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Jornada Mundial da Juventude Rio 2013: ressignificando espaços da cidade e identidades religiosas

World Youth Day Rio 2013: resignifying spaces of the city and religious identities

Resumo

Através de observações da Jornada Mundial da Juventude Rio 2013 e entrevistas com anfitriões de “peregrinos”, discute-se como esse ritual religioso-festivo se fez presente no espaço público e nas casas de moradores do Rio de Janeiro impactando a subjetividade de católicos de bairros mais pobres. Por dispersar seus “peregrinos” por toda cidade incluindo regiões marcadas pelo alto percentual de evangélicos, a JMJ proporcionou a seus moradores contato com católicos de outros países despertando a consciência da dimensão dessa igreja e, entre católicos, o orgulho de pertencer a seu “rebanho universal”. Além disso, através de eventos públicos, a JMJ levou esses católicos a vivenciarem áreas nobres e turísticas da cidade que lhes eram antes vistas como afastadas e distantes.

Palavras-chave
JMJ Rio 2013; publicização; catolicismo; cidade

Abstract

Based on field work over World Youth Day (WYD) Rio 2013 and interviews with “pilgrims’ hosts”, this article discusses how this religious-cheerful event made itself present on the public space and in the house of its residents and how it has impacted the subjectivity of Catholics from the poorest neighborhoods. By spreading “pilgrims” all over the city, including areas marred by the high percentage of evangelical devotees, WYD brought to its inhabitants the possibility to meet Catholics from other countries awakening their perception of the church’s dimension and, among Catholics, the pride to belong to an “universal flock”. In addition, by WYD public events, some of these Catholics had the opportunity to experience the noble and rich city’s areas which for them were distant and far.

Keywords
WYD Rio 2013; publicization; Catholicism; city

Introdução

Com o objetivo de contribuir para o debate sobre a presença das religiões na paisagem urbana contemporânea, procuramos analisar o caso do evento católico Jornada Mundial da Juventude (JMJ Rio) que ocorreu na cidade do Rio de Janeiro entre os dias 23 e 28 de julho de 2013. Com foco no impacto desse evento na autoimagem de católicos, buscamos discutir como a Igreja Católica tem se adaptado ao mundo contemporâneo redesenhando seus eventos públicos que mobilizam fiéis de toda a parte do globo. Procuramos neste texto identificar estratégias pelas quais a JMJ Rio 2013 tentou articular experiências do mundo “privado” ao do “público”, e damos destaque especial à prática da hospedagem dos chamados “peregrinos2 2 “Peregrino” é o termo usado em todas as JMJs para se referir aos seus participantes. ” em casas de famílias3 3 O termo “casa” aqui é utilizado como espaço físico e também no sentido metafórico da dicotomia de DaMatta (1997a) “casa e rua”. Para esse autor, “casa” seria o local das trocas afetivas, relações sociais primárias, e a “rua” seria marcada pelas relações secundárias, impessoais, anônimas, enfim, a esfera do público. .

O catolicismo já tem uma longa história com eventos que ocupam os espaços públicos da cidade como as tradicionais procissões, que reúnem fiéis em caminhadas pelas ruas. No caso das procissões no Brasil, se compararmos o início do século XX com o do século XXI, o número e a frequência delas caíram bastante, mas muitas das que permaneceram se tornaram grandes eventos de massa, como, por exemplo, o Círio de Nazaré em Belém do Pará. Através de novos eventos, como as visitas papais internacionais e as JMJs, a Igreja Católica mostra que não abriu mão dessas práticas públicas, mas as ampliou e as adaptou ao mundo contemporâneo.

Ao serem comparadas a outros eventos católicos, as JMJs chamam atenção por sua maior dimensão temporal, treze dias ao todo, já que aos seis dias da JMJ propriamente dita soma-se uma semana de eventos preparatórios ou “Pré-jornadas”, e também por sua dimensão espacial. Além das ruas e parques das cidades, e, no caso do Rio de Janeiro, a praia, esses eventos estão presentes nas diferentes mídias, que, como destaca Novaes (2012NOVAES, Regina. (2012), “Juventude, religião e espaço público: exemplos ‘bons para pensar’ tempos e sinais”. Religião & Sociedade , vol. 32, nº 1: 184-208.), consistem em uma nova forma de espaço público global. As JMJs ainda se destacam por levar os católicos da cidade, que recebe o evento, a hospedarem em seus lares participantes vindos de fora. Consideramos que a discussão sobre hospedagem pode ajudar a entender melhor o tipo de articulação entre público e privado que ocorreu na JMJ do Rio.

Quando traz um estranho para seu lar, o anfitrião integra a sua vida pessoal e a de sua família àquele evento público e internacional. Enquanto o lar se torna em certa medida também “público”, parte de um evento global, o estranho torna-se, pela convivência e troca afetiva, familiar e “de casa”, entrando no mundo privado daquela família. Ao solicitar às pessoas que abrissem suas casas para alguém que não conheciam, a Igreja estaria indicando que a diferença entre privado/público não devia existir. Por esse motivo, e também por ser a hospedagem algo que distingue a JMJ, nossa análise dará destaque a essa questão apresentando falas de fiéis católicos que se voluntariam como hospedeiros.

Outra forma de fusão entre público e privado que ocorre nas JMJs se relaciona à sua dimensão festiva e ritual. Como todos os rituais religiosos e outras experiências festivas, vide descrição do Carnaval por DaMatta (1997b______. (1997b), Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Rocco, 6ª ed.), a JMJ cria um espírito de communitas (Turner 1969TURNER, Victor. (1969), The ritual process: structure and anti-structure. Chicago: Aldine Pub.) entre seus participantes que experimentam a diluição das barreiras privado/público. Essa experiência festiva e emocional, ao ser publicamente exposta, visa construir nova imagem do catolicismo e reforçar a fé de seus fiéis especialmente entre os jovens participantes. Assim, os eventos da JMJ com sua grandiosidade ritual, ao dar visibilidade positiva ao catolicismo, desempenham um papel importante tanto no “mercado” da fé quanto na arena urbana contemporânea, adequadamente descrito por Regina Novaes (2012NOVAES, Regina. (2012), “Juventude, religião e espaço público: exemplos ‘bons para pensar’ tempos e sinais”. Religião & Sociedade , vol. 32, nº 1: 184-208.) como palco de disputas, conflitos e de mediação e negociação de sentidos e significados para as diferentes identidades religiosas.

Embora sem ter proposta ou conteúdo político explícito, um ritual religioso que ocorra no espaço público, como qualquer ato coletivo nesse espaço, conterá este aspecto, como mostra a análise de Tamimi Arab (2015TAMIMI ARAB, Pooyam. (2015), “A Proibição de Procissões nos Países Baixos”. Religião & Sociedade , vol. 35, nº 2: 123-142.) sobre a proibição das procissões católicas nos Países Baixos. A realização da JMJ também possui, portanto, implicações para o debate sobre a relação da religião com a esfera pública, na acepção habermasiana de espaço de debate político, formação de opinião pública, tal como presente nos textos de Montero (2016______. (2016), “Religiões públicas ou religiões na esfera pública? Para uma crítica ao conceito de campo em Pierre Bourdieu”. Religião & Sociedade, vol. 36, nº 1: 128-150.) e Machado (2012MACHADO, Maria das Dores dos Campos. (2012), “Religião, cultura e política”. Religião & Sociedade, vol. 32, nº 2: 29-56.), entre outros. Nesse sentido, “público” e “privado” são categorias discursivas construídas no contexto do surgimento de um projeto de Estado democrático burguês. A esfera “pública” seria um espaço de busca de esclarecimentos das diferenças ou de construção de consensos que deveriam ser, ao menos em teoria, racionalmente construídos e, assim, regidos pela gramática da racionalidade, e não a da fé, que deveria se restringir à esfera do privado. Evidentemente, religiões éticas, dos tipos cristão e islâmico, que pretendem a transformação da humanidade e sua história, não se conformam em serem reduzidas ao mundo dos interesses e emoções individuais. Dentre as igrejas cristãs, a católica - cuja sede, o Vaticano, é um Estado relativamente autônomo, e o Papa, um chefe de Estado, que participa através de seus pronunciamentos da política internacional - nunca se deixou reduzir à vida privada. O seu projeto público no sentido mais amplo reflete-se em seus eventos e práticas rituais públicas, como no caso das JMJs.

Para James Hunter (1990HUNTER, James Davidson. (1990), “Fundamentalism in its global contours”. In: N. J. Cohen (ed.). The Fundamentalism Phenomenon. Michigan: William B. Eerdemans Publising Company.), a atuação no espaço público e a rejeição da dicotomia “público e privado” seriam características de movimentos religiosos fundamentalistas, tanto evangélicos como islâmicos, que se destacariam por grande presença na política e na mídia. Observa-se, contudo, que a luta contra a redução da religião ao espaço privado não seria específica dos “fundamentalismos”, mas compartilhada pelas diversas religiões éticas universais que, com projetos de transformação da sociedade mais ampla, se percebem como instrumento do sagrado para transformar a humanidade. Este processo de luta por parte das religiões para manter ou ampliar, em todas as suas dimensões, o espaço público do qual o Estado moderno e discursos laicos tentam excluí-las é o que chamaremos aqui de “publicização de uma religião”. Tal processo se oporia, portanto, à privatização que o discurso moderno de Estado tenta impor às religiões.

Pelas reflexões acima, esperamos ter deixado claro que não reificamos a dicotomia público/privado, mas, pelo contrário, reconhecemos suas contingências e limites analíticos, já apontados amplamente por literatura recente (Montero 2012MONTERO, Paula (2012), “Controvérsias religiosos e esfera pública: repensando as religiões como discurso”. Religião & Sociedade , vol. 32, nº 1: 167-183., 2016; Novaes 2012NOVAES, Regina. (2012), “Juventude, religião e espaço público: exemplos ‘bons para pensar’ tempos e sinais”. Religião & Sociedade , vol. 32, nº 1: 184-208.; entre outros). No entanto, consideramos que essa dicotomia pode ser muito frutífera para a análise que realizamos, na medida em que procuraremos entender como experiências religiosas vão tentar transcendê-la. Dessa forma, enquanto uma estratégia do catolicismo para marcar sua presença pública, como diria Montero (2016:130), “por meio de variadas tecnologias/artefatos de visibilidade”, a JMJ quer atingir (e atinge) “almas” e “corações” e pede que fiéis acolham estranhos na privacidade dos seus lares. Para viabilizar a discussão a que nos propomos, traremos dados da tese de doutoramento de uma das autoras, Villa Gonzalez (2016), cuja pesquisa de campo consistiu em observação participante por dezoito meses entre junho de 2012 e agosto de 2013 no Comitê Organizador Local (COL) da JMJ Rio 2013 e 22 entrevistas semiestruturadas realizadas com pessoas que hospedaram participantes da JMJ.

A seguir, apresentaremos e discutiremos esse material a partir de quatro eixos principais que serão desenvolvidos nas próximas seções. O primeiro eixo descreve a JMJ Rio 2013 e as campanhas de hospedagem e catequese levadas a cabo pelo evento. O segundo tem como foco discursos de católicos sobre sua relação de conflito e aproximação com evangélicos. Ênfase especial será dada às falas daqueles que habitam zonas do Rio de Janeiro já chamadas e conhecidas como “cinturão evangélico” (Mafra 2011______. (2011), “O problema da formação do ‘cinturão pentecostal’ em uma metrópole da América do Sul”. Interseções (UERJ), nº 1: 136-152.). A ressignificação da identidade católica e sua valorização por essas famílias acolhedoras de participantes da JMJ Rio 2013 serão o terceiro tema abordado. Discutiremos também como esse evento permitiu a essa população se sentir inserida na área turística e mais nobre da cidade do Rio de Janeiro, descrita por um dos entrevistados como “cenário que passa na novela”. Em nossa interpretação, esse sentimento de inserção pode ter sido gerado pelo que é descrito no quarto item: a “tomada”, pela JMJ, de espaços profanos pelo sagrado com a realização de atividades campais para um público que ultrapassava a casa dos milhões (ArqRio 2013ARQUIDIOCESE DE SÃO SEBASTIÃO DO RIO DE JANEIRO. (2013), JMJ Rio2013 supera expectativas: 3,7 milhões de pessoas na Missa de Envio. Disponível em: Disponível em: http://arqrio.org/noticias/detalhes/906/jmj-rio2013-supera-expectativas-3-7-milhoes-de-pessoas-na-missa-de-envio . Acesso em: 11/11/2017.
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).

1. A Jornada Mundial da Juventude Rio 2013

A Jornada Mundial da Juventude é um encontro de jovens promovido pelo Vaticano a cada dois ou três anos em diferentes países e que teve seu início em 1986. O evento é composto por uma grande variedade de atividades de cunho cultural, artístico, turístico e religioso, mas as atividades que têm maior destaque são aquelas chamadas de “atos centrais”, pois são presididas pelo Papa: a acolhida do Papa, a via-sacra, a vigília dos jovens e a “missa de envio”, como é chamado o ritual que encerra o evento.

Na década de 1980, o Papa João Paulo II idealizou a JMJ tendo como objetivo “reenvangelizar” os jovens católicos em termos globais. Como apontam vários pesquisadores, entre estes Singleton (2011SINGLETON, Andrew. (2011), “The impact of World Youth Day on religious practice”. Journal of Beliefs & Values, nº 1: 57-68.) e Pfadenhauer (2010PFADENHAUER, Michaela. (2010), “The eventization of faith as a marketing strategy: World Youth day as an innovative response of the catholic church to pluralization”. International Journal of Nonprofit and Voluntary Sector Marketing, nº 4: 382-394.), o proselitismo, ou a busca por novos fiéis, não é uma meta a ser alcançada pelas JMJs e sim o reforço e a consolidação da identidade católica entre os jovens participantes e a população local - os “anfitriões” -, e de reestabelecer e renovar a imagem da Igreja Católica. Essa renovação se faz em um conjunto de eventos que visam não apenas integrar os jovens aos princípios religiosos, mas também tocar sua emoção alegrando-os de maneira menos convencional, procurando que se divirtam igualmente em grandes espaços visíveis a todos. Em sua pesquisa sobre a JMJ que ocorreu em Colônia, na Alemanha, em 2005, Pfadenhauer (2010:391, tradução nossa) destaca o aspecto festivo desse evento:

[…] A Jornada Mundial da Juventude pode ser caracterizada como a condensação de todas essas medidas; uma mistura de atividades de lazer juvenis e eventos religiosos culminando na missa papal assistida por uma enorme comunidade de peregrinos. Quase um epítome de um evento experiencial, a JMJ católica não é apenas uma megafesta inovadora, nem é meramente um festival religioso canônico. Na verdade, o festival canônico reinventa-se em algo novo. Consequentemente, a JMJ é uma megafesta e um festival religioso. É um evento de marketing. Em outras palavras, embora a hierarquia católica repetidamente marque que a fé é um aspecto prioritário e não a diversão, isso não foi o que apareceu empiricamente a partir da pesquisa sobre medidas em relação à organização tomadas em consulta ao poder eclesial na Alemanha e em Roma. Contudo, na nossa visão, precisamente porque neste ano em que os fatores fé e diversão se equivaleram, o amálgama do profano e do sagrado observado durante a JMJ é, de fato, uma concretização de uma inovação canônica. E, além disso, a inovação não veio subitamente e espontaneamente. Foi intencional e (assim deveria parecer) massivamente encorajada pelos oficiais da Igreja […]4 4 “[…] World Youth Day can be characterized as the sum of all these measures; as a mix of youthful leisure activities and religious events culminating in a papal Mass attended by a huge community of pilgrims. As the well-nigh epitome of an experiential event, Catholic WYD is not just an innovative mega-party, nor is it merely a canonical religious festival. In effect, the canonical festival re-invents itself in the form of a mega-party and the mega-party is unique precisely because it transforms the religious festival into something new. Hence, WYD is both a mega-party and a religious festival. And, on top of that, it is a marketing event. In other words, even though the Catholic hierarchy repeatedly stresses that the faith aspect has priority over the fun aspect, this is not borne out empirically by the organizing measures that were decided upon in consultation with the ecclesiastical powers that be in Germany and Rome. However, in our view, precisely because of the de facto parity between faith and fun, the amalgamation of the profane, and the sacral observed during WYD is, in fact, tantamount to a canonical innovation. And, what is more, this innovation did not come about subtly and spontaneously. Rather, it was intentional and (so it would appear) massively encouraged by Church officials […]”. (Pfadenhauer 2010:391). .

Como ocorreu nas edições anteriores, a programação da JMJ do Rio de Janeiro oferecia atividades para todos os turnos do dia: manhã, tarde e noite. Os “atos centrais” realizaram-se à noite na praia de Copacabana, liderados pelo Papa Francisco. Pelas manhãs, eram oferecidas, em diferentes idiomas nas mais distintas paróquias espalhadas por toda a cidade e sua região metropolitana, as “catequeses”, ou seja, momentos dedicados a pregações para grupos, visando evangelizar e manter o foco e interesse dos participantes, com louvores, cânticos e missas. À tarde, havia um leque mais diversificado de opções. Os participantes podiam optar, por exemplo, pela visita à “feira vocacional”, na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, onde encontrariam grandes estandes de várias congregações religiosas que buscavam atrair jovens para seus quadros. Esse espaço também dispunha de cinquenta confessionários atendidos por padres poliglotas, além de estruturas para atividades recreacionais como tirolesa, parede de escalada e tenda acústica. Os participantes poderiam também ir ao “Festival da Juventude”, composto por uma série de apresentações artísticas (música, teatro, dança, cinema), realizadas por grupos católicos que se inscreveram com antecedência para se apresentarem no evento. Foram montados palcos por toda a cidade do Rio de Janeiro para essas apresentações. Outra opção seria ir ao RioCentro5 5 O RioCentro é o maior espaço para exposições da cidade do Rio de Janeiro e localiza-se no bairro do Recreio dos Bandeirantes, região oeste do município. visitar a “Expo Católica”, onde empresas do segmento católico como editoras, produtoras de artigos religiosos, agências de turismo, entre outros, expunham seus produtos e serviços e onde também ocorriam shows e performances. Ainda durante a JMJ era possível visitar uma exposição de arte sacra no Museu Nacional de Belas Artes e vários outros espaços católicos da cidade. O evento também organizou as chamadas “trilhas ou itinerários da fé”, que consistiam em roteiros montados para que os peregrinos pudessem conhecer algumas áreas naturais da cidade do Rio e alguns de seus atrativos turísticos religiosos, como o Convento de São Bento, Igreja da Penha, entre outros.

A JMJ Rio 2013 obteve recordes de público, como a missa final com 3,7 milhões de pessoas na Praia de Copacabana (ArqRio 2013ARQUIDIOCESE DE SÃO SEBASTIÃO DO RIO DE JANEIRO. (2013), JMJ Rio2013 supera expectativas: 3,7 milhões de pessoas na Missa de Envio. Disponível em: Disponível em: http://arqrio.org/noticias/detalhes/906/jmj-rio2013-supera-expectativas-3-7-milhoes-de-pessoas-na-missa-de-envio . Acesso em: 11/11/2017.
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) e ares de espetáculo multimidiático: a missa foi transmitida em tempo real para várias partes do mundo. A grandiosidade e o alcance do evento com a presença das presidentes do Brasil e Argentina nos fazem pensar que a Igreja Católica reafirma de forma global sua posição no espaço público e se recusa a abrir mão desse papel convocando seus fiéis, especialmente os jovens, para demonstrar sua fé nas ruas. Como já foi dito, ir em grandes grupos às ruas defendendo uma proposta ou fé pode ser visto como uma forma de marcar presença no “espaço público” em sua dimensão mais abstrata, ou seja, no mundo da política secular.

Por este ângulo, promover um evento público com milhões de espectadores, como foi a JMJ Rio 2013, atende não apenas à necessidade da Igreja Católica de promover sua imagem, mas também para se “mostrar viva” na disputa de um território que vem perdendo por várias décadas como demonstram os dados dos Censos do IBGE desde 1980 até o mais recente. A cidade do Rio de Janeiro é, dentre todas as capitais do país, aquela que apresentou o avanço mais significativo de evangélicos e o menor percentual de católicos: 51% (IBGE 2010). Da mesma forma que a “Marcha para Jesus”, evento promovido por várias denominações evangélicas em todo o Brasil, foi entendida por Sant’Anna (2014:211SANT’ANNA, Raquel. (2014), “O som da marcha: evangélicos e espaço público na marcha para Jesus”. Religião & Sociedade , vol. 34, nº 2: 210-231.) como estratégia de ocupação de espaços desses grupos visando criar unidade e “mostrar a força dos evangélicos deste país”, a JMJ Rio 2013 publiciza o catolicismo. Esse evento promove a união de católicos de vários países do mundo fortalecendo a identidade, os sentidos e símbolos católicos não apenas no espaço urbano do Rio de Janeiro e no Brasil, mas também em grande parte do planeta, uma vez que houve registro de peregrinos de mais de 175 países (ArqRio 2013ARQUIDIOCESE DE SÃO SEBASTIÃO DO RIO DE JANEIRO. (2013), JMJ Rio2013 supera expectativas: 3,7 milhões de pessoas na Missa de Envio. Disponível em: Disponível em: http://arqrio.org/noticias/detalhes/906/jmj-rio2013-supera-expectativas-3-7-milhoes-de-pessoas-na-missa-de-envio . Acesso em: 11/11/2017.
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).

Neste processo, as estratégias de visibilização e publicização propostas pela Igreja Católica requereram não apenas muito esforço nas bases dos fiéis e clero católico de todo o Brasil, mas também um enorme poder de articulação política da hierarquia eclesial especialmente com setores governamentais, e com os demais atores sociais que desempenham papel importante na cidade do Rio de Janeiro. Os dirigentes católicos precisaram recorrer, assim, a setores do comércio, à mídia, a instituições diversas como escolas e empresas, para conseguir hospedagem gratuita para grupos, por exemplo, entre outras demandas que permitiriam junto com os voluntários criar uma infraestrutura para o evento. Contudo, o parceiro mais forte com quem se articulou foi, sem dúvida, a instituição governamental. Por necessitar de segurança, mudanças no tráfego (horários diferenciados de transportes), estrutura de apoio logístico, bem como espaços de lazer, como a Quinta da Boa Vista, praças e também ruas, as atividades da JMJ afetaram todos na cidade, independentemente do credo religioso. Os organizadores da JMJ tiveram que, com anos de antecedência, viabilizar uma relação de parceria com a administração municipal, uma vez que esta última teve que investir seus recursos para atender a essas demandas. As críticas do segmento evangélico a esta relação da Igreja Católica com o Poder Público e também à afirmação do Papa de que os participantes da JMJ ganhariam “indulgências plenárias”, embora já esperadas, foram duras (Gospelmais 2013aGOSPELMAIS. (2013a), Bispo Edir Macedo publica crítica à JMJ e ao perdão de pecados pelo papa através do Twitter: “Tradição católica não tem base bíblica”. Disponível em: Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/bispo-edir-macedo-critica-jmj-pecados-papa-twitter-58587.html . Acesso em: 11/11/2017.
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, 2013b______. (2013b), Pastor Silas Malafaia critica discurso de humildade do Papa Francisco na JMJ e bate-boca com padre no Twitter; Entenda. Disponível em: https://noticias.gospelmais.com.br/silas-malafaia-critica-papa-jmj-bate-boca-padre-58813.html. Acesso em: 11/11/2017.
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). Não se registraram ressonâncias a essas críticas, talvez por terem sido rebatidas pelos números referentes aos impactos econômicos positivos que a JMJ geraria.

Ao final do evento, os dados revelaram que, em seis dias, foram gerados 1,8 bilhão de reais na economia do município (UFF 2013UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, OBSERVATÓRIO DE TURISMO. (2013), O perfil e os impactos econômicos dos turistas da Jornada Mundial da Juventude 2013 no Rio de Janeiro. Disponível em: Disponível em: http://www.neltur.com.br/var/www/html/neltur.com.br/web/pdf/study/perfil_jmj.pdf . Acesso em: 11/11/2017.
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), que foram distribuídos de uma forma um pouco mais equânime na economia da cidade do que em outros eventos de maior porte. Uma entrevistada proprietária de restaurante em Santa Cruz, bairro periférico do Rio, afirmou que o movimento de seu estabelecimento aumentou cinco vezes durante a JMJ:

[…] Meus clientes mesmo do dia a dia eu pedia pra ir pra outro lugar. É. Eu, com todo carinho, eu falei assim: “meu querido, não se aborrece com a gente, mas eles só têm o cartão”, porque eles só podiam se alimentar com 1 cartão só, e tinha restaurante que não aceitava aquele cartão6 6 O cartão a que a entrevistada se refere é uma forma de pagamento disponibilizada pela JMJ aos inscritos no evento, com o qual eles poderiam se alimentar em restaurantes cadastrados e que ofereciam uma espécie de “menu peregrinos” com preços mais convidativos do que aqueles encontrados nas zonas turísticas da cidade. Os nomes dos entrevistados foram alterados para mantê-los em anonimato. As entrevistas citadas foram realizadas em 2013 semanas depois da JMJ do Rio de Janeiro. . Falei assim, “te peço desculpa, o senhor pode ir no meu vizinho ali e tal, que não aceita o cartão deles, então eu não posso mandar eles, que são da Jornada pra lá”. “Não, tranquilo”, que isso e aquilo. E muitos, quase todos, acho que nenhum cliente ficou aborrecido comigo. Nenhum cliente, e assim, porque poucos restaurantes aceitavam o cartão que eles tinham. Aqui em Santa Cruz acho que só ‘tava’ eu e o pessoal do shopping, que eram mais uns 3 restaurantes só. Então esses 3 restaurantes lotaram, fora Mc Donalds, Habbib’s, assim, alimentação mesmo, arroz e feijão, lotou, lotou […] (Ana, anfitriã e moradora de Santa Cruz, 30 anos).

Para além da articulação com os setores governamentais e também privados como os serviços de alimentação, comércio, entre outros, o Comitê Organizador Local, ou COL/JMJ, lançou mão de algumas estratégias fundamentais para que o evento se concretizasse. Como sabidamente os jovens ainda não têm vida financeira estabilizada para realizar uma viagem nacional ou internacional, a Igreja propõe à população anfitriã que esta ofereça suas casas e/ou espaços (empresas, clubes, escolas públicas/privadas, escolas de samba, entre muitos outros)7 7 Nos registros do setor de hospedagem do COL/JMJ, algumas igrejas protestantes históricas, evangélicas pentecostais ofereceram seus espaços aos peregrinos católicos (COL/JMJ 2013). gratuitamente para o alojamento dos peregrinos e voluntários do evento, reduzindo assim sensivelmente o custo da viagem para estes. Para ter acesso à hospedagem em casas de famílias ou em alojamentos, o peregrino deveria se inscrever no evento e escolher um dos pacotes de serviços que ofereciam desde a inscrição até assistências mais completas incluindo hospedagem, transporte (público), alimentação, seguro-viagem e o kit peregrino. O custo do pacote mais completo não ultrapassava os 608 reais (dependendo do país de origem do peregrino). Às famílias de acolhida e aos demais espaços acolhedores, porém, nenhum valor era repassado, já que a quantia cobrada dos peregrinos tinha como destinação o custeio da organização do evento.

Para ser uma família de acolhida não era necessário ser católico, e sim oferecer um espaço para que o peregrino pudesse utilizar seu saco de dormir e permitir o uso do banheiro. Nenhum tipo de alimentação precisava ser ofertado e cada casa poderia receber ou meninos, ou meninas. A família também podia requisitar ao peregrino que saísse ou chegasse em determinados horários e que respeitasse seus costumes e hábitos. Além do mais, era solicitado aos hospedeiros que recebessem seu hóspede entre os dias 21 e 31 de julho de 2013, abarcando, assim, dias antes e depois da JMJ para viabilizar a chegada e a partida de forma mais confortável para os participantes. Em alguns casos, peregrinos inscritos chegaram duas semanas antes do evento ou partiram duas semanas depois e tiveram hospedagem garantida sem sobretaxas.

Tendo apresentado brevemente a JMJ Rio 2013, passamos agora a discutir a forma como as campanhas de hospedagem e as catequeses matinais do evento se tornaram peças fundamentais na publicização da Igreja Católica como mediadora de territórios, símbolos e sentidos em espaços urbanos nos quais procura retomar sua posição de protagonista.

2. Os católicos da zona oeste e o cinturão evangélico da cidade do Rio de Janeiro

Como houve de início certa demora na confirmação da oferta de hospedagem pela população carioca à JMJ, a Igreja Católica não teve como determinar com antecedência quais regiões da cidade alojariam o maior número de peregrinos e voluntários participantes do evento. Disso também dependia o planejamento das catequeses matinais, já que estas deveriam ocorrer o mais próximo possível dos locais que hospedavam os participantes. Durante a observação de campo (Villa Gonzalez 2016VILLA GONZALEZ , Luciana Thais . (2016), Estar no mundo, sem ser do mundo: o caso da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Rio 2013. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Ciências Sociais, UERJ.)8 8 O trabalho de campo foi realizado por uma das autoras em duas etapas: de junho de 2012 a janeiro de 2013 através da observação de eventos pré-JMJ, reuniões de preparação em diversas paróquias e acompanhamento de publicações; entre janeiro e agosto de 2013, foi realizado trabalho voluntário no setor de hospedagem do COL/JMJ Rio 2013 durante quatro horas diárias de segunda a sexta-feira. , registrou-se que houve um esforço no sentido de incentivar a população da porção sul da cidade a acolher os peregrinos/voluntários, posto que esta seria a região que receberia o maior número de atos centrais com o Papa Francisco, atraindo assim mais público. Esse esforço também se direcionou para moradores de alguns bairros que ficam próximos a Guaratiba9 9 A missa final em Guaratiba foi cancelada nos primeiros dias do evento, uma vez que, devido às fortes chuvas que ocorreram naqueles dias, o espaço preparado para esse momento foi inviabilizado. Contudo, as famílias e instituições de acolhida e as catequeses já programadas para a região transcorreram dentro do planejado. , onde ocorreria a missa final da JMJ. Contudo, na zona sul as expectativas do Comitê Organizador Local (COL) da JMJ não se concretizaram. Ironicamente, essa área é a que mais possui católicos no município do Rio de Janeiro e que hospedou um número muito menor de peregrinos em contraste com a zona oeste, que é proporcionalmente mais evangélica do que outras áreas do município. De acordo com os dados do Instituto Pereira Passos (2013INSTITUTO PEREIRA PASSOS (2013), Cadernos do Rio: religião. Rio de Janeiro: Prefeitura do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/arquivos/3295_religiao.PDF.
http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br/...
), nos bairros da chamada zona sul (como Leblon, Ipanema, Copacabana, Botafogo, Flamengo, Gávea e Jardim Botânico) o percentual de católicos gira em torno de 63% em contraste com os 36,7% em Santa Cruz e 36,4% em Campo Grande. Estes dois últimos bairros da zona oeste são os locais onde a JMJ teve o maior número de hospedeiros, tanto em relação a famílias quanto a instituições (COL/JMJ 2013COMITÊ ORGANIZADOR LOCAL - JMJ RIO 2013 - SETOR DE HOSPEDAGEM. (2013), Dados e pesquisa das famílias de acolhida. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por AUTOR@gmail.com em 14 ago 2013.).

A Arquidiocese do Rio de Janeiro, em 2013, dividia o espaço da cidade em sete “vicariatos” administrativos10 10 Em 2014, essa demarcação foi modificada, e o vicariato oeste foi dividido dando origem ao vicariato Santa Cruz (ArqRio 2014). . Essa territorialização não corresponde diretamente às regiões administrativas da prefeitura, embora haja similaridades. A definição de zona oeste pela administração pública equivale à soma dos vicariatos oeste e Jacarepaguá, o que adotamos neste trabalho ao nos referirmos a “zona oeste”. Em números oficiais do COL/JMJ (2013), os vicariatos que tiveram a maior quantidade de famílias e instituições de acolhida foram os vicariatos “oeste” com 97.384 vagas, o “suburbano” com 54.852 e Jacarepaguá com 44.314 lugares disponíveis para alojamento, tendo ficado em penúltimo o vicariato “sul” com 13.660 espaços. Entre os bairros “mais receptivos”, temos: Campo Grande (21.679), Santa Cruz (13.290) e Bangu (10.900), todos no vicariato oeste da cidade, “território” evangélico.

Figura 1
Mapa dos Vicariatos da Arquidiocese do Rio de Janeiro em 2013

No mapa acima é possível observar que, territorialmente, o vicariato oeste possuía uma extensão significativamente superior aos demais, sobretudo se o compararmos com o vicariato sul, o que poderia ser um dos motivos para o número maior de famílias acolhedoras nesse segmento da cidade, assim como o tamanho das residências, que é consideravelmente maior devido ao menor custo de aquisição de terrenos e construção, gerando facilidade para se receber pessoas dentro de casa. Entretanto, essa área, como foi observado na pesquisa de campo, possui um grande número de templos pentecostais e neopentecostais, evidenciando a relação destes com o alto percentual de evangélicos na zona oeste da cidade do Rio, como apontado pelos dados estatísticos do IBGE (2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. (2010), Censo 2010. Disponível em: Disponível em: http://www.censo2010.ibge.gov.br/ . Acesso em: 11/11/2017.
http://www.censo2010.ibge.gov.br/...
). O fato de ser uma região majoritariamente evangélica poderia ter se refletido negativamente na quantidade de famílias e instituições de acolhida da JMJ nessa área.

A ideia de que o avanço vertiginoso das denominações evangélicas acontece em grande parte nas localidades periféricas e carentes das grandes metrópoles já vem sendo discutida há algumas décadas (Mafra 2011______. (2011), “O problema da formação do ‘cinturão pentecostal’ em uma metrópole da América do Sul”. Interseções (UERJ), nº 1: 136-152.; Jacob et al. 2006JACOB, Cesar Romero et al. (2006), Religião e sociedade em capitais brasileiras. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio.; Freston 1993FRESTON, Paul. (1993), Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao impeachment. Campinas: Tese de doutorado em Ciências Sociais, UNICAMP.). O conceito de cinturão evangélico nas periferias das grandes cidades (Freston 1993) não se aplica totalmente ao caso da cidade do Rio de Janeiro. Entretanto, Mafra (2011) acredita que, mesmo com uma planta urbana tão diversa - com regiões pobres e abastadas lado a lado -, o “cinturão evangélico” se configura sim em boa parte das áreas periféricas da cidade do Rio de Janeiro e também da Região Metropolitana, incluindo aí cidades da Baixada Fluminense e outras como São Gonçalo, por exemplo. A autora acredita que a relação vivência religiosa x crescimento urbano foi moldada por um distanciamento territorial entre ricos e pobres nas cidades, no qual as áreas centrais e nobres das metrópoles brasileiras concentram os católicos e a periferia abriga os evangélicos das mais diversas denominações.

Alguns indicadores sociais reforçam esta proposta. Os bairros periféricos do Rio já têm expressiva população evangélica, bem como cidades da Região Metropolitana que são parte da chamada Baixada Fluminense, entre outras, que já tem nesse grupo religioso a maioria de seus habitantes (IBGE 2010). A capacidade de mobilização e a influência política evangélicas nesses territórios são visíveis por meio de suas edificações, de ações sociais, pela conduta de comportamento de seus adeptos e pela ocupação de espaços públicos e sociais nessas regiões, liderando em inúmeras oportunidades processos políticos. As igrejas evangélicas do tipo pentecostal e neopentecostal são as que mais crescem em bairros mais pobres e de ocupação mais recente. Em geral, são ambientes que experimentam mais fortemente mudanças sociais (Gracino Jr 2010GRACINO JR, Paulo. (2010), “À sombra das catedrais: religião e hierarquia social em uma cidade do interior mineiro”. Teoria e Sociedade (UFMG), nº 1: 21-46.). Swatowiski (2010SWATOWISKI, Cláudia Wolf. (2010), “Dinâmicas espaciais em Macaé: lugares públicos e ambientes religiosos”. In: C. Mafra ; R. Almeida (orgs.). Religiões e Cidades: Rio de Janeiro e São Paulo . Rio de Janeiro: Terceiro Nome .) em pesquisa sobre o cenário religioso de Macaé (RJ) observou a relevância que as novas denominações religiosas assumiram no contexto de transformações intensas que a cidade vivia. A autora destaca em seu trabalho que o crescimento acelerado e desordenado daquela cidade localizada em uma região de exploração de petróleo levou os seus moradores a ressignificarem alguns locais, fazendo com que as religiões assumissem papel fundamental nesse processo, pois passaram a ser referências para os indivíduos sobre como entender e vivenciar a “nova” realidade.

A predominância de pentecostais deu-se e consolidou-se exatamente em regiões materialmente mais carentes que são abandonadas pelo Estado, nas quais a presença da Igreja Católica e de suas ações também são tímidas. Há já uma ampla bibliografia que discute as razões desse grande apelo que o pentecostalismo tem tido para os mais pobres, como os trabalhos de Mariz (1994MARIZ, Cecília Loreto. (1994), Coping with poverty: Pentecostals and Christian Base Communities in Brazil. Philadelphia: Temple University Press. ), Mafra (2002MAFRA, Clara. (2002), Na posse da palavra: religião, conversão e liberdade pessoal em dois contextos nacionais. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. ), entre outros, mas não é nosso objetivo rever essa literatura e retomar essa discussão aqui. Queremos apenas destacar que a paisagem urbana das periferias é marcada pela presença física de edificações evangélicas mais diversas e cada vez mais numerosas. Construídos em geral com os recursos dos próprios fiéis, os templos são vistos como símbolos de expansão e de “vitória” da fé.

Para Edlaine Gomes (2010GOMES, Edlaine de Campos. (2010), “Ser única e universal: materializando a autenticidade na cidade do Rio de Janeiro”. In: C. Mafra; R. Almeida (orgs.). Religiões e Cidades: Rio de Janeiro e São Paulo. Rio de Janeiro: Terceiro Nome.), a construção de templos e espaços com particularidades arquitetônicas muito específicas é instrumento relevante do projeto de determinadas denominações religiosas para consolidarem material e simbolicamente suas expansões, dando a elas visibilidade, notadamente, em territórios periféricos que demandam investimentos menores para sua concretização, estando mais próximas e acessíveis ao público-alvo a ser atingido. Para a autora, a construção de catedrais monumentais por todo o país pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) seria uma estratégia de materialização não apenas de um projeto de crescimento dessa igreja, mas também como um sinal de vitória, conquista e reconhecimento da autenticidade dos valores que prega. Em 1990, em discurso comemorativo dos 25 anos da IURD, seu líder e fundador - Bispo Edir Macedo -, deixou clara essa perspectiva ao afirmar que sua igreja “invadiria as cidades” (Gomes 2010:113). A existência de templos e espaços religiosos é, portanto, apreendida como elemento vital de visibilidade e publicização para um grupo religioso que, marcando sua presença nas cidades, poderia desfrutar de maior peso político, econômico e moral na sociedade.

Em relação à construção de templos, a Igreja Católica beneficiou-se de uma vantagem histórica, já que fora imposta no Brasil pelos colonizadores sufocando, desta forma, outras manifestações religiosas. Frequentemente considerados referências artísticas de vanguarda, os templos católicos durante séculos marcavam de maneira incisiva o poder político, econômico e social dessa instituição em nosso país. Financiados principalmente pelos seus fiéis que eram maioria esmagadora da população brasileira, a dominação espacial dos territórios das cidades deu-se de maneira acentuada e natural. No entanto, com o crescimento das cidades, teve início o processo de pluralização religiosa, fazendo surgir um grande número de outras igrejas, provocando transformações nessa realidade. Com efeito, a intensificação do processo de urbanização no Brasil coincidiu com o aumento da concorrência religiosa e com o começo do processo de perda proporcional de fiéis pela Igreja Católica, especialmente nas áreas mais pobres das grandes cidades, como seria o caso de parte da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro.

Esta situação de fraqueza relativa do catolicismo e predominância evangélica, expressa pelos Censos do IBGE, é vivenciada fortemente pelos entrevistados desta pesquisa que, mesmo pertencendo a um grupo religioso majoritário na cidade - os católicos -, se sentem minoria em tais regiões. Relatam, assim, que experimentam um sentimento de acuamento. Um entrevistado dessa região ressente-se das críticas que os evangélicos fazem ao Papa, mas comenta que durante as jornadas elas silenciaram: “[…] a realidade daqui tem muitos evangélicos, durante a jornada eu não vi nenhuma crítica ao Papa, eles são assim né, durante, enquanto o Papa está aqui, ninguém crítica, ninguém fala nada […] pelo contrário eles… Agora quando o Papa vai, mete ‘o malho’ lá na gente […]” (Bento, anfitrião e voluntário morador de Paciência, 19 anos).

Também a fala de uma moradora de Paciência, outro bairro com muitos evangélicos, sugere que havia naquela área uma descrença da capacidade dos católicos de realizar um evento do porte da JMJ. Abaixo, transcrevemos o trecho de sua fala no qual ela comenta que muitos não acreditavam que fosse possível realizar esse encontro católico internacional e que “os evangélicos” não imaginavam que tantos católicos de outras partes do mundo poderiam vir:

[…] Ah, é uma coisa muito grande pra ser feita assim tão “fácil”, entre aspas, né? Porque as pessoas costumam ver uma coisinha de grupo aqui, outro grupo ali. Mas uma coisa internacional na força que foi feita pela caridade não buscando meios financeiros, então as pessoas não acreditaram que fosse acontecer. Havia comentários, né, havia divulgação, mas a parte humana da coisa acho que eles não acreditavam que houvesse tantas pessoas se deslocando de outros países distantes, com dificuldade disso e aquilo, pra vir, principalmente falar “ah, ninguém vai vir numa coisa dessa”, ninguém em termos né? Mas se surpreenderam né? Aqui como nós temos muitos irmãos evangélicos né, muitos depois ficaram querendo que tenha uma nova oportunidade para eles participarem […] (Claudia, anfitriã e voluntária moradora de Paciência, 21 anos).

A JMJ Rio 2013 teve, para os entrevistados moradores das regiões periféricas da cidade, um sentido de afirmação da identidade católica e de demonstração de força e presença nos bairros com significativa população evangélica. Pudemos identificar na fala das famílias da zona oeste do Rio de Janeiro um sentimento de competição com os evangélicos da região, levando-os a se empenharem mais em participar da JMJ do que os católicos de outras partes do Rio, pois o sucesso do evento seria para eles uma “prova” da proeminência da Igreja Católica sobre as outras denominações. A JMJ, desse modo, parece ter estimulado o “mercado religioso”, valorizando os “bens” que a Igreja Católica oferece aos seus fiéis da zona oeste da cidade. Segundo os relatos, os católicos pareciam perceber na JMJ uma oportunidade de retomarem uma posição de destaque e liderança perdida nas últimas décadas. Não apenas os padres da área, líderes de suas comunidades, tiveram essa percepção, mas os fiéis católicos também abraçaram essa causa e contribuíram enormemente para o êxito da JMJ na área oeste do Rio de Janeiro, como os números colocados acima demonstram.

Em todas as famílias pesquisadas na região oeste, os entrevistados declararam que tinham recuperado “o orgulho de serem católicas” especialmente quando escutavam as menções positivas que seus vizinhos evangélicos faziam ao evento, como os elogios à organização, à alegria dos peregrinos nas ruas, ao acolhimento promovido e ao Papa Francisco. Uma das entrevistadas destaca inclusive que o Papa foi definido por um evangélico vizinho de sua família como “uma pessoa de muita paz, muito boa”. Esse vizinho evangélico gostou tanto do Papa Francisco que, segundo a entrevistada, até salvou a fotografia dele em sua tela de descanso do celular.

Enquanto aproximou os moradores católicos e evangélicos da zona oeste, a JMJ parece ter evidenciado cisões entre os católicos dessa região e da zona sul, os primeiros faziam críticas aos segundos especialmente à pouca disposição deles de hospedar peregrinos. Esse tom repressor estava presente em boa parte das falas escutadas durante o trabalho de campo nas conversas informais, e também foram registradas essas críticas nas entrevistas, quando se opunha uma área à outra: “[…] o pessoal da zona oeste é mais humilde, mas é mais solidário, tem o coração mais aberto”, “o povo da zona sul é rico, não quer saber de receber ninguém em casa não”, “a zona oeste participa muito mais, é mais mobilizada. Na zona sul eles não têm uma vida em comunidade […]” (Comentário registrado em reunião paroquial no bairro do Andaraí, zona norte do Rio, em novembro de 2012).

Esse tipo de discurso reafirma as considerações de Mafra (2011______. (2011), “O problema da formação do ‘cinturão pentecostal’ em uma metrópole da América do Sul”. Interseções (UERJ), nº 1: 136-152.) citadas anteriormente a respeito do distanciamento entre ricos e pobres nos grandes espaços urbanos do país. Por esses dados, parece que o evento paradoxalmente aproximou os entrevistados da parte oeste dos seus vizinhos “competidores” evangélicos e revelou tensões com outros católicos das regiões mais ricas da cidade.

Além da sensação de “retomada” de território pelos católicos, mesmo que de forma temporária, as famílias acolhedoras da JMJ Rio 2013 que vivem nas áreas periféricas revelaram em suas falas que, durante o evento, experimentaram o sentimento, que não possuíam cotidianamente, de serem parte da cidade do Rio de Janeiro, tópico que abordaremos a seguir.

3. A Igreja Católica como instrumento de inserção na vida da cidade, do contato com o “outro” e a consequente ressignificação do “ser católico”

Nas entrevistas realizadas, especialmente entre as famílias acolhedoras, que hospedaram “peregrinos”, das zonas oeste e norte, um dado bastante recorrente emergiu entre os hospedeiros que vivem nas regiões não turísticas da cidade do Rio de Janeiro, qual seja: a experiência nova de conhecer, falar ou hospedar um estrangeiro, o que lhes causou grande fascínio:

[…] Muito interessante de você, como ela falou, você não tem comunicação com quase ninguém do mundo. Nós vivemos nesse país, aqui no nosso bairro, é um bairro muito restrito […] Bairro de periferia, como dizem. De repente, você receber pessoas, você ter contato com pessoas do México, de El Salvador, de, do Chile, da Argentina. Inclusive, um médico. E tão simples, assim, eu fiquei encantada […]

Eu, onde eu vejo assim as pessoas eu comento e falo: “você participou da jornada?”. Como foi maravilhoso a gente conhecer pessoas de outro mundo. Assim de outro mundo! Eu nunca imaginei sair daqui ali no portão e conhecer nem um paulista, quanto mais mexicano, é, El Salvador que eu não sei nem, eh, chileno, argentino. Até do Egito. Né? […] (Laura, anfitriã, moradora do bairro de Paciência, 53 anos).

[…] E eu estava muito animado porque ali eu comecei a ter contato com os Voluntários Internacionais. Então, não que os outros Voluntários Nacionais não trouxessem esse espírito, mas os Voluntários Internacionais pra mim era uma coisa muito nova, uma coisa muito diferente. “Caraca!”, eu ficava pensando, eles saíram do país deles, vieram pra um país completamente diferente, eles não sabem falar direito a nossa língua e eles estão aqui pra trabalhar pra Jornada, por Cristo. E eu achava isso um barato. Assim, foi uma experiência que eu tive como uma total entrega deles. Eu falei, “nossa, eu quero trabalhar pra Igreja assim, eu quero me doar todo, né”. E a gente que é juventude, a gente tem um fogo de Deus assim, muito grande pro trabalho. Então, eu falei “tá”, e comecei a ter contato com as pessoas internacionais. E, tipo assim, na minha vida, por eu ser da Zona Oeste e coisa, eu não tinha contato com pessoas de outros países. Então, eu achava aquilo muito divertido […] (Bento, anfitrião e voluntário, morador do bairro de Paciência, 19 anos).

O estado de encantamento que alguns moradores anfitriões de peregrinos/voluntários da JMJ descreviam aponta claramente para uma situação de separação social e cultural destes no espaço da cidade refletida na ausência dessas situações no cotidiano dessas pessoas.

Encontrar um outro tão distante e que vem intermediado por uma instituição religiosa pareceu aos entrevistados uma demonstração do quanto a Igreja Católica é fundamental em suas vidas oferecendo-lhes oportunidades que esses indivíduos não teriam por outro meio, ao menos na opinião destes. A Igreja Católica, desta forma, não apenas oferece espaços de socialização e lazer para os moradores dessas áreas periféricas, mas também viabiliza que estes encontrem os “turistas”, “os gringos” que, em situações habituais ou mesmo em outros eventos de grande porte que o Rio de Janeiro sediou, ficam confinados as localidades mais nobres e turísticas do município. Acessar “outros mundos” por meio da hospedagem de um estranho estrangeiro foi significado pelos entrevistados como a confirmação de que fizeram a escolha certa em relação ao credo religioso e, por isso, são recompensados com a dádiva de receber um “irmão” que é tão diferente, que tanto ensina e que ao mesmo tempo tem muito em comum. A dificuldade da comunicação pela língua diferente, os hábitos à mesa e os costumes diferentes foram transpassados pela mediação de uma cosmovisão religiosa comum e chamada pelos pesquisados de “universal”: “[…] foi interessante que a gente descobre que a nossa fé ela é realmente universal, então todas aquelas coisas que a gente tem na hora do alimento ali no restaurante que eu orava, fazia o sinal, quando eu olhava, aquele monte de gente de outros países fazendo a mesma coisa, então a gente vê que a nossa fé, como ela é bonita, como ela é única mesmo, universal […]” (João, anfitrião e voluntário, morador do bairro Taquara, 47 anos).

Também se comenta o prazer dessa comunicação com os que falam outro idioma e vem de tão longe, como se nota nas falas a seguir: “[…] Bater papo. Foi bem legal. A gente tirava sarro com a cara do outro, se enrolava por causa da língua, a gente se atrapalhava. Então foi criando um vínculo bem gostoso […]” (Camila, anfitriã e voluntária, moradora do bairro de Campo Grande, 25 anos).

[…] Aí a gente conversou um pouquinho de tudo, e eles assim, tentavam se fazer entender, a minha mãe era mais engraçada, depois ela vai contar as experiências dela, porque a minha mãe ela não sabe nada de inglês, então ela ficava meio que o encontro dos europeus com os índios, que os europeus ficavam gritando pra ver se os índios conseguiam entender? Ela ficava falando alto com eles. Aí eu falava, “mãe, eles não são surdos, eles só não entendem a língua”. Aí o meu esposo, quando a gente foi visitar eles lá na Santo Sepulcro aprendeu a falar no Google Tradutor uma frase da língua deles […] (Sara, anfitriã, moradora do bairro de Cascadura, 38 anos).

[…] E cada um de um jeito. O povo africano tem um jeito, o pessoal do Canadá tem outro, o pessoal do México tem outro, os colombianos têm outro, os argentinos têm outro. Sabe? Aí, cada dia um resolvia cozinhar, né? E eu, “ai meu Deus do céu, comida de El Salvador é horrível”. Risos. E elas, eu era, a primeira que tinha que provar era eu, né? Aí, o mexicano, eu não consegui não. O mexicano, eu nem tava em casa no dia que ele cozinhou. Comi comida do Paquistão, comi comida de El Salvador. Mas, assim, foi extremamente enriquecedor e a gente teve oportunidade de celebrar, aqui, nessa mesinha […]. Ela é mãe, a Igreja, exatamente a mesma mãe que ela é pra mim. Então, pra mim, ela é exemplo. Me ensina a ser mãe, a acolher a diferença, a amar do mesmo jeito, mesmo que eles sejam tão diferentes, né? […] (Marta, anfitriã e voluntária, moradora do bairro Freguesia, 47 anos).

Outros dados coletados reforçam essa questão como as constantes menções nas entrevistas à mudança na rotina dos bairros fora das áreas turísticas da cidade do Rio de Janeiro, principalmente. A movimentação de pessoas com aparência física e comportamento diferentes promoveram a sensação de singularidade e de otimismo entre os entrevistados. Esta conclusão só foi possível, pois uma parte das entrevistas foi realizada durante a Copa do Mundo FIFA 2014, outro evento de grande porte sediado na cidade, o que provocou comparações inevitáveis com a JMJ Rio 2013:

[…] Ah, as pessoas estranhavam né? Porque assim, via loirinha de olhos claros passando, “nossa, quanta gente diferente” […] Toda hora a gente via um loirinho, uma loirinha passando […] Porque a Copa do Mundo, pra fazer um paralelo, ela encheu de turistas Copacabana. A JMJ encheu de turistas o Rio de Janeiro inteiro. Então assim, e foi numa outra vibe. Eu fui na FanFest11 11 Local de exibição dos jogos da Copa do Mundo FIFA 2014 na praia de Copacabana. , o pessoal tá indo pra zoar, pessoal encher a cara, “pegação”. Na JMJ não, era uma outra vibração, era um clima de confraternização universal […] (Sara, anfitriã, moradora do bairro de Cascadura, 38 anos).

[…] uma coisa que eu sempre falo, diferentemente de Copa do Mundo e Olimpíadas, a Jornada, ela mexe com a cidade inteira, a cidade sede. Por exemplo, nós estamos em plena Copa [do Mundo], mas eu moro aqui em Jacarepaguá, eu não vi um turista sequer, por que? Se acontece algo, acontece lá pra zona sul, mas nós aqui de Jacarepaguá, a gente não vê nada. Quem mora lá pra zona oeste então, Bangu, Campo Grande, não vê nada. Não vê 1 turista sequer. Lá na Jornada não, a Jornada tinha peregrino em tudo quanto é lugar nessa cidade. Se você fosse lá em Santíssimo tinha peregrino, se fosse lá em Campo Grande, Bangu, se você fosse na Baixada, em Nova Iguaçu, é, em Belford Roxo, Niterói, em São Gonçalo, qualquer canto da região que você fosse, você acharia peregrino, nem na Olimpíadas isso vai acontecer. Olha que Olimpíadas vai ser só na cidade do Rio. A Jornada ela causou isso na cidade. Então todo mundo se envolveu, na minha rua, o pouco que eu vinha em casa, cada hora que eu vinha, toda hora tinha peregrino passando pra cima e pra baixo. Eu lembro que o dono da padaria, o dono da padaria do lado da casa onde eu moro, ele comemorou as vendas, porque tinha gente nova no pedaço. Então assim, a Jornada movimentou a cidade, Copa e Olimpíadas isso não acontece. Apesar de ser um evento grande também, mas isso a Jornada marcou, sabe? […] (Pedro, anfitrião e voluntário, morador do bairro Taquara, 42 anos).

Muitos entrevistados relataram nunca ter visitado atrações turísticas como o Cristo Redentor ou o Pão de Açúcar. Uma moradora de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, relatou que estava preparada para receber peregrinos em casa, mas como estes não vieram, ela pôde se permitir conhecer esses locais pela primeira vez durante a JMJ. A entrevistada interpretou este fato como “Providência Divina”. Desta maneira, a JMJ proporcionou a estas famílias de acolhida uma oportunidade “única” de acesso a um universo restrito à “zona sul” e “àquilo que se passa na novela”, como citou um dos entrevistados, e - mesmo que brevemente -, provocou a sensação de pertença à cidade do Rio de Janeiro, avigorando mais intensamente o sentido e a função da Igreja no cotidiano desses indivíduos, uma vez que esta instituição os incluiu ainda que temporariamente na vida da cidade.

O contato próximo e constante com um estrangeiro, tendo-o dentro da própria casa, o que parecia inalcançável para os anfitriões das zonas periféricas da cidade devido a fatores econômicos, sociais e geográficos, também reforçou o papel da Igreja na vida desses indivíduos. Estar com este outro que comunga das mesmas crenças e valores mesmo em partes tão diferentes do mundo trouxe o sentimento de universalidade, de uma Igreja que se autodenomina “universal”, termo também usado pelos respondentes para se referir a ela. A fala dos respondentes revela uma postura mais empoderada, firme, que valorizava sua identidade católica. Outra experiência que reforça esse sentimento de poder e de valorização do catolicismo foi a “tomada de lugares profanos” pelos católicos durante a JMJ Rio 2013, como veremos na próxima seção.

4. E Copacabana torna-se uma Igreja: a apropriação de espaços urbanos pelo sagrado

Um debate bastante extenso e rico nas ciências sociais acerca das peregrinações e do turismo aponta para o imbricamento dessas duas dimensões no campo social, ou como religião e turismo se confundem. Entretanto, as pesquisas em relação a esta transmutação de espaços sagrados e profanos parecem estar focadas nas formas como o profano se apropria do sagrado, e não o contrário. Os dados de pesquisa revelaram que os participantes da JMJ Rio 2013 não apenas perceberam essa mudança, bem como a significaram mais uma vez como uma demonstração de força da Igreja Católica em âmbito local e também “mundial”.

Um bom exemplo local de tal fenômeno é a estátua do Cristo Redentor, atrativo turístico entre os mais visitados da cidade do Rio. Seus visitantes, em grande parte, não notam a igreja localizada embaixo do monumento e se surpreendem ao saberem que ali ocorrem missas, batizados, casamentos, entre outros rituais característicos de uma paróquia católica.

Assim, a JMJ foi um exemplo de como a Igreja se apropriou de ícones do turismo brasileiro para se promover, e, simbolicamente, fez - na visão de muitos dos entrevistados -, com que o sagrado se “apropriasse” do profano. “Transformar a praia de Copacabana em uma Igreja”, como citado por muitos entrevistados, e apropriar-se das imagens de todos os principais atrativos turísticos do Rio de Janeiro nas campanhas de promoção e organização do evento, entre outras medidas, tornaram-se ações-símbolo com significado bastante vigoroso para alguns dos entrevistados:

[…] e eu andava pela cidade e via tipo todo mundo com aquelas mochilinhas verde, azul e amarela. E foi pra gente uma experiência única assim, eu costumo dizer que a cidade do Rio, eu sou nascido e criado no Rio, e o Rio de Janeiro pra mim eu acho que ele é um antes da jornada, e outro depois da jornada. Antes eu passava pelo Aterro do Flamengo, a primeira coisa que eu contemplava assim, que eu achava maravilhoso, era o Pão de Açúcar, aquela coisa toda. Hoje em dia, toda vez que eu passo pelo Aterro do Flamengo, eu continuo revendo toda aquela peregrinação, todo aquele monte de gente, tudo, o pessoal cantando sabe, de mais de 200 países, todo mundo reunido falando a mesma língua praticamente. Professando uma fé só, eu diria que tipo assim, aquilo ali todo mundo, que nem eu falei, igual eu falei, falando a mesma língua né, todo mundo unido por um objetivo só. Eu diria que, toda jornada é uma nova pentecoste assim né, tipo, ninguém fala a mesma língua, mas todo mundo se entende sabe? Todo mundo tá ali pro bem, pra paz, enfim né, pela fé em Deus. E toda vez que eu vou em Copacabana também eu continuo revendo toda aquele pessoal né, aqueles 4 milhões de pessoas com aquele saco de dormir […] Então pra mim eu acho que a cidade, se faltava alguma coisa pra ela ser abençoada, eu acho que veio o ano passado com a jornada, e pra mim é uma outra cidade, é diferente […] (Marcos, anfitrião e voluntário, morador do bairro de Brás de Pina, 32 anos).

Outra entrevistada de Belford Roxo concluiu que a mudança da missa final que ocorreria em Guaratiba para Copacabana foi “Providência Divina” para livrar lugares mergulhados no “pecado” para a graça de Deus.

Entre os entrevistados que tinham a Igreja Católica como parte importante na definição de seus selfs, o fato de as atividades da JMJ Rio 2013 terem ocupado espaços em áreas tanto abastadas como nas pobres, tanto turísticas quanto não turísticas foi muito valorizado e interpretado de maneira similar. Para estes, nenhuma igreja evangélica ou outro grupo religioso teria condições de reunir tal quantidade de fiéis do mundo inteiro e “tomar lugares profanos e símbolos do pecado” como fez a Igreja católica no Rio de Janeiro: nenhum evangélico poderia se gabar disso.

Considerações finais

Procuramos neste artigo descrever a JMJ Rio 2013, como esse evento ocupou a cidade e as peculiaridades que o distinguem de outros eventos religiosos e não religiosos. A JMJ fez-se presente não apenas em espaços públicos do Rio de Janeiro, mas, também, nos lares de seus moradores que foram estimulados a hospedar os participantes de fora da cidade. Com a hospedagem de peregrinos e voluntários em residências localizadas em bairros distantes da zona mais abastada e turística da cidade, a JMJ alcançou áreas não atingidas por outros eventos também internacionais, laicos e religiosos, que a cidade já acolheu. Os chamados “peregrinos” da JMJ espalharam-se por áreas que não estão acostumadas a receber visitantes de fora do país mesmo quando à época da Copa Mundial de Futebol e das Olímpiadas, eventos internacionais de porte consideravelmente maior que ocorreram em 2014 e 2016 respectivamente.

Ocupando ruas, praças, praia e reunindo multidões, a JMJ, como foi dito, entrou também nas casas das pessoas e não apenas pela mídia, mas acolhendo “peregrinos”. Essa experiência de hospedagem levou à mobilização de toda família e até vizinhos, e não apenas dos jovens para quem se voltava o evento. Embora tenha tido uma dimensão pública muito evidente, as autoridades estatais brasileiras recebendo o papa como chefe de Estado, a presença da própria Presidenta Dilma e presidentes de outros países, esse evento fez-se também profundamente presente na vida cotidiana daqueles que foram hospedeiros, como fica claro nas falas dos entrevistados citados, que descreveram suas vivências com os peregrinos acolhidos. Declaram que se sentiram, assim, parte do evento e não apenas espectadores.

Para aqueles dos bairros menos favorecidos, o convívio com estrangeiros permitiu experiências novas, como a de conseguir se comunicar com pessoas que falam idiomas desconhecidos, que foi ressignificada como um “novo Pentecoste”, e ser apresentados a realidades diferentes: essas experiências permitem aos indivíduos transcender seu cotidiano. Além do mais, o contato com pessoas de outras partes do mundo é um sinal evidente da dimensão global da instituição religiosa que organizou tudo isso. Com espaços públicos, bairros e ruas, invadidos por rituais festivos e católicos de outros locais, houve uma revalorização da instituição e da identidade católica na cidade, mas esse reforço parece ter sido mais forte onde se era mais pobre. Assim, via JMJ, habitantes desses bairros vivenciaram o que é, para uma pequena parcela dos habitantes da cidade, uma experiência frequente: o contato pessoal e constante com “o resto do mundo” via turistas e estrangeiros.

Também o artigo procurou discutir as declarações dos entrevistados dos bairros mais pobres sobre as implicações das experiências promovidas pela JMJ na convivência com os vizinhos membros e outras igrejas cristãs. Superando a sensação de acuamento e de pertencerem a uma igreja enfraquecida e que cada vez perde mais fiéis, sentem fortalecida sua identidade católica com orgulho de sê-lo. Os dados indicam que a JMJ favoreceu relativamente os católicos entrevistados da zona oeste da cidade, mesmo que temporariamente, pois esse evento permitiu que adquirissem outra visão da Igreja Católica e de seu papel na cidade do Rio de Janeiro, no mundo e também em suas vidas. Além disso, as falas dos entrevistados indicam que, por meio da JMJ, se sentiram mais vinculados à cidade do Rio de Janeiro e a um mundo global católico. Por outro lado, há ainda consideráveis evidências que apontam para um comportamento diferenciado e em certo grau divergente entre os católicos das regiões mais populares da cidade do Rio e aqueles da zona sul, rica e nobre.

Embora tenhamos focado nos impactos subjetivos da JMJ não subestimamos sua dimensão pública e política. A grande presença de católicos nas ruas e casas da cidade do Rio de Janeiro consistiu também uma demonstração de força política e penetração social do catolicismo perante não apenas outras religiões (especialmente denominações evangélicas), mas também grupos políticos e movimentos sociais em geral. A dimensão política desse tipo de evento, no entanto, não precisa se relacionar ao conteúdo das pregações ou forma dos rituais, mas pela quantidade de pessoas que leva às ruas ou a espaços públicos. A força política pode ser avaliada pela reação que pode provocar em grupos que se sintam ameaçados por ela. Dessa maneira, lembramos que ocorreu durante a JMJ no Rio uma “Marcha das Vadias” que defendia a legalização do aborto. Não houve, contudo, nenhuma mobilização evangélica. Talvez estes tenham sentido menos ameaças à sua agenda política do que o grupo que organizou a marcha acima citada. Pelos depoimentos dos entrevistados, seus vizinhos evangélicos tendiam a receber positivamente o evento e em especial o Papa Francisco, que, usando quase sempre o termo “cristão” e “cristianismo”, em vez de “católico” e catolicismo (Mariz e Carranza 2017MARIZ, Cecília L. & CARRANZA, Brenda. (2017), “Francisco en la Jornada Mundial de la Juventud de Rio de Janeiro”. In: V. Roldán; A. Frigerio (eds.). Francisco: el impacto de su pontificado en América Latina. Buenos Aires: Editorial Biblos.), parecia falar também aos evangélicos. Além disso, foram registrados depoimentosACIDIGITAL. (2014), Jovem que fez notícia com pôster na JMJ Rio se converteu ao catolicismo e recebeu Batismo no dia de Pentecostes. Disponível em: Disponível em: http://www.acidigital.com/noticias/jovem-que-fez-noticia-com-poster-na-jmj-rio-se-converteu-ao-catolicismo-e-recebeu-batismo-no-dia-de-pentecostes-86200/ . Acesso em: 11/11/2017.
http://www.acidigital.com/noticias/jovem...
de alguns jovens evangélicos afirmando que participaram do evento12 12 Ver http://www.acidigital.com/noticias/jovem-que-fez-noticia-com-poster-na-jmj-rio-se-converteu-ao-catolicismo-e-recebeu-batismo-no-dia-de-pentecostes-86200/. Acesso em: 11/11/2017. .

Em nossa discussão, procuramos mostrar como a dicotomia público e privado, seja como aquela que distingue a “casa da rua”, seja como a que separa a arena da política do espaço dos projetos, da emoção, fé e “convicção” individuais, foi questionada e transcendida nesse evento. Consideramos que esse questionamento seja um projeto religioso em geral, especialmente do cristianismo católico, fazendo com que a Igreja católica possa dialogar com a modernidade, realizar um aggionamento, mas sempre estando em tensão dialética com essa modernidade, particularmente com o seu individualismo. Acreditamos que mais pesquisas relacionadas ao impacto que as estratégias de publicização que as diferentes religiões adotam e como estas afetam a vida privada de seus participantes são promissoras e poderão revelar novos sentidos e significados que a experiência religiosa assume na contemporaneidade.

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Sites consultados

Mensagem pessoal

  • COMITÊ ORGANIZADOR LOCAL - JMJ RIO 2013 - SETOR DE HOSPEDAGEM. (2013), Dados e pesquisa das famílias de acolhida. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por AUTOR@gmail.com em 14 ago 2013.

Notas

  • 1
    Pesquisa apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), entre agosto de 2014 e agosto de 2015.
  • 2
    “Peregrino” é o termo usado em todas as JMJs para se referir aos seus participantes.
  • 3
    O termo “casa” aqui é utilizado como espaço físico e também no sentido metafórico da dicotomia de DaMatta (1997aDAMATTA, Roberto. (1997a), Casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e a morte no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco. ) “casa e rua”. Para esse autor, “casa” seria o local das trocas afetivas, relações sociais primárias, e a “rua” seria marcada pelas relações secundárias, impessoais, anônimas, enfim, a esfera do público.
  • 4
    “[…] World Youth Day can be characterized as the sum of all these measures; as a mix of youthful leisure activities and religious events culminating in a papal Mass attended by a huge community of pilgrims. As the well-nigh epitome of an experiential event, Catholic WYD is not just an innovative mega-party, nor is it merely a canonical religious festival. In effect, the canonical festival re-invents itself in the form of a mega-party and the mega-party is unique precisely because it transforms the religious festival into something new. Hence, WYD is both a mega-party and a religious festival. And, on top of that, it is a marketing event. In other words, even though the Catholic hierarchy repeatedly stresses that the faith aspect has priority over the fun aspect, this is not borne out empirically by the organizing measures that were decided upon in consultation with the ecclesiastical powers that be in Germany and Rome. However, in our view, precisely because of the de facto parity between faith and fun, the amalgamation of the profane, and the sacral observed during WYD is, in fact, tantamount to a canonical innovation. And, what is more, this innovation did not come about subtly and spontaneously. Rather, it was intentional and (so it would appear) massively encouraged by Church officials […]”. (Pfadenhauer 2010:391PFADENHAUER, Michaela. (2010), “The eventization of faith as a marketing strategy: World Youth day as an innovative response of the catholic church to pluralization”. International Journal of Nonprofit and Voluntary Sector Marketing, nº 4: 382-394.).
  • 5
    O RioCentro é o maior espaço para exposições da cidade do Rio de Janeiro e localiza-se no bairro do Recreio dos Bandeirantes, região oeste do município.
  • 6
    O cartão a que a entrevistada se refere é uma forma de pagamento disponibilizada pela JMJ aos inscritos no evento, com o qual eles poderiam se alimentar em restaurantes cadastrados e que ofereciam uma espécie de “menu peregrinos” com preços mais convidativos do que aqueles encontrados nas zonas turísticas da cidade. Os nomes dos entrevistados foram alterados para mantê-los em anonimato. As entrevistas citadas foram realizadas em 2013 semanas depois da JMJ do Rio de Janeiro.
  • 7
    Nos registros do setor de hospedagem do COL/JMJ, algumas igrejas protestantes históricas, evangélicas pentecostais ofereceram seus espaços aos peregrinos católicos (COL/JMJ 2013).
  • 8
    O trabalho de campo foi realizado por uma das autoras em duas etapas: de junho de 2012 a janeiro de 2013 através da observação de eventos pré-JMJ, reuniões de preparação em diversas paróquias e acompanhamento de publicações; entre janeiro e agosto de 2013, foi realizado trabalho voluntário no setor de hospedagem do COL/JMJ Rio 2013 durante quatro horas diárias de segunda a sexta-feira.
  • 9
    A missa final em Guaratiba foi cancelada nos primeiros dias do evento, uma vez que, devido às fortes chuvas que ocorreram naqueles dias, o espaço preparado para esse momento foi inviabilizado. Contudo, as famílias e instituições de acolhida e as catequeses já programadas para a região transcorreram dentro do planejado.
  • 10
    Em 2014, essa demarcação foi modificada, e o vicariato oeste foi dividido dando origem ao vicariato Santa Cruz (ArqRio 2014ARQUIDIOCESE DE SÃO SEBASTIÃO DO RIO DE JANEIRO. (2014), Santa Cruz: o novo vicariato da arquidiocese. Disponível em: Disponível em: http://arqrio.org/noticias/detalhes/2801/santa-cruz-o-novovicariato-da-arquidiocese . Acesso em: 11/11/2017.
    http://arqrio.org/noticias/detalhes/2801...
    ).
  • 11
    Local de exibição dos jogos da Copa do Mundo FIFA 2014 na praia de Copacabana.
  • 12

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2017

Histórico

  • Recebido
    25 Out 2016
  • Aceito
    09 Ago 2017
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