imagem, seja nos edifícios com pequenas faixas plotadas ou pintadas manualmente, ou no comércio e nas residências, quase todas enfeitadas com bexigas coloridas, trançadas como cordas, toda a cidade se veste de devoção e projeta uma ambiência do que será a intensidade afetiva orientada às procissões do Círio, pelos devotos da cidade e pelos romeiros que para lá se dirigem às centenas de milhares.

Trata-se de uma exteriorização de motivos devocionais que concorrem pela apropriação relacional9 9 A ideia de que na festa ocorrem apropriações relacionais com as representações da Virgem de Nazaré já está presente no livro de Alves (1980), mas são descritas pelo autor como apropriações tensas e circulares da produção da festa, operadas ora pelos segmentos populares e devotos, ora pelo controle eclesiástico, ou ainda, pelos segmentos da elite política ou econômica local. Aqui, busco ampliar o sentido dessas apropriações, ao afirmar que ela produz uma ambiência urbana. das representações da Senhora de Nazaré, nos cortejos processionais. Logicamente, um tipo de apropriação mais comum é aquele operado pelo caráter devocional, que carrega de afetividade a homenagem, apropriando-se das representações por contiguidade com a imagem de Nazaré nos cortejos. Também é possível discriminar outro tipo de apropriação – menos comum, mas bastante sensível – operado pela associação entre representações devocionais e identitárias, ou sociopolíticas, geralmente expressas nas legendas dos banners ou das faixas expostas. Temas comuns do Círio, como fé, paz, harmonia, celebração e comunitarismo, são associados a outros, como ética, cura, mãe amazônica, mestiçagem, trabalho e prosperidade. Por fim, outro tipo de apropriação, menos visível, é operado subliminarmente, através da divulgação discreta da classificação obtida pelas melhores decorações, por categorias, no concurso promovido anualmente pela coordenação da festa. E mesmo considerando que esses tipos de apropriação não se excluem, na ambientação que produz e veste a cidade, nessa manifestação, o último tipo acrescenta ao seu caráter relacional uma estratégia institucional comum no turismo religioso contemporâneo.

Dessa maneira, ocorre um agenciamento10 10 Utilizo a noção de agenciamento como esboçada por Yúdice (2006). Trata-se de identificar atores que agenciam recursos identitários recuperados de uma "reserva disponível" nas trajetórias comuns de suas formações culturais, em diálogo com modelos culturais (no caso, religiosos) predominantes na sociedade globalizada. Esse predomínio se expressa na configuração de um campo de forças performáticas a condicionar a ação dos atores que por vezes imprimem uma dinâmica de operar agenciamentos nos intervalos daqueles modelos. Essa noção não se exime de discutir até que ponto a agência é definida na ação e relação dos "humanos-entre-eles" e até que ponto ela incorpora ações de não humanos, híbridos que se expressam como coletividades sócio-técnicas que produzem efeitos no curso da ação (Oliveira 2005:56). – o primeiro a constatar nessa descrição – em torno da infraestrutura e da logística de produção da ambiência urbana, que gera efeitos visuais complementares à centralidade da manifestação religiosa e agrega dimensões estéticas que avolumam os motivos devocionais da própria imagética de Nossa Senhora de Nazaré. Tais efeitos dispersam uma imagética urbana que reproduz uma diversidade de representações iconográficas da estátua original, de 35 centímetros, em uma hipérbole devocional. O efeito dessa hipérbole é catártico nas procissões. Entre rezas ou canções – amplificadas por um sistema sonoro potente – shows de luzes e fogos de artifício, a pequena imagem que passa dentro de uma berlinda, no centro das procissões, de repente parece se agigantar ao ser projetada em um banner de 20 metros que se estende na frente de um edifício.

Entre impressões e excitações, no intervalo desse cortejo para o do Círio fluvial, no sábado de manhã, coletei alguns depoimentos de pessoas da cidade que trabalham nos serviços de atendimento ao turista. Na ocasião, buscava informações que permitissem tipificar comportamentos de pessoas do lugar, turistas e romeiros, no contexto da festa. Explico: segundo relatos de algumas jovens do setor de informações turísticas, antes era possível reconhecer os romeiros por alguns aspectos tradicionais, como o chapéu de palha (com ou sem fitas penduradas), a camiseta da festa e o círio11 11 O círio é uma alegoria de madeira que copia o formato de uma vela grande, de cerca de um metro e meio. que carregavam durante os cortejos; hoje, principalmente turistas se apropriam dessa vestimenta para participar dos cortejos, misturando-se aos devotos de fato. A disponibilidade de outros tipos de camisetas, chapéus e bonés, vendidos com grande diversidade de motivos impressos, atraem muitos devotos e romeiros que, por sua vez, se parecem cada vez mais com turistas12 12 Entende-se aqui também uma aproximação entre o caráter mercantil impresso nessas manifestações – explorado na dinâmica econômica local – e as apropriações materiais e imateriais que sujeitos locais e turistas operam nesse mercado, como elaborado por Farias (2001) e também estudado na Festa do Círio de Nazaré por Pantoja (2006). . Dessa forma, é necessário aguçar o olhar para se distinguir os tipos de participantes.

Acompanhando a chegada da imagem da Senhora de Nazaré ao final do Círio Fluvial, que sai de Icoaraci (comunidade que pertence ao município de Belém) e segue até a Estação das Docas, no sábado de manhã, passei pela Feira de Artesãos de Miriti, organizada pelo Sebrae, com seus trabalhos "ingênuos"13 13 Mais apropriado, talvez, seria considerar essas produções materiais na razão com que Prokop (1986) define a arte espontânea, para expressar distinções da mesma em relação às produções da cultura de massa. e bonitos, com motivos que vão das brincadeiras infantis aos tradicionais barquinhos esculpidos nos juncos, além de ícones da Festa do Círio de Nazaré. Localizada nas "margens dos acontecimentos", bem próxima da Estação das Docas, a feira integra as atividades da festa, como se anuncia recorrentemente no serviço de som, "expondo a arte amazônica daqueles que também são devotos de Nazaré"14 14 Esse agenciamento é importante, na medida em que os próprios motivos do artesanato paraense se compõem em apropriações circulares com os ícones do Círio, presentes nas procissões e oferendas entregues à Virgem de Nazaré nesse ciclo festivo. Tais motivos profanos se patrimonializam na interlocução com o sagrado e geram uma identidade amazônica que sintetiza elementos naturais – caracterizados pelo uso de "caranã, a polpa dos galhos de uma palmeira, conhecida por miriti ou buriti" (Amaral 1998) – e sociorreligiosos. .

Durante esse cortejo, a Avenida Marechal Hermes, paralela ao Rio Guajará, é tomada pelos motociclistas que acompanham o evento até o Colégio Gentil, na Avenida Magalhães Barata, no centro da cidade. Helicópteros sobrevoam o local e enquanto, sirenes anunciam a proximidade dos barcos que trazem a imagem, romeiros inquietos tostam sob um sol escaldante. Por toda parte, há uma multidão ansiosa, mirando o portão de onde sai o carro que conduz a imagem. Entre anúncios falsos e verdadeiros da sua chegada, as pessoas se acotovelam à procura de um espaço mais próximo ao caminho do veículo. Milhares de motocicletas fazem um barulho ensurdecedor, como forma de recepcionar a santa, ao mesmo tempo em que os motores se aquecem para o começo do cortejo. Esses diversos grupos de motociclistas, espalhados pela avenida em frente às Docas, vestem-se com camisetas estampadas com motivos da festa, de maneira que parecem identificados por uma espécie de uniforme para o evento. Quando finalmente uma pessoa começa a expor a imagem da Nazaré para a multidão, dentro da cerca que a protege, uma emoção se generaliza e as pessoas começam a levantar os braços em saudação. Centenas de celulares com câmera, máquinas digitais e filmadoras são erguidos pelos participantes, cada qual buscando um ângulo para fotografar a imagem da "Mãe Peregrina" em exposição. É curioso notar que nesses momentos, sentia-me exposto como antropólogo, já que somente meu celular fotografava em outra direção, capturando imagens dos que tiravam fotos da Senhora de Nazaré15 15 Explico: a pesquisa que realizo na Festa do Círio, em Belém, refere-se a um projeto que inclui outras duas festividades religiosas nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul. Nelas, investigo os usos que sujeitos populares fazem das tecnologias de registro audiovisuais para se objetivarem nas manifestações religiosas, produzindo reflexividades diversas sobre esses eventos e suas próprias religiosidades (Lopes 2009). .

Por volta do meio dia, a imagem é posicionada em sua berlinda, na carroceria de uma caminhonete cercada pela Guarda da Santa e, escoltada por carros da Polícia Rodoviária Federal, sai das Docas e segue em cortejo pelas avenidas Presidente Vargas e Nazaré, até o Colégio Gentil Bitencourt. Ali, a imagem é exposta até o fim da tarde, quando, após uma missa, é levada na Procissão da Trasladação até a Catedral da Sé, na Cidade Velha. Na saída das Docas, a multidão se aglomera em torno da imagem, tentando tocá-la. A proximidade com a imagem é tão evidente que eu mesmo me arrisco a tocá-la, no meio da multidão.

Aliás, esse caráter de proximidade da imagem com os devotos se mantém em toda a festa, nas procissões, nas missas, nos locais em que ela ficou exposta, evidenciando um sentido de pertencimento aberto ao toque, ao afeto, que é característico da própria história da devoção (Alves 1980; Rocque 1981; Amaral 1998; Maués 2009), e a singulariza como um encontro onde o sagrado e os devotos se objetivam, como afirma Amaral (1998):

Nesse contexto, a presença da santa é fundamental, na medida em que ela se "dispõe" a participar da festa no mesmo nível dos homens. Estes, por sua vez, no momento ritual, apropriam-se de uma dimensão mais profunda, ou seja, a que diz respeito à própria vida [...], Aproximar-se tanto da santa na procissão implica, ainda, a simplificação da relação com o sagrado, que se torna mais direta.

Esse sentido seria bem enfatizado pelo sacerdote que oficiou a missa de encerramento da festa do Círio de 2009, no domingo.

Após a saída da imagem, os motociclistas abrem seu cortejo, seguindo a santa. Milhares de motos seguem o cortejo, várias enfeitadas, fazendo um barulho enorme, que se mistura ao som dos rojões disparados para o alto.

Enquanto as motos se afastam, aos poucos, subindo a Avenida Presidente Vargas, outro cortejo se inicia, em direção oposta, rumo ao Arraial do Círio, ou Arrastão do Pavulagem. O Arraial tem características de bloco carnavalesco, sintetizando gêneros como Roda de Boi, arraial junino, Peixe-Boi e circo, e arrasta outros milhares de pessoas. Seu cortejo é movido por um grupo de artistas locais, vestidos como romeiros tradicionais, alguns usando pernas-de-pau, outros vestidos como pierrots com o rosto pintado de branco e ainda uma banda animada, tocando músicas e embalando cantorias de exaltação à festa, à santa e à cultura local.

Aqui, a tradição do boi bumbá é mesclada com novos personagens, produzindo um arraial em que participam pierrots e outras figuras do carnaval, desfilando por ruas onde as faixas e banners de saudação a Nazaré anunciam um espaço sacralizado16 16 O Arraial do Círio possui um verbete na Wikipédia ( http://pt.wikipedia.org/wiki/Arraial_do_Pavulagem, acessado em 15/10/2009) em que é possível acessar informações acerca do projeto dessa manifestação. Uma busca no Google, utilizando como descritor o próprio nome do grupo, também permite acessar blogs e páginas da web com debates sobre alguns conflitos que essa manifestação gera entre seus organizadores e os organizadores da Festa do Círio, também descritos no estudo de Matos (2010). . O cortejo segue até o Largo do Carmo, na Cidade Velha, próximo à Catedral da Sé. Estabelecido no local, após algumas exaltações e mais músicas, os participantes do cortejo se dispersam pelas ruas e bares da Cidade Velha, retornando às Docas ou ao centro da cidade.

Outro agenciamento em torno da festa principal se explicita nessa manifestação: trata-se do Arraial do Pavulagem, que organiza essa manifestação do Círio e é uma reunião de artistas e agentes culturais de Belém que se dedica a pesquisar e difundir aspectos da cultura popular paraense e amazônica.

Esse agenciamento se expressa na apresentação do Arraial, na Wikipédia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Arraial_do_Pavulagem, acessado em 15/10/2009):

O Arraial do Pavulagem dedica-se à pesquisa, à produção e à valorização da cultura popular de raiz feita na Amazônia, utilizando as linguagens, os ritmos, elementos simbólicos de folguedos, as danças e a religiosidade popular como base de referência para a difusão das tradições culturais, ao mesmo tempo em que dá continuidade ao seu processo criativo, procurando harmonizar o tradicional e o moderno, buscando aprimorar sua linguagem musical e buscando o fortalecimento da identidade cultural paraense, oferecendo ao publico um trabalho criativo e original.

O Arraial realiza inúmeras atividades sócio-culturais direcionadas à comunidade.

Embora o trajeto do Arraial siga uma orientação distinta da procissão de motoqueiros, ele lhe é complementar justamente naquilo que sugere uma oposição da participação popular na festa, como percebida por Amaral (1998): "a participação popular efetiva, na festa, realiza-se [...] no sentido oposto ao da ordem e do controle"17 17 Esse sentido oposto ao da ordem e do controle também orienta outras manifestações que compõem o ciclo do Círio, em Belém, como se pode apreender do depoimento de Miguel Santa Brígida, adiante. . Caminhando no sentido contrário daquela procissão, mas dentro do circuito das procissões principais da festa, o Arraial a complementa e demarca os limites da territorialidade da festa. Dessa forma, trata-se de um elemento complementar ao circuito complexo que vai configurando esse ritual difuso18 18 Inicio, aqui, meu argumento nessa elaboração, de que o Círio e a Festa de Nossa Senhora de Nazaré compõem um ritual difuso, além de complexo, que inclui essas e outras manifestações em seus circuitos festivo-devocionais. Apesar do Programa Oficial do Círio (impresso distribuído pela diretoria da Festa de Nazaré) descrever somente os eventos religiosos que ocorrem na cidade, durante o período, essas e outras manifestações são visivelmente complementares ao grande evento que se forma no ciclo devocional da Festa. .

A própria estratégia dos artistas locais que passaram a denominar Arraial o antigo cortejo de boi bumbá, ampliando o escopo dessa manifestação, imprime um caráter de "formação inclusiva" (Williams 1979; 1992) à manifestação e sugere a busca de um lugar privilegiado na Festa de Nazaré. Como descreve Maués (2009:54):

O lugar privilegiado da festa é o arraial e, por isso, Pierre Sanchis denominou sua obra sobre as romarias portuguesas de Arraial, Festa de um Povo. Por isso também o arraial, tanto nas festas do catolicismo português quanto brasileiro, é o lugar de uma socialização intensa, mas fugaz, dominada pela liberdade relativamente às regras, à ausência de trabalho, à gratuidade. É a comunidade reencontrada e alargada, a nova Jerusalém onde ressoam os cantos e a música.

O intervalo temporal entre a chegada dos cortejos anteriores e o início da procissão da trasladação dura cerca de quatro horas. É um período de circulação crescente das pessoas pelos trajetos das procissões, que os percorrem para descobrir novidades ou conhecer os caminhos, apreciando as decorações neles dispostas, como eu mesmo já fizera, na véspera da festa. Essa circulação confirma a eficácia simbólica da hipérbole devocional produzida pela distribuição espacial dessas exteriorizações imagéticas, que surte outro efeito nas procissões principais da festa. De fato, essa circulação se mantém durante todo o intervalo que antecede o evento, atingindo seu ápice durante a própria procissão.

Assim, no momento em que termina a missa no Colégio Gentil Bitencourt, por volta das cinco e meia da tarde, uma multidão já se aglomera para de lá seguir pelas avenidas Magalhães Barata e Nazaré, acompanhando a saída da imagem e a formação da corda. Nessa procissão, são principalmente jovens aqueles que seguram na corda e embalam o caminhar lento e a coreografia ora "centopeica", ora "serpenteante" (Sare 2005) que configura esse cortejo sacrificial pelas ruas de Belém. São devotos e romeiros que, entre outras demandas juvenis, fazem promessas por pedidos de trabalho, saúde ou aprovação no vestibular, como pude constatar nas orações e ex-votos depositados nas urnas em que, nas igrejas e locais de peregrinação, sua missivas são coletadas.

À frente desse cortejo, milhares de pessoas caminham lentamente, num ir e vir constante. O cenário da procissão fica agora todo iluminado e as decorações ganham um destaque diferente. Por todo o trajeto surgem grupos de oração, corais uniformizados, cantoras e cantores dispostos em palcos improvisados nas marquises dos prédios, nos terraços das casas, ou nas arquibancadas montadas nas avenidas19 19 Na edição da festa de 2010, por exemplo, algumas cantoras profissionais, patrocinadas por empresas e bancos, estavam posicionadas em palcos estrategicamente montados à frente dos prédios de seus patrocinadores, na Avenida Presidente Vargas, para saudar a passagem da santa. O acesso às arquibancadas era permitido mediante a compra de ingressos, cuja arrecadação era revertida em fundos para a festa. . Mal se acaba de ouvir um coral ou cantor e o som de outro começa a ecoar. Em alguns locais, grupos de jovens fazem exaltações sobre a vida religiosa, enquanto outros anunciam o "poder curativo da fé na Virgem de Nazaré". Na Avenida Presidente Vargas, em frente a um edifício público, acontece uma missa. Todos esses eventos simultâneos são amplificados por aparelhagens sonoras e desse modo há uma constante interferência de ruídos na difusão do som oficial da festa, transmitido por meio de caixas acústicas distribuídas ao longo do trajeto. Essas interferências geram uma mistura de estímulos sonoros tão intensos, que se produzem diversas sensações espaciais, todas elas potencializadas pela presença da mídia televisiva, como já indicou Alves (2008).

Enquanto esses agenciamentos dos vários atores locais vão se projetando de forma ainda mais difusa na ambientação da festa (cada qual buscando apropriações distintas, mas todas orientadas à exaltação da santa, da Virgem de Nazaré, da Mãe Peregrina) os jovens romeiros que seguram e carregam a corda passam incrivelmente alheios a isso tudo. Embotados em sua reserva devocional e sacrificial, entregues ao movimento coreográfico condicionado pela total ausência de espaço entre um devoto e outro em toda extensão da corda, poderiam ser definidos como flaneurs religiosos, em uma paráfrase da concepção formulada por Simmel (1973). A visão dessa coreografia é vertiginosa, quanto mais próximo dela se encontra quem está de fora. Tanto que pude acompanhar alguns jovens que, mesmo atuando no apoio aos romeiros, passaram mal, emocional ou fisicamente, como se agissem em uma contiguidade sacrificial.

Esse envolvimento sacrificial é compensado por milhares de garrafas de água mineral que surgem de casas, edifícios, furgões de apoio logístico da festa, ou que são compradas pelos assistentes da procissão junto às centenas de vendedores ambulantes que percorrem todo o trajeto. As garrafas de água mineral são entregues aos romeiros da corda, ou têm seu conteúdo despejado sobre eles, como em um ritual de purificação. Durante as cinco horas e meia em que a procissão regularmente percorre 4,5 quilômetros de trajeto, até a Catedral da Sé, essas águas lavam literalmente os romeiros, as avenidas e também aqueles que se aproximam da corda – como, em várias vezes, eu mesmo.

Entretanto, é inegável que esse cortejo sacrificial assume um papel importantíssimo nas procissões, chamando a atenção da multidão que lhe assiste. Como a corda ocupa um espaço muito extenso da procissão, a tensão crescente que a passagem desses romeiros gera entre os assistentes funciona como um pavio queimando, que detona explosivos devocionais na passagem da imagem de Nossa Senhora de Nazaré. E não se trata aqui de mera figura de linguagem, uma vez que a passagem da imagem realmente é pretexto para que centenas de fogos de artifício sejam disparados e dessa maneira iluminem os diversos pontos estratégicos de concentração dos devotos, como foi possível observar em frente à Estação das Docas e na chegada da imagem à Catedral da Sé.

Outro aspecto importante desse cortejo, que se repete na Procissão do Círio, no domingo pela manhã, diz respeito ao volume de voluntários que atuam nessas manifestações. Já havia observado esse excesso de voluntários, mas só pude dimensioná-lo com a divulgação feita, no ano de 2009, em pleno domingo, por um dos diretores da festa, em entrevista ao Canal de TV por assinatura RBA: um total de 22 mil voluntários, dos quais, em sua maioria, eram jovens20 20 Outros números da festa, publicados no encarte "Roteiros da Fé", do jornal O Diário do Pará, de 10/10/2010: – 25.353 pessoas envolvidas na organização (voluntários, saúde, segurança e apoio); – 2,1 milhões de pessoas é a estimativa feita pelo Dieese e pela diretoria da festa, sobre o número de pessoas que deveria participar da festa. Após, este número foi fixado em 2,2 milhões; – 69 mil turistas são esperados em Belém para a ocasião; – 25 milhões de dólares é o valor estimado a ser deixado pelo turismo; – 700 milhões de reais é o valor a ser movimentado na economia da festa nesse ano; – Crescimento de 30% do mercado informal; – 2 milhões de reais são os gastos para a realização do Círio, em 2010 (o Círio mais caro da História, num valor que é 10% mais caro que o do ano passado); – Círio número 218. .

O domingo da festa: exercícios de antropologia simétrica entre a TV e a realidade... e o almoço do Círio

Para etnografar o domingo da Festa do Círio é preciso pensar estratégias de posicionamento a fim de acompanhar a procissão, pois há um notável aumento do número de romeiros e assistentes. Em 2009, após ser informado por recepcionistas do hotel em que me hospedei que a festa seria transmitida ao vivo, pela rede de TV RBA, optei por acompanhar o início da transmissão pela enorme TV de plasma do hotel e depois seguir para o cenário da festa.

Essa opção também foi motivada pela observação de Amaral (1998), segundo a qual:

Todos [...] notam que a verdadeira força que vem surgindo e 'mexendo' no Círio é a televisão que, para transmitir a festa, ocupa lugares demais, incomoda os participantes e gera um caráter exibicionista, seja no arraial, seja na grande procissão. Todos também reconhecem que a partir da presença da TV no Círio mais pessoas conhecem não apenas a festa, mas a partir dela, o Pará, e principalmente Belém que, até então, não fazia "parte do Brasil".

Entretanto, embora reconheça a importância da mídia para certas apreensões do real, na contemporaneidade, até mesmo ao estabelecer interlocuções virtuais como as que descreverei adiante, é necessário compreender que a mídia estabelece sempre recortes da realidade, definidos segundo a tecnologia utilizada, as concepções de enquadramento e exibição das imagens e o timing que imprime aos fluxos de imagens. Esses procedimentos criam um produto e um tipo de conhecimento que, segundo Betanini (1982), é sempre conhecimento parcial do que acontece à distância. Dessa forma, penso e aproprio esse tipo de produções midiáticas que davam cobertura à Festa do Círio como outro agenciamento importante do evento, relacionado aos recursos de informação e comunicação21 21 Esse agenciamento é tão importante que, em 2010, o TRE local, atendendo a uma solicitação da diretoria da festa, e com a concordância dos candidatos, suspendeu a transmissão da propaganda eleitoral no domingo do Círio. .

Já pelas cinco horas da manhã, inicia-se a transmissão da missa que é sucedida pela cobertura plena da Procissão do Círio, desde as seis horas até o seu final, na chegada à Basílica de Nazaré. A produção da TV explora vários ângulos de cobertura do evento, seja espalhando câmeras fixas e móveis pelo trajeto, seja recebendo convidados no estúdio da emissora para comentar aspectos e acontecimentos da festa. A opção por assistir à transmissão televisiva possibilita acessar outras muitas facetas da festa, expostas pelos comentadores, de maneira que se viabiliza assim uma melhor compreensão de seus respectivos agenciamentos. Descrevendo também atualizações produzidas nos últimos anos, o papel dos comentadores reforça a definição de Alves (1980) de serem componentes de um ritual complexo.

Entre sacerdotes barnabitas, leigos que trabalham na coordenação da festa, agentes culturais e pesquisadores da Universidade Federal do Pará, os comentadores expõem muitas representações comuns e algumas divergências veladas. Ora tratando das imagens da cobertura da festa, ora passando informações sobre a organização do evento, ora interpretando componentes históricos e atuais dessa gigantesca produção religiosa contemporânea, eles configuram um campo midiático de reflexividade (Vizer 2011), que auxilia a sintetizar aspectos convergentes ao princípio que orienta essa elaboração.

Em termos metodológicos, frente à imensa diversidade de estímulos e atividades que produzem o acontecimento da festa, duas perguntas se tornam urgentes: Para onde olhar? Como captar o sentido dos fluxos que produzem os acontecimentos, já que, segundo Williams (1979), tais fluxos não possuem sequência?

Embora tenha reconhecido alguns desses fluxos nos circuitos e agenciamentos dos atores diversos que atuam no evento, os esclarecimentos dos comentadores da RBA são importantes para reforçar a afirmação de Alves (1980) de que os cortejos processionais de sábado e domingo são os circuitos que imprimem centralidade aos fluxos da festa, operando também a decorrência de outros fluxos secundários.

Assim, após a passagem da Procissão da Trasladação pela Praça da República, precisamente onde o cortejo sai da Avenida Nazaré e entra na Avenida Presidente Vargas, os atores de movimentos e organizações GLBTT de Belém realizam a Festa da Chiquita, em frente ao Teatro da Paz. Segundo descreve Souza (2008):

A Festa da Chiquita reúne anualmente cerca de 40 mil pessoas em um cortejo que se concentra no Bar do Parque, na Praça da República e começa logo em seguida à Trasladação para prosseguir até a hora em que se inicia a procissão do Círio. O objetivo é um só: homenagear a Virgem Maria. O fato é que tal homenagem se dá em um luxuoso espetáculo, com muita cor, plumas e purpurina. O ápice da festa é a coroação do "Veado de Ouro", prêmio concedido pelos organizadores a alguém que tenha se destacado pelo figurino Drag Queen durante o evento. A manifestação é tradição popular "oficial" da quadra nazarena, desde 1976, quando se chamava "Festa da Maria Chikita", criada pelo cantor paraense Eloy Iglesias.

Ora, quem segue a Procissão da Trasladação – inclusive eu – nem repara nos sinais desse circuito, mais discreto que o circuito do Arraial, ao menos em seu envolvimento com os fluxos centrais da Festa do Círio. Porém, esse agenciamento negocia de forma objetiva com a realização da festa, assumindo um papel importante na configuração da tradição, como expôs uma de suas coordenadoras à mesma Souza (2008):

"Transforma-se em tradição aquilo que é pertinente e, portanto, encontra correspondência e é assimilado por confluir para o objetivo central, que é louvar a Santa. O que não possui pertinência, não vinga", continua Zélia Amador. É nesse ínterim que, do ponto de vista estético, se observa na quadra nazarena manifestações que vão do sublime ao grotesco, isto é, momentos que envolvem desde a mais pura forma do sagrado, como o da solene celebração eucarística, do culto católico, até a Festa da Chiquita, promovida pela comunidade GLBTT.

Outro circuito dos fluxos secundários – mais legitimado pelos comentadores, que a Festa da Chiquita – foi tratado na TV por seu próprio idealizador e coordenador, Miguel Santa Brígida, professor da Faculdade de Artes da UFPA. Trata-se do Auto do Círio, manifestação que dramatiza elementos históricos e atuais do Círio de Nazaré, combinando componentes das identidades amazônicas em diálogo com expressões artísticas, teatrais e circenses dos estudantes universitários. O Auto do Círio ocorre na sexta-feira que antecede o domingo do Círio, à noite, no centro histórico da cidade de Belém.

Enfatizo que Alves (1980) já descrevera a presença de grupos teatrais e circenses em seu estudo, mas não reconheceu, ou estabeleceu, de que forma essas presenças se projetavam ou conectavam como agenciamentos, nos fluxos da festa. O estudo de Matos (2010:159-160), ao atualizar o grau de implicação desses grupos nos circuitos da festa, após a patrimonialização do Círio de Nazaré pelo IPHAN, indica que o Auto do Círio compõe os bens tombados nessa patrimonialização, e transcreve um depoimento de seu organizador, Miguel Santa Brígida:

O reconhecimento foi muito importante, pois deu uma projeção nacional para o Auto do Círio. Esse selo do IPHAN foi criado em 2003, eu me lembro que além do Círio parece que tiveram mais três manifestações contempladas. Quando o Círio entrou foi uma agitação muito grande, pois nas entrevistas sempre era falado sobre as manifestações que foram estudadas e que fizeram parte do livro e o Auto do Círio está lá. Sempre quando damos entrevista falamos que o Auto do Círio é uma manifestação reconhecida junto ao Círio como Patrimônio Imaterial dos brasileiros.

Passamos a sentir uma responsabilidade muito grande, responsabilidade de manter essa tradição, tradição não numa perspectiva tradicionalista em que a Diretoria da Festa e a própria TV divulga o Círio, como uma coisa antiga, certinha. O Círio não é assim, o Círio tem muito de carnavalização, que é diferente de carnaval. O Círio tem muito de carnavalização porque é colorido, é festivo.

Vê-se que o depoimento de Santa Brígida evoca uma perspectiva de tradição distinta daquela "que a Diretoria da Festa e a própria TV divulgam", sugerindo que a manifestação que ele coordena compõe o Círio oficial, mas imprime um sentido próprio em sua contribuição para o mesmo.

Já os comentários do antropólogo Romero Ximenes, também da UFPA, auxiliam a integrar os sentidos desses fluxos, ao descrever de maneira simples e concisa os elementos da Festa do Círio22 22 Esses elementos são confirmados no estudo de Alves (1980), e mais desenvolvidos por Maués e Maués (2005), e Maués e Pantoja (2008). . Segundo Ximenes, esses elementos circulam reciprocamente entre a casa (como expressão de laços familiares e sua extensão comunitária) e a festa (marcada pela presença e atuação dos romeiros nas procissões, e a imagem de Nossa Senhora de Nazaré). O mesmo expôs:

Trata-se de uma festa da casa, de uma festa das "comidinhas amazônicas". Essa experiência de comensalidade que une as pessoas em torno da mesa e dos sabores das comidas da Amazônia funciona como uma celebração da fé e renova o sentido da união das pessoas em grupos como a família, e dessa com os amigos e outras pessoas que marcam a vida em comunidade, o que é um registro importante da vida amazônica. O verdadeiro Círio é celebrado em casa; se eu me sento com você e comemos juntos, estamos celebrando o sentido do Círio.23 23 O próprio sentido dessa celebração me levaria a aceitar o convite para almoçar com o também professor da UFPA, Heraldo Maués, e sua família. Na ocasião pude constatar que esse registro da festa das comidas amazônicas tem realmente um sabor de celebração. E essa celebração segue um código culinário já analisado por Alves (1980:66), em que a "comida preparada assume uma dimensão sagrada, e a referência a ela corresponde a um modo específico de se referir ao gosto que presidiu o cozimento. Nesse aspecto, a referência é respeitosa, tanto à qualidade quanto à quantidade (o gosto e a fartura). A comida, com predominância do fervido entre o assado, propõe o predomínio das relações internas do grupo, portanto as relações 'de dentro' em oposição ao profano, que fica fora. Mas, como na realidade a vida é vivida lá fora, celebra-se, naquele momento ritual, a solidariedade grupal diluída na ordem profana. A forma de exprimir essa solidariedade é através da criação de mecanismos de ação que suspendem momentaneamente as diferenças entre categorias de parentes, tal como ocorre na procissão realizada antes".

Do mesmo Ximenes, vem outra referência importante, e sem discussão na literatura já citada, a respeito das redes de capelinhas de Nossa Senhora de Nazaré24 24 Essas capelinhas são semelhantes, na sua forma e na organização das redes devocionais, ao modelo devocional comunitário das redes de capelinhas de Nossa Senhora de Shoenstatt, ou do Imaculado Coração de Maria, distribuídas por extensas regiões do Sul e do Sudeste do país, já estudadas por Silva (2003) e Borin (2010). , que peregrinam das cidades e comunidades do interior do Pará rumo a Belém, durante todo o ano. Afirma ele, baseado em dados de alguns alunos de pós-graduação da UFPA que pesquisam essas redes e suas peregrinações ao Círio: "nesse ano de 2009 foi registrado pela coordenação da festa o total de 4.200 capelinhas". Aqui, trata-se de um agenciamento controlado institucionalmente e diretamente relacionado ao evento central do Círio, reproduzido em diversas escalas de devoção, que organizam, incentivam e dinamizam os ciclos devocionais e de romeiros para a Festa do Círio. A duração anual desses ciclos de peregrinação de capelinhas, organizados entre grupos de familiares devotos, renova constantemente os fluxos da festa e difunde seus sentidos entre famílias de devotos e suas territorialidades por toda a Amazônia.

Dando continuidade a minha estratégia de acompanhamento da festa, após assistir a uma parte da cobertura televisiva, desloquei-me de táxi até o local do evento e cheguei no momento em que a procissão provocava uma queima de fogos pela entrada na Avenida Nazaré. Já eram passadas três horas de cortejo, com sol forte, e as percepções elaboradas sobre a procissão de sábado se multiplicam em intensidade e volume, no contato com a realidade. Muito mais romeiros na corda, muito mais turistas assistindo, muito mais água sendo servida ou despejada nos romeiros. Sobre as arquibancadas lotadas em frente às quais a procissão se deslocava, uma grande quantidade de flores e de papel picado caía dos edifícios e de helicópteros que acompanhavam a Berlinda da Santa. Tudo em excesso para produzir o clímax da festa, embalado por músicas religiosas, cânticos e rezas, que se sucediam no sistema de som.

Diferentemente da procissão de sábado, porém, os romeiros que, no domingo, se apegam à corda são predominantemente homens e mulheres adultos, com traços corporais mais caboclos e fortes. Também aumentou o número de pessoas que pretendiam uma comunhão com a santa, através do contato com a corda. Enquanto na procissão de sábado os jovens acorriam à corda, formando filas duplas de ambos os lados, na procissão de domingo filas triplas eram formadas em várias extensões da corda, de modo que os romeiros da terceira fila tocavamm-se com os da segunda que, por sua vez, tocavam-se com os agarrados à corda25 25 A estratégia dos romeiros em procissão, de tocar os agarrados à corda, remete à transmissibilidade do poder da santa através dos romeiros pregados à corda, segundo interpreta Sare (2005). Penso ser importante explorar outra lógica de interpretação que remete à formação de uma unidade corpórea com ela. Trata-se possivelmente de uma estratégia que em sua operação prefere a ubiquidade à contiguidade. Nesse sentido, acompanho a análise elaborada por Csordas (2008:58-59), em relação ao "significado comunicado pelo toque", quando afirma que "é mais no apelo à totalidade incorporada na união física do que na transmissão mágica de poder que reside grande parte da força de persuasão do gesto. Também nesse aspecto, o gesto tem a conotação de escudar e proteger o suplicante aflito". E aqui, deve-se pensar a conotação atribuída aos gestos como aquela exposta por Mead (1982:176), em que a concepção de gesto traduz estímulos e atitudes orientados para a ação de um self ou dos vários selfs envolvidos em uma situação determinada, conformando um "outro generalizado" ou organizado. . Esse volume de sujeitos em filas paralelas à corda arranjava uma harmonia corpórea mais compacta à coreografia do cortejo, de forma que a própria corda, em vários momentos, tornava-se invisível aos assistentes. O que se via era um grande aglomerado de corpos em contiguidade espacial que, por um lance de ilusão, parecia em certos momentos ser na verdade a grande massa de um só organismo.

Nesse cortejo, torna-se muito difícil caminhar pela extensão da procissão, devido ao grande número de pessoas presentes nas avenidas e nas calçadas. Mesmo antes ou depois do espaço delimitado da procissão, o volume de pessoas circulando pelo trajeto do cortejo desestimula as intenções de deslocamento. Muitas vezes, é preciso contornar quarteirões a fim de adotar uma rota estratégica para o deslocamento26 26 Em 2009, uma dessas incursões me possibilitou presenciar o momento em que a corda rompeu-se da quarta estação, causando certo tumulto, pela quebra provocada no ritmo intenso que ordenava aquela formação compacta de romeiros. Após o atendimento de alguns romeiros que se machucaram e a retomada da orientação processional pelos voluntários que os animam com megafones, o final da corda seguiu a procissão, mesmo desamarrada da estação. Já em 2010, outro acontecimento chamou a atenção do pesquisador André Luiz da Silva: "Pela manhã, ao chegar, eu fiquei próximo à parte final da procissão do Círio, quatro quarteirões antes do encerramento, na Avenida Nazaré, registrando imagens e sons. O que eu pude ver foram grandes pedaços de corda, pois ela já havia sido totalmente dilacerada e presenciei também muitos momentos de disputa por um pedaço da corda. Quando passavam esses pequenos grupos com pedaços de 1 metro, 2 metros de corda, ou até menores, a impressão que se tinha é que iam brigar, pois a intensidade corporal na disputa é muito grande. Porém, ao mesmo tempo em que a violência é explícita, de alguma maneira parece que há uma contrição, no sentido da não efetivação da violência física. Mas é um ato muito caudaloso, muitos corpos, todos molhados, em disputa". .

Na ocasião, por todo lado que se olha, há romeiros levando à cabeça ou junto ao peito réplicas das imagens de Nazaré, miniaturas de casas, capelas e barcos, e outros ícones que compõem a narrativa mitológica do "achado" da santa e o desenvolvimento da sua devoção. São agenciamentos pessoais que se misturam na multidão, compondo um cenário de entregas devocionais, em consonância com o sistema de dádivas e obrigações que caracteriza as relações de promessa, na religiosidade popular (Higuet 1984).

Vale dizer que nessa altura da festa, já é possível adotar um critério para discriminar romeiros/devotos de turistas. Romeiros são os integrados ao núcleo orgânico de produção do evento religioso, junto à corda, acompanhando o cortejo com rezas e cânticos, dando recorrentes "vivas!". Já os turistas são aqueles que geralmente assistem ao evento das margens, sem se entregar plenamente27 27 Logicamente, a própria ideia de entrega parcial, incompleta, dos turistas à dinâmica da festa, implica no reconhecimento de que isso é recorrente entre a maioria deles, mas não em sua totalidade. Nessa perspectiva, acompanho a distinção entre os traços que identificam romeiros e turistas, expostas por Steil (2003), em sua análise dos atores nas romarias ao Santuário de Bom Jesus da Lapa. .

Logo na chegada à Basílica de Nazaré, após vários fogos de artifício e rojões espocando por dezenas de minutos, a berlinda da santa é descida do carro e levada para um altar na praça em frente, onde tem início mais uma missa. Tendo percorrido o local várias vezes, entendi que então somente romeiros/devotos ali permaneciam. Estavam com seus ícones junto ao corpo e entravam e saiam da Basílica, fotografando os eventos e os lugares e também se fotografando neles. Lá estando, cansados ou extasiados dos sacrifícios feitos, assistiam à missa ou simplesmente se ajoelhavam no tapete vermelho que ia da entrada da praça até o altar ali montado. Nesse percurso, notei duas levas principais de transeuntes: uma indo em direção à imagem da santa no altar da missa, que tinha descido da procissão, e outra buscando a imagem existente na Basílica, em exposição. As duas imagens atraem a concorrência dos romeiros/ devotos que ali circulam, com aproximações emocionadas e buscando o toque e a afetividade.

Tratava-se de uma concorrência das imagens? A resposta a essa indagação só obtive no almoço do Círio.

Na saída do local, estabeleci-me por alguns momentos em meio à multidão que assistia à missa, e ouvi o final da exortação que o sacerdote fez acerca da procissão e da festa. Entre exaltações à crença e participação dos romeiros na procissão, ele deu um alerta:

Gente, o vidro da berlinda da santa quebrou. O vidro quebrou... uma lástima? Sabem o que isso significa? Que a Virgem de Nazaré quer sair e ir de encontro com seu povo, quer se misturar ao seu povo, com seus devotos. A santa quer estar no meio do seu povo.

E realmente lá estava a imagem da Nazaré, na berlinda com o vidro quebrado, esperando sair, ou ser retirada. Foi com esse alerta ecoando na memória, que me desloquei para a casa de Heraldo Maués, para o almoço do Círio.

"O almoço do Círio é como o Natal, no Pará". Com essa informação inicio o diálogo com o professor Heraldo, na varanda dos fundos de sua acolhedora casa. E para além dos sabores diversos reservados no almoço, importa mais destacar aqui a oportunidade de acessar diretamente uma memória importante desses acontecimentos, partilhada entre Heraldo e sua esposa Angélica28 28 Essas memórias partilhadas foram publicadas e mais desenvolvidas em Maués e Maués (2005). . Como afirma Amaral (1998), "neste almoço, como na Festa de Nazaré em geral, surge com força a identidade regional". A interlocução ali estabelecida permite-me destacar vários aspectos históricos e atuais dessa identidade regional, mas, sobretudo, três são aqui registrados.

O primeiro, descrito também em um opúsculo intitulado O homem que achou a santa (Maués 2009), refere-se aos conflitos identitários estabelecidos na disputa pela origem da comemoração do Círio e da devoção à Virgem de Nazaré, principalmente, entre as cidades de Vigia e Belém, no Pará. Os conflitos entre essas cidades vizinhas colocam em jogo modelos de deslocamento e controle do ritual, que se projetam também na difusão das comemorações do Círio, por diversos outros municípios do estado do Pará.

Outro registro surge do próprio diálogo com Maués: a introdução de músicas religiosas modernas no sistema sonoro que ambientaliza e mobiliza as procissões, pelos carismáticos que, aos poucos, ocupam espaços cada vez mais numerosos e importantes na organização da festa, ou na equipe de apoio. Essa inovação estaria gerando outras tensões nos agenciamentos religiosos de segmentos locais, na medida em que essas músicas motivam outra ordem de relações entre os devotos/romeiros e a santa, pouco integrados ao "sentido do que é o Círio", segundo meu interlocutor. Essa intensidade das músicas de artistas religiosos carismáticos foi constatada durante os dias principais da festa, em 2009 e em 2010, e creio que esse desconhecimento do "sentido do que é o Círio", nesse caso, refere-se à descontextualização da identidade regional promovida por essa introdução. E, de fato, já constatei esse mesmo agenciamento, por parte dos carismáticos, em outras festas religiosas populares, como na Festa do Divino, em São Luis do Paraitinga, no estado de São Paulo.

Por fim, o registro que aqui considero mais importante, embora tenha sido pouco explorado em estudos anteriores, refere-se à explicação sobre a existência de duas imagens da Virgem de Nazaré, na festa. Ocorre que os coordenadores da festa encomendaram uma segunda imagem da Virgem, "confeccionada em 1969 por Giacomo Mussner a pedido dos padres Barnabitas" (Matos 2010:43). Para essa outra imagem, solicitou-se que tivesse a pele morena, semelhante à tonalidade da população cabocla da Amazônia, e que o Menino tivesse feições indígenas. Diferente da Matrona de feição portuguesa que se encontra no alto do altar da Basílica de Nazaré e só desce de lá para ficar exposta embaixo, durante o Círio (Maués 2009), a imagem que os devotos/romeiros seguem tornou-se a da "Mãe Peregrina" (Maués e Pantoja 2008; Matos 2010), a "Mãe Amazônica" que se "aproxima deles"29 29 Aqui, coloco a expressão entre aspas, buscando significar uma ambivalência: a imagem encomendada aumenta a proximidade física que a imagem original já produzia, nas festividades do Círio, uma vez que gera um reconhecimento de semelhança física e cultural junto aos devotos/romeiros. nos cortejos e festividades religiosas.

Assim, os diversos nomes da santa, saudados tantas vezes na Festa do Círio, remetem a uma distinção de ações e representações produzidas pela imagem original "achada" e pela imagem produzida sob encomenda, que se revezam nos ritos que configuram essa manifestação. Nesse sentido, penso que a coexistência das duas imagens, de presença simultânea em alguns momentos da Festa do Círio, produz uma ambivalência devocional que auxilia na configuração do caráter difuso desse ritual complexo. Nessa ambivalência oscilam o mito do achado da santa, com seu caráter hierofânico, e sua semelhança físico-cultural com a população amazônica. Suponho, aqui, que a encomenda da segunda imagem foi uma estratégia institucional para equilibrar liminaridades potenciais na Festa do Círio, decorrentes da diversidade de agenciamentos identitários encobertos por esse ritual complexo. Eis assim, o caráter mais geral que busco imprimir a essa leitura ampliada do modelo de oscilação de apropriações que Alves (1980) reconheceu em seu estudo.

Dos fluxos e seus agenciamentos às múltiplas mediações

Agora, cabe reconhecer que esse modelo de oscilação de apropriações que os atores operam sobre o sentido das festas religiosas não se restringe às manifestações do Círio de Nazaré. Análises empreendidas por Del Priore (2000) sobre as festas no Brasil colonial, por Braga (2008) sobre as romarias ao Juazeiro do Norte e por Brandão (2010) sobre os sentidos recíprocos de participação entre devotos populares em outras festas religiosas, já explicitaram esse caráter de apropriação dos bens materiais e imateriais que convergem em ciclos devocionais. Uma das interpretações mais profícuas desse modelo de oscilação é apresentada por Steil (2003), em sua análise sobre as romarias ao Santuário de Bom Jesus da Lapa, ao se apropriar da noção de "vazio religioso", de Eade e Sallnow, para explicar como a dinâmica das peregrinações constitui um jogo

capaz de acomodar sentidos e práticas diversas [...] dentro do qual se definem os pertencimentos religiosos e as identidades sociais. Nesse sentido, o ritual da romaria opera uma espécie de união dos contrários onde as duas lógicas se articulam, sem que uma exclua a outra (Steil 2003:259).

Aqui, paralelamente à noção de "vazio religioso", considero que a Festa do Círio de Nazaré se produz como síntese de várias mediações, semelhante ao que ocorre em outras festas religiosas contemporâneas. Trata-se de um evento religioso que deve ser pensado na lógica com que estabelece uma rede com outros eventos contíguos, em ciclos espaciais e temporais próprios, cuja centralidade se encontra na festa de Belém. Ocorre que essa centralidade se organiza por fluxos internos tensos e conflituosos, decorrentes das estratégias de agenciamento dos atores locais, e esses agenciamentos buscam se sobrepor, e não se articular. Essa sobreposição constantemente agenciada extrapola o contexto de Belém e projeta os fluxos para outros Círios, no Pará e em outros estados do Brasil (Maués e Pantoja 2008:63). A difusão desse modelo devocional, na medida em que se reproduz em vários Círios menores no estado, agrega valor a um tempo de celebrar a imagem da Virgem e agencia sua presença como um bem religioso-devocional, de reconhecimento universal, na cultura amazônica. E se é evidente que a Festa do Círio, em Belém, produz hoje uma atração gravitacional que opera um campo de forças sobre as demais comemorações, também é evidente que essas outras comemorações ora copiam suas características, reproduzindo em miniatura seus eventos e modos de organização30 30 Essa difusão de modelos rituais ocorre em outras manifestações de caráter regional, como na Festas de Caravaggio, nas cidades de Canela e Farroupilha, RS. A primeira segue o modelo estabelecido e já legitimado da segunda, reproduzindo vários de seus elementos. , ora inovam ou atualizam seus elementos, em novas combinações rituais. Suponho aqui que os conflitos que se desdobraram da disputa pelas origens da festa foram importantes na criação dos fluxos identitários agenciados sobre o caráter devocional à Virgem de Nazaré, em uma constelação de Círios comemorados pela Amazônia brasileira, e fora dela.

Exemplo da projeção desses fluxos para fora de seu contexto pode ser constatado na passagem da "Mãe Peregrina" pelo Rio de Janeiro, em setembro de 2009, quando o antigo arcebispo de Belém, Dom Orani João Tempesta, assumiu o Arcebispado do Rio de Janeiro e promoveu um encontro da santa com o Cristo Redentor. Durante três dias, realizou-se nessa cidade um conjunto de atividades que reproduziu os circuitos rituais da Festa do Círio de Belém31 31 A respeito, ver reportagem do jornal O Globo, de 17/09/2009, disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/mat/2009/09/17/imagem-de-nossa-senhora-de-nazare-chega-ao-rio-para-ficar-tres-dias-767668405.asp. (a respeito, ver reportagem do jornal O Globo, de 17/09/2009, disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/mat/2009/09/17/imagem-de-nossa-senhora-de-nazare-chega-ao-rio-para-ficar-tres-dias-767668405.asp).

Já na composição do quadro de atividades desse modelo, outro exemplo desses fluxos pode ser apreendido na peregrinação das 4.200 capelinhas da Virgem, em ciclos familiares mensais, pela região do Pará e da Amazônia. Essa peregrinação organiza uma rede devocional que opera por difusão e convergência, evidenciando uma dinâmica que atribuo como própria dos rituais difusos, de operar estratégias e forças centrípetas e centrífugas, em torno da centralidade de representações do evento. Na multiplicidade das capelinhas, a imagem da Virgem de Nazaré se entrega aos devotos; na peregrinação das capelinhas até o Círio, ela é retomada.

Assim, rituais difusos operam com a exteriorização de bens religiosos-devocionais – de pretensão universal – atingindo escalas amplas, onde ocorrem interseções com outros bens da mesma natureza. Seu caráter de formação inclusiva implica na necessidade de produzir uma "negociação da realidade" (Schutz 1974; Velho 1994; Duarte 2005).

Nessa projeção, o Círio, como comunhão de atores e na diversidade das identidades amazônicas, atualizaria o mito da "grande mãe". Esse aspecto já estava insinuado na obra de Alves (1980), mas não explicitado com seu devido potencial heurístico. Assim, quando analisa a catarse causada pela passagem da santa nas procissões, Alves (1980:51) afirma:

Trata-se [...] de um momento de intensa emoção, em que as diferenças se diluem, o comportamento não está mais sujeito a regras fixas, a convergência emocional concentra-se em torno da Santa: na medida em que serve como poder aglutinador, propicia a momentânea formação de uma grande comunidade que estará para além do tempo e do espaço, mas que só será possível de ser vivida e revivida no contexto ritual.32 32 Essa força aglutinadora da imagem está bem enfatizada em uma descrição do pesquisador André Luiz da Silva, sobre a festa de 2010: "Presenciei a passagem da santa. E posso dizer que foi um momento mágico. Primeiro pelo fato de ser levado pela multidão (rio de gente) no momento anterior à sua chegada. Antes da imagem vem uma avalanche de gente, foi só o tempo de se acomodar (mal) num espaço mínimo, para vê-la passar. O que confirma o fato de ser o entorno da berlinda um dos locais mais disputados pelos devotos. Seria o meu segundo encontro com a santa neste dia, também muito emocionante, sobretudo pela manifestação de fé das pessoas que estavam assistindo à passagem da santa".

Ora, se essa grande comunidade é formada no contexto do ritual – o Círio de Nazaré, em Belém – suponho que os agenciamentos estratégicos de tornar difuso esse ritual complexo configuram uma formação inclusiva (Williams 1979) que aglutina a diversidade de identidades amazônicas sob o manto da identidade católica que reveste os ciclos devocionais da Virgem de Nazaré, na figura de uma "Mãe Amazônica". Uma imagem da Virgem correlata à Virgem de Guadalupe, e sua importância aglutinadora de formações identitárias, no México (Torres-Londoño 2001).

E para discutir por que essa estratégia não foi explicitada em estudos como de Alves (1980), importa reconhecer, aqui, que somente com os estudos contemporâneos à presença intensa das emissoras de TV que transmitem o evento e à patrimonialização do Círio de Nazaré, ou posteriores a esse período (Alves 2002; 2008; Pantoja 2006; Matos 2010) emerge uma série de percepções acerca do modo como tais fluxos se projetam e se sobrepõem, regularmente. Ou seja, penso que a exposição televisiva da festa, em âmbito nacional, e a legitimação dos bens (manifestações) que a compõem, oficializados pelo IPHAN, impactaram o jogo tenso das projeções operadas pelos atores, nesse modelo de oscilação de apropriações, modificando o sentido valorativo das mesmas.

Simultaneamente a essa percepção, a constatação das mudanças no Programa Oficial do Círio, nos últimos anos33 33 Exemplos de tais mudanças podem ser percebidos, entre outras estratégias, na incorporação progressiva de algumas atividades no Programa Oficial do Círio, nos últimos anos: desde a implantação de concursos que ora regulam e premiam as decorações de casas e edifícios no trajeto das procissões, ora se apropriam de fotografias e vídeos produzidos pelos participantes da festa e os patrimonializam, até a realização de seminários que reúnem cientistas sociais para refletir sobre o caráter das mudanças nas festas religiosas atuais, que geram subsídios importantes para os próprios coordenadores da festa. , mostra que a reflexividade operante entre os encontros e desencontros dos atores, no evento34 34 Essa reflexividade, como pude depurar das observações de 2009 e de 2010, é operada constantemente pelos atores envolvidos no evento, mas suas sínteses são múltiplas. Em alguns casos, ela se localiza de forma mais explícita em alguma manifestação ou circuito da festa. Isso aconteceu em 2010, no Auto do Círio, que trouxe como tema "Todos os caminhos levam a ti, Senhora". O tema foi representado por diversos estandartes alusivos aos caminhos que levam à Virgem de Nazaré, durante o Círio: "Viemos a ti pelo caminho da Fé", "Viemos a ti pelo caminho da Arte", "Viemos a ti pelo caminho do Teatro", "Viemos a ti pelo caminho da Música", "Viemos a ti pelo caminho da Cultura", etc. Esses diversos caminhos que compõem o movimento dos atores no Círio são justificados no auto. , também possibilita à própria coordenação da festa criar estratégias de controle das tensões internas ao evento, pela incorporação ou pela separação das manifestações diversas que se fazem presentes nesse ciclo devocional.

Rituais complexos ou difusos e seus circuitos gravitacionais

Diante dessa dinâmica dos fluxos de acontecimentos e manifestações, vem logo à memória a elaboração de Williams (1974) que argumenta que os fluxos não possuem sequência35 35 A noção de fluxo está associada à capacidade de estabelecer estranhamentos e foi descrita mais especificamente em Williams (1974), e comentada por sociólogos da cultura como Ramos (1988) e Coelho (1998). Os dois últimos destacam o impacto causado pelo contato de Williams com a propaganda televisiva, nos EUA, como fator decisivo para a elaboração, pelo mesmo, do conceito de fluxo. Na contemporaneidade globalizada, esses estranhamentos têm se diversificado, em vez de se retraírem, e reforçado assim uma propensão dos atores sociais a pensarem e utilizarem suas culturas como recurso estratégico de visualização do mundo (Yúdice 2006) ou de gestão de suas relações com alteridades distintas (Certeau 1994). . No caso do Círio e da Festa de Nazaré, entretanto, tais fluxos podem ser entendidos como circuitos gravitacionais que convergem para o princípio devocional de um ritual complexo, que tem na imagem da Virgem de Nazaré um núcleo hierofânico. Trata-se de um "objeto de civilização", no sentido exposto por Francastel (1993), que ultrapassa seu contexto de produção e é reconhecido universalmente, em um campo alargado de projeções de sentidos e significados ou representações.

Dessa forma, a complexidade ritual do Círio pode ser definida por uma tensão interna entre as manifestações que o compõem. Essa tensão é decorrente de dois fatores.

Em primeiro lugar, o Círio é uma celebração que se ritualiza no movimento dos devotos entre a família e seus vínculos comunitários (representada na casa e na comensalidade), mas regularmente projetada nas procissões (com seu caráter sacrificial e purificador, representado pela corda) e nas imagens da Senhora de Nazaré (e sua atração gravitacional em torno de várias peregrinações e romarias). Daí que a imagem produzida com características amazônicas é chamada de "Mãe Peregrina", o que, por sua vez, é uma característica da imagética mariana e de suas redes devocionais, como já analisadas por Steil, Mariz e Reesink (2003), Silva (2003) e Borin (2010). Em segundo lugar, nessa complexidade se explicita a configuração de um bem religioso-devocional, de fundo identitário e pretensão universal ("a Mãe Amazônica"), de forma que os sentidos das apropriações que devotos, romeiros e outros atores sociais operam desse bem se configuram em um ritual de demarcação social. Dito de outro modo, na festa, os bens são apropriados em um "processo ritual cuja função primária é dar sentido ao fluxo incompleto dos acontecimentos" (Douglas e Isherwood 2006:112).

Uma vez que a identidade sempre carrega a marca da ambiguidade, o problema que se coloca aqui é o de perceber a liberdade que os atores exercem de exteriorizar e manifestar essa ambiguidade. A diversidade de manifestações no Círio se projeta como tensão interna dos processos identitários que produzem o evento em seu conjunto, mas também como agenciamentos dos atores nos circuitos que efetivam os fluxos centrais e secundários da festa. Trata-se, suponho, de uma tensão reguladora e constante das próprias relações em que os sujeitos religiosos se constituem, na dinâmica entre a interioridade e a exterioridade de sua fé.

Desse modo, é da passagem da Senhora de Nazaré, nos cortejos centrais do Círio, que se liberam circuitos secundários que possibilitam a emergência de identidades residuais ou instituintes a demarcar campos internos e territórios de tensão ritual expressivos. Tal liberação, agenciada pelos atores dessas manifestações, busca perseverar em negociações o caráter institucional de autenticidade identitária projetado no controle da devoção, que se pretende universalizadora.

Seriam esses agenciamentos promessas de liminaridades?

Pressuponho que não. Aparentemente se trata mais de um campo dialético que tensiona políticas identitárias, tal como na análise de Csordas (2008:22), em que se deve:

Distinguir de forma mais clara entre uma política pessoal de identidade coletiva, na qual atores individuais com compromissos claros lutam para afirmar uma identidade compartilhada, e uma política coletiva de identidade pessoal, na qual cada ator em um grupo de atores com compromissos ambíguos luta para obter uma identidade individual.

A Festa do Círio de Nazaré, em Belém, enforma-se processualmente de agenciamentos diversos, em caminho de uma universalização. Nesse sentido, a cada edição da festa seus circuitos devem se atualizar em uma "formação inclusiva" (Williams 1979), em virtude dos agenciamentos institucionais que impulsionam a difusão do ritual para a configuração de um escopo universal, em escalas diversas de negociação da diversidade identitária. Dessa forma, os agenciamentos endógenos aos circuitos e fluxos da festa equilibrariam as liminaridades potencialmente disruptoras dos seus circuitos e fluxos exógenos.

Para Heraldo Maués

Sites consultados

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Encartes consultados

Programa Oficial do Círio 2009. Programa Oficial do Círio 2010. "Roteiros da Fé", encarte do jornal O Diário do Pará, de 10/10/2010.

Notas

Recebido em junho de 2010

Aprovado em fevereiro de 2011

José Rogério Lopes (jrlopes@unisinos.br)

Doutor em Ciências Sociais (PUC-SP) e Professor Titular do PPG Ciências Sociais, UNISINOS-RS.

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  • YÚDICE, George. (2006), A conveniência da cultura: os usos da cultura na era global. Belo Horizonte: EdUFMG.
  • 1
    Agradecimentos ao CNPq, pelo auxílio financeiro (Edital MCT/CNPq 14/2009 – Universal) que subsidiou a pesquisa cujos dados são em parte considerados aqui.
  • 2
    Disponível em: pensador.uol.com.br/autor/Eduardo_Galeano.
  • 3
    "É como se dentro de uma festa religiosa existisse uma profana e vice-versa" (Del Priore 2000:19).
  • 4
    O sentido de coetaneidade que se estabelece entre pesquisadores e sujeitos da pesquisa, na experiência etnográfica, foi definido por Fabian (2006:59) como compartilhamento do espaço e do tempo das manifestações produzidas e vividas pelos sujeitos pesquisados, possibilitando ao pesquisador uma objetivação da experiência comum vivenciada.
  • 5
    Para a análise aqui elaborada, utilizo registros etnográficos realizados nas Festas do Círio de 2009 e de 2010. Na primeira, eu mesmo acompanhei o evento. Na segunda, o acompanhamento foi realizado pelo então doutorando em Ciências Sociais da PUC-SP, André Luiz da Silva, pesquisador participante do projeto que coordeno.
  • 6
    Porém, uma etnografia impressionista não prescinde, como se procura mostrar aqui, de uma análise situacional (Van Velsen 1987) que a complemente, o que, por sua vez, implica que o etnógrafo mantenha a consciência de sua "situação biograficamente determinada" (Schutz 1974:40). Desde esse ponto de vista, essa etnografia impressionista adota a abordagem fenomenológica como possibilidade de apreender as tipicidades em construção no movimento dos atores que produzem agenciamentos em festas religiosas, no quadro de um projeto em realização pelo autor, que inclui outros eventos correspondentes no Brasil.
  • 7
    Os eventos centrais do Círio e da Festa de Nossa Senhora de Nazaré ocorriam nos últimos sábado e domingo de outubro, desde 1886. Porém, "em 1901, o bispo [de Belém] fixou o segundo domingo como data oficial do Círio" (Amaral 1998).
  • 8
    Denomino como circuito um trajeto específico demarcado pela movimentação de atores significativos na produção de um evento festivo. Esse circuito, que demarca os rituais processionais que ocorrem na festa, está relacionado aos eventos originais que compõem o imaginário do achado da imagem da santa e seus desdobramentos históricos, ou mitológicos. A esse respeito, ver Alves (1980), Amaral (1998), Maués (2009) e Matos (2010).
  • 9
    A ideia de que na festa ocorrem apropriações relacionais com as representações da Virgem de Nazaré já está presente no livro de Alves (1980), mas são descritas pelo autor como apropriações tensas e circulares da produção da festa, operadas ora pelos segmentos populares e devotos, ora pelo controle eclesiástico, ou ainda, pelos segmentos da elite política ou econômica local. Aqui, busco ampliar o sentido dessas apropriações, ao afirmar que ela produz uma ambiência urbana.
  • 10
    Utilizo a noção de agenciamento como esboçada por Yúdice (2006). Trata-se de identificar atores que agenciam recursos identitários recuperados de uma "reserva disponível" nas trajetórias comuns de suas formações culturais, em diálogo com modelos culturais (no caso, religiosos) predominantes na sociedade globalizada. Esse predomínio se expressa na configuração de um campo de forças performáticas a condicionar a ação dos atores que por vezes imprimem uma dinâmica de operar agenciamentos nos intervalos daqueles modelos. Essa noção não se exime de discutir até que ponto a agência é definida na ação e relação dos "humanos-entre-eles" e até que ponto ela incorpora ações de não humanos, híbridos que se expressam como coletividades sócio-técnicas que produzem efeitos no curso da ação (Oliveira 2005:56).
  • 11
    O círio é uma alegoria de madeira que copia o formato de uma vela grande, de cerca de um metro e meio.
  • 12
    Entende-se aqui também uma aproximação entre o caráter mercantil impresso nessas manifestações – explorado na dinâmica econômica local – e as apropriações materiais e imateriais que sujeitos locais e turistas operam nesse mercado, como elaborado por Farias (2001) e também estudado na Festa do Círio de Nazaré por Pantoja (2006).
  • 13
    Mais apropriado, talvez, seria considerar essas produções materiais na razão com que Prokop (1986) define a arte espontânea, para expressar distinções da mesma em relação às produções da cultura de massa.
  • 14
    Esse agenciamento é importante, na medida em que os próprios motivos do artesanato paraense se compõem em apropriações circulares com os ícones do Círio, presentes nas procissões e oferendas entregues à Virgem de Nazaré nesse ciclo festivo. Tais motivos profanos se patrimonializam na interlocução com o sagrado e geram uma identidade amazônica que sintetiza elementos naturais – caracterizados pelo uso de "caranã, a polpa dos galhos de uma palmeira, conhecida por miriti ou buriti" (Amaral 1998) – e sociorreligiosos.
  • 15
    Explico: a pesquisa que realizo na Festa do Círio, em Belém, refere-se a um projeto que inclui outras duas festividades religiosas nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul. Nelas, investigo os usos que sujeitos populares fazem das tecnologias de registro audiovisuais para se objetivarem nas manifestações religiosas, produzindo reflexividades diversas sobre esses eventos e suas próprias religiosidades (Lopes 2009).
  • 16
    O Arraial do Círio possui um verbete na Wikipédia (
    http://pt.wikipedia.org/wiki/Arraial_do_Pavulagem, acessado em 15/10/2009) em que é possível acessar informações acerca do projeto dessa manifestação. Uma busca no Google, utilizando como descritor o próprio nome do grupo, também permite acessar blogs e páginas da web com debates sobre alguns conflitos que essa manifestação gera entre seus organizadores e os organizadores da Festa do Círio, também descritos no estudo de Matos (2010).
  • 17
    Esse sentido oposto ao da ordem e do controle também orienta outras manifestações que compõem o ciclo do Círio, em Belém, como se pode apreender do depoimento de Miguel Santa Brígida, adiante.
  • 18
    Inicio, aqui, meu argumento nessa elaboração, de que o Círio e a Festa de Nossa Senhora de Nazaré compõem um ritual difuso, além de complexo, que inclui essas e outras manifestações em seus circuitos festivo-devocionais. Apesar do
    Programa Oficial do Círio (impresso distribuído pela diretoria da Festa de Nazaré) descrever somente os eventos religiosos que ocorrem na cidade, durante o período, essas e outras manifestações são visivelmente complementares ao grande evento que se forma no ciclo devocional da Festa.
  • 19
    Na edição da festa de 2010, por exemplo, algumas cantoras profissionais, patrocinadas por empresas e bancos, estavam posicionadas em palcos estrategicamente montados à frente dos prédios de seus patrocinadores, na Avenida Presidente Vargas, para saudar a passagem da santa. O acesso às arquibancadas era permitido mediante a compra de ingressos, cuja arrecadação era revertida em fundos para a festa.
  • 20
    Outros números da festa, publicados no encarte "Roteiros da Fé", do jornal
    O Diário do Pará, de 10/10/2010:
    – 25.353 pessoas envolvidas na organização (voluntários, saúde, segurança e apoio);
    – 2,1 milhões de pessoas é a estimativa feita pelo Dieese e pela diretoria da festa, sobre o número de pessoas que deveria participar da festa. Após, este número foi fixado em 2,2 milhões;
    – 69 mil turistas são esperados em Belém para a ocasião;
    – 25 milhões de dólares é o valor estimado a ser deixado pelo turismo;
    – 700 milhões de reais é o valor a ser movimentado na economia da festa nesse ano;
    – Crescimento de 30% do mercado informal;
    – 2 milhões de reais são os gastos para a realização do Círio, em 2010 (o Círio mais caro da História, num valor que é 10% mais caro que o do ano passado);
    – Círio número 218.
  • 21
    Esse agenciamento é tão importante que, em 2010, o TRE local, atendendo a uma solicitação da diretoria da festa, e com a concordância dos candidatos, suspendeu a transmissão da propaganda eleitoral no domingo do Círio.
  • 22
    Esses elementos são confirmados no estudo de Alves (1980), e mais desenvolvidos por Maués e Maués (2005), e Maués e Pantoja (2008).
  • 23
    O próprio sentido dessa celebração me levaria a aceitar o convite para almoçar com o também professor da UFPA, Heraldo Maués, e sua família. Na ocasião pude constatar que esse registro da festa das comidas amazônicas tem realmente um sabor de celebração. E essa celebração segue um código culinário já analisado por Alves (1980:66), em que a "comida preparada assume uma dimensão sagrada, e a referência a ela corresponde a um modo específico de se referir ao gosto que presidiu o cozimento. Nesse aspecto, a referência é respeitosa, tanto à qualidade quanto à quantidade (o gosto e a fartura). A comida, com predominância do fervido entre o assado, propõe o predomínio das relações internas do grupo, portanto as relações 'de dentro' em oposição ao profano, que fica fora. Mas, como na realidade a vida é vivida lá fora, celebra-se, naquele momento ritual, a solidariedade grupal diluída na ordem profana. A forma de exprimir essa solidariedade é através da criação de mecanismos de ação que suspendem momentaneamente as diferenças entre categorias de parentes, tal como ocorre na procissão realizada antes".
  • 24
    Essas capelinhas são semelhantes, na sua forma e na organização das redes devocionais, ao modelo devocional comunitário das redes de capelinhas de Nossa Senhora de Shoenstatt, ou do Imaculado Coração de Maria, distribuídas por extensas regiões do Sul e do Sudeste do país, já estudadas por Silva (2003) e Borin (2010).
  • 25
    A estratégia dos romeiros em procissão, de tocar os agarrados à corda, remete à transmissibilidade do poder da santa através dos romeiros pregados à corda, segundo interpreta Sare (2005). Penso ser importante explorar outra lógica de interpretação que remete à formação de uma unidade corpórea com ela. Trata-se possivelmente de uma estratégia que em sua operação prefere a ubiquidade à contiguidade. Nesse sentido, acompanho a análise elaborada por Csordas (2008:58-59), em relação ao "significado comunicado pelo toque", quando afirma que "é mais no apelo à totalidade incorporada na união física do que na transmissão mágica de poder que reside grande parte da força de persuasão do gesto. Também nesse aspecto, o gesto tem a conotação de escudar e proteger o suplicante aflito". E aqui, deve-se pensar a conotação atribuída aos gestos como aquela exposta por Mead (1982:176), em que a concepção de gesto traduz estímulos e atitudes orientados para a ação de um self ou dos vários selfs envolvidos em uma situação determinada, conformando um "outro generalizado" ou organizado.
  • 26
    Em 2009, uma dessas incursões me possibilitou presenciar o momento em que a corda rompeu-se da quarta estação, causando certo tumulto, pela quebra provocada no ritmo intenso que ordenava aquela formação compacta de romeiros. Após o atendimento de alguns romeiros que se machucaram e a retomada da orientação processional pelos voluntários que os animam com megafones, o final da corda seguiu a procissão, mesmo desamarrada da estação. Já em 2010, outro acontecimento chamou a atenção do pesquisador André Luiz da Silva: "Pela manhã, ao chegar, eu fiquei próximo à parte final da procissão do Círio, quatro quarteirões antes do encerramento, na Avenida Nazaré, registrando imagens e sons. O que eu pude ver foram grandes pedaços de corda, pois ela já havia sido totalmente dilacerada e presenciei também muitos momentos de disputa por um pedaço da corda. Quando passavam esses pequenos grupos com pedaços de 1 metro, 2 metros de corda, ou até menores, a impressão que se tinha é que iam brigar, pois a intensidade corporal na disputa é muito grande. Porém, ao mesmo tempo em que a violência é explícita, de alguma maneira parece que há uma contrição, no sentido da não efetivação da violência física. Mas é um ato muito caudaloso, muitos corpos, todos molhados, em disputa".
  • 27
    Logicamente, a própria ideia de entrega parcial, incompleta, dos turistas à dinâmica da festa, implica no reconhecimento de que isso é recorrente entre a maioria deles, mas não em sua totalidade. Nessa perspectiva, acompanho a distinção entre os traços que identificam romeiros e turistas, expostas por Steil (2003), em sua análise dos atores nas romarias ao Santuário de Bom Jesus da Lapa.
  • 28
    Essas memórias partilhadas foram publicadas e mais desenvolvidas em Maués e Maués (2005).
  • 29
    Aqui, coloco a expressão entre aspas, buscando significar uma ambivalência: a imagem encomendada aumenta a proximidade física que a imagem original já produzia, nas festividades do Círio, uma vez que gera um reconhecimento de semelhança física e cultural junto aos devotos/romeiros.
  • 30
    Essa difusão de modelos rituais ocorre em outras manifestações de caráter regional, como na Festas de Caravaggio, nas cidades de Canela e Farroupilha, RS. A primeira segue o modelo estabelecido e já legitimado da segunda, reproduzindo vários de seus elementos.
  • 31
    A respeito, ver reportagem do jornal O Globo, de 17/09/2009, disponível em:
  • 32
    Essa força aglutinadora da imagem está bem enfatizada em uma descrição do pesquisador André Luiz da Silva, sobre a festa de 2010: "Presenciei a passagem da santa. E posso dizer que foi um momento mágico. Primeiro pelo fato de ser levado pela multidão (rio de gente) no momento anterior à sua chegada. Antes da imagem vem uma avalanche de gente, foi só o tempo de se acomodar (mal) num espaço mínimo, para vê-la passar. O que confirma o fato de ser o entorno da berlinda um dos locais mais disputados pelos devotos. Seria o meu segundo encontro com a santa neste dia, também muito emocionante, sobretudo pela manifestação de fé das pessoas que estavam assistindo à passagem da santa".
  • 33
    Exemplos de tais mudanças podem ser percebidos, entre outras estratégias, na incorporação progressiva de algumas atividades no
    Programa Oficial do Círio, nos últimos anos: desde a implantação de concursos que ora regulam e premiam as decorações de casas e edifícios no trajeto das procissões, ora se apropriam de fotografias e vídeos produzidos pelos participantes da festa e os patrimonializam, até a realização de seminários que reúnem cientistas sociais para refletir sobre o caráter das mudanças nas festas religiosas atuais, que geram subsídios importantes para os próprios coordenadores da festa.
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    Essa reflexividade, como pude depurar das observações de 2009 e de 2010, é operada constantemente pelos atores envolvidos no evento, mas suas sínteses são múltiplas. Em alguns casos, ela se localiza de forma mais explícita em alguma manifestação ou circuito da festa. Isso aconteceu em 2010, no Auto do Círio, que trouxe como tema "Todos os caminhos levam a ti, Senhora". O tema foi representado por diversos estandartes alusivos aos caminhos que levam à Virgem de Nazaré, durante o Círio: "Viemos a ti pelo caminho da Fé", "Viemos a ti pelo caminho da Arte", "Viemos a ti pelo caminho do Teatro", "Viemos a ti pelo caminho da Música", "Viemos a ti pelo caminho da Cultura", etc. Esses diversos caminhos que compõem o movimento dos atores no Círio são justificados no auto.
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    A noção de fluxo está associada à capacidade de estabelecer estranhamentos e foi descrita mais especificamente em Williams (1974), e comentada por sociólogos da cultura como Ramos (1988) e Coelho (1998). Os dois últimos destacam o impacto causado pelo contato de Williams com a propaganda televisiva, nos EUA, como fator decisivo para a elaboração, pelo mesmo, do conceito de fluxo. Na contemporaneidade globalizada, esses estranhamentos têm se diversificado, em vez de se retraírem, e reforçado assim uma propensão dos atores sociais a pensarem e utilizarem suas culturas como recurso estratégico de visualização do mundo (Yúdice 2006) ou de gestão de suas relações com alteridades distintas (Certeau 1994).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Aceito
      Fev 2011
    • Recebido
      Jun 2010
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