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O canto da laicidade: Daniela Mercury e o debate sobre casamento civil igualitário no Brasil

Secularity’s song: Daniela Mercury and the debate on equal civil marriage in Brazil

Resumo

A performance pública da cantora Daniela Mercury ao assumir (em 2013) um relacionamento conjugal com outra mulher é tomada como ponto de partida para a discussão sobre moralidades religiosas no contexto de debates acerca do casamento civil igualitário no Brasil contemporâneo. Pretende-se abordar a conflituosa inserção de moralidades religiosas em certos debates públicos sobre direitos, destacando a noção de “subjetivismo” como um valor estruturante da modernidade na produção de sujeitos autônomos em meio a diversas formações religiosas. O debate aqui contido também almeja destacar as tensões entre a formação católica de Daniela Mercury e seu pertencimento atual ao candomblé, problematizando questões sobre homoparentalidade à luz dos valores religiosos professados pela cantora.

Palavras-chave
homossexualidade; homoparentalidade; cidadania LGBT; laicidade; moralidades religiosas

Abstract

The public performance of the singer Daniela Mercury to assume (in 2013) a marital relationship with another woman is taken as a starting point for discussion on equal civil marriage in contemporary Brazil. It is intended to discuss the inclusion of conflicting religious morals in some public debates on rights, emphasizing the notion of “subjectivism” as a structuring value of modernity in the production of autonomous subjects in the face of various religious backgrounds. The discussion herein also aims to highlight tensions between the Catholic formation of Daniela Mercury and her current belonging to Candomblé, questioning points about homoparenthood through of religious values professed by the singer.

Keywords
homosexuality; homoparenthood; LGBT citizenship; secularity; religious morals

Introdução

Daniela Mercury notabilizou-se na transição entre os anos 1980 e 1990, despontando como cantora de um gênero musical então nascente, o axé music, caraterizado pela confluência de várias vertentes musicais tais como frevo, samba, rock, ijexá, reggae, salsa, lambada e samba-reggae. Como o próprio nome destaca, o axé music é um gênero musical plural, que conjuga elementos étnicos e religiosos, advindos de músicas de matriz africana, com uma estética pop carnavalesca e contemporânea (Castro 2010CASTRO, Armando. (2010), "Axé music: mitos, verdades e world music". Per Musi, n° 22: 203-217.; Lacerda 2010LACERDA, Ayêska. (2010), O cacique do Candeal: estudo da trajetória artística de Carlinhos Brown e de suas relações com o mercado da música. Campinas: Tese de Doutorado em Ciências Sociais, UNICAMP.)2 2 Recomendo a leitura de Sovik (2009), que discute os aspectos raciais ligados à atuação performática de Daniela Mercury, e de Santanna (2009), que reflete sobre as trajetórias de cantoras de axé music. .

Desde que assumiu um relacionamento homossexual com a jornalista Malu Verçosa em 2013, Daniela Mercury atraiu para si a luz dos controversos holofotes que, já há algum tempo, estão direcionados às questões relativas à aquisição de direitos civis por parte da população LGBT no Brasil3 3 Inspirado em Weeks (2010:65), compreendo que há uma diferença sensível entre assumir uma identidade sexual e assumir ou ser adepto de determinada prática sexual. No caso de Daniela Mercury, sua postura tem sido a de assumir um relacionamento específico com uma mulher e não propriamente uma identidade lésbica. Contudo, como se poderá verificar nas próximas páginas, sua atuação pública possuiu um conteúdo identitário muito forte e explícito, reposicionando-a como uma militante homossexual em certo sentido, embora haja uma recusa, por parte da cantora, de dizer-se lésbica ou mesmo bissexual. Para efeitos de análise, farei referência ao fato de que Daniela Mercury assumiu um relacionamento homossexual e não uma identidade sexual em si. . Neste cenário de acusações e defesas, que dizem respeito à aprovação do casamento civil igualitário no Brasil, destaca-se uma oposição fortemente polarizada entre moralidades religiosas – que, em geral, manifestam posicionamentos desfavoráveis ao casamento homossexual – e moralidades laicas – engajadas na promoção e conquista de direitos civis relativos à legitimação das identidades sexuais e de gênero em sua diversidade, à autonomia feminina perante o seu próprio corpo (no caso das discussões sobre a descriminalização do aborto) e, finalmente, ao respeito àquilo que é compreendido como laicidade do Estado4 4 Este texto está pautado na discussão sobre o casamento civil igualitário no Brasil, um projeto de emenda constitucional ainda não aprovado no âmbito do poder legislativo, embora desde 2013 casais homossexuais, por decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), possam celebrar o casamento civil em quaisquer cartórios brasileiros, inclusive através da modalidade de conversão jurídica dos contratos de união estável – permitidos por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2011 – em casamentos civis. Ainda que esses casamentos possam ter validade jurídica, o casamento civil igualitário não é um direito garantido constitucionalmente no Brasil. .

A visibilidade pública do relacionamento lésbico assumido por Daniela Mercury aqueceu ainda mais os debates sobre casamento civil igualitário e a posicionou no centro das disputas políticas pelo controle ou obtenção de direitos civis. O que se destaca nesse contexto é o amplo alcance de moralidades religiosas – materializadas pela atuação de parlamentares católicos e evangélicos (de diversas denominações religiosas) – que informam os conceitos nos quais se fundamentam as recusas à concessão de direitos à população LGBT do Brasil. No caso de Daniela Mercury, destacaram-se suas declarações públicas contra a atuação do deputado federal Marco Feliciano, pastor evangélico da Assembleia de Deus, que fora eleito para ser presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados em 2013.

Longe de pretender exaurir questões políticas, como a atuação dos parlamentares com formação cristã no Congresso Nacional, ou mesmo os embates pela conquista de direitos vinculados a uma noção de cidadania LGBT, este texto procura abrir discussões em torno de um caso específico de militância em prol da diversidade sexual e de gênero, protagonizado por Daniela Mercury em 2013, que está inserido nesse contexto político contemporâneo de debates situados na intersecção entre religião e sexualidade. As discussões aqui presentes estão pautadas em alguns eixos, a saber: a) análise da performance pública de Daniela Mercury ao assumir um relacionamento homossexual; b) discussão sobre como a noção de “subjetivismo” opera como valor estruturante da modernidade na produção de sujeitos autônomos em meio a diversas formações religiosas; c) debate em torno da formação religiosa de Daniela Mercury e suas concepções sobre “amor”, “casamento” e “família”.

Metodologicamente, este texto está ancorado na análise dos depoimentos contidos no livro lançado por Daniela Mercury e Malu Verçosa (2013) à luz de parte de uma vasta bibliografia socioantropológica que discute temáticas relativas à religião e à sexualidade. Vale ressaltar que esta análise se estende aos discursos que a cantora proferiu na mídia brasileira e em diversos eventos como, por exemplo, a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (Parada Gay), onde tive a oportunidade de fazer algumas observações que também motivaram a escrita deste texto. Não pretendo esgotar ou responder questões, mas lançar alguns apontamentos, produzindo interpretações sobre um caso midiático com reverberações políticas de muita repercussão no Brasil. A ideia não é apresentar um texto excessivamente biográfico sobre Daniela Mercury, mas utilizar a confissão pública da cantora como mote para apontar questões que possam contribuir com os debates acerca da interface entre sexualidade e religião.

Vozes Dissonantes: apresentando o contexto

Inicialmente, apresento de maneira breve o caso em questão, protagonizado por Daniela Mercury, contextualizando-o no cenário de debates entre agentes públicos (como artistas, parlamentares e a própria mídia brasileira), que compõem um coro de vozes dissonantes, com posicionamentos conflitantes acerca do acesso aos direitos civis por parte da população LGBT do Brasil. Adiante, apresentarei com maiores detalhes outros aspectos biográficos relativos à admissão pública do relacionamento homossexual entre a cantora e a jornalista, a repercussão política desse ato, o casamento celebrado entre elas e os projetos de adoção de mais filhos.

Depois de um tenso processo de negociação com sua nova namorada, Malu Verçosa, a cantora Daniela Mercury publicou em sua conta na rede social Instagram uma montagem fotográfica na qual aparece quase beijando sua parceira, mostrando suas mãos portando alianças de um casamento simbólico celebrado em Paris e, por fim, outras duas imagens em que aparecem vivendo momentos de descontração em sua viagem pela Europa. Como legenda para as imagens, Mercury escreveu: “Malu agora é minha esposa, minha família, minha inspiração para cantar”5 5 O processo de negociação para publicar essa informação no Instagram foi narrado detalhadamente no livro Daniela & Malu: uma história de amor, de autoria de Mercury e Verçosa (2013). O livro será objeto de análise mais adiante. Contudo, a notícia repercutiu em diversos meios de comunicação, especialmente nos sites especializados em notícias sobre celebridades. Ver reportagem: http://celebridades.uol.com.br/noticias/redacao/2013/04/03/daniela-mercury-posta-foto-ao-lado-de-mulher-e-a-chama-de-minha-esposa.htm. Acesso em: 18/12/2014. .

Embora o debate sobre cidadania LGBT no Brasil tenha emergido com grande força nos anos 1990 (Mello 2005MELLO, Luiz. (2005), Novas famílias: conjugalidade homossexual no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Garamond.; Facchini 2005FACCHINI, Regina. (2005), Sopa de letrinhas?: movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 1990. Rio de Janeiro: Garamond.), o atual contexto de discussões em torno das políticas do Estado brasileiro relativas à população LGBT tem ganhado cada vez mais fôlego e visibilidade, especialmente após o ano de 2011, quando o Supremo Tribunal Federal reconheceu como legítima a possibilidade de celebração de contratos de União Estável entre casais homossexuais. Diante deste cenário político, muitos artistas e pessoas públicas têm se posicionado a respeito da diversidade sexual e de gênero, composta por sujeitos cada vez mais articulados politicamente e, portanto, visíveis no país. Nem sempre esses pronunciamentos públicos são confluentes, formando um coro de vozes dissonantes com difíceis possibilidades de harmonização.

Dentro de meus interesses de pesquisa acerca da inter-relação entre artistas femininas e fãs homossexuais (Noleto 2012aNOLETO, Rafael. (2012a), Poderosas, divinas e maravilhosas: o imaginário e a sociabilidade homossexual masculina construídos em torno das cantoras de MPB. Belém: Dissertação de Mestrado em Antropologia, UFPA., 2012b______. (2012b), "O que é que uma diva tem? Cantoras brasileiras, vozes, corpos e poderes vistos por entendidos". Cadernos de Campo, n° 21: 45-63., 2013______. (2013), "Quero ficar no teu corpo feito tatuagem: cantoras brasileiras, fãs homossexuais e performatividade". In: I. P. Nogueira e S. C. Fonseca (orgs.). Estudos de gênero, corpo e música: abordagens metodológicas. Goiânia/Porto Alegre: ANPPOM.), considero relevantes os pronunciamentos da deputada (e ex-atriz) Myrian Rios e das cantoras Claudia Leitte, Joelma (Banda Calypso) e Mara Maravilha. Todas essas mulheres, convertidas a religiões de base cristã, declaram-se como integrantes de diferentes igrejas evangélicas, sendo apenas Myrian Rios vinculada à Igreja Católica a partir de sua ligação com a Renovação Carismática6 6 Diante da impossibilidade de tratar desses pronunciamentos de forma mais específica e detalhada, recomendo a leitura de algumas reportagens publicadas na internet para o entendimento de como esses depoimentos estão inter-relacionados e são mobilizados nesse contexto de discussão sobre direitos civis à população LGBT. No caso de Claudia Leitte, suas declarações diziam respeito à preferência por ter um filho que fosse “macho” ao invés de homossexual. Ver em: http://virgula.uol.com.br/lifestyle/comportamento/claudia-leitte-comenta-declaracao-sobre-preferir-ter-um-filho-macho-sou-muito-verdadeira/. Acesso em: 20/12/2014. A cantora Mara Maravilha afirmou que um beijo entre duas pessoas do mesmo sexo é uma aberração. Ver em: http://veja.abril.com.br/noticia/entretenimento/na-tv-mara-maravilha-chama-gay-de-aberracao. Acesso em: 23/12/2014. A deputada e ex-atriz Myrian Rios posicionou-se contrariamente à PEC 23/2007, que pretendia acrescentar à Constituição do Estado do Rio de Janeiro a orientação sexual como uma das formas de discriminação que fora vetada pelo texto constitucional estadual. Em discurso na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), a deputada defendeu o direito de demitir empregados homossexuais sem o risco de sofrer quaisquer penalidades legais previstas para atos discriminatórios. Myrian Rios usou um argumento controverso a partir do qual aproximou a homossexualidade da prática de pedofilia. Ver em: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/myrian-rios-defende-direito-de-demitir-homossexuais. Acesso em: 20/12/2014. Já a cantora Joelma, vocalista da Banda Calypso, comparou os homossexuais a “drogados”, remetendo à ideia de que a homossexualidade é um vício passível de cura e posicionando-se contra o casamento gay. Ver em: http://colunas.revistaepocda.globo.com/brunoastuto/2013/03/30/joelma-compara-gays-a-drogados-e-diz-ser-contra-casamento-homossexual/. Acesso em: 18/12/2014. Na contramão desses discursos, mães com filhos assumidamente homossexuais aumentam o coro de vozes dissonantes e posicionam-se a favor da homossexualidade, manifestando repúdio às declarações dessas artistas já citadas e da modelo Isabeli Fontana. Ver em: http://caras.uol.com.br/atualidades/maes-de-gays-criticam-famosas-claudia-leitte-joelma-isabeli-fontana-video-canal-poe-na-roda#.VKfxF3trXUA. Acesso em: 19/12/2014. . Seus discursos são contrários à aquisição de direitos civis por parte da população LGBT. Embora não seja o objetivo deste artigo tratar acerca dos posicionamentos públicos emitidos por essas artistas, é importante ressaltar esses discursos como pontos críticos que situam a importância que esse debate ganhou no espaço público. As declarações proferidas por essas mulheres que atuam (ou já atuaram) no campo das artes (e/ou entretenimento) e da política repercutiram amplamente em diversos veículos de comunicação da mídia brasileira. Mais do que isso, esses discursos descortinaram para um público mais amplo, e não necessariamente envolvido com esse tipo de debate, a emergência de moralidades religiosas que visam regular a concessão de direitos civis a certos sujeitos políticos.

Nesse conjunto de vozes femininas, que assumem a identidade de sujeitos conversos a uma confissão religiosa, defendendo valores morais como, por exemplo, o exercício da maternidade heterossexual e a proteção dos filhos contra os “perigos” morais atribuídos à homossexualidade, surge a confissão homossexual de Daniela Mercury, que contribuiu para uma ampla visibilidade das questões de cidadania LGBT já debatidas no âmbito do poder legislativo há mais de uma década (Mello 2005). Precisamente em 2013, período em que o deputado federal Marco Feliciano fora escolhido para presidir a CDHM, esse debate ganhou novo alento com base nas acusações de homofobia, racismo e intolerância religiosa, feitas por militantes de diversos movimentos sociais, relativas aos textos publicados pelo parlamentar nas redes sociais disponíveis na internet.

Os textos, baseados em valores ditos cristãos, expõem ao público a opinião do deputado acerca de três temáticas: 1) uniões afetivas entre homossexuais, 2) as religiões de matriz africana e 3) as condições de miséria e doença vividas por algumas populações do continente africano. Os comentários publicados por Feliciano foram avaliados como de alto teor homofóbico, racista e intolerante à diversidade cultural dos povos e à pluralidade religiosa que caracteriza o mundo contemporâneo, posicionando-o, sob o ponto de vista dos militantes, como um agente político absolutamente inadequado para ocupar o cargo em questão: a presidência da CDHM.

Com relação ao movimento LGBT, o parlamentar foi avaliado com muita rejeição por militantes de todo o país devido à sua postura em defesa da aprovação da retirada de trechos da resolução do Conselho Federal de Psicologia, que versam sobre a proibição da oferta de tratamento psicológico com vistas à “cura” da homossexualidade. Além disso, a atuação de Marco Feliciano na presidência da CDHM mostrou-se empenhada no enfrentamento de outras questões relativas aos direitos reivindicados pelo movimento LGBT, propondo a não aprovação de projetos relacionados ao acesso a direitos de previdência social por parte de casais homossexuais e contestando a Resolução 175/2013 do CNJ, que obriga os cartórios de todo o Brasil a celebrarem casamentos homossexuais. Como resultado dessa avaliação negativa, diversos protestos públicos foram empreendidos nas principais capitais brasileiras contra a permanência do parlamentar nessa comissão7 7 Também não será detalhado aqui o processo de entrada de Marco Feliciano na CDHM nem a rejeição dos movimentos sociais no sentido de destituir o deputado da presidência dessa comissão. Contudo, recomendo a leitura do amplo material publicado na mídia brasileira. Sobre a eleição de Marco Feliciano para presidir a CDHM, ver: http://cd.jusbrasil.com.br/noticias/100380966/pastor-marcos-feliciano-e-eleito-presidente-da-comissao-de-direitos-humanos. Acesso em: 19/12/2014. Sobre a resposta do deputado aos protestos feitos contra sua permanência na CDHM, ver: http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2013-07-01/se-eu-fosse-gay-diria-que-sou-vitima-de-homofobia-diz-marco-feliciano.html. Acesso em: 20/12/2014. A respeito das pautas evangélicas na CDHM, ver: http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2013-12-27/sob-feliciano-comissao-de-direitos-humanos-acelerou-pauta-evangelica.html. Acesso em: 22/12/2014. Acerca da atuação de Marco Feliciano na CDHM e sobre uma avaliação mais ampla do desempenho da comissão, ver: http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1620. Acesso em: 22/12/2014. .

Postas essas vozes dissonantes em cena e antes de empreender uma análise mais detida sobre o caso “Daniela Mercury”, faz-se necessário adentrar o debate sobre a tensa relação entre religião, ethos privado, poder e espaço público. Por um lado, dialogo com as reflexões de Bellah (1976BELLAH, Robert. (1976), "A religião civil na América". Diálogo, vol. 9, n° 2: 14-22.) e Geertz (2001GEERTZ, Clifford. (2001), "O beliscão do destino: a religião como experiência, sentido, identidade e poder" In: ______.GEERTZ, Clifford Nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.), que problematizaram a relação entre poder e religião, atentando para a face pública dos valores religiosos quando postos na cena política8 8 A trajetória de pesquisa acerca da atuação de agentes políticos com formação religiosa na esfera pública brasileira não é recente. Recomendo a leitura de Fernandes et al. (1998); Duarte, Gomes, Menezes e Natividade (2009); e Vital da Cunha e Lopes (2013). . Por outro lado, inspiro-me em Duarte (2005DUARTE, Luiz Fernando Dias. (2005), "Ethos privado e justificação religiosa. Negociações da reprodução na sociedade brasileira". In: M. L. Heilborn et al. (orgs.) Sexualidade, família e ethos religioso. Rio de Janeiro: Garamond., 2006______. (2006), "Ethos privado e modernidade: o desafio das religiões entre indivíduo, família e congregação". In: L. F. D. Duarte et al. Família e religião. Rio de Janeiro: Contracapa.) e Duarte et al. (2006DUARTE, Luiz Fernando Dias et al. (2006), "Família, reprodução e ethos religioso: subjetivismo e naturalismo como valores estruturantes". In: L. F. D. Duarte et al. Família e religião. Rio de Janeiro: Contracapa.) no sentido de compreender o ethos privado como um conceito acerca da existência de uma correlação entre as dimensões existenciais da sexualidade, reprodução, moralidade, conjugalidade e comportamento familiar. Trata-se de dimensões não confessionais da vida dos sujeitos contemporâneos, amparadas por valores laicos que interagem, embora de maneira conflituosa, com disposições de caráter religioso que tentam regular a vigência de certas moralidades no cenário político contemporâneo.

A prévia compreensão desse debate acerca da interface entre religião e poder é necessária devido ao fato de que o caso “Daniela Mercury”, analisado adiante, coloca em relevo uma controvérsia pública já muito conhecida do movimento LGBT: a aprovação do casamento homossexual como um direito constitucional9 9 Esta é uma discussão que começa de maneira embrionária nos anos 1990 até ganhar o formato atual de reivindicação pelo casamento civil igualitário. Mello (2005) realizou importante trabalho acompanhando a tramitação de projetos que visavam aprovar a união civil entre pessoas do mesmo sexo nos anos 1990. Sua pesquisa documentou a dinâmica dos encontros de militâncias LGBTs do período e a emergência de publicações de grande circulação, como a revista Sui Generis, voltadas à produção de um discurso sobre intolerância religiosa, conjugalidades homossexuais e novas configurações familiares. . Embora muitos agentes que se pronunciaram contra a homossexualidade e favoráveis às tentativas de legitimação de processos que visam a “cura gay” não sejam políticos com atuação direta no Poder Legislativo (vide o caso das cantoras Claudia Leitte, Joelma e Mara Maravilha), não é possível ignorar que esses discursos estão no espaço público e alcançam reverberações importantes nos setores mais conservadores da sociedade. Entretanto, como no caso de Marco Feliciano e Myrian Rios, os discursos contrários à diversidade sexual possuem efeitos ainda mais danosos, pois são emitidos por pessoas públicas com poder de legislar10 10 Vale ressaltar que a concepção que utilizo de “controvérsia” e “espaço público” está pautada nas reflexões produzidas, respectivamente, por Montero (2012) e Giumbelli (2008). O conceito de controvérsia é tratado aqui como uma ferramenta teórica à serviço de “compreender como um conjunto de fatos é reunido em um debate público, quais os processos de tradução que transformam o sentido da linguagem ordinária num problema social” (Montero 2012:178). Por outro lado, a concepção de “espaço público” aqui adotada segue as proposições de Giumbelli (2008), que, influenciado por Talal Asad, concebe o “espaço público” como uma arena de disputas ideológicas e, portanto, políticas que está além da esfera normativa, abrangendo as esferas particulares de interação social entre os sujeitos (Giumbelli 2008:97). .

Daniela e Malu: uma história de amor

Retomando o caso utilizado como mote para essa discussão, devo dizer que, após a ampla repercussão midiática do ato público de assumir um relacionamento lésbico, Daniela Mercury experimentou uma exposição que extrapolou o interesse por sua música, centrando-se em sua sexualidade e nos pronunciamentos em que assume a posição de militante. Sugiro que, para a mídia brasileira, as declarações de Mercury (especialmente as críticas dirigidas ao deputado Marco Feliciano) soaram como uma porta de entrada para a discussão da temática da cidadania LGBT através de um caso envolvendo uma grande estrela da música nacional sobre quem nunca foram levantadas suspeitas públicas acerca de sua sexualidade, embora amigos e familiares da cantora soubessem de seus esporádicos relacionamentos homossexuais mantidos ao longo dos anos. O ato público de Mercury também soou como resposta contrária, (talvez) não premeditada, às declarações emitidas pelas cantoras Claudia Leitte, Joelma e Mara Maravilha. Em 2013, o impacto da notícia de seu relacionamento com Malu Verçosa rendeu-lhe a capa dos mais importantes jornais e revistas do país, um enorme protagonismo na Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, além de lhe garantir presença em inúmeros telejornais e websites que compõem a mídia nacional.

A cantora e sua namorada foram convidadas a lançar um livro autobiográfico em que narram os fatos que resultaram no seu envolvimento como casal homossexual, as motivações que as conduziram a assumir publicamente essa relação, a repercussão do ato, a vida conjugal e, por último, o casamento no civil (Mercury e Verçosa 2013). Logo no prefácio, escrito pela poetisa Elisa Lucinda, o livro é classificado como “literatura confessional”, sendo que o texto de abertura faz referência a um amor romântico, que é componente essencial daquilo que denomina como “natureza humana”. O amor, neste caso, “remove montanhas” e é capaz de denunciar que a moral vigente é uma ilusão (Lucinda 2013LUCINDA, Elisa. (2013), "O samba é das moças". In: D. MERCURY e M. Verçosa. Daniela e Malu: uma história de amor. Rio de Janeiro: Leya.:6-12).

O livro segue com depoimentos alternados de Mercury e Verçosa, salpicados com poesias (algumas com conteúdo erótico) escritas por ambas em tom confessional. O que se sobressalta é a produção de um discurso que reitera a sexualidade como uma verdade ontológica dos sujeitos. Os fragmentos dos textos escritos por ambas destacam uma necessidade de “falar a verdade” para garantir o “direito à liberdade” e o respeito às novas formações familiares num contexto contemporâneo em que pode haver “múltiplas maneiras de amar”. Mercury sintetiza:

[...] eu e Malu proclamamos o nosso amor em busca da verdade, do respeito e da liberdade. Declarar meu amor por Malu nesse momento foi um ato político e casar no civil uma legitimação da nossa vida de casal. O Brasil e o mundo têm o desafio de acolher as novas formações familiares. As escolas, as universidades e a sociedade têm que mudar imediatamente sua maneira de tratar as pessoas (Mercury e Verçosa 2013:23).

Além da ênfase confessional, as declarações de Mercury possuem um acento “missionário” no sentido de que assume para si a posição de uma militante cujo compromisso é iluminar consciências acerca da legitimidade moral de casais homossexuais. Os depoimentos atribuídos a Malu Verçosa apresentam um conteúdo no qual a ênfase recai sobre seu processo de transformação em pessoa pública. Contudo, são de Verçosa as declarações mais reveladoras quanto a um amor avassalador que precisa ser explicado. Os trechos em que escreve oferecem longas descrições sobre o poder de sedução e de persuasão que Mercury exerce sobre ela, revelando semelhanças e diferenças entre as duas. Ressalto ainda a declaração em que Mercury afirma que “estava dentro do casulo, mas voltei a ser borboleta. Talvez seja a minha última transformação profunda. Malu e a arte me acordaram de um sono profundo, mais uma vez desabrochei, nasci como flor de meu próprio vestido. O amor... é sempre o amor que salva! E dessa vez, o amor veio na pele de uma mulher” (Mercury e Verçosa 2013:96).

Diante dessas declarações, pretendo problematizar o status da sexualidade como confissão, caracterizada como um sagrado-secular, que expressa valores estruturantes da modernidade com base nos princípios do hedonismo e do individualismo, colocando em tensão o ethos privado e o ethos religioso dos sujeitos. Compartilho da ideia de que “é impossível compreender nosso horizonte cultural sem considerar paradoxalmente ‘religiosa’ a adesão aos valores pertinentes à ideologia individualista” (Duarte 2006:53). Seguindo as pistas desse raciocínio, compreendo que a sexualidade “se tornou um dos pilares da representação do indivíduo (por intermédio do caráter individualizado e individualizante da força libidinal) e um dos componentes intrínsecos da instituição da família restrita” (Duarte 2006:64).

Partindo dessas reflexões, sugiro que a admissão pública de uma identidade ou prática sexual possui um alto teor confessional em sentido ambivalente, que abarca tanto a necessidade de expor uma verdade sobre si quanto o caráter estruturante que coloca o livre exercício da sexualidade como um ideal laico a ser perseguido, professado e testemunhado nos moldes de uma confissão religiosa. Compreendida sob a chave de uma ideologia do indivíduo, baseada na noção de subjetivismo, que opera a partir de uma lógica de valorização da autonomia dos sujeitos diante de valores estruturantes que sufocam ideais hedonistas, a sexualidade é entendida aqui como um sagrado-secular, isto é, como um valor supremo que elucida significativamente as cosmologias modernas de individualização e de busca pelo prazer11 11 Para formular tal ideia, ressalto que estabeleço diálogo direto com a noção de subjetivismo postulada por Duarte et al. (2006). . Neste sentido, o caso “Daniela Mercury” tipifica os efeitos dessa cosmologia da modernidade na medida em que expõe os anseios de uma personalidade pública para ter uma face de sua verdade de si exposta, compreendida e juridicamente legitimada.

Uma cantora Católica Apostólica Baiana

Outro fator a ser problematizado refere-se ao pertencimento religioso de Daniela Mercury: possui uma formação familiar baseada em valores católicos, mas foi iniciada no candomblé quando adulta12 12 Sobre os filhos famosos do Terreiro do Gantois, ver: http://jeitobaiano.atarde.uol.com.br/?tag=terreiro-do-gantois&doing_wp_cron=1420498145.0107519626617431640625. Acesso em: 03/01/2015. . Em diversas entrevistas, a cantora declarou ser “Católica Apostólica Baiana”, referindo-se ao seu pertencimento concomitante a dois regimes diferenciados de crença13 13 Ver entrevista em que fala de suas convicções religiosas: http://youtu.be/Wk414r2P_v8. Acesso em: 20/12/2014. Em programa de televisão, Mercury fala a respeito da coexistência muito acentuada de dois regimes de crença em Salvador (BA), que a cantora denomina como “sincretismo religioso”, embora para a antropologia este seja um termo problemático. Ver em: http://youtu.be/73y80oHy6j8. Acesso em: 18/12/2014. . Ao longo de sua carreira e no livro em coautoria com Verçosa, sempre realçou que sua filiação ao candomblé (no terreiro do Gantois) convive em regime de concordância com a formação católica que recebeu de seu pai, Antônio Abreu (nascido em Portugal), e de sua mãe, Liliana Mercuri (brasileira, mas com cidadania italiana). Esses dois regimes simultâneos de crença evidenciaram-se nos dois rituais de casamento – um simbólico, na França, e um civil, no Brasil – que Mercury e Verçosa realizaram tanto no intuito de sacramentar um relacionamento amoroso quanto de oficializar uma união civil.

Começando pelo casamento simbólico celebrado na França antes mesmo da admissão pública do relacionamento entre as duas, Verçosa narra, na primeira pessoa do plural, que:

[...] queríamos ir às igrejas que tínhamos mais admiração em Paris para trocar as alianças e fazermos nosso ritual secreto e íntimo. Fomos à Basílica de Sacré Coeur e à Igreja de St. Madeleine. Colocamos a aliança e juramos fidelidade, companheirismo e amor. [...] Depois de tudo, jogamos no Rio Sena um buquê de flores que havia comprado para ela durante o dia. Eram flores lindas amarelas, da cor do sol, da cor de Oxum. Ela é filha de Oxalá (Oxaguiã) com Oxum. Eu sou de Iansã. Dizem também que tenho Iemanjá comigo. [...] Parar sobre o rio com as flores amarelas e jogá-las no Sena para Oxum foi a forma que encontramos de pedir proteção aos orixás e de fazer de Paris a Bahia. Era o nosso jeitinho de nos sentirmos em casa, de celebrarmos nossa união com nossos rituais (Mercury e Verçosa 2013:45).

Com relação ao casamento civil no Brasil, Verçosa revela que “budistas e representantes do candomblé se ofereceram para realizar a cerimônia, mas resolvemos não ter um ritual religioso. Queríamos algo com a nossa cara. Somos mulheres de muita fé, com a energia voltada para o bem e não pensamos em fazer nada ligado à religião. O desejo era de ter um ritual artístico, poético e filosófico” (Mercury e Verçosa 2013:169).

Mercury, por sua vez, deu uma interpretação transcendental para o relacionamento com Malu, revelando acreditar que “era coisa planejada por orixá, era amor de amarrar” (Mercury e Verçosa 2013:97). No entanto, essa dimensão mística atribuída pela cantora ao seu relacionamento possui também vínculos fortes com sua formação católica familiar e com sua postura de valorização da autonomia feminina em seus discursos públicos. Assim, a artista diz:

Eu ando por aí me despindo de padrões, que não mais me servem. A minha alma é a anágua da pele, da carne. Essa roupa de baixo que expõe toda a verdade, a criatividade, não tenho pudores, quebro barreiras, fronteiras por força da intuição. Na dança devaneio no espaço, na melodia chamo Malu de Maria. Ela é Maria porque Maria é a ave poderosa, o feminino do mundo. Do meu mundo. Ela é minha Maria desde o dia em que nos beijamos pela primeira vez perto de uma igreja em Salvador, às seis da tarde e o sino tocou. Tive certeza de que não estávamos sós, que Nossa Senhora estava conosco. Nossa Senhora representa, para mim, todas as mulheres do mundo (Mercury e Verçosa 2013:52-53).

Com base nessas interpretações espirituais acerca da união das duas, o casal escolheu a data de 12 de outubro (de 2013), dia de reverência a Nossa Senhora Aparecida, para celebrar o seu casamento no civil. Sobre esse assunto, Verçosa comenta que:

[...] a relação da gente com Nossa Senhora começou desde o primeiro beijo. Parecia um milagre! Os sinos tocando, em frente à igreja de Nossa Senhora da Vitória, em Salvador. Eram seis da tarde em ponto. A luz do fim de uma tarde de verão em Salvador era mais uma bênção. [...] Escolher o dia 12 de outubro (de 2013) para casar, dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, é mais do que uma crença nas bênçãos de Maria. É uma aposta de mudança na percepção do povo brasileiro (Mercury e Verçosa 2013:146-147).

A partir desses dados, pretendo problematizar, por um lado, a questão das ressignificações das prescrições religiosas em nome de uma adequação ao ethos privado dos indivíduos e, por outro lado, as tensões envolvidas nos processos de transmissão religiosa. Parto da hipótese proposta por Duarte (2005) no sentido de considerar que:

[...] a disposição de ethos abraçada pelos sujeitos sociais é [...] o que os impele – em articulação com outros motivos, de múltipla qualidade social – a uma aproximação a tal ou qual opção confessional, à adoção de uma reserva subjetiva em relação às determinações de sua religião atribuída ou à disposição de viver afastado de qualquer instituição religiosa formal (Duarte 2005:139).

No caso em questão, fica evidente que a relação estabelecida por Daniela Mercury com os regimes de crença com os quais se identifica (o catolicismo e o candomblé) produz uma ressignificação dos ditames religiosos, especialmente os de matriz cristã, que se apresentam como mais resistentes à homossexualidade. Ao mesmo tempo que Mercury e Verçosa atribuem ao acontecimento da relação afetiva entre ambas as noções de “milagre”, “bênção” e “proteção” oferecidos por Nossa Senhora (um ser mítico cristão e feminino inserido no contexto de uma relação lésbica), celebram simbolicamente o seu casamento jogando flores para Oxum – orixá que, dentre outras atribuições, rege a feminilidade e a maternidade.

Essa questão de múltiplos regimes de crença concomitantes, em que as novas gerações ressignificam tradições religiosas herdadas de experiências no âmbito da família, remete aos problemas de transmissão religiosa identificados por Hervieu-Léger (2008:61) quando afirma que “toda religião implica, com efeito, uma mobilização específica da memória coletiva”. Assim, considera que o nó da crise da transmissão religiosa se dá pelo fato de que:

[...] as sociedades modernas são cada vez menos sociedades de memória. Ao contrário, são governadas, de um modo mais ou menos imperioso, pelo paradigma da imediatez. Além do mais, é porque chegaram a romper o elo da memória obrigatória da tradição que se tornaram sociedades de mudança, erigindo a inovação como regra de conduta. [...] Não é por serem idealmente sociedades racionais que as sociedades modernas são tão a-religiosas: é porque são sociedades amnésicas, nas quais a crescente impotência para manter viva a memória coletiva portadora de sentido para o presente e orientações para o futuro representa uma fundamental carência (Hervieu-Léger 2008:62-63).

Como resultado dessa configuração amnésica das sociedades contemporâneas, emergem os crentes bricoladores, ou seja, indivíduos que combinam elementos religiosos diversos, “criando, a partir de suas experiências e expectativas pessoais, pequenos sistemas de significação que dão um sentido à sua existência” (Hervieu-Léger 2008HERVIEU-LÉGER, Danièle. (2008), O peregrino e o convertido: a religião em movimento. Petrópolis: Vozes.:63). Em relação às bricolagens religiosas de Daniela Mercury, há que se considerar que ela, em si, é um sujeito inserido nessas dinâmicas contemporâneas de atribuição de sentidos ao religioso, não desconsiderando, obviamente, os processos históricos do colonialismo, que colocaram em convivência regimes de crença católicos e de matriz africana no Brasil.

Outro ponto importante, perceptível nos relatos de Mercury e Verçosa, diz respeito à compreensão do mundo e das pessoas sob a perspectiva arquetípica evocada pela mitologia do candomblé. Em vários trechos do livro, a jornalista descreve a cantora como uma mulher determinada, que possui posições ideológicas firmes e que concretiza seus objetivos práticos. Ao mesmo tempo, refere-se a ela como quem “é doce como mel”, tem olhos de “mel derramado”, uma “beleza desconcertante” e, por todos esses predicados, sempre convence Verçosa a fazer o que pretende. A jornalista, filha de Iansã, orixá feminino caracterizado por ser quase indomável, chega a afirmar: “Nunca fui tão ‘dominada’ pelo amor e pela paixão” (Mercury e Verçosa 2013:111). Ainda que indiretamente e talvez não intencionalmente, essas declarações evocam o mito de matriz africana em que Oxum (uma das entidades tutelares de Daniela Mercury) seduz Iansã (orixá regente de Malu Verçosa) e tem com ela uma relação homossexual (Prandi 2001PRANDI, Reginaldo. (2001), Mitologia dos orixás. São Paulo: Companhia das Letras.:325-326)14 14 De acordo com Prandi (2001:325-326), há um mito em que Oxum seduz Iansã, conseguindo manter uma relação homossexual com ela. A narrativa do mito não fornece maiores dados acerca da duração dessa relação, mas dá a entender que foi um ato sexual fortuito, relatando que logo Oxum partiu para uma nova conquista afetiva. Iansã a procurou para castigá-la, o que fez com que Oxum se refugiasse no fundo do rio, onde estabeleceu morada permanente. .

A literatura antropológica aponta que, para os adeptos de religiões de matriz africana, a regência do orixá é caracterizada por sua forte influência arquetípica na personalidade de seus filhos e no entendimento do mundo que eles manifestam (Segato 2004SEGATO, Rita. (2004), "Inventando a natureza: família, sexo e gênero no Xangô do Recife". In: MOURA C. E. M. (org.). Candomblé: religião do corpo e da alma: tipos psicológicos nas religiões afro-brasileiras. Rio de Janeiro: Pallas.). Neste caso, Daniela Mercury é citada como filha de Oxaguiã (uma versão jovem de Oxalá) com Oxum, divindades que dão à cantora, respectivamente, as qualidades de determinação e doçura. Malu Verçosa é filha de Iansã com Iemanjá, divindades femininas que, de maneiras diferentes, estão ligadas à justiça, ao poder feminino, à maternidade e ao apreço pelo respeito às hierarquias.

De acordo com Segato (2004:53), os orixás descrevem a personalidade e não a sexualidade de seus filhos. Neste sistema de compreensão, os orixás masculinos são caracterizados por sua “autonomia” enquanto os femininos são marcados por sua “dependência”. A partir de trabalho de campo no Xangô do Recife, Segato propõe que os orixás se apresentam dispostos de acordo com gradações de masculinidade e feminilidade, que determinam o grau de “autonomia” ou “dependência” de seus filhos para enfrentar os desafios do cotidiano15 15 Embora suas formulações estejam baseadas em trabalho de campo feito no Xangô de Recife, percebo que essa gradação de masculinidades e feminilidades atribuídas a esses orixás é compartilhada entre os adeptos de outras religiões de matriz africana como, por exemplo, a umbanda, a jurema e o próprio candomblé. . De acordo com as gradações do masculino, Ogum (que rege a guerra e a produção de metais) aparece como epítome de masculinidade, Xangô (regente da justiça) é tido como um pouco menos masculino devido à sua emotividade e afetividade mais aparentes e, por fim, Orixalá (pai de todos os orixás) é o último na hierarquia de masculinidade, sendo considerado mais amável, apesar de ser muito autônomo e inflexível em suas opiniões (Segato 2004:52)16 16 Orixalá é também chamado de Oxalá. Manifesta-se em suas versões jovem (Oxaguiã) e velha (Oxalufã). . Na hierarquia dos orixás femininos, Oxum (com sua sensualidade e infantilidade) é considerada a mais feminina, Iemanjá (mãe dos orixás e representada como uma autoridade moral mais velha) é vista como um pouco menos feminina e, finalmente, Iansã (divindade dos ventos e dos raios) é percebida como sendo bem masculinizada quanto à sua autonomia, chegando ser classificada como de personalidade andrógina (Segato 2004:52).

Essa percepção mitológica do mundo e dos sujeitos é relevante para que os adeptos da religião deem sentido às suas relações, compreendendo melhor os tipos de interação que têm com as pessoas. No caso de Daniela Mercury e Malu Verçosa, essas mitologias ajudam a compreender como, a partir dessas escalas de masculinidade e feminilidade, representadas por noções de “autonomia” e “dependência”, Daniela (Oxaguiã) e Malu (Iansã) encontram-se, respectivamente, nas fronteiras entre o masculino e o feminino. Ou seja, seus orixás regentes estão posicionados na zona limítrofe em que o orixá-homem mais feminino (Oxaguiã) se aproxima hierarquicamente do orixá-mulher mais masculino (Iansã). De alguma forma, isso justificaria, em parte, o modo como Mercury e Verçosa descrevem a si mesmas em seu livro, apresentando-se como mulheres “fortes”, mas ainda assim “femininas”, isto é, situadas nessas fronteiras arquetípicas de “autonomia” e “dependência” sugeridas pelas mitologias de matriz africana. O modo como relatam a “coragem” e a “determinação”, mas também a “dúvida” e o “medo” do enfrentamento da admissão pública de seu relacionamento afetivo, é, em parte, influenciado pela própria percepção que constroem de si mesmas à luz de uma cosmologia afro-religiosa.

Homoparentalidade (e casamento) em questão

Outra temática que se sobressai no caso analisado é a da homoparentalidade. Além dos dois filhos biológicos (Gabriel e Giovanna) fruto do primeiro casamento da cantora, Mercury e Verçosa declaram possuir três filhas adotivas (que já haviam sido adotadas pela artista antes de seu relacionamento com a jornalista) e que pretendem aumentar a família com filhos adotados ou biológicos17 17 Ver em: http://gshow.globo.com/programas/tv-xuxa/por-tras-das-cameras/noticia/2013/09/daniela-mercury-pensa-em-ter-filhos-com-a-mulher-malu-adotados-ou-biologicos.html. Acesso em: 19/12/2014. Ver em: http://m.caras.uol.com.br/mobilesite/page//viagem/daniela-mercury-e-malu-vercosa-felicidade-aumentar-familia-the-voice-kids-casamento. Acesso em: 03/01/2015. . Os depoimentos da autobiografia contam sobre o cotidiano com as filhas adotivas, o empenho mútuo em educá-las e a vontade de que reconheçam em Verçosa uma figura materna (Mercury e Verçosa 2013:98-99).

Vale ressaltar que, durante todo o livro, há uma preocupação em fixar a imagem da relação entre ambas como união afetiva, sem negar um caráter sexual, mas enfatizando o amor como motivação para o relacionamento. Ao mesmo tempo que moralizam a relação através da retórica do amor, abrem precedentes para que a homoparentalidade resultante dessa relação seja legitimada. “O que queríamos deixar transparecer nas fotografias que seriam usadas na comunicação oficial era o nosso amor, cumplicidade, compromisso e paixão” (Mercury e Verçosa 2013:60). Sugiro que este tipo de declaração do casal serve para moralizar a relação homoafetiva que constituíram, agenciando para si as categorias morais e emocionais do amor, da fidelidade e do compromisso conjugal. A afirmação contínua do afeto, sem dúvida, possui um efeito moral calcado na expressão dos sentimentos como estratégia de sensibilização à questão da cidadania LGBT.

De diversas maneiras, o recurso ao amor como base fundamental para a sustentação das relações conjugais homossexuais continua sendo, decerto, o argumento central das reivindicações em torno da aprovação do casamento civil igualitário em muitos países (Almeida 2006ALMEIDA, Miguel Vale de. (2006), "O casamento entre pessoas do mesmo sexo. Sobre 'gentes remotas e estranhas' numa 'sociedade decente'". Revista Crítica de Ciências Sociais, n° 76: 17-31.). Se as reivindicações pelo casamento civil igualitário utilizam uma argumentação que explora uma retórica do sentimento e da moral, esses discursos abrem caminho para a moralização das constituições familiares homoparentais (Tarnovski 2004TARNOVSKI, Flávio Luiz. (2004), "'Pai é tudo igual?': significados da paternidade para homens que se autodefinem como homossexuais". In: A. Piscitelli et al. (orgs.) Sexualidade e saberes: convenções e fronteiras. Rio de Janeiro: Garamond.). Embora “casamento” e “homoparentalidade” sejam duas dimensões diferentes de uma proposta contemporânea de acesso aos direitos civis por parte da população LGBT, essas dimensões estão correlacionadas e operam a partir da produção de legitimidades que geram também domínios ilegítimos da sexualidade. O desafio a ser enfrentado consiste na crise normativa em que “a esfera da aliança íntima legítima é estabelecida graças à produção e à intensificação de zonas de ilegitimidade” (Butler 2003BUTLER, Judith. (2003), "O parentesco é sempre tido como heterossexual?". Cadernos Pagu, n° 21: 219-260.:226).

Quanto a Daniela Mercury e Malu Verçosa, pretendo dizer que a adoção das filhas e a pretensão de aumentar a família possui algumas motivações anteriores à relação das duas e algumas implicações posteriores que estimulam o debate sobre novas configurações familiares. No caso das motivações anteriores, refiro-me particularmente à atuação de Daniela Mercury como embaixadora do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) há pelo menos dezoito anos, na representação do Instituto Ayrton Senna e na criação de seu próprio instituto para prestação de serviços sociais através da arte, denominado Sol da Liberdade – nome de uma das músicas de sua autoria (Mercury e Verçosa 2013:164). Em quase todo o seu percurso artístico, a cantora sempre esteve envolvida com causas sociais, especialmente com temáticas ligadas à infância, à promoção da igualdade social, à difusão da arte nas periferias, e ao combate à prostituição e ao trabalho infantil18 18 Nos anos 1990, estrelou um comercial de combate à prostituição infantil. Até o momento não foram encontradas imagens em vídeo desse comercial para disponibilizá-lo neste texto. Mas há exemplos de diversos outros comerciais que fez em campanhas para o UNICEF e outras fundações. Ver em: http://youtu.be/aLPiboVNS9o; http://youtu.be/WatKJruEL5w; http://youtu.be/GKvksiYl-2I; http://youtu.be/ncx_ocKfA7I. Acesso em: 20/12/2014. . Como parte de sua atuação política, destacaria ainda o seu compromisso em desenvolver um repertório que também valorize os blocos afro de Salvador (como, por exemplo, o Ilê Aiyê) dentro do contexto de produção musical da axé music.

Por toda essa trajetória, considero que a temática da adoção sempre esteve, de alguma maneira, presente em seu projeto de vida, ainda que não estivesse vivenciando um relacionamento lésbico. Sugiro que a formação familiar cristã de Daniela Mercury e a atuação profissional de sua mãe, Liliana Mercuri, como assistente social foram fatores decisivos para que, de maneira concomitantemente religiosa e política, a cantora cultivasse a intenção de adotar filhos19 19 Em entrevista, a cantora fala de sua formação cristã e da influência que o trabalho de sua mãe como assistente social exerceu sobre ela e seus irmãos. No minuto 7’13”, aborda o trabalho social desenvolvido por sua mãe. No minuto 28’, discursa sobre o peso de sua formação católica em relação à sua crença no casamento como sacramento religioso. Ver em: https://youtu.be/30i_-Ov6Rww. Acesso em: 03/03/2015. . Por outro lado, se levarmos em consideração essa compreensão cosmológica do mundo à luz da mitologia do candomblé de que falei há pouco, Daniela Mercury é filha de Oxaguiã, um orixá idealista, que também manifesta sua força de trabalho através da defesa dos direitos humanos e das pessoas a quem considera injustiçadas socialmente.

Aliás, o seu pertencimento ao candomblé e o consequente contato com formações familiares com base no parentesco de santo e, muitas vezes, dentro de arranjos familiares com características homoparentais são também um fator relevante, e anterior à relação da artista com Malu Verçosa, para que a adoção de filhos por parte da cantora estivesse em perspectiva. Segato (2004) argumenta que, para além de razões cosmológicas, há razões históricas importantes que justificam tanto as formações baseadas no parentesco de santo quanto a naturalização da homoparentalidade no interior das religiões de matriz africana. A autora propõe que o regime escravocrata no Brasil dissolveu as famílias dos escravos ao submetê-los à escravidão, enfraquecendo o poder que os homens negros poderiam exercer sobre suas mulheres. A própria “ênfase na heterossexualidade, então, se não desapareceu, foi, provavelmente, debilitada e [...] quando a heterossexualidade deixou de ser promovida ativamente pelos mecanismos da cultura, ela continuou apenas como uma das opções possíveis e não mais como a prática exclusiva e natural” (Segato 2004:89). Contribuiu-se, portanto, para a emergência de um novo regime de compreensão do gênero e da sexualidade, no qual o matrimônio perdeu força e a ênfase na heterossexualidade também foi enfraquecida como norma, permitindo que a homossexualidade, de algum modo, fosse “tradicionalizada” no contexto dos cultos. Entre os filhos de santo, a antropóloga identificou ainda uma “preferência explícita pelas relações de parentesco fictício” (Segato 2004:91), evidenciando que a escravidão alterou a percepção relativa ao parentesco “de sangue”. Se a família negra foi dissolvida pelo regime escravocrata, a família de santo, por razões tanto cosmológicas quanto históricas, ganhou preeminência quanto à família de sangue.

Contudo, a intenção de ter filhos “adotados ou biológicos”, manifestada por Mercury e Verçosa, lança questões sobre os processos de reprodução assistida. Ainda que não seja possível saber em que condições e a partir de quais tecnologias de reprodução o casal teria filhos biológicos, essas modalidades de concepção contemporâneas colocam em pauta as possibilidades de contornar as relações sexuais heterossexuais através das tecnologias de reprodução, que produzem “mães sem sexo” (uma afronta cultural aos setores mais conservadores das sociedades modernas) tão bem nomeadas na controvérsia problematizada por Strathern (1995STRATHERN, Marilyn. (1995), "Necessidade de pais, necessidade de mães". Estudos feministas, vol. 3, n° 2: 303-329.). Esses processos de constituição de novas famílias e de novas maneiras de conceituar a própria ideia de concepção são contextuais e históricos, forjados na intersecção de sistemas de compreensão distintos, como a religião e o direito, que atuam em conjunto na regulação da vida social, provando que o social ressignifica o biológico e modifica as noções que se constroem em torno da ideia de “natureza” (Luna 2009LUNA, Naara. (2009), "Simbólica do parentesco e religião no Ocidente: uma abordagem histórico-cultural". In: E. C. Gomes (org.). Dinâmicas contemporâneas do fenômeno religioso na sociedade brasileira. São Paulo: Ideias e letras.).

A estrela e o pastor: acusações recíprocas

O ano de 2013 foi marcado por intensos protestos políticos no Brasil, especialmente aqueles protagonizados pelo Movimento Passe Livre de São Paulo, cujas reivindicações vociferavam contra o aumento na passagem de ônibus na cidade, clamando, inclusive, pelo acesso gratuito ao transporte público. Além desta pauta, muitos foram os protestos e várias foram as motivações que os ensejaram: causas indígenas, corrupção política, posicionamentos contrários à realização da Copa do Mundo no Brasil, manipulação de informações pela mídia de massa brasileira e, finalmente, reinvindicações por acesso a direitos civis por parte da população LGBT20 20 Sabendo do escopo deste texto e o espaço a ele destinado, não abordarei com mais detalhes aspectos relativos a estas manifestações. . Dentre esses protestos, foram notáveis as manifestações contra a permanência do deputado (e pastor) Marco Feliciano na presidência da CDHM. Nesse contexto político conturbado, a emergência do relacionamento homossexual vivido por Daniela Mercury ganhou uma dimensão política que a colocou, junto com o deputado Jean Wyllys (defensor de causas LGBTs), como figura pública de oposição à atuação de Feliciano21 21 A oposição Mercury/Feliciano foi tratada em reportagem sobre a Parada Gay de São Paulo. Ver em: http://oglobo.globo.com/brasil/parada-gay-ataca-feliciano-consagra-daniela-mercury-8567087#ixzz3NlID5gh8. Acesso em: 02/01/2015. .

Com relação a Wyllys, sua atuação como parlamentar é marcada por intensos embates com lideranças pentecostais acerca da temática da sexualidade. Nesse cenário, também ganharam destaque seus enfrentamentos públicos com o pastor Silas Malafaia em torno de questões diretamente relacionadas a projetos de lei que colocam em pauta concepções conflitantes de laicidade do Estado e suas implicações no acesso aos direitos civis por parte da população LGBT. Assim,

[...] o debate entre Malafaia e Jean Wyllys é paradigmático neste sentido: de um lado, temos um deputado que não reconhece a religião como uma linguagem legítima para participar das discussões públicas e, portanto, a exclui por antecipação do debate, em uma clara estratégia em prol da garantia de direitos civis de minorias representadas pelos movimentos LGBT e feminista; de outro, um pastor que não exclui nenhuma linguagem, aceita o debate, fagocitando de forma voraz e beligerante todas as linguagens (política, religiosa, jurídica, genética, sociológica, antropológica), pondo em risco na sua tradução, contudo, a garantia de direitos civis das já referidas minorias. O que está em jogo, na verdade, são conceitos assentados em bases axiológicas distintas e que, portanto, apontam para projetos de sociedade bem diferentes, ou melhor, antagônicos (Campos, Gusmão e Mauricio Junior 2015CAMPOS, Roberta B. C.; GUSMÃO, Eduardo H. A.; MAURICIO JUNIOR, Cleonardo G. B. (2015), "A disputa pela laicidade: uma análise das interações discursivas entre Jean Wyllys e Silas Malafaia". Religião e Sociedade, vol. 35, n° 2: 165-188.:177).

Quanto aos embates públicos entre Marco Feliciano e Daniela Mercury, o deputado e pastor acusou a cantora de usar um relacionamento lésbico para alavancar sua carreira, que, de acordo com as palavras de Feliciano, estaria estagnada22 22 Ver em: http://youtu.be/ulxJ3fi0eCc. Acesso em: 18/12/2014. . Por sua vez, a cantora fez diversos pronunciamentos contra o pastor e os dogmas de religiões cristãs23 23 Declarou: “Quem precisa de pastores são ovelhas”. Ver em: http://ego.globo.com/famosos/noticia/2013/06/daniela-mercury-desabafa-quem-precisa-de-pastores-sao-ovelhas.html. Acesso em: 19/12/2014. . Entretanto, foi na Parada Gay de São Paulo que sua voz ganhou maior reverberação. Estive presente no evento pelo interesse que tinha na repercussão desses acontecimentos. Por volta das 15h, na confluência entre a Avenida Paulista e a Rua da Consolação, Daniela Mercury subiu no trio elétrico e cantou seus maiores sucessos. Entre uma música e outra, vários pronunciamentos a favor da diversidade sexual, da igualdade racial e da pluralidade religiosa, três pautas políticas sobre as quais Feliciano manifestou posicionamentos controversos.

Sob os pingos da chuva leve que caía naquela tarde, muitos ativistas gays dançavam ao som de Daniela Mercury. Olhando ao redor, percebi que, além de militantes, havia um número considerável de fãs da cantora, a maioria homens, que sabiam cantar de cor as suas músicas menos conhecidas. Aparentavam ter entre 30 e 40 anos, ou seja, eram crianças ou adolescentes quando a cantora alcançou o estrelato sob o apelido de “furacão baiano”. Alguns deles, visivelmente emocionados, enxugavam suas lágrimas ao ver a artista tão próxima. Enquanto acompanhava o show, ouvi um homem contar para o seu namorado que nunca tivera oportunidade de assistir a cantora antes. Em cima do trio, estavam Marta Suplicy, Jean Wyllys e o estilista Alexandre Herchcovitch. Havia também duas dançarinas que se beijaram diversas vezes ao longo do percurso. Entre um discurso e outro, Daniela apresentou Malu ao público presente e foi ovacionada. Nos prédios, muitas pessoas acenavam de suas janelas e algumas delas interagiam com a cantora, segurando cartazes com frases de apoio à artista ou mesmo com “cantadas” talvez dirigidas a ela. Ao ler um desses cartazes, Daniela sorriu. A mensagem, ostentada por uma mulher na janela de um sobrado, dizia: “Sapatão carente quer beijar”. Ao fim do trajeto, quase à frente da Igreja da Consolação, Daniela se despediu entoando o seu maior sucesso, “O canto da cidade”. E a cidade de São Paulo, ali representada por sua população LGBT, cantou, dançou e reverenciou aquela que é considerada a rainha do axé.

Das acusações às religiões de base cristã feitas no trio elétrico para as declarações de seu livro, Mercury afirma que “há séculos, as religiões tiram o poder da mulher e tentam transformá-la num mero instrumento sexual à serviço da reprodução da espécie e inevitavelmente subordinada ao homem. [...] A bíblia é um tratado machista” (Mercury e Verçosa 2013:123-124). Embora não seja o propósito reproduzir aqui todas as declarações da cantora contra os preceitos cristãos, quero colocar em pauta o fato de que todos os seus pronunciamentos são proferidos no sentido de congelar o religioso como o domínio do conservadorismo. Suas falas reproduzem um senso comum disseminado que fixa a religião como um sistema atávico e imutável de regulação da vida social. Ainda que esses discursos sejam compreensíveis e absolutamente aceitáveis, do ponto de vista da militância, como estratégia retórica, é necessário notar que o religioso nem sempre está colado a posições reacionárias.

Destaco as reflexões de Mariz e Machado (1996MARIZ, Cecília Loreto; MACHADO, Maria das Dores Campos. (1996), "Pentecostalismo e redefinição do feminino". Religião e Sociedade, vol. 17, n° 1-2: 140-159. ) no sentido de ponderar que, embora o pentecostalismo não esteja comprometido com uma agenda política feminista, ele ajuda a reconfigurar certas assimetrias de gênero através de uma gradual inserção das mulheres convertidas em esferas públicas de relação e também por meio do encorajamento dessas mulheres à gestão de suas vidas conjugais e familiares, resultando em uma mudança nos conceitos de indivíduo e de liberdade individual nos quais essas mulheres acreditam. Nessa mesma lógica, Galvão (1997GALVÃO, Jane. (1997), "As respostas religiosas frente à epidemia de HIV/AIDS no Brasil". In: R. Parker (org.). Políticas, instituições e Aids: enfrentamento à epidemia no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar/ABIA.) evidencia que, no contexto de epidemia de HIV/AIDS no Brasil, muitas respostas religiosas, especialmente as católicas, se moveram no sentido de promover a prevenção contra o vírus, ainda que essas ações resultassem em prescrições do uso do preservativo, contrariando os posicionamentos oficiais da Igreja.

Essas pesquisas operam com o entendimento de que as convenções religiosas acerca da sexualidade e da gestão que os indivíduos devem ter em relação à sua castidade são modificáveis ao longo da história (Brown 1990BROWN, Peter. (1990), Corpo e sociedade: o homem, a mulher e a renúncia sexual no início do cristianismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.). Por outro lado, no campo das religiões de matriz africana, há um senso comum que as projeta como religiões completamente abertas à diversidade sexual e de gênero. Certamente, com base num amplo leque de pesquisas anteriores (Landes 2002LANDES, Ruth. (2002), A cidade das mulheres. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.; Fry 1982FRY, Peter. (1982), Para inglês ver: identidade e política na cultura brasileira. Rio de Janeiro: Zahar.; Birman 1995BIRMAN, Patrícia. (1995), Fazer estilo criando gênero. Rio de Janeiro: Relume Dumará/EDUERJ.; Moutinho 2005MOUTINHO, Laura. (2005), "Homossexualidade, cor e raça entre o povo de santo no Rio de Janeiro". In: M. L. Heilborn et al . (orgs.). Sexualidade, família e ethos religioso Rio de Janeiro: Garamond.), é possível enxergar que a convivência com a homossexualidade é um fato que, de alguma maneira, se “tradicionalizou” nos cultos afro-religiosos (Segato 2004). Contudo, é necessário atentar para a complexidade dos ditames religiosos que, mesmo no contexto das afro-religiões, produzem interdições a certos papéis rituais com base em critérios de performatividade de gênero (Rios 2012RIOS, Luís Felipe. (2012), "O paradoxo dos prazeres: trabalho, homossexualidade e estilos de ser homem no candomblé queto fluminense". Etnográfica, vol. 16, n° 1: 53-74.).

É no próprio campo das igrejas evangélicas, combatido por militantes e pela própria Daniela Mercury, que surgem respostas religiosas apaziguadoras com relação à homossexualidade, pois “o protestantismo desponta contemporaneamente como segmento cristão afeito às mudanças e consciente das dinâmicas de transformações socioculturais mais amplas, com incrível capacidade de inovação e espaço para rupturas” (Natividade e Oliveira 2013NATIVIDADE, Marcelo; OLIVEIRA, Leandro de. (2013), As novas guerras sexuais: diferença, poder religioso e identidades LGBT no Brasil. Rio de Janeiro: Garamond.:122). De fato, há predomínio de igrejas mais conservadoras que encorajam processos de “combate da castidade”. Mas, por outro lado, é possível perceber que há igrejas que ressignificam os sentidos da homossexualidade para uma adequação à vida cristã (Natividade 2003NATIVIDADE, Marcelo . (2003), "Carreiras homossexuais no contexto do pentecostalismo: dilemas e soluções". Religião e Sociedade, vol. 23, n° 1: 132-152., 2005______. (2005), "Homossexualidade masculina e experiência religiosa pentecostal". In: M. L. Heilborn et al. (orgs.). Sexualidade, família e ethos religioso. Rio de Janeiro: Garamond., 2007______. (2007), "O combate da castidade: autonomia e exercício da sexualidade entre homens evangélicos com práticas homossexuais". Debates do NER, vol. 12, n° 2: 79-106., 2008______. (2008), Deus me aceita como eu sou: a disputa sobre o significado da homossexualidade entre evangélicos no Brasil. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia Social, UFRJ., 2010______. (2010), "Uma homossexualidade santificada? Etnografia de uma comunidade inclusiva pentecostal". Religião e Sociedade, vol. 30, n° 2: 90-121.).

Considerações Finais

A admissão pública de um relacionamento lésbico por parte de uma artista como Daniela Mercury suscita debates que apontam para muitos caminhos. Tentei, minimamente, nomeá-los, indicando possibilidades de discussão à luz de uma literatura socioantropológica. O Brasil contemporâneo é um cenário de disputas políticas ancoradas em moralidades que visam o controle da vida social, afetando diretamente o ethos privado dos indivíduos e os colocando em tensão com os valores religiosos que são professados no espaço público.

Na prática, assistimos a um jogo acusatório entre, de um lado, os movimentos LGBT e feminista, que acusam o pentecostalismo ativista de representar o fundamentalismo religioso brasileiro, e, do outro, os pentecostais, que respondem acusando aqueles de buscarem privilégios. Um embate entre concepções de laicidade que se dá através de retóricas e práticas nas quais ora se afirma a religião como direito e se defende a legitimidade de sua presença no espaço público, ora lhe negam o reconhecimento com indignação e sarcasmo (Campos, Gusmão e Mauricio Junior 2015:180).

Durante o tempo em que estive dedicado à compreensão do caso “Daniela Mercury” em meio ao contexto de disputas no cenário político brasileiro, ouvi diversas vezes que a cantora só havia assumido sua relação lésbica por conta de uma estratégia de marketing para alavancar sua carreira. Não nego que Mercury tenha se beneficiado dessa exposição, mas também percebo que sua associação com causas LGBTs pode tê-la prejudicado comercialmente. Ressalto ainda que este tipo de acusação, que se refere à exposição da vida íntima como estratégia de marketing, é muitas vezes relevado e naturalizado quando celebridades – especialmente as femininas – aparecem nas capas de revistas ostentando um novo amor heterossexual ou disputando espaços midiáticos para expor as primeiras fotos de seus filhos recém-nascidos. Essa naturalização é a própria suposição da heterossexualidade como única via de exercício da sexualidade, que reproduz o conto de fadas das “princesas” em busca de “príncipes” redentores e que fixa a maternidade conjugal/heterossexual como norma.

Contudo, a crítica que faço à Daniela Mercury refere-se ao tom “messiânico” que é perceptível em seus discursos públicos. Muitas vezes, a cantora transparece se posicionar como uma “salvadora” da comunidade LGBT brasileira, supervalorizando o seu casamento com Malu Verçosa como um divisor de águas a partir do qual os direitos civis relativos à diversidade sexual estariam plenamente assegurados. Não negligencio a importância de seu casamento como um ato político nem recuso a relevância positiva de sua notoriedade como artista para contribuir com a visibilidade das pautas LGBTs. Pondero apenas que, na verdade, a possibilidade de assumir um relacionamento lésbico e realizar um casamento homossexual é consequência de uma longa e conflituosa trajetória de lutas da qual todo o movimento LGBT, em âmbito internacional, é protagonista. Assim, considero que foi o movimento LGBT que abriu caminhos para que Daniela Mercury pudesse celebrar um casamento lésbico, e não o contrário. O casamento de Mercury e Verçosa é consequência de conquistas históricas que o precederam e não causa de vitórias posteriores embaladas pela fama e protagonismo militante assumido pela artista somente a partir de 2013.

Nos embates para assegurar um modelo de laicidade para o Estado brasileiro, a sexualidade emerge como algo assemelhado a uma confissão religiosa à qual se deve aderir para fixar-se em um dos polos de disputa. A sexualidade é representativa do princípio hedonista que marca o subjetivismo como um dos valores estruturantes da modernidade. Por outro lado, o caso “Daniela Mercury” evidencia as múltiplas possibilidades de negociação com o religioso a partir da produção de crenças bricoladas à serviço do ethos privado abraçado pelos sujeitos políticos. Por fim, as categorias de afeto (amor) e de moralidade (compromisso) aparecem como recursos retóricos que visam moralizar a conjugalidade homossexual e a homoparentalidade, abrindo caminhos cada vez mais largos para o acesso aos direitos civis, embora criando zonas de ilegitimidade sexual não reconhecidas pelo Estado e que precisam constar na pauta política como problema a ser enfrentado.

Como pude perceber durante a Parada Gay de São Paulo, Daniela Mercury não está sozinha: sua voz une-se à voz de uma multidão. Sua obra suscitou debates sobre relações raciais no Brasil (Sovik 2009) por causa de seu protagonismo na difusão nacional do samba-reggae através da proximidade que sempre manteve com a música “negra” produzida pelos blocos afro de Salvador – especialmente o Ilê Aiyê, que encabeçou um processo de “reafricanização” da cultura popular urbana da capital baiana (Pinho 2005PINHO, Osmundo. (2005), "Etnografias do brau: corpo, masculinidade e raça na reafricanização em Salvador". Estudos Feministas, vol. 13, n° 1: 127-145.). Hoje, a performance pública de Daniela Mercury suscita também discussões em torno dos direitos civis da população LGBT. Mais do que “O canto da cidade”, sua voz parece entoar, desta vez, o canto da laicidade.

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    » http://youtu.be/WatKJruEL5w
  • UNICEF. (s.d.), Daniela Mercury PSA. Disponível em: http://youtu.be/GKvksiYl-2I Acesso em: 20/12/2014.
    » http://youtu.be/GKvksiYl-2I

Vídeos

ELLIS, John (produtor) & HARTOG, Simon (diretor). (1993), Beyond Citizen Kane (documentário). Reino Unido: Channel 4.

Notas

  • 1
    Texto escrito com base nas discussões e bibliografias da disciplina “Religião, Sexualidade e Poder”, ministrada pelo Prof. Dr. Marcelo Natividade no PPGAS/USP em 2014. Agradeço ao professor e amigo pela leitura atenta e comentários críticos ao texto.
  • 2
    Recomendo a leitura de Sovik (2009SOVIK, Liv. (2009), "A travesti, o mediador e o cidadão: identidades brancas na música popular atual". In: ______. SOVIK, LivAqui ninguém é branco. Rio de Janeiro: Aeroplano.), que discute os aspectos raciais ligados à atuação performática de Daniela Mercury, e de Santanna (2009SANTANNA, Marilda. (2009), As donas do canto: o sucesso das estrelas-intérpretes no carnaval de Salvador. Salvador: EDUFBA.), que reflete sobre as trajetórias de cantoras de axé music.
  • 3
    Inspirado em Weeks (2010WEEKS, Jeffrey. (2010), "O corpo e a sexualidade". In: G. Louro (org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica Editora.:65), compreendo que há uma diferença sensível entre assumir uma identidade sexual e assumir ou ser adepto de determinada prática sexual. No caso de Daniela Mercury, sua postura tem sido a de assumir um relacionamento específico com uma mulher e não propriamente uma identidade lésbica. Contudo, como se poderá verificar nas próximas páginas, sua atuação pública possuiu um conteúdo identitário muito forte e explícito, reposicionando-a como uma militante homossexual em certo sentido, embora haja uma recusa, por parte da cantora, de dizer-se lésbica ou mesmo bissexual. Para efeitos de análise, farei referência ao fato de que Daniela Mercury assumiu um relacionamento homossexual e não uma identidade sexual em si.
  • 4
    Este texto está pautado na discussão sobre o casamento civil igualitário no Brasil, um projeto de emenda constitucional ainda não aprovado no âmbito do poder legislativo, embora desde 2013 casais homossexuais, por decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), possam celebrar o casamento civil em quaisquer cartórios brasileiros, inclusive através da modalidade de conversão jurídica dos contratos de união estável – permitidos por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2011 – em casamentos civis. Ainda que esses casamentos possam ter validade jurídica, o casamento civil igualitário não é um direito garantido constitucionalmente no Brasil.
  • 5
    O processo de negociação para publicar essa informação no Instagram foi narrado detalhadamente no livro Daniela & Malu: uma história de amor, de autoria de Mercury e Verçosa (2013MERCURY, Daniela; VERÇOSA, Malu. (2013), Daniela e Malu: uma história de amor. Rio de Janeiro: Leya.). O livro será objeto de análise mais adiante. Contudo, a notícia repercutiu em diversos meios de comunicação, especialmente nos sites especializados em notícias sobre celebridades. Ver reportagemUOL. (2013), "Daniela Mercury assume relacionamento com mulher: 'Malu agora é minha esposa'". UOL, Tv e famosos, 04 abr. 2013. Disponível em: http://celebridades.uol.com.br/noticias/redacao/2013/04/03/daniela-mercury-posta-foto-ao-lado-de-mulher-e-a-chama-de-minha-esposa.htm. Acesso em: 18/12/2014.
    http://celebridades.uol.com.br/noticias/...
    : http://celebridades.uol.com.br/noticias/redacao/2013/04/03/daniela-mercury-posta-foto-ao-lado-de-mulher-e-a-chama-de-minha-esposa.htm. Acesso em: 18/12/2014.
  • 6
    Diante da impossibilidade de tratar desses pronunciamentos de forma mais específica e detalhada, recomendo a leitura de algumas reportagens publicadas na internet para o entendimento de como esses depoimentos estão inter-relacionados e são mobilizados nesse contexto de discussão sobre direitos civis à população LGBT. No caso de Claudia LeittePORTAL VÍRGULA. (2012), "Claudia Leitte comenta declaração sobre preferir ter um 'filho macho': 'Sou muito verdadeira'". Portal Vírgula, UOL, 12 dez. 2012. Disponível em: http://virgula.uol.com.br/lifestyle/comportamento/claudia-leitte-comenta-declaracao-sobre-preferir-ter-um-filho-macho-sou-muito-verdadeira/. Acesso em: 20/12/2014.
    http://virgula.uol.com.br/lifestyle/comp...
    , suas declarações diziam respeito à preferência por ter um filho que fosse “macho” ao invés de homossexual. Ver em: http://virgula.uol.com.br/lifestyle/comportamento/claudia-leitte-comenta-declaracao-sobre-preferir-ter-um-filho-macho-sou-muito-verdadeira/. Acesso em: 20/12/2014. A cantora Mara MaravilhaREVISTA VEJA. (2013), "Na TV, Mara Maravilha chama gay de 'aberração'". Revista Veja, 24 jun. 2013. Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/entretenimento/na-tv-mara-maravilha-chama-gay-de-aberracao. Acesso em: 23/12/2014.
    http://veja.abril.com.br/noticia/entrete...
    afirmou que um beijo entre duas pessoas do mesmo sexo é uma aberração. Ver em: http://veja.abril.com.br/noticia/entretenimento/na-tv-mara-maravilha-chama-gay-de-aberracao. Acesso em: 23/12/2014. A deputada e ex-atriz Myrian Rios posicionou-se contrariamente à PEC 23/2007, que pretendia acrescentar à Constituição do Estado do Rio de Janeiro a orientação sexual como uma das formas de discriminação que fora vetada pelo texto constitucional estadual. Em discurso na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), a deputada defendeu o direito de demitir empregados homossexuais sem o risco de sofrer quaisquer penalidades legais previstas para atos discriminatórios. Myrian Rios usou um argumento controverso a partir do qual aproximou a homossexualidade da prática de pedofilia. Ver em: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/myrian-rios-defende-direito-de-demitir-homossexuais. Acesso em: 20/12/2014LEMOS, Rafael. (2011), "Myrian Rios defende direito de demitir homossexuais". Revista Veja, 27 jun. 2011. Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/myrian-rios-defende-direito-de-demitir-homossexuais. Acesso em: 20/12/2014.
    http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/...
    . Já a cantora Joelma, vocalista da Banda Calypso, comparou os homossexuais a “drogados”, remetendo à ideia de que a homossexualidade é um vício passível de cura e posicionando-se contra o casamentoASTUTO, Bruno. (2013), "Joelma compara gays a drogados e diz ser contra casamento homossexual". Revista Época, 30 mar. 2013. Disponível em: http://colunas.revistaepoca.globo.com/brunoastuto/2013/03/30/joelma-compara-gays-a-drogados-e-diz-ser-contra-casamento-homossexual/. Acesso em: 18/12/2014.
    http://colunas.revistaepoca.globo.com/br...
    gay. Ver em: http://colunas.revistaepocda.globo.com/brunoastuto/2013/03/30/joelma-compara-gays-a-drogados-e-diz-ser-contra-casamento-homossexual/. Acesso em: 18/12/2014. Na contramão desses discursos, mães______. (2014), "Mães de gays criticam Claudia Leitte, Joelma e Isabeli Fontana em vídeo". Revista Caras, 09 maio 2014. Disponível em: http://caras.uol.com.br/atualidades/maes-de-gays-criticam-famosas-claudia-leitte-joelma-isabeli-fontana-video-canal-poe-na-roda#.VKfxF3trXUA. Acesso em: 19/12/2014.
    http://caras.uol.com.br/atualidades/maes...
    com filhos assumidamente homossexuais aumentam o coro de vozes dissonantes e posicionam-se a favor da homossexualidade, manifestando repúdio às declarações dessas artistas já citadas e da modelo Isabeli Fontana. Ver em: http://caras.uol.com.br/atualidades/maes-de-gays-criticam-famosas-claudia-leitte-joelma-isabeli-fontana-video-canal-poe-na-roda#.VKfxF3trXUA. Acesso em: 19/12/2014.
  • 7
    Também não será detalhado aqui o processo de entrada de Marco Feliciano na CDHM nem a rejeição dos movimentos sociais no sentido de destituir o deputado da presidência dessa comissão. Contudo, recomendo a leitura do amplo material publicado na mídia brasileira. Sobre a eleiçãoJUSBRASIL. (2013), "Pastor Marco Feliciano é eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos". Jusbrasil, 2013. Disponível em: http://cd.jusbrasil.com.br/noticias/100380966/pastor-marcos-feliciano-e-eleito-presidente-da-comissao-de-direitos-humanos. Acesso em: 19/12/2014.
    http://cd.jusbrasil.com.br/noticias/1003...
    de Marco Feliciano para presidir a CDHM, ver: http://cd.jusbrasil.com.br/noticias/100380966/pastor-marcos-feliciano-e-eleito-presidente-da-comissao-de-direitos-humanos. Acesso em: 19/12/2014. Sobre a respostaLIMA, Wilson. (2013), "'Se eu fosse gay, diria que sou vítima de homofobia', diz Marco Feliciano". Último Segundo, IG, 01 jul. 2013. Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2013-07-01/se-eu-fosse-gay-diria-que-sou-vitima-de-homofobia-diz-marco-feliciano.html. Acesso em: 20/12/2014.
    http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/...
    do deputado aos protestos feitos contra sua permanência na CDHM, ver: http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2013-07-01/se-eu-fosse-gay-diria-que-sou-vitima-de-homofobia-diz-marco-feliciano.html. Acesso em: 20/12/2014. A respeito das pautas evangélicas na CDHMSOUZA, Nivaldo. (2013), "Sob Feliciano, Comissão de Direitos Humanos acelerou pauta evangélica". Último Segundo, IG, 27 dez. 2013. Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2013-12-27/sob-feliciano-comissao-de-direitos-humanos-acelerou-pauta-evangelica.html. Acesso em: 22/12/2014.
    http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/...
    , ver: http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2013-12-27/sob-feliciano-comissao-de-direitos-humanos-acelerou-pauta-evangelica.html. Acesso em: 22/12/2014. Acerca da atuaçãoCUNHA, Magali. (2014), "Entre verdades, falácias e necessidades". Le Monde Diplomatique, 03 abr. 2014. Disponível em: http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1620. Acesso em: 22/12/2014.
    http://www.diplomatique.org.br/artigo.ph...
    de Marco Feliciano na CDHM e sobre uma avaliação mais ampla do desempenho da comissão, ver: http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1620. Acesso em: 22/12/2014.
  • 8
    A trajetória de pesquisa acerca da atuação de agentes políticos com formação religiosa na esfera pública brasileira não é recente. Recomendo a leitura de Fernandes et al. (1998FERNANDES, Rubem César et al. (orgs.). (1998), Novo nascimento: os evangélicos em casa, na igreja e na política. Rio de Janeiro: Mauad.); Duarte, Gomes, Menezes e Natividade (2009DUARTE, Luiz Fernando Dias; GOMES, Edlaine de Campos; MENEZES, Rachel Aisengart; NATIVIDADE, Marcelo (orgs.). (2009), Valores religiosos e legislação no Brasil: a tramitação de projetos de lei sobre temas morais controversos. Rio de Janeiro: Garamond.); e Vital da Cunha e Lopes (2013VITAL DA CUNHA, Christina; LOPES, Paulo Victor Leite. (2013), Religião e política: uma análise da atuação de parlamentares evangélicos sobre direitos das mulheres e de LGBTs no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll.).
  • 9
    Esta é uma discussão que começa de maneira embrionária nos anos 1990 até ganhar o formato atual de reivindicação pelo casamento civil igualitário. Mello (2005) realizou importante trabalho acompanhando a tramitação de projetos que visavam aprovar a união civil entre pessoas do mesmo sexo nos anos 1990. Sua pesquisa documentou a dinâmica dos encontros de militâncias LGBTs do período e a emergência de publicações de grande circulação, como a revista Sui Generis, voltadas à produção de um discurso sobre intolerância religiosa, conjugalidades homossexuais e novas configurações familiares.
  • 10
    Vale ressaltar que a concepção que utilizo de “controvérsia” e “espaço público” está pautada nas reflexões produzidas, respectivamente, por Montero (2012MONTERO, Paula. (2012), "Controvérsias religiosas e esfera pública: repensando as religiões como discurso". Religião e Sociedade, vol. 32, n° 1: 167-183.) e Giumbelli (2008GIUMBELLI, Emerson. (2008), "A presença do religioso no espaço público: moralidades no Brasil". Religião e Sociedade, vol. 28, n° 2: 80-101.). O conceito de controvérsia é tratado aqui como uma ferramenta teórica à serviço de “compreender como um conjunto de fatos é reunido em um debate público, quais os processos de tradução que transformam o sentido da linguagem ordinária num problema social” (Montero 2012:178). Por outro lado, a concepção de “espaço público” aqui adotada segue as proposições de Giumbelli (2008), que, influenciado por Talal Asad, concebe o “espaço público” como uma arena de disputas ideológicas e, portanto, políticas que está além da esfera normativa, abrangendo as esferas particulares de interação social entre os sujeitos (Giumbelli 2008:97).
  • 11
    Para formular tal ideia, ressalto que estabeleço diálogo direto com a noção de subjetivismo postulada por Duarte et al. (2006DUARTE, Luiz Fernando Dias et al. (2006), "Família, reprodução e ethos religioso: subjetivismo e naturalismo como valores estruturantes". In: L. F. D. Duarte et al. Família e religião. Rio de Janeiro: Contracapa.).
  • 12
    Sobre os filhos famosos do Terreiro do GantoisJACOBINA, Ronaldo. (2010), "Terreiro do Gantois: cidade das mulheres". Republicação em A Tarde Online, 17 abr. 2010. Disponível em: http://jeitobaiano.atarde.uol.com.br/?tag=terreiro-do-gantois&doing_wp_cron=1420498145.0107519626617431640625. Acesso em: 03/01/2015.
    http://jeitobaiano.atarde.uol.com.br/?ta...
    , ver: http://jeitobaiano.atarde.uol.com.br/?tag=terreiro-do-gantois&doing_wp_cron=1420498145.0107519626617431640625. Acesso em: 03/01/2015.
  • 13
    Ver entrevistaPROGRAMA SHOW BUSINESS. (s.d.), Daniela Mercury falar de religião. Disponível em: http://youtu.be/Wk414r2P_v8. Acesso em: 20/12/2014.
    http://youtu.be/Wk414r2P_v8...
    em que fala de suas convicções religiosas: http://youtu.be/Wk414r2P_v8. Acesso em: 20/12/2014. Em programa de televisãoLACERDA, Hilton. (1997), A Bahia de Daniela Mercury . Disponível em: http://youtu.be/73y80oHy6j8. Acesso em: 18/12/2014.
    http://youtu.be/73y80oHy6j8...
    , Mercury fala a respeito da coexistência muito acentuada de dois regimes de crença em Salvador (BA), que a cantora denomina como “sincretismo religioso”, embora para a antropologia este seja um termo problemático. Ver em: http://youtu.be/73y80oHy6j8. Acesso em: 18/12/2014.
  • 14
    De acordo com Prandi (2001:325-326), há um mito em que Oxum seduz Iansã, conseguindo manter uma relação homossexual com ela. A narrativa do mito não fornece maiores dados acerca da duração dessa relação, mas dá a entender que foi um ato sexual fortuito, relatando que logo Oxum partiu para uma nova conquista afetiva. Iansã a procurou para castigá-la, o que fez com que Oxum se refugiasse no fundo do rio, onde estabeleceu morada permanente.
  • 15
    Embora suas formulações estejam baseadas em trabalho de campo feito no Xangô de Recife, percebo que essa gradação de masculinidades e feminilidades atribuídas a esses orixás é compartilhada entre os adeptos de outras religiões de matriz africana como, por exemplo, a umbanda, a jurema e o próprio candomblé.
  • 16
    Orixalá é também chamado de Oxalá. Manifesta-se em suas versões jovem (Oxaguiã) e velha (Oxalufã).
  • 17
    Ver em: http://gshow.globo.com/programas/tv-xuxa/por-tras-das-cameras/noticia/2013/09/daniela-mercury-pensa-em-ter-filhos-com-a-mulher-malu-adotados-ou-biologicos.html. Acesso em: 19/12/2014GSHOW. (2013), "Daniela Mercury pensa em ter filhos com a mulher Malu: 'Adotados ou biológicos'". Gshow, globo.com, 04 set. 2013. Disponível em: http://gshow.globo.com/programas/tv-xuxa/por-tras-das-cameras/noticia/2013/09/daniela-mercury-pensa-em-ter-filhos-com-a-mulher-malu-adotados-ou-biologicos.html. Acesso em: 19/12/2014.
    http://gshow.globo.com/programas/tv-xuxa...
    . Ver em: http://m.caras.uol.com.br/mobilesite/page//viagem/daniela-mercury-e-malu-vercosa-felicidade-aumentar-familia-the-voice-kids-casamento. Acesso em: 03/01/2015REVISTA CARAS. (s.d.), "Daniela Mercury e Malu Verçosa: plenitude no amor". Revista Caras, [s.d.]. Disponível em: http://m.caras.uol.com.br/mobilesite/page//viagem/daniela-mercury-e-malu-vercosa-felicidade-aumentar-familia-the-voice-kids-casamento. Acesso em: 03/01/2015.
    http://m.caras.uol.com.br/mobilesite/pag...
    .
  • 18
    Nos anos 1990, estrelou um comercial de combate à prostituição infantil. Até o momento não foram encontradas imagens em vídeo desse comercial para disponibilizá-lo neste texto. Mas há exemplos de diversos outros comerciais que fez em campanhas para o UNICEFUNICEF. (s.d.), Daniela Mercury PSA. Disponível em: http://youtu.be/GKvksiYl-2I. Acesso em: 20/12/2014.
    http://youtu.be/GKvksiYl-2I...
    e outras fundaçõesPROMENINO. (s.d.), Fundação Telefônica | Rede Promenino | Campanha É da nossa conta! - Daniela Mercury. Disponível em: http://youtu.be/WatKJruEL5w. Acesso em: 20/12/2014.
    http://youtu.be/WatKJruEL5w...
    . VerDANIELA Mercury - Vim pra UNICEF. Disponível em: http://youtu.be/aLPiboVNS9o. Acesso em: 20/12/2014.
    http://youtu.be/aLPiboVNS9o...
    em: http://youtu.be/aLPiboVNS9o; http://youtu.be/WatKJruEL5w; http://youtu.be/GKvksiYl-2I; http://youtu.be/ncx_ocKfA7I. Acesso em: 20/12/2014COMERCIAL Acorda Brasil UNICEF (Didi Mocó e Daniela Mercury). Disponível em: http://youtu.be/ncx_ocKfA7I. Acesso em: 20/12/2014.
    http://youtu.be/ncx_ocKfA7I...
    .
  • 19
    Em entrevistaPROGRAMA ALTA DEFINIÇÃO. (2015), Daniela Mercury Entrevista exclusiva Programa Alta Definição Portugal 2015. Disponível em: https://youtu.be/30i_-Ov6Rww. Acesso em: 03/03/2015.
    https://youtu.be/30i_-Ov6Rww...
    , a cantora fala de sua formação cristã e da influência que o trabalho de sua mãe como assistente social exerceu sobre ela e seus irmãos. No minuto 7’13”, aborda o trabalho social desenvolvido por sua mãe. No minuto 28’, discursa sobre o peso de sua formação católica em relação à sua crença no casamento como sacramento religioso. Ver em: https://youtu.be/30i_-Ov6Rww. Acesso em: 03/03/2015.
  • 20
    Sabendo do escopo deste texto e o espaço a ele destinado, não abordarei com mais detalhes aspectos relativos a estas manifestações.
  • 21
    A oposição Mercury/Feliciano foi tratada em reportagemCOSTA, Mariana Timóteo da; SCRIVANO, Roberta. (2013), "Parada Gay ataca Feliciano e consagra Daniela Mercury". O Globo, 02 jun. 2013. Disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/parada-gay-ataca-feliciano-consagra-daniela-mercury-8567087#ixzz3NlID5gh8. Acesso em: 02/01/2015.
    http://oglobo.globo.com/brasil/parada-ga...
    sobre a Parada Gay de São Paulo. Ver em: http://oglobo.globo.com/brasil/parada-gay-ataca-feliciano-consagra-daniela-mercury-8567087#ixzz3NlID5gh8. Acesso em: 02/01/2015.
  • 22
    Ver em: http://youtu.be/ulxJ3fi0eCc. Acesso em: 18/12/2014PROGRAMA AMAURY JR. (s.d.), Marco Feliciano debocha de Daniela Mercury e das manifestações contra ele. Disponível em: http://youtu.be/ulxJ3fi0eCc. Acesso em: 18/12/2014.
    http://youtu.be/ulxJ3fi0eCc...
    .
  • 23
    DeclarouEGO. (2013), "Daniela Mercury desabafa: 'Quem precisa de pastores são ovelhas'". Ego, globo.com, 13 jun. 2013. Disponível em: http://ego.globo.com/famosos/noticia/2013/06/daniela-mercury-desabafa-quem-precisa-de-pastores-sao-ovelhas.html. Acesso em: 19/12/2014.
    http://ego.globo.com/famosos/noticia/201...
    : “Quem precisa de pastores são ovelhas”. Ver em: http://ego.globo.com/famosos/noticia/2013/06/daniela-mercury-desabafa-quem-precisa-de-pastores-sao-ovelhas.html. Acesso em: 19/12/2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    Jul 2015
  • Aceito
    Fev 2016
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