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Steve Bruce, um sociólogo em defesa da teoria da secularização

Nascido no ano de 1954, em Edimburgo, Escócia, Steve Bruce atualmente é professor de sociologia na Universidade de Aberdeen – uma instituição fundada em 1495, por iniciativa de um bispo católico da região, e que por si só já simboliza, com sua história, boa parte do processo de secularização. Com diversos livros e artigos publicados, Bruce é hoje uma das maiores referências no campo da sociologia da religião, tendo escrito sobre temas como fundamentalismo, participação das religiões na política e, principalmente, secularização.

Grande parte de seus artigos e quatro de seus livros tratam especialmente desse último tópico, isso sem contar as inúmeras menções que ocorrem em praticamente todas as suas obras. Sem medo de afirmar e propagar suas posições teóricas – por muitos taxadas como “fora de moda”1 1 Basta conferir o título de seu mais recente livro acerca da teoria da secularização: Secularization: In Defence of an Unfashionable Theory (2011), publicado pela Oxford University Press. –, Bruce é um defensor convicto da teoria da secularização, não só para descrever o que já aconteceu durante a formação das sociedades modernas, principalmente no Ocidente, mas também para entender a dinâmica atual das relações entre as religiões e as diversas outras esferas da vida social.

Se os conceitos são pontes que nos permitem atravessar a confusão caótica do mundo concreto rumo à ordem compreensível do mundo das ideias científicas, pode-se dizer que, enquanto muita tinta se gastava sobre o assunto, bastante água já correu por baixo dessa velha ponte chamada secularização. Muitos defendem a destruição dessa ponte, alegando que ela não serve mais para os dias de hoje, que está superada e já não suporta o tráfego teórico que teimam em querer fazer circular por ela. Outros argumentam que, na verdade, ela nunca levou para lugar algum, e apenas os iludidos a teriam atravessado. Por fim, restam ainda aqueles que, como Bruce, asseguram que, sendo usada corretamente, a ponte continua tão útil e confiável como antes – obviamente, ela não é o único caminho, mas sua destruição significaria abrir mão de uma das melhores vias para se acessar a realidade do papel e da natureza das religiões nas sociedades modernas.

É isso que Bruce busca demonstrar mais uma vez neste artigo, Secularization and the Impotence of Individualized Religion2 2 Publicado originalmente na coletânea The Hedgehog Review – After Secularization, vol. 8, nº 1-2: 35-46. , de 2006. Após passar por dados indicando o declínio das crenças e práticas religiosas em diversos países, Bruce detém-se em um breve esclarecimento de alguns pontos que recorrentemente são ignorados no debate acerca da teoria da secularização, mas que são cruciais no entendimento da mudança no papel que as religiões desempenham no mundo contemporâneo. Aliás, nunca é demais salientar que a teoria da secularização é uma teoria que busca dar conta da mudança social que traz consigo uma mudança religiosa.

Pois bem, a conjunção das noções de pluralismo, igualitarismo e individualismo é fundamental na elucidação proposta por Bruce: não é simplesmente em decorrência da convivência de pessoas com crenças diferentes ou com crença nenhuma (pluralismo) que as sociedades se secularizam. No começo, a perseguição (muitas vezes com um resultado letal) perpetrada pelos grupos de crença majoritários bem como o insulamento confessional (simbolizado pelo lema cujus regio, eius religio) eram suficientes para lidar com o pluralismo. É apenas com o fortalecimento dos ideais de igualitarismo e dos direitos individuais que o pluralismo se torna secularizante. Uma vez que todas as posições e pessoas precisam ser respeitadas, para se evitar um conflito insustentável e divisões sectárias, tanto o Estado quanto o espaço público, e até mesmo as relações interpessoais, precisam se tornar cada vez mais neutros em matéria de crenças religiosas.

Outro mote fundamental da argumentação de Bruce é a rejeição da ideia de que a religiosidade seria algo intrínseco ao ser humano e que o declínio de certas formas tradicionais de religião apenas abriria uma janela para o surgimento de novos movimentos religiosos, ou de novas formas de espiritualidade (como a New Age). De forma combativa e às vezes mordaz, como é característico em muitos de seus textos, Bruce utiliza-se de dados gerados por autores antagonistas para extrair conclusões teóricas contrárias às deles. Os alvos, nesse caso, são principalmente Paul Heelas e Linda Woodhead, dois autores que apostam no crescimento das espiritualidades alternativas para preencher as supostas carências existenciais deixadas pelo avanço da secularização nas sociedades modernas. Conforme a irônica metáfora de Bruce, os próprios dados que aqueles autores apresentam demonstram que tal expectativa seria correspondente a esperar que um trem de brinquedo puxasse vagões de carga reais.

Segundo Bruce, além de cativar poucas pessoas, as religiosidades alternativas também não seriam capazes de gerar um revival religioso nas sociedades modernas pelo simples fato de serem incapazes de fornecer uma base de ação conjunta. Tais espiritualidades são extremamente individualistas: o eu (self) é a autoridade máxima para decidir o que convém ou não em cada prática ou ensinamento; não há visões de mundo compartilhadas, uma fé comum. Com isso, a capacidade de um impacto social mais amplo dessas crenças torna-se muito reduzida. Dessa maneira, Bruce demonstra que uma sociologia da religião feita pelo lado da demanda, que acompanhe quem está religiosamente envolvido e de que modo se dá esse envolvimento, serve para apagar a impressão de efervescência religiosa que se pode ter com uma sociologia limitada a analisar o surgimento de novas formas de ofertas espirituais.

É aqui que também se torna explícito o embate de Bruce com a assim chamada “teoria econômica” ou “teoria da escolha racional” da religião, encabeçada por Rodney Stark, Roger Finke, William Sims Bainbridge e Laurence Iannaccone. Bruce já escreveu um livro inteiramente voltado à crítica dessa teoria3 3 BRUCE, Steve. (1999), Choice and Religion: A Critique of Rational Choice Theory. New York: Oxford University Press. , e de tempos em tempos um dos lados dessa disputa publica algum livro ou artigo provocando o outro com réplicas teóricas e novos dados empíricos4 4 Apenas a título de exemplo, conferir: STARK, Rodney & IANNACCONE, Laurence R. (1995), “Truth? A Reply to Bruce”. Journal for the Scientific Study of Religion, vol. 34, nº 4: 516-9; STARK, Rodney. (1999), “Secularization R. I. P.”. Sociology of Religion, vol. 60, nº 3: 249-73; BRUCE, Steve. (2001), “Christianity in Britain, R.I.P.”. Sociology of Religion vol. 62, nº 2: 191-203. . Porém, enquanto Stark já conta com vários livros traduzidos para o português, até agora não havia nada de Bruce disponível em nossa língua. Portanto, esta tradução, de um texto pequeno e direto ao ponto, busca difundir e tornar mais acessível a obra de Bruce, principalmente aos que estão começando a navegar pelas turbulentas águas da teoria sociológica sobre religião. Afinal de contas, é preciso primeiro conhecer as coisas que há do outro lado antes de almejar queimar as pontes.

Agradeço aos colegas do grupo de estudos “Diversidade religiosa na sociedade secularizada” e ao professor Reginaldo Prandi pela cuidadosa revisão e sugestões que contribuíram enormemente para a realização desta tradução.

Notas

  • 1
    Basta conferir o título de seu mais recente livro acerca da teoria da secularização: Secularization: In Defence of an Unfashionable Theory (2011), publicado pela Oxford University Press.
  • 2
    Publicado originalmente na coletânea The Hedgehog Review – After Secularization, vol. 8, nº 1-2: 35-46.
  • 3
    BRUCE, Steve. (1999), Choice and Religion: A Critique of Rational Choice Theory. New York: Oxford University Press.
  • 4
    Apenas a título de exemplo, conferir: STARK, Rodney & IANNACCONE, Laurence R. (1995), “Truth? A Reply to Bruce”. Journal for the Scientific Study of Religion, vol. 34, nº 4: 516-9; STARK, Rodney. (1999), “Secularization R. I. P.”. Sociology of Religion, vol. 60, nº 3: 249-73; BRUCE, Steve. (2001), “Christianity in Britain, R.I.P.”. Sociology of Religion vol. 62, nº 2: 191-203.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    Mar 2016
  • Aceito
    Maio 2016
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