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Editorial

Editorial

Constituído a partir de textos que enfocam temas bastante diversificados, este número de Religião & Sociedade apresenta em seu conjunto uma espécie de quadro de possibilidades de abordagem do tema, o que reitera a vocação da revista. Do começo ao final, incluindo as resenhas, o conjunto de textos faz suceder os vários interesses em que se envolvem pesquisadores radicados em distintos lugares institucionais, de diversas correntes teóricas e variada formação disciplinar: a transnacionalização do religioso, a produção e o combate à violência, as disputas envolvendo símbolos em instituições e espaços públicos, as políticas e práticas corporais. Em suma, a cada vez e sempre, trata-se da relação entre religião e sociedade num sentido amplo, viabilizando, simultaneamente, explorar e apresentar as múltiplas possibilidades de seus desdobramentos e interfaces, e problematizar os próprios termos pelos quais essa relação se enuncia.

O artigo de Cristina Rocha e Manuel Vasquez nos apresenta uma discussão acerca da disseminação de religiões a partir do Brasil. Baseando-se em análises sobre imigrantes, missionários, turistas religiosos e mídia, os autores acompanham uma série de movimentos que conferem ao Brasil um novo lugar no panorama religioso mundial, o de um polo irradiador do sagrado. Em muitos casos, esse lugar e essas formas de presença só são perceptíveis com o uso de instrumentos apurados de observação, o que não deixa de ser um convite para os pesquisadores desdobrarem essa proposta analítica e exercitarem sua criatividade metodológica, a fim de acompanhar os fluxos religiosos que emanam do país em direção a outros lugares do mundo.

Os artigos de Ana Paula Galdeano e de Christina Vital da Cunha trabalham em distintos contextos (São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente) e dimensões a presença da religião em periferias e favelas urbanas. Essa presença adquire, em ambos os casos, papel constitutivo, uma vez que referências religiosas compõem a paisagem dos lugares e, ademais, agentes religiosos podem se articular seja com ações associadas ao "mundo do crime", seja com políticas e autoridades estatais. O artigo de Galdeano pretende discutir a relação entre o ativismo evangélico na área da "violência" e seu papel no gerenciamento de tensões e conflitos, através do acompanhamento da trajetória político-religiosa de um fiel da IURD, e da etnografia de um culto da mesma igreja, onde o acionamento ritual da noção de "guerra justa" produz um imbricamento entre a "guerra de combate ao crime" e a "guerra entre Deus e o Diabo".

Já o artigo de Vital trata dos usos e formas de manipulação de símbolos religiosos por traficantes de drogas e policias na favela de Acari, trazendo para discussão o rendimento metodológico e heurístico de estabelecer conexões entre transformações simbólicas e transformações sociais. Para tanto, toma como corpus o material fotográfico acumulado em anos de pesquisa, e mostra as mudanças na paisagem associadas à expansão evangélica, quando trechos da Bíblia, ou pinturas da própria Bíblia, passaram a figurar em muros e paredes, em detrimento de símbolos referidos ao sincretismo afro-católico, que anteriormente os povoavam.

O tema das imagens volta a aparecer no artigo de César Ranquetat, que trata dos crucifixos que podemos encontrar nas salas plenárias de muitos parlamentos no Brasil, os quais utiliza para problematizar as nuances da laicidade à brasileira. Ranquetat realiza um trabalho valioso, a partir de fontes documentais, ao localizar ocasiões, nos anos 1940 a 1960, em que ocorreram demandas pela colocação de crucifixos por parte de deputados e vereadores. E estabelece uma relação dos argumentos acionados por esses personagens com seus contextos, a partir do diálogo que estabelece com cientistas sociais, historiadores e constitucionalistas.

Ao tratar do papel da Igreja Católica nos debates sobre a "morte digna" na Argentina, o artigo de Juan Pedro Alonso aponta para outra interface entre o religioso e o secular. Na defesa pelo direito de "bem morrer" e de atribuir o limite do sofrimento tolerável à própria vida, os cidadãos têm que se confrontar tanto com a Ciência, na figura dos médicos e das tecnologias de manutenção da vida, mas também com a Religião. Quais são os argumentos e estratégias utilizadas pelos atores católicos nesse embate, como eles influenciam a conformação de agendas de discussão e o conteúdo da legislação, são os temas explorados neste trabalho.

O artigo de Amurabi Oliveira enfoca um dos grupos religiosos mais inventivos de que se tem conhecimento no Brasil - o Vale do Amanhecer. A partir de pesquisa realizada em núcleos do Nordeste - e não na sede principal, localizada nos arredores da capital federal -, o texto se concentra nas atividades de mediunidade de um dos múltiplos personagens que povoam os cultos dessa vertente religiosa.

Por fim, o número se encerra com o artigo "Santidade e sinceridade na formação da pessoa cristã", de Clara Mafra, lançado originalmente na revista Ethnos, em 2011. Sua publicação em língua portuguesa se dá no sentido de homenagear postumamente nossa colega de editoria, de uma forma que certamente ela reconheceria como significativa, isto é, trazendo para o público brasileiro um texto de sua maturidade intelectual, denso, em que ela apresenta pistas importantes para compreensão do pentecostalismo contemporâneo, notadamente em países de forte tradição católica. Esta edição é resultado de um esforço coletivo, para o qual contribuíram Joel Robbins, supervisor de Clara entre 2009 e 2010, durante uma estadia na Universidade de San Diego, na qual ela discutiu e redigiu o artigo em questão, e atualmente professor da Universidade de Cambridge, que foi nosso mediador junto à Ethnos; e Cláudia Swatowski, pós-doutoranda na UERJ e ex-orientanda de Clara, que se empenhou em localizar no computador da orientadora e amiga as várias versões do texto para que nossa editoria pudesse trabalhar. A ambos, o nosso agradecimento. A Clara, nossa homenagem.

Emerson Giumbelli & Renata Menezes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2014
  • Data do Fascículo
    Jun 2014
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