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Sexo/prazer no Islam é devoção1 1 Revisão técnica: Janaynne C. do Amaral.

Sex/pleasure in Islam is devotion

Resumo

Este artigo aborda a sexualidade e o prazer no Islam na perspectiva de mulheres muçulmanas casadas, sejam elas nascidas ou revertidas à religião e que usam o hijab, lenço islâmico. No Islam, a sexualidade é considerada lícita após o casamento religioso. Há várias prescrições para o ato sexual, sendo o prazer sexual um direito também feminino e não apenas para procriação.

Palavras-chave
Islam; sexualidade; casamento

Abstract

This paper discusses sexuality and pleasure in Islam from the perspective of married Muslim women, whether born or reverted to Islam, who uses the hijab, the Islamic headscarf. In Islam sexuality is considered licit after the religious marriage. There are several prescriptions for sexual intercourse, whereas sexual pleasure is a women’s right, not just for procreation.

Keywords
Islam; sexuality; marriage

Introdução

Os Crentes são aqueles que guardam a castidade, exceto com suas esposas (...) {enquanto aqueles que querem mais em termos de satisfação sexual} são os transgressores (Sura Al-Mu'minūn, 23: 5-7)

Não é de hoje que o Islam2 2 As autoras optaram em usar Islam e não Islã com a finalidade de considerar a expressão na língua árabe e o termo usado nas comunidades muçulmanas brasileiras de forma mais ampliada (categoria nativa). Na etimologia da palavra Islam encontramos a forma verbal “aslama”, aquele que se entrega a Deus, da qual “muslim” (muçulmano) é o particípio presente: aquele que se entrega/submete a Deus (Cf. Ferreira, 2007, p.19). É importante dizer que corroboramos a ideia de Enzo Pace (2005) a respeito da pluralidade do campo islâmico. O Islam não é um bloco monolítico, é preciso considerar suas correntes (sunitas/xiitas e suas respectivas escolas de jurisprudência), além da diversidade de comunidades e pessoas que aderem à religião. vem chamando atenção no meio acadêmico brasileiro, já passamos de duas décadas de pesquisa sobre o tema no Brasil. Atualmente, dois grupos de pesquisa se destacam quando se trata de pesquisas sobre Islam: NEOM (Núcleo de Estudos do Oriente Médio/UFF), coordenado pelo professor Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto, e o GRACIAS (Grupo de Antropologia em Contextos Islâmicos e Árabes), coordenado por Francirosy Campos Barbosa, uma das autoras deste texto. Felizmente, as pesquisas sobre Islam não se resumem a Rio de Janeiro e São Paulo (Ribeirão Preto), mas vem despontando em várias universidades brasileiras de Norte a Sul do país. Ao todo, conforme levantamento feito por Barbosa, são mais de 56 pesquisadores de diversas áreas de conhecimento que hoje pesquisam sobre Islam, dado esse de 2013, quando listou de modo informal em seu caderno de campo os pesquisadores que conhecia pessoalmente, mas, certamente, trata-se de um número muito maior. Alguns temas têm sido mais investigados nessas duas décadas: identidade, conversão, conversão feminina, casamento, imagem, performance, sendo que imigração e refugiados vêm tomando a linha de frente - devido aos conflitos na Palestina e na Síria, respectivamente -, no entanto, cabe olhar ainda com mais precisão a temática em torno da sexualidade, ainda pouco explorada na literatura brasileira, embora trabalhos que discutem a temática de gênero comecem a despontar, como podemos ver a seguir.

O GRACIAS3 3 Barbosa foi uma das coordenadoras do Simpósio Temático 79 Islam e Gênero no 13º. FAZENDO GÊNERO em parceria com Sonia Hamid em julho/agosto de 2017. tem agregado pesquisadores interessados na discussão de “gênero e Islam”: a doutoranda Flávia Pasqualin pesquisa casamentos interculturais de mulheres brasileiras com homens muçulmanos estrangeiros, discutindo os encantos e desencantos dessa relação; Luana Baumann em seu mestrado vem trabalhando com as questões LGBTQIAs4 4 Lesbian, Gay, Bisexual, Transsexual, Queer, Intersex, Asexual. , tendo como ponto de partida uma Mesquita em Paris que agrega muçulmanos LGBTQIAs; Mario Villarruel vem trabalhando em seu doutorado com a temática “Refúgio e homossexualidade” e Camila Paiva, autora deste artigo, está realizando sua pesquisa de mestrado no Departamento de Psicologia da FFCLRP/USP sob o título “As mulheres, os perfumes e as preces: um olhar simbólico sobre a sexualidade no Islã”.

A fim de começarmos a delinear um campo sobre sexualidade e Islam, a partir de conversas com interlocutoras que tenham alguma proximidade com a orientadora da pesquisa, resolvemos iniciar nossas reflexões, pois o tema requer delicadeza para adentrar a intimidade de mulheres e, assim, construir/elaborar os discursos que são tão permeados de expectativas, sentimentos e diversas percepções. Sendo uma pesquisa em andamento, não se trata de fechar nossas questões e sim de abri-las a um universo mais amplo, ainda pantanoso, mas muito instigante antropológica e psicologicamente.

Apesar das delicadezas que rodeiam o tema e da existência de um hadith5 5 Disse o Mensageiro de Allah (saws) a respeito: “Entre as piores pessoas para Allah no Dia do Juízo estará o homem que depois de manter relações sexuais com sua esposa divulga segredos”. (Muslim 1437) que proíbe as pessoas de falarem de suas intimidades, o diálogo construído nessas duas décadas de pesquisa contribuiu para que não fosse uma conversa invasiva, mas sim que ilustrasse alguns dos problemas transcorridos antes e depois do casamento. Seguimos um pequeno roteiro de questões gerais e abertas, deixando as participantes livres para responderem o que achassem mais conveniente: 1) transmissão familiar sobre sexualidade; 2) a primeira noite; 3) as dificuldades ou não com as restrições sexuais na religião; 4) sua forma de transmissão para os filhos; 5) questões importantes que gostariam de abordar sobre o tema. No texto não há identificação das mulheres e nem de seus maridos, apenas indicamos se nasceram no Islam ou se são revertidos6 6 Revertido é uma categoria nativa no qual explicita que todos nascem muçulmanos, pois todos os homens nascem entregues à vontade de Deus, portanto, se retorna ao Islam (se reverte). É muito usual para quem faz trabalho de campo em comunidades islâmicas ouvir essa expressão. Há Sheiks (líderes religiosos) que rebatem essa terminologia, mas o fato é que se popularizou entre os novos muçulmanos. .

Barbosa selecionou cinco mulheres sunitas brasileiras (com e sem origem árabe)7 7 As mulheres serão chamadas de A, B, C, D e E: A - mulher de origem árabe, casada há mais de 20 anos com homem de origem árabe; B- mulher de origem árabe casada há mais de 10 anos com homem de origem árabe; C- brasileira revertida há mais de cinco anos casada com estrangeiro muçulmano; D- brasileira revertida há 4 anos, casada com muçulmano revertido estrangeiro; E - nascida muçulmana de origem árabe casada com revertido há 6 anos. : três de origem árabe que residem em São Paulo, uma revertida do Rio de Janeiro (morando fora do país atualmente) e uma revertida de Mato Grosso (morando fora do país). Todas têm nível superior, duas são donas de casa no momento, outras fazem trabalhos como freelancer ou na sua área profissional. A maioria tem mais de 30 anos e uma tem mais de 40 anos. No momento da redação final, uma delas encontrava-se em fase de divórcio8 8 Cabe lembrar que no Islam o divórcio é aceito, embora não seja recomendável, mas se trata de algo garantido na lei islâmica. , deixamos seu relato, pois ela deixa claro que uma das insatisfações tem relação com o tema do artigo. Vale dizer ainda que as autoras optaram pelo diálogo com mulheres nascidas muçulmanas (de famílias árabes), por ser esse o grupo que prevaleceu na formação das comunidades muçulmanas no Brasil, entretanto, sabemos que hoje a pluralidade de grupos étnicos é muito maior, assim como as suas correntes doutrinárias.

Aliar sexualidade e religião no discurso acadêmico se faz necessário. Afinal, a religião estrutura sociedades e subjetividades, constituindo um ethos particular. A perspectiva religiosa molda a forma de entender o mundo e, como sistema, exerce impacto sobre o social e sobre a personalidade (Geertz 1989GEERTZ, Clifford. (1989), A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC.: 89). O Islam, especificamente, é um código de conduta que rege todas as áreas da vida do muçulmano, sendo a sexualidade uma de suas esferas. Outras religiões também são códigos de vida, mas em se tratando de muçulmanas o desconhecimento é ainda maior, por desconhecermos práticas que não são apresentadas no nosso cotidiano e que povoam o imaginário das pessoas, a saber: mulheres muçulmanas podem sentir prazer? O sexo é apenas para procriação? Quais são os tabus sexuais na religião?

Falar de sexualidade impõe muito prontamente a necessidade de delimitá-la. Por ora, uma possível concepção a ser trabalhada é a de que compreende “atos, relacionamentos e significados” (Bozon 2004BOZON, Michel. (2004), Sociologia da sexualidade. Rio de Janeiro: Editora FGV.: 14). Por muito tempo, a visão predominante sobre a sexualidade engessou-se e restringiu-se ao instinto, força natural irrefreável. Com a incursão de outras áreas do saber sobre esse tema, ocorreu um afastamento do discurso biológico essencialista rumo a uma abordagem de construção social, múltipla em sentidos e significados. Outros discursos surgiram para abordar a sexualidade para além do ponto de vista da demanda fisiológica, tratando do primado do desejo e da busca pelo prazer, bem como da análise de mecanismos que exercem regulação e controle sobre ela. A preocupação com o orgasmo feminino, historicamente recente, é um exemplo dos frutos dessa mudança de conceito acerca da sexualidade (Bozon 2004: 42).

Um levantamento e uma revisão crítica da pesquisa sobre sexualidade no Brasil (Citeli, 2005CITELI, Maria Teresa. (2005), Pesquisa sobre sexualidade e direitos sexuais no Brasil (1990-2002): revisão crítica. Rio de Janeiro: CEPESC.) constatou que eram escassos os trabalhos sobre erotismo, prazer e desejo sexual na interseção com as religiões. Ao longo da última década, é certo que tais lacunas foram sendo preenchidas e que o campo se ampliou, mas estudos sobre sexualidade no Islam, sobretudo dando ênfase e escuta aos desejos das mulheres, ainda são escassos.

Temos em mente que este é um texto do prazer e da devoção. Falar do prazer sexual no Islam é mais uma forma de devoção a Deus, pois o marido deve dar prazer a sua esposa e vice-versa. Além disso, conforme aponta Tariq Ramadan (2014RAMADAN, Tariq. (2014), De l´islam e des musulmans: reflexions sur l´Homme, la réforme, la guerre et l´Ocident. Paris: Presses du Châtelet.: 42): há ações no Islam que são consideradas sadaqa (doação), responder a Assalamu Aleikum é sadaqa, sorrir é uma forma de sadaqa, quando se mantém relações entre casais também é uma forma de sadaqa e é o que podemos perceber em conversa com uma de nossas interlocutoras.

Nosso objetivo é abordar as relações “lícitas”9 9 O Islam é demarcado pelo lícito (halal) e ilícito (haram), trata-se do que é aceito e do que é proibido respectivamente. que no Islam são consideradas halal, que são as relações sexuais entre homens e mulheres casados, talvez outros artigos possam abordar outras formas de sexualidade que, embora “ilícitas” (haram) do ponto de vista islâmico, também existem, como as relações sexuais fora do casamento e as relações homossexuais/homoafetivas, conforme podemos acompanhar pelos movimentos LGBTQias que vêm sendo estudados por Baumann (2015BAUMANN, Luana. (2015), Islam inclusivo? Uma etnografia com muçulmanos queers em Paris. São Paulo: Mestrado em andamento, USP.)10 10 Islam inclusivo? Uma etnografia com muçulmanos queers em Paris. Início: 2015. Dissertação (Mestrado em Departamento de Psicologia/ FFCLRP/USP) . Aqui o foco é pensar o prazer sexual das mulheres, que são sempre consideradas assexuadas, privadas de prazer sexual, pois sempre se associam ao fato de usar o lenço (hijab) como forma de opressão e, porventura, essa opressão também passa ao corpo e à sexualidade. A grande incompreensão também é o fato de alguns muçulmanos considerarem mulheres como pérolas11 11 O uso da palavra “pérola” é bastante controversa para se referir à mulher. Algumas não gostam dessa referência, outras vão dizer que tem o sentido de serem valiosas para suas famílias e que gostam disso. , isso gera também uma série de mal-entendidos, como se elas fossem inatingíveis. Mulheres não são pérolas, são agentes reais do seu próprio prazer, isso dentro de um casamento lícito que é o esperado na tradição islâmica. Apérola carrega em si o fato de a mulher ser considerada uma joia rara, portanto, deve ser cuidada e bem tratada pelos seus maridos. Uma frase recorrente que ouvimos é que, no Islam, mulheres são filhas, irmãs, esposas, mães de alguém, isto é, têm o status desses papéis reconhecidos e valorizados.

Falar de sexualidade no Islam é excessivamente abrangente. Ao abordar questões de realidades diversas, como Indonésia, Irã, Paquistão e Bangladesh, o livro Sexuality in muslim contexts (Hélie; Hoodfar 2012HÉLIE, Anissa; HOODFAR, Homa. (2012), Sexuality in Muslim contexts: restrictions and resistance. London: Zed Books.) fornece uma amostra disso: a forma como será entendida a sexualidade também é permeada pelo contexto cultural e social de cada país, a depender dos costumes e das políticas locais adotadas para a temática de gênero e sexualidade. Neste artigo, portanto, é preciso considerar duas nuances importantes: ter nascido no Islam (ter sido casada ou não anteriormente), ser revertida (muitas vezes com experiência sexual anterior de outros casamentos ou relacionamentos).

O artigo apresenta três pontos a serem explorados: primeiro, o histórico da sexualidade no Islam, desde o tempo do Profeta Muhammad; segundo, os interditos, o que é o halal (lícito) e haram (ilícito) em se tratando de sexualidade e, por fim, alguns relatos que podem nos ajudar a pensar esse universo e seus meandros.

I - A sexualidade nos primórdios do Islam

As autoras consideram pertinente um breve olhar sobre as narrativas e prescrições nativas por meio dos seus livros. A intenção é demonstrar como se apresenta essa questão textualmente, sabendo que mulheres e homens muçulmanos consomem esse tipo de bibliografia, talvez assim seja possível demonstrar em que eixo se apresenta a questão da sexualidade desde os primórdios da religião. Algumas fontes nativas como Mutahhari (1988MUTAHHARI, Murtada. (1988), Os Direitos das Mulheres no Islão. Portugal: Editora Islâmica.)12 12 Embora seja um livro de tradição xiita, muitas informações conferem com a tradição sunita. Vale conferir o artigo de Ana Maria Ricci Molina (2017). ; Mujahid (2012MUJAHID, Abdul Malik. (2012), Golden stories of Sayyida Khadijah. Canada: Darussalam.) e Isbelle (2013ISBELLE, Munser Armed. (2013), Ensinamentos Islâmicos para uma vida a dois. Rio de Janeiro, Qualitymark Editora.) serviram como fontes importantes para esta contextualização do pensamento religioso islâmico sobre a sexualidade.

Segundo o discurso nativo, é importante tomar o primeiro exemplo de mulher muçulmana da história: Khadija, esposa do Profeta Muhammad. Ela era comerciante em Meca, considerada rica para época, já passava dos 40 anos, duas vezes viúva e pediu em casamento o Profeta Muhammad, que tinha 25 anos a menos que ela, era pobre e analfabeto. O exemplo de Khadija rompe de imediato o estereótipo islâmico de mulheres que são obrigadas a casar com homens que não desejam e mostram também que mulheres também podem tomar a iniciativa13 13 Sim, há contextos islâmicos em que mulheres ainda são obrigadas a um casamento não desejado, mas se trata de um costume local e não de uma determinação religiosa. Infelizmente, a luta contra o machismo é presente em todas as sociedades, islâmicas e não islâmicas. . Aqui vale a pena chamar atenção para a atitude de Khadija que, nos dias de hoje, seria considerada “normal”, no entanto, na época (século VII) também não houve estranhamento.

Cabe dizer que os muçulmanos seguem o Alcorão e a Sunnah14 14 Os hadices (plural de hadith) compõem a Sunnah, que são os ditos e falas do Profeta Muhammad, os muçulmanos se espelham na Sunnah para moldar o seu comportamento. , portanto, tudo que o Profeta fez ou falou é considerado e seguido pelos muçulmanos. Nesse sentido, o fato de ter sido pedido em casamento por uma mulher abre o precedente de que qualquer mulher possa pedir um homem em casamento. Isso nunca é feito diretamente, nem mesmo por um homem, sempre se usa um intermediário, como fez a própria Khadija.

O Profeta foi casado durante 25 anos com Khadija e, nesse período, não teve outras mulheres. Seus outros casamentos aconteceram posteriormente à morte dela e foram feitos quase sempre com a necessidade de amparar as mulheres viúvas ou mais velhas que estavam sem a proteção de um homem, por questões de guerra, tendo em vista que muitos homens morriam em batalhas. Naquele tempo, as mulheres dependiam da proteção masculina para absolutamente tudo. Com o objetivo de ensiná-las o comportamento islâmico, o Profeta casou-se com várias mulheres. - Uma dessas mulheres - Aisha, filha do seu braço direito Abu Bakr (na tradição sunita) - casou-se ainda muito jovem e a data de seu casamento é sempre uma grande discussão para aqueles que desconhecem os processos históricos dos povos de tradição oral. Lendo as várias biografias do Profeta Muhammad (Sirah)15 15 A palavrasirasignifica "forma de proceder" e corresponde às várias biografias que retratam a vida do Profeta Muhammad. , fica claro que, ao se casar com Aisha, ele teria nela um exemplo de mulher muçulmana, pois Aisha já nasceu muçulmana, ao contrário das demais que se reverteram ao Islam. A forma de ensinar as mulheres foi transmitida por Aisha por meio dos hadices, ela mesma transmitiu mais de 2000 hadices.

Há uma passagem no Alcorão que diz: “Elas são vossas vestimentas e vós sois as delas” (Alcorão 2ALCORÃO. (1994), O significado dos versículos do Alcorão Sagrado. Trad. EL HAYEK, Samir. São Paulo: Marsam Editora Jornalística.: 187). De acordo com as mulheres que participaram da pesquisa aqui relatada, é preciso levar em consideração que o Islam deu direitos às mulheres ainda no século VII, tais como: o direito de votar, de escolher seu marido, direito ao divórcio e, fundamentalmente, o direito ao prazer. Por sinal, o não prazer sexual, pode fazer com que a mulher peça o divórcio, e isso é legítimo perante a Sharia (Lei Islâmica). Todas as interlocutoras da pesquisa escolheram seus parceiros sem interferência da família, diferentemente de casamentos realizados há 30, 40 anos, quando a maioria desses eram arranjos familiares, o que não tem relação com a religião, mas com o costume árabe.

O Islam nasce no seio feminino, então, dizer que a religião é misógina é completamente equivocado, pois as mulheres ocupam um lugar importante dentro do grupo, assumem um papel diferente dos homens, mas isso não significa que há na prática uma desigualdade. A desigualdade do ponto de vista islâmico está na “natureza”, isso quando se refere ao período gestacional e ao fato de que o provedor no Islam é o homem, nunca a mulher, essa pode usar o dinheiro do seu trabalho para o que bem entender, pois não tem a obrigação de sustento da casa.

Vale lembrar que, no período Pré-Islâmico, a Jahiliyyah - Idade da Ignorância -, as mulheres não tinham direito algum: encaradas como propriedade, eram exploradas e destratadas. Os homens muitas vezes se aproximavam delas apenas para se apropriarem dos bens materiais que possuíam e, sexualmente, predominava a “conversa indecente, insinuações, flertes e propostas indecorosas” (Armstrong 2002ARMSTRONG, Karen. (2002), Maomé: uma biografia do Profeta. São Paulo: Companhia das Letras.: 223). Diante de tal contexto social, o Profeta Muhammad provocou uma verdadeira revolução ao afirmar os direitos das mulheres, clamar para que fossem respeitadas e garantir-lhes a segurança.

A transição da Jahiliyyah para o Islam equivale ao processo de passagem da barbárie para a civilização. O Profeta, por meio do que a ele foi revelado e de sua prática, fundou o modelo estrutural da família islâmica. Consequentemente, foram instauradas as prescrições acerca de como vivenciar a sexualidade, mediadoras das demandas biológicas, sociais e religiosas.

Dize aos crentes (Ó Muhammad) que recatem seus olhares e se abstenham de cometer obscenidades (fornicação e adultério), pois isto é melhor para eles. Certamente, Allah está bem informado do que fazem. E dize às crentes que recatem seus olhares e se abstenham de cometer obscenidades... (Alcorão 24ALCORÃO. (2005), Tradução do sentido do Nobre Alcorão. Trad. NASR, Helmi. Meca: Liga Islâmica Mundial.: 30-31).

O adultério é repudiado no Islam, devendo sofrer penalizações severas caso seja testemunhado. Há também a proibição explícita de que uma mulher não pode ficar sozinha com um homem estranho. “Quando um homem e uma mulher (estranhos) estão a sós, o demônio é o terceiro entre eles” (TirmidhiTIRMIDHI. Hadith collection . Disponível em: <Disponível em: https://sunnah.com/tirmidhi >. Acesso em: mar. 2016.
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2165). São regras de comportamento adotado pelos religiosos para que os casais não extrapolem ao que é permitido.

Muito embora essas regras de comportamento em relação ao sexo feminino e à sexualidade estejam presentes nos discursos das entrevistadas, temos também sempre presente outra realidade de opressão às mulheres vivenciadas em países islâmicos, como é possível verificar no livro Fatwas Against Women in Bangladesh (Lucas; Kapoor 1995LUCAS, Marie-Aimee; KAPOOR, Harsh. (1996), Fatwas Against Women in Bangladesh. Publishing by Women living Under. ), isso é fruto do que escreveu recentemente Barbosa (2017BARBOSA, Francirosy, C. (2017) #Womenmarchs e #WorldHijabDay: em tempo de recrudescimento de políticas antimulheres - muçulmanas. Disponível em: <Disponível em: http://www.icarabe.org/node/2929 >. Acesso em: jan. 2017.
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), no entanto, isso vem se modificando paulatinamente:

É fato que alguns homens muçulmanos acharam que conseguiriam manter as mulheres enclausuradas em seus feudos machistas de alto controle, e, por isso, deixaram gerações de mulheres sem estudo, mas chegou um tempo em que essas mulheres conseguiram sair do casulo imposto e hoje, enquanto os homens não conseguem sair das "lojinhas" (dos seus feudos de opressão feminina), as mulheres já “passaram o ponto” e estão dando exemplo de religiosidade (conhecimento/fé) e participação social16 16 Disponível em: <http://www.icarabe.org/node/2929>. Acesso em: jan. 2017.

II - Pureza e Perigo no sexo entre muçulmanos

É importante considerar que, quando se trata de reforçar que mulheres muçulmanas sentem prazer e têm desejo sexual, o sexo é político. Talvez as regras que permeiam o prazer/desejo sejam desconhecidas, deixando o estereótipo da roupa que cobre prevalecer, como se o corpo à mostra fosse sinal de liberdade sexual, mas, assim como “o véu não cobre pensamento” (Ferreira 2013FERREIRA, Francirosy Campos Barbosa. (2013), “Diálogos sobre o uso do véu (hijab): empoderamento, identidade e religiosidade”. Perspectivas, v. 43:183-198.), também o véu não suprime a sexualidade. No Islam, as regras são estabelecidas e definem os espaços de homens e mulheres. As prescrições islâmicas - que especificam com quem, como e quando praticar sexo - são importantes para o entendimento de que o sexo também é um fenômeno construído e moldado.

Embora aqui o foco incida sobre a sexualidade no Islam, cabe sublinhar que toda sociedade estipula explícita ou implicitamente quais são as práticas sexuais aceitáveis, polarizando julgamentos no campo da normalidade ou do desvio. Algumas generalizações costumam ser feitas: a “boa” e “sadia” sexualidade é caracterizada como heterossexual, marital, reprodutiva. Quando há qualquer “transgressão”, deparamo-nos com a sexualidade tomada por “anormal”, marginalizada, patologizada e promíscua. Rubin (2003RUBIN, Gayle. (2003), “Pensando sobre sexo: notas para uma teoria radical das políticas da sexualidade”. Cadernos Pagu, n. 21:01-88.: 18) descreve essa sistematização e a nomeia como uma “hierarquia sexual”, fortemente alimentada por diversos discursos com os mais variados interesses, mas que em comum argumentam favoravelmente à categorização como necessária para distinguir a ordem do caos. Dessa forma, todas as sociedades traçam tal linha imaginária, a diferença reside em “onde” essas linhas são desenhadas nesse complexo mapa da sexualidade humana.

Mernissi, em Sonhos de Transgressão (1996MERNISSI, Fatema. (1996), Sonhos de transgressão: minha vida de menina num harém. São Paulo: Companhia das Letras .), trabalha com uma ideia bastante interessante: uma fronteira só existe quando acreditam nela, ou seja, quando sua existência é endossada. Essas fronteiras, é claro, são convencionadas. De acordo com a autora, a educação muçulmana consistiria, basicamente, em conhecer as hudud, as fronteiras sagradas. É possível ampliar esse conceito também para o campo da sexualidade: fronteiras foram traçadas ao longo dos tempos, convenções que ditam o limite do prazer ao qual a mulher tem direito. Qual a linha que faz essa delimitação? Quais as hudud, as fronteiras sagradas, no que diz respeito à sexualidade no Islam?

Nas comunidades islâmicas, o que prevalece é uma divisão homossocial. Feminino e masculino pertencem a ordens diferentes. Existem fronteiras rígidas que definem a feminilidade e a masculinidade, delimitando rigorosamente os papéis de cada um. Tal delimitação, pautada na harmonia da criação e na supremacia da biologia, tem seu correlato no corporal, na aparência: a barba é símbolo da virilidade do mesmo modo que o véu é símbolo da feminilidade. Esses são sinais diacríticos que marcam bem a fronteira entre os sexos. O corpo funciona como marcador biológico da separação e dita que somos seres governados pela diferença - mas é justamente em tais diferenças que residiria a ordem do mundo e a possibilidade de complementaridade.

A sexualidade também está revestida daquilo que pode e que não pode. Pode tudo no Islam? Nem tudo! Mas as restrições são basicamente não fazer sexo fora do casamento. É o nikah, o casamento legal, o que concretiza e dá significado para a sexualidade no Islam e, não à toa, há um hadith que diz que o casamento tradicional/religioso é metade da religião. É vetado o sexo anal, e aqui o entendimento é também da proibição de relações homossexuais17 17 Ver o texto de Tariq Ramadan, Islam and Homosexuality. Disponível em: <http://tariqramadan.com/english/2009/05/29/islam-and-homosexuality/>. Acesso em: fev.2016. . O contato com o período menstrual e, portanto, com o período de “impureza” da mulher também não é permitido. É importante destacar que o período menstrual da mulher no Islam é um momento de suspensão de todas as suas práticas religiosas (oração, jejum, sexo). Sobre o sexo oral, nada foi dito pelo Profeta Muhammad, portanto, considera-se lícito. C nos conta que:

Nós dois (eu e meu marido) conversamos sobre tudo, inclusive sobre o que é proibido, a gente acaba substituindo, eu não tenho dificuldade em seguir, para mim é satisfatório. O período menstrual para mim é um problema, porque eu tenho ficado cinco meses menstruada, coloquei o DIU para conter a menstruação, então a menstruação atrapalha minha vida religiosa e a minha vida, então estou às voltas com este problema.

Na verdade, o que a interlocutora apresentou foi uma dificuldade com o fato de sangrar durante muito tempo, mas, em conversa mais elaborada, isso foi relativizado ao se dizer que, não sendo menstruação de fato, não há interdito, o que foi confirmado posteriormente com os Sheik. Ela disse saber disso, mas o marido preferia nesses períodos evitar ou usar preservativo, usando outros métodos que para os dois seja satisfatório.

Outro tema se refere às posições sexuais, essas ficam a critério do casal, desde que a penetração ocorra por via vaginal. “Vossas mulheres são, para vós, como campo lavrado. Então, achegai-vos a vosso campo lavrado, como e quando quiserdes” (Alcorão 2: 223).

As prescrições se estendem também para depois do ato sexual. Aisha narrou: “Sempre que o Profeta desejava comer ou dormir, logo depois de haver mantido relações sexuais e antes de realizar o ghusul (ablução maior: banho que lava totalmente o corpo), lavava suas partes íntimas e realizava o wudu18 18 Ablução, que significa: lavar o rosto, as mãos e os braços até o cotovelo e os pés. O ghust é o banho completo. BUKHARI. Hadith 288. Disponível em: <https://sunnah.com/bukhari>. Data de acesso: mar. 2016. ” (BukhariBUKHARI. Hadith collection. Disponível em: <Disponível em: https://sunnah.com/bukhari >. Data de acesso: mar. 2016.
https://sunnah.com/bukhari...
).

Sobre a limpeza corporal, nem sempre as mulheres tiveram a informação vinda de sua família, no caso, sempre atribuída à mãe essas informações de natureza mais íntima, conforme podemos verificar no relato feito por E:

Realmente a minha mãe não conversava com a gente, eu sequer sabia que deveria ter que tomar banho completo depois da relação sexual. Eu sequer via meus pais se beijando na boca. Eu não lembro de ter conversa franca e aberta, quem me ensinou foi meu marido, que depois que ele se converteu ele não teve mais relacionamento e fomos descobrindo como era o sexo no Islam juntos.

Outra restrição é evitar olhar a awrah (partes íntimas) dos demais, mesmo que aquilo não o leve à excitação sexual. Mulheres também não podem ver outras mulheres completamente sem roupa. As únicas pessoas que podem se mostrar sem roupas são os casais19 19 É importante esclarecer que, em situações de saúde da mulher, embora muitas prefiram médicas mulheres, isso não é regra, não é condenável que uma mulher passe por um ginecologista homem, por exemplo. Isso é um entendimento de vários sábios e praticantes da religião. .

Mary Douglas (2000DOUGLAS, Mary. (2000), Pureza e perigo. São Paulo: Perspectiva, 2ª ed.) atenta para o fato de que as regras de poluição não são necessariamente equivalentes às regras morais. Alguns tipos de comportamento podem ser tomados como desviantes e mesmo assim não provocarem crenças de poluição, enquanto outros, considerados normativos, podem ser encarados como poluitivos e perigosos. É isso que encontramos no Islam: o sexo produz impureza mesmo sendo legítimo, halal.

De fato, a purificação é assunto de grande importância no Islam, e fundamental quando se trata de sexualidade. A pureza é um estado que se alcança e, para tanto, a purificação é uma técnica que se adquire (Bouhdiba 2006BOUHDIBA, Abdelwahab. (2006), A sexualidade no Islã. São Paulo: Globo.: 64). Aisha relatou detalhadamente como se dava a purificação do Profeta após as relações sexuais: ele lavava suas mãos em primeiro lugar, em seguida, lavava as suas partes íntimas usando a mão esquerda. Então, realizava o wudu, jogava água em sua cabeça três vezes e, por fim, jogava água em todo o corpo e lavava as pernas (Bukhari20 20 BUCKARI. Hadith 248. Disponível em: <https://sunnah.com/bukhari>. Data de acesso: mar. 2016. 248; Muslim21 21 MUSLIM. Hadith 616. Disponível em: <https://sunnah.com/muslim>. Acesso em: mar. 2015 ). Embora o Profeta realizasse o wudu, o que torna essa prática recomendável, o banho tomado após a relação sexual é suficiente para rezar. Da mesma forma, é recomendável que a purificação ocorra logo após a relação sexual, por ser sunnah do Profeta, mas não há problema em dormir antes de fazê-la22 22 Há um hadith copilado por Muslim que diz que “a limpeza é metade da fé”. .

Especificamente para as mulheres, se durante a relação sexual elas mantiveram o cabelo preso, não há necessidade de soltá-los para o banho. Quando Umm Salama fez esse questionamento ao Profeta, ele respondeu: “Não, não é necessário. Basta jogar água três vezes sobre a cabeça e o cabelo” (MuslimMUSLIM. Hadith collection . Disponível em: < Disponível em: https://sunnah.com/muslim >. Acesso em: mar. 2016.
https://sunnah.com/muslim...
)23 23 Disponível em: <http://d1.islamhouse.com/data/pt/ih_books/single/pt_DUVIDAS_RESPOSTAS_Sobre_Purificacao_Oracao_e_Jejum.pdf. Acesso em: mar. 2016. . Também não há impedimento quanto ao casal tomar banho junto, visto que Aisha narrou que ela e o Profeta Muhammad tomavam banho “do mesmo balde”.

C nos expõe algumas questões interessantes sobre o banho:

O fato de você ter que tomar banho depois de ter relação é o que me mudou, a questão é o seguinte: você tem que tomar banho e mulher tem cabelo comprido.

Aqui ela se refere à dificuldade que é ter que lavar o cabelo, após a relação sexual, mas, como já vimos anteriormente, se o cabelo estiver preso, não há necessidade, mas há também algumas divergências sobre isso.

[após a conversão] minha visão sobre esse assunto não mudou. Eu acho que no casamento tem muito respeito.

Indícios de ternura semelhante são encontrados em célebres ditos do Profeta Muhammad acerca da intimidade sexual, afinal, o Profeta devotou-se a uma vida afetiva e amorosa intensa e rica, gerando um modelo a ser seguido.

Devendo prevalecer o cuidado e o carinho, sexo sem preliminares é por ele equiparado à crueldade e ao comportamento animal. "Não tenhais relações com vossas esposas como os animais. Que haja entre vós uma ligação!”. Ao ser perguntado sobre que ligação seria essa, disse: o beijo e a conversa (narração atribuída a al-Daylami). Diferentemente do que se imagina, há na tradição do Profeta Muhammad um apelo à vivência lúdica do sexo - forma de “experimentar o mel do outro”.

A interlocutora E conta da dificuldade da primeira noite, mesmo com a delicadeza de seu marido:

Minha primeira noite foi muito ruim, eu voltei da primeira noite virgem, eu tinha começado a tomar anticoncepcional, então a minha libido estava baixa, eu sangrei muito, eu demorei uma ou duas semanas. Eu lembro que no hall do hotel eu mandei vários e-mails para minha GO (ginecologista) que estava ruim a parada, foi dificultoso, doloroso, não é que estava ruim.

Outro dito conhecido do Profeta, compilado por al-Bukhari24 24 Al-Bukhari e Muslim são estudiosos que compilaram a maioria dos hadiths, suas coleções são consideradas pelos sunitas como as mais fiéis. , conta que três homens acreditavam que sua forma de adorar Allah era insuficiente. Um deles propôs-se a passar todas as noites rezando, outro sugeriu que se fizesse jejum e não o quebrasse e o terceiro comprometeu-se a se afastar das mulheres e jamais se casar. O Profeta, discordando, deu o seu exemplo: jejuava e também quebrava o jejum; orava, mas também dormia e se casava com as mulheres. Da conduta do Profeta Muhammad decorre que jejum, oração e casamento são três formas de devoção. Mas não é por meio do extremismo ou da negação dos prazeres que o muçulmano agradará Allah: isso ocorrerá pela moderação e pelo equilíbrio.

A máxima “que a devoção não casse os direitos da carne” (Bouhdiba 2006BOUHDIBA, Abdelwahab. (2006), A sexualidade no Islã. São Paulo: Globo.:117) sinaliza que o Islam rejeita o ascetismo e a sublimação: a sexualidade é parte fundamental da vivência da espiritualidade. Por outro lado, a luta contra o desejo desenfreado torna necessário recorrer à razão para regular como tal sexualidade deve ser experimentada. Não é o desvio da libido, e sim uma vida sexual harmoniosa que conduz a civilização ao progresso. A devoção não reside em negar o que Allah criou. Sexo também é devoção na medida em que, vivenciado da forma prescrita, aproxima as pessoas do sagrado e da plenitude.

A relação sexual é uma forma de obtenção de satisfação mútua e de ampliação da intimidade entre esposa e marido. No Islam, amor e sexo andam juntos: ambos vão sendo construídos a partir da intimidade e da convivência, dia após dia. Para além do prazer vivido no aqui e agora, de caráter individual, no sexo também se experimenta uma dimensão transcendente: dá-se o encontro entre as duas ordens.

A sexualidade dentro do Islam é tão forte que seu papel encontra-se intimamente confundido com as representações de paraíso, onde o muçulmano experimentará um orgasmo infinito e terá todos os sentidos aguçados. Ferreira (2007FERREIRA, Francirosy Campos Barbosa. (2007), Entre arabescos, luas e tâmaras: performances islâmicas em São Paulo. São Paulo: Tese de Doutorado em Antropologia Social, USP.) propõe uma análise simbólica dos sentidos para compreender qual o “sentido de ser muçulmano”, entendendo que a religião passa pelo corpo. É um verdadeiro banquete: gostos, aromas, toques, olhares, melodias. A análise feita por Bouhdiba (2006BOUHDIBA, Abdelwahab. (2006), A sexualidade no Islã. São Paulo: Globo.) é a de que o muçulmano projeta sobre a matéria a sua própria sexualidade. A vivência do corpo deve estar sempre em consonância com a sua ressacralização contínua.

Retomando o conceito de fronteira que foi introduzido no início desta seção, as fronteiras corporais possuem correlatos sociais: o corpo humano é representativo de um sistema social mais abrangente. Assim, os limites impostos ao corpo reproduzem os poderes e perigos da estrutura social na qual ele está inserido (Douglas 2000DOUGLAS, Mary. (2000), Pureza e perigo. São Paulo: Perspectiva, 2ª ed.:142). Transgredir tais fronteiras sagradas é altamente perigoso porque ameaça abalar a estrutura interna do sistema, desarranjar as fronteiras convencionadas pela comunidade e gerar o que Douglas nomeia como poluição social (2000:146).

No Islam, para manter essa estrutura devidamente protegida, existem as prescrições que foram citadas ao longo desta seção. A reciprocidade de satisfação sexual é colocada como obrigação, de forma a prevenir o adultério (zinà). Extrapolando questões individuais, a frustração sexual é vista como perigosa para a sociedade como um todo. Igualmente, a estrita demarcação entre homens e mulheres e seus papéis seria parte importante dessa manutenção da ordem. Mernissi (2011MERNISSI, Fatema. (2011), Beyond the veil: male-female dynamics in muslim society. Cambridge: Al Saqi Books.) comenta que, em seu ponto de vista, a sociedade islâmica não parte do princípio de que a mulher é inferior, e sim de que é tão poderosa que se tornou uma figura ameaçadora. Se existe medo, é porque existiria primeiro uma crença na forte potência da mulher, capaz de trazer à tona a irracionalidade e a desordem. Essa concepção é análoga à da junguiana Young-Eisendrath (2001YOUNG-EISENDRATH, Polly. (2001), A mulher e o desejo: muito mais do que a vontade de ser querida. Rio de Janeiro: Rocco.), que sustenta que o poder maligno lançado às mulheres buscou desmerecer e desmoralizar o feminino justamente por sua força avassaladora, gerando a crença de que mulher deve ser contida, temida e subjugada.

É crucial perceber que não é a sexualidade que vai contra a ordem, mas sim o componente humano fora da razão, que é o desejo (Sabbah [Mernissi] 1986SABBAH, Fatna Ait. [Fatema Mernissi ]. (1986), La femme dans l’inconscient musulman. Paris: Éditions Albin Michel.:200). Lutar contra o desejo é considerado como a maior das lutas, é a grande jihad. “A força de um homem não se mede por sua capacidade para vencer a outros homens, e sim por sua capacidade para vencer-se a si mesmo”, dizia o Profeta Muhammad.

Dentro da concepção islâmica, portanto, o sexo desempenha três grandes funções: a capacidade reprodutiva, que possibilita a perpetuação da existência terrestre; é uma prévia das delícias paradisíacas, encorajando os muçulmanos a seguirem as leis de Allah para serem merecedores de experimentá-las; e a satisfação sexual, sensação física prazerosa. Dessa forma, vemos que, diferentemente do que pode ser interpretado no senso comum, temos nesse tema uma infinidade de significados que apontam para a exacerbada importância da sexualidade no Islam, jamais sendo negada. O que se nota é uma visão de sexualidade segundo a qual não há como separá-la de sua dimensão sagrada.

O caminho da plenitude passa pela paz sexual. O Eros atravessa todas as condutas humanas, todos os estados do vivido, todos os níveis do real e do imaginário. A pulsão do Eros reina por tudo. Onde há vida, há desejo; e onde há desejo, há Eros (Bouhdiba 2006BOUHDIBA, Abdelwahab. (2006), A sexualidade no Islã. São Paulo: Globo.:26).

III- Dialogando com mulheres muçulmanas sobre sexo, proibições e afetos

Este artigo talvez tenha começado no momento que Francirosy, uma das autoras, indagou uma amiga muçulmana sobre sexo oral, se era ou não permitido no Islam, e viu a dúvida estampada em seu rosto sobre o que seria aquilo. Ao explicar novamente, ela respondeu que não havia necessidade de sexo oral, porque o marido era perfeito em agradá-la, que ele preparava o ambiente o dia todo, pois é muito romântico e, por isso, não sentia falta de sexo oral. É claro que a observação sobre esse marido romântico e a não necessidade do sexo oral para o prazer feminino estimulou Francirosy a saber se havia ou não restrição da religião. Ao perguntar ao Sheik se era proibido, ele confirmou que não há nada na sunnah do Profeta que proíba a prática, portanto, é livre. Mobilizada por práticas, sentidos e percepções é que Francirosy procurou algumas de suas amigas de perto e de longe para falarem sobre o assunto. Algumas das respostas são transcritas a seguir para abrir este campo.

A, Mulher de origem árabe, casada há mais de 20 anos com homem também de origem árabe

Meus pais jamais falaram sobre sexo pra nós, eu também nunca perguntei nada, sempre achei que esse assunto não era pra ser tratado com eles. Aprendi muitas coisas na escola entre amigas. Como eu sempre era a menor da sala, minhas amigas se restringiam em falar coisas na minha frente, mas eu me metia pra saber. Meu primeiro namorado, hoje meu marido, era paixão de criança. Lembro que gostava dele desde os sete anos, mas jamais falei pra ele ou mesmo demonstrei. Quando ele percebeu que eu poderia casar porque recebia muitos pretendentes, ele pediu para a mãe dele falar comigo. Disse que ele é apaixonado por mim e que queria se casar, só não falara antes porque esperava se formar, mas, como ficou com medo de me perder, me pediu antes, isso tudo porque não é bom ficar namorando por longo período, nós éramos muito novos, ele estava no segundo ano da faculdade, e isso era difícil. Mas, como eu o amava, na hora aceitei. Eu tinha 17 anos e ele, 19. Lembro que na primeira vez que ele entrou na minha casa como namorado ele me disse que gostava de mim desde criança, mas também não falava por vergonha. Minha mãe perguntava toda hora se ele pegava na minha mão, que não era pra ele andar de mãos dadas comigo na cidade, entre outras coisas, mas ela não me explicava o porquê, apenas impunha. Eu comecei a ter raiva dele porque, ao contrário de mim, ele era espaçoso, queria me abraçar, beijar, andar de mãos dadas, isso me incomodava demais. Peguei ódio mortal dele, já não podia mais nem ver a cara dele na minha frente. Resolvi terminar o namoro e foi um caos...ninguém mais falava comigo na família. Minha mãe me agrediu verbalmente diversas vezes, e eu, mais marrenta ainda, dizia que ele não era homem pra mim. Eu decidi que ia apenas estudar e ponto final, doa a quem doer. Depois disso tudo meu pai teve que se ausentar do comércio e eu assumi no lugar dele, tendo que interromper meus estudos. Nesse período, pensei demais nas minhas decisões. Mais calma, depois de alguns meses, resolvi que queria reatar com ele e assim foi. Eu mesma liguei, pois havia combinado com ele que não entrasse em contato comigo, que se eu quisesse eu mesma ligaria. E foi assim... eu liguei pra ele dizendo que queria voltar e na hora ele disse que estava me esperando. Casamos três anos depois, assim que se formou, nossa relação é bem tranquila, somos parceiros em tudo, ele me respeita demais e é recíproco. Entre quatro paredes somos bem diferentes de quem nos vê dia a dia. Sim, o sexo é importante para o casal e penso que se você não for o que ele espera de uma amante ele vai procurar uma outra que o satisfaça. Não é discurso machista, apenas uma realidade. Pode ocorrer também com ela, quantas mulheres não satisfeitas com seu parceiro procuram outro. Não estou falando o certo ou o errado, cada um tem sua consciência, mas, que ocorre isso, ocorre. Com meus filhos eu não falo sobre sexo também, tenho muita vergonha de falar. Esses dias o mais novo entrou horrorizado depois da aula de ciências, logo me intimando, percebi no olhar dele o medo da resposta. “Mama, você faz aquilo?” Eu, com uma enorme vontade de rir, perguntei: “aquilo o quê?” “Sexo, mãe, você faz sexo com meu pai???” Perguntando indignado! “Não, porquê?” “Ufaaa ainda bem! Então como eu nasci?” “Eu fiz inseminação!”! Eu sei, eu sei eu sei que agi totalmente errado, que deveria falar pra ele que pais fazem amor, têm relação sexual e tal, mas eu não consegui!!! Depois, quando ele crescer, ele descobre! Assim como eu descobri bem depois.

Alguns pontos são importantes para pensarmos sobre essa primeira conversa, a escolha do pretendente. Não houve imposição da família, e sim interesse de ambos, embora, ao terminar o relacionamento, a mãe tenha desaprovado. Nossa interlocutora diz que o fato de o marido tentar beijá-la antes do casamento era falta de conhecimento da religião. Ela afirma que eram mais árabes do que muçulmanos. O fato de ser mais árabes do que muçulmanos é algo que Francirosy ouviu durante muito tempo em sua pesquisa de campo entre os muçulmanos árabes. Os muçulmanos que chegaram do pós-guerra se afastaram muito dos ensinamentos da religião. Essa retomada acontece depois de década de 1990 no Brasil, com a própria reestruturação das comunidades islâmicas e com a presença de Sheiks que falavam português. A interlocutora também destaca o fato de a mãe ter pouca instrução e isso também dificulta na transmissão seja da religião, seja de outros temas mais complexos, como a questão da sexualidade. É interessante observar, que o padrão de não conversar sobre sexo se mantém.

Meu marido foi super paciente, o mais interessante é que ele se preocupou com o meu prazer e não com o dele. E nas primeiras vezes é muito ruim porque tem questão da dor do desconforto. Ele a todo momento perguntava e sempre com cuidado. Até hoje ele se preocupava com a minha satisfação sexual.

Alguns pontos são importantes para refletirmos a partir desse depoimento. O primeiro é pensar na tradição árabe, na não transmissão de informações sobre sexualidade não porque seja incorreto, mas porque a tradição árabe nesse momento é maior que os ensinamentos do Islam. O sexo, do ponto de vista islâmico, não é tabu (Paiva; Barbosa 2017PAIVA, Camila Motta; BARBOSA, Francirosy Campos. (2017), “Sexo no Islã não é tabu: desejos, prazeres e práticas das mulheres muçulmanas”. Revista Reflexão , v. 42(1):113-124.), mas para algumas pessoas ele é. De forma geral, conversar sobre o assunto ainda não é algo que acontece espontaneamente, tanto pela parte das mulheres como dos homens da comunidade, e é o que outras falas também vão demonstrar.

Por outro lado, a ideia de satisfação também parece mais do universo no qual vão sendo criados, você tem que ser a melhor na cama para que seu marido não olhe para o lado. Como ouvimos certa vez: “se você não dançar para o seu marido, alguém vai dançar” (Cf. Ferreira 2007FERREIRA, Francirosy Campos Barbosa. (2007), Entre arabescos, luas e tâmaras: performances islâmicas em São Paulo. São Paulo: Tese de Doutorado em Antropologia Social, USP.). É também muito comum ouvir que a mulher muçulmana se arruma da porta de casa para dentro, e não para fora dela. Há uma estreita correlação entre sexualidade, intimidade e privacidade: nenhuma forma de expressão da sexualidade deve abandonar a esfera privada, seu espaço por excelência. A sexualidade é assunto protegido. Nas palavras da interlocutora: “entre quatro paredes somos bem diferentes de quem nos vê dia a dia”. Como bem pontuou Mernissi (2000MERNISSI, Fatema. (2000), “The Muslim Concept of Active Female Sexuality”. In: Women and Sexuality in muslim societies. Istambul: A Publication of women for women’s Human Rights (WWHR), pp.19-35.:20), no Islam, o homem não precisa erradicar seus instintos e sim controlá-los de forma a considerar o seu lugar prescrito pela religião.

Mossuz-Lavau (2005MOSSUZ-LAVAU, Janine. (2005), “Sexualidade e religião: o caso das mulheres muçulmanas na França”. Rev. Estud. Fem. [online], vol.13, n.2, pp.377-386.) apontou como a religião está associada à diversas variáveis que se relacionam com a sexualidade: idade da primeira relação, número de parceiros ao longo da vida e utilização de métodos contraceptivos são alguns deles. Embora focada nas mulheres muçulmanas francesas que vivem em precariedade, a autora conversou com mulheres que garantem que seguem os princípios religiosos também no que diz respeito à sexualidade, não apenas por “herança” familiar ou cultural, mas sim por convicção. Entretanto, a convicção não as faz viver sua sexualidade sem sofrimento. No relato de um caso dramático de falta de informação sobre sexualidade, uma das interlocutoras pede “que lhe permitam saber como é sua vagina, porque acha que, se tivesse maiores conhecimentos, ficaria imaginando menos ‘as coisas’” (p. 380). Uma de suas conclusões é a de que “uma mesma religião de origem poderá, portanto, levar a comportamentos sexuais diferentes conforme se esteja em situação de precariedade”, ou seja, depende de outros fatores associados, como situação socioeconômica e nível de escolaridade.

Também aqui não há uma regra clara se os árabes da segunda ou da terceira geração falavam menos sobre sexo, isso vai depender muitas vezes da estrutura familiar e do conhecimento que se tem da religião e da formação intelectual, como podemos perceber pelas falas das interlocutoras.

B, Mulher de origem árabe casada há mais de 10 anos com homem de origem árabe

Meus pais falavam sim sobre sexo, sempre nos orientaram e deixavam claro que só era permitido depois do casamento, assim como o namoro onde não tinha toque antes, pois só poderia haver diálogo para um conhecer o outro. Eu já converso com a minha filha sobre isso de forma suave, e na medida do que ela tem que saber de informações sobre o assunto.

Os dois depoimentos citados esclarecem que não existe no Islam a concepção de namoro. As tentativas de aproximação física são mais do que proibidas: são tomadas como ofensivas e desrespeitosas. Isso é claramente percebido quando a primeira interlocutora aponta que começou a ter raiva do marido por conta de suas investidas. Julgava-o como “espaçoso”, chegando a considerar que “ele não era homem para ela”.

Antes do casamento, privilegia-se o conhecimento um do outro por meio do diálogo e das ideias, não pelas relações sexuais. A relação sexual é o acabamento, e não ponto de partida para a formação de um casal. É comum ouvir dos muçulmanos de origem árabe o discurso de que o amor nasce a partir do casamento.

A diferença dessa interlocutora - e que destoa da maioria árabe - é que os pais dialogavam com os filhos sobre sexualidade e sobre as regras da religião. Eles foram criados nesse sistema, mesmo com a formação secundária dos pais. O entendimento de que era importante ensinar corretamente aparece também em sua fala.

C, Brasileira revertida há mais de cinco anos, casada com estrangeiro muçulmano

Olha, minha família nunca conversou abertamente sobre nada, infelizmente, então não teve transmissão. Foi um processo de descoberta individual meu.

O fato de você ter que tomar banho depois de ter relação é o que me mudou, a questão é o seguinte: você tem que tomar banho e mulher tem cabelo comprido.

Aqui ela se refere à dificuldade que é ter que lavar o cabelo após a relação sexual, mas, como já vimos anteriormente, se o cabelo estiver preso, não há necessidade.

[após a reversão] minha visão sobre esse assunto não mudou. Eu acho que no casamento tem muito respeito. O que chama mais atenção no Islam é que é tudo muito definido. Você até observa casos de homossexualidade, mas é ocultado. Eu nunca discuti a fundo este assunto para ser sincera, mas as pessoas imaginam que nós somos assexuadas, que não temos desejo. É uma visão equivocada das pessoas.

Nós dois (eu e meu marido) conversamos sobre tudo, inclusive sobre o que é proibido, a gente acaba substituindo, eu não tenho dificuldade em seguir, para mim é satisfatório.

Ela considera também que se fala muito pouco sobre sexualidade na comunidade, talvez porque é algo já resolvido na Sunnah do Profeta. Como justamente a Sunnah e o Alcorão contêm o conhecimento primordial sobre todas as áreas, inclusive a sexualidade, e são as fontes às quais os muçulmanos têm acesso em todos os momentos de suas vidas, talvez se suponha que o contato com as informações necessárias ocorrerá naturalmente, o que dispensaria uma transmissão formal. Como a atividade sexual só pode ser concebida dentro do casamento, talvez resida aí outra dificuldade em ofertar educação sexual islâmica: pode haver uma concepção de que é preciso se casar primeiro para só depois sentir-se à vontade para esclarecer dúvidas sobre esse assunto.

Segundo as conversas com essas mulheres, todas enfatizam o fato de o Profeta recomendar a busca do conhecimento por todo muçulmano, tanto homens quanto mulheres. Ele respondia abertamente as perguntas que as mulheres faziam e as estimulava para que não deixassem a vergonha desviá-las da trilha que conduz ao acesso de conhecimento do Islam. Falar sobre sexo não é anti-islâmico, muito pelo contrário. Esta interlocutora diz que pretende dialogar com a filha a respeito, nesse sentido, vê a necessidade de transmissão.

Eu tenho uma vida bem resolvida e, mesmo com o problema de saúde, encontramos outras saídas, como não podemos ter penetração, temos outras formas de relacionamento. Não temos relação anal e nem satisfação por parte dele, ele nasceu muçulmano, então ele não pode alegar desconhecimento do que é lícito e do que ilícito. Graças a Deus minha filha tem condição de ter acesso à religião onde moro, inclusive ela estuda em escola islâmica.

Como anteriormente enunciado, a mulher menstruada suspende todas as suas manifestações de fé, devido à “impureza” engendrada. Apesar de a penetração não ser permitida nesse período, não há restrição da aproximação física entre o casal e nem de outras manifestações de afeto, como beijos, abraços e carícias na região púbica.

Embora a interlocutora cite o uso do DIU, apenas para a finalidade de conter o fluxo menstrual, vale abrir um parêntese para ressaltar que a contracepção e o planejamento familiar são permitidos no Islam.

É enfatizado o caráter prescritivo da religião: para todas as questões existem regras bastante claras. De forma geral, as prescrições parecem ser percebidas como facilitadoras da vivência da sexualidade para as mulheres, e não como obstáculos. Para ela, a descoberta do assunto construiu-se como um “processo individual”, o que mais uma vez faz levantar a questão de que a falta reside mais na cadeia de transmissão de informação do que em sua fonte. A ausência de conversa sobre sexo no âmbito intrafamiliar de origem é uma dificuldade que parece extrapolar qualquer associação específica com a religião.

Esse depoimento também levanta abertamente uma das questões norteadoras e motivadoras da escrita deste artigo: a concepção de que a mulher muçulmana não tem desejo ou que possui uma vivência insatisfatória de sua sexualidade. Em parte, isso advém da associação que costuma ser feita entre a vestimenta islâmica e os estereótipos de opressão e repressão, ignorando que se trata de uma prescrição religiosa. A forma de se vestir sinaliza a modéstia dos muçulmanos, não se relacionando em absoluto com a questão da sensualidade. A interlocutora reforça a ideia já explorada no primeiro depoimento: a expressão da sexualidade no Islam é da esfera do privado, dá-se entre quatro paredes.

Frequentemente, as vidas são colocadas como assimétricas e estabelece-se uma hierarquia de corpos: uns são tomados como mais valiosos e importantes do que outros (Butler 2002BUTLER, Judith. (2002), Cuerpos que importan: sobre los límites materiales y discursivos del “sexo”. Buenos Aires: Paidós.:39). Essa “visão equivocada das pessoas”, à qual a interlocutora faz menção, é uma das consequências da existência dessa escala valorativa e é um dos motivos que torna a discussão sobre sexualidade e religião tão vital para reafirmar as mulheres muçulmanas como seres desejantes e como corpos que existem. As mulheres muçulmanas são passíveis de vivenciar sua sexualidade e também possuem direito ao prazer.

D, Brasileira revertida há 4 anos, casada com muçulmano (revertido/estrangeiro)

Minha mãe conversou alguma coisa, não "tudo", principalmente sobre as desvantagens de engravidar antes de casar. Recebi mais informações na escola no ensino médio. Uma professora de Programa de Saúde (Biologia) utilizava suas aulas para mostrar DSTs e responder perguntas sobre sexo e sexualidade. Inesquecível. [sic]

Nossa interlocutora tem filha de outro casamento. Atualmente, está casada com um muçulmano e percebe o ato sexual como uma benção. O marido dela costuma brincar: Ainda ganho hasanat25 25 Bençãos. Por isso, se considera o ato sexual uma benção. por isso! Uma coisa que chama atenção dessa interlocutora é o fato da recomendação do Profeta: para os homens de que eles devem satisfazer suas esposas antes de satisfazerem a si próprios, a recomendação das carícias preliminares e a higiene.

Perguntada sobre a expectativa de estar casada com estrangeiro/muçulmano, responde:

Bem, nada demais, por ele ser ocidental e revertido assim como eu. Mas deu um frisson em saber que eu teria um parceiro sexual com as "características islâmicas", já que meu marido é um crente praticante, mashaAllah 26 26 Deus quis. . Minha primeira noite superou minhas expectativas. Posso dizer sem erro que eu alcancei a sexualidade plena. Sim, respeitamos as proibições, o que não e difícil, pois não fazem parte de nossas práticas sexuais, mesmo antes da reversão.

Por ganhar hasanat, a interlocutora alude à dupla gratificação que advém da relação sexual: a satisfação carnal e a recompensa divina. O Profeta explicou aos seus companheiros: "Se o indivíduo satisfazê-los [os impulsos sexuais] de uma forma ilícita, não estaria, acaso, cometendo pecado? Então, se satisfazê-los de uma forma lícita ele será recompensado". A respeito do frisson que a interlocutora associa às “características islâmicas” do parceiro, parece que a sexualidade no Islam, por meio de seu código próprio exposto até aqui, constitui um eros bastante particularizado, adjetivado como islâmico. Além disso, a noção de sexo no Islam nos relatos das interlocutoras embute os predicados de cuidado e reciprocidade, o que as agrada. Pode ser entendido como uma expectativa de ter um parceiro sexual dentro da religião. Há sem dúvida muita expectativa em relação aos casamentos, pois, como podemos verificar, o mercado matrimonial islâmico no Brasil é bastante competitivo, tendo que as mulheres acabam recorrendo a casamentos com estrangeiros, como podemos verificar no trabalho que vem sendo desenvolvido por Pasqualin (2013PASQUALIN, Flávia. (2013), O (des)encanto do casamento intercultural: brasileiras casadas com muçulmanos turcos. Doutorado em andamento, USP.).

Esse relato - assim como os das demais interlocutoras, especialmente as brasileiras convertidas - não foca nos interditos: as mulheres apontam que possuem conhecimento sobre as práticas que não são permitidas no Islam, mas relatam que elas já não faziam parte de sua atividade sexual prévia. Por outro lado, grande destaque é dado à purificação em seu propósito concreto, de higiene corporal; é ritualístico, espiritualizado.

Ainda sobre a especificidade da erótica islâmica, talvez seja interessante indicar que o sexo no Islam costuma ser estigmatizado em duas polaridades: ou como repressor, como já citado, ou como lascivo, quando vinculado ao sexo ardente presente em narrativas árabes clássicas como As mil e uma noites. Tal posição reforça o orientalismo e essencialismo também no âmbito da sexualidade, tratando o tema de forma subalterna e banalizada.

É importante aludir também o fato que a satisfação de ter um marido muçulmano ocasiona para as mulheres muçulmanas, pois no Islam a mulher só pode casar com um homem se ele for muçulmano, ao contrário dos homens, que podem casar com mulheres de religião monoteísta, pois a transmissão da religião, do nome de família, é por intermédio do pai e não da mãe. O entendimento é que a família deve ser sustentada pelo homem e não pela mulher, portanto, esse homem muçulmano, por lei, jamais poderia abandonar sua esposa e filhos. Em caso de separação/divórcio, o que é permitido na religião, o marido tem que esperar três meses até confirmar que a mulher não esteja grávida, constatando a não gravidez, o divórcio pode ser feito, caso contrário, ele deverá esperar até que o filho nasça e tem que manter sua casa como antes.

E, Nascida muçulmana, casada com revertido

Quando eu casei eu era muito, meio travada, isto levou um certo tempo para eu me acostumar, para ele se acostumar. Não digo que isto foi ruim, para minha sorte ele é muito paciente, compreensível. Não sei se todos os homens seriam. Algumas questões sexuais pra mim ainda é muito difícil, nós estamos trabalhando juntos. Talvez porque eu comecei com quase 30 anos, talvez eu tenha bloqueado algumas questões. Algumas questões do sexo para mim ainda são difíceis. Hoje com quase 6 anos de casamento eu não acho que interfira o fato de eu ser muçulmana e sim comigo. Quando eu casei eu não deixava ele me ver sem roupa, se tivesse alguma claridade durante o sexo eu ficava constrangida, mas aí eu acho que é o tempo natural das coisas. [sic]

(sobre o desejo)

Então Fran, a minha relação é ao contrário, eu sou a pessoa que mais deseja no casamento, ele tem uma pressão maior sobre o stress do dia a dia, para mim se for duas vezes por dia, eu topo, e não reclamo. Eu não tenho problema em negar, mas se um dia aconteceu, ele soube entender, mas se houve ele soube, ele é tranquilo. Se eu fiquei algumas vezes sem vontade, ele foi tranquilo, por sinal, eu tive que ser muito tranquila muitas vezes. Em relação ao sexo oral, é justamente este ponto que eu tenho dificuldade, estou tentando trabalhar mais.

É, eu converso muito com ele (marido), converso muito sobre o que eu gosto, como eu gosto como seja feito. Hoje eu me considero muito aberta em relação a essas coisas. Acaba influenciando em cada coisa. Hoje sou bastante aberta quanto a isso. Em relação às restrições, durante a menstruação não pode. Durante o puerpério eu sangrei mais que os dias normais, mas depois de certo tempo eu tinha relação normal, porque não é proibido.

É interessante como a interlocutora, embora tivesse tido dificuldades nas primeiras semanas do casamento, é quem mais apresenta desejo sexual. A seguir, ela aborda os problemas de transmissão que teve na família, a dificuldade que a mesma teve em ter um diálogo aberto com seus pais, ou entender mais sobre as brincadeiras da escola, além da idealização de que com os filhos vai agir diferente, será aberta para dialogar sobre sexualidade.

Para minha mãe eu nunca senti liberdade de perguntar. Hoje, depois de muito tempo de casamento, eu pergunto alguma coisa. Eu pergunto hoje, tenho mais liberdade de falar sobre essas coisas, mas quando eu casei não.

A interlocutora relata uma história para exemplificar como era o tema na sua família:

Os meninos da escola falavam de sexo e ficavam zoando a gente e eu disse que a minha mãe não fazia isso… Eu cheguei em casa e contei para ela (mãe). Ela ficou tão horrorizada que ela foi à escola conversar com o diretor, era época que as meninas começaram a ficar, minha mãe não deixava a gente sair, tudo que era em relação ao sexo era proibido. Uma vez a gente estava assistindo Laranja Mecânica, aí o cara pegou uma estátua de pênis… (aí ela brigou muito). Então tudo que era em torno de sexo, até de beijo, era reprimido. Eu tive dificuldade, eu não tive facilidade de lidar com esta questão.

Nossa, eu quero ser diferente com os meus filhos, assim como eu gostaria que tivessem falado comigo. Enfim, eu acho que não é bem tratada a questão da sexualidade nas famílias, hoje eu converso muito com o meu marido, ele entende muito. Atualmente eu estou passando por uma fase complexa, sexualmente falando, eu não consigo imaginar nenhum homem que agiria de forma tão especial. Ele entende… achei tão engraçado quando você me mandou as perguntas, porque eu estou vivenciando essas coisas agora, estou me permitindo agora. Eu resolvi que na semana passada e conversar a respeito, ele tem uma cabeça muito aberta. [sic]

Durante a nossa conversa, foi interessante como ela se posicionou de forma aberta por estar pensando exatamente sobre as questões que ainda não consegue resolver nas relações sexuais com o seu marido. Muitas vezes, as questões sobre práticas sexuais acabam caindo na mesma, na rotina, e com filhos é natural que o casal se distancie, é nesse ponto que a nossa interlocutora quer chegar: como reavivar a relação, o desejo, o espaço em comum do casal? A contar também a dificuldade que a mesma ainda tem com sexo oral.

Eu acho que eu vivo é muito mais influência de como eu fui criada, do que pela religião. Porque a religião não tem isso, a única forma que a religião vê é mais respeitosa, de casal, coisa mais sagrada, todas as religiões monoteístas vêm dessa maneira.

Nós conversamos sobre isso, os filhos na relação. A gente não teve muito tempo de namoro, porque até mesmo no começo do casamento eu tive muito conflito, larguei um projeto de estudo e me tornei dona de casa. Aqui na cidade que eu moro eu era considerada a “estrangeira” casada com convertido. Depois quando as crianças vieram foi muito tumultuado.

O depoimento dessa interlocutora confirma que falar de sexo e vivenciar a própria sexualidade é motivo de constrangimento para muitas mulheres, muçulmanas ou não. Mesmo nascida no Islam, a interlocutora reflete que talvez sua dificuldade resida muito mais em questões particulares, como a atmosfera repressiva de criação, do que em preceitos religiosos específicos. Ela menciona três facetas do sexo que corroboram a sua importância no Islam: é tratado e vivido com respeito, seu exercício é restrito à conjugalidade e é revestido por seu caráter sagrado.

A sua iniciação no sexo é vista como tardia e dolorosa, mas ela sinaliza que vem passando por um processo de descobertas e aberturas: está “se permitindo”. Ela, assim como as demais interlocutoras supracitadas, frisa o apoio e a compreensão que recebe do marido, bem como o diálogo franco estabelecido com ele para tratar das questões de relacionamento para que a busca por satisfação seja mais plena e significativa. Ela e o marido foram “descobrindo como era o sexo no Islam juntos”, o que evidencia a simetria que eles estabelecem na forma de experimentar a sexualidade.

Considerações finais

De forma geral, as falas das interlocutoras enfatizam o próprio prazer: ou já se consideram como resolvidas, satisfeitas e sexualmente plenas ou estão em busca disso, rompendo o estereótipo de que sexo no Islam é apenas direito do homem e obrigação da mulher. A postura das mulheres muçulmanas aqui citadas vai muito além do sexo como tarefa, ou do sexo para agradar o parceiro: colocam-se como vozes e corpos ativos, reconhecendo a importância da vivência harmoniosa da sexualidade para seu próprio bem-estar e também para a plenitude e proteção do seu núcleo familiar. Isso não quer dizer que outras mulheres vivam o oposto disso, e que possam estar tendo experiências negativas em relação ao seu parceiro sexual como, por exemplo, a questão colocada pela última interlocutora do texto, quando se refere ao sexo oral, pois essa pode ser ainda uma questão para muitas mulheres.

Nosso processo é de escuta contínua, impossível esgotar nossas questões, mas é possível levantá-las nesse primeiro exercício de pensar a sexualidade no Islam. Algumas questões nos ficam para serem trabalhadas no processo de pesquisa: por que ainda há dificuldade da transmissão? Tendo o Islam papéis demarcados do feminino e masculino, natureza e cultura, no sentido que a mulher apresenta-se com o diferencial biológico que a caracteriza como sendo diferente, ainda pretendemos pensar esses discursos com mais densidade e entender como são disseminados no cotidiano das famílias muçulmanas que vivem no Brasil. Muitos sentidos ainda precisam ser desvendados. O que pudemos apreender é que o sexo, sim, pode ser satisfatório, prazeroso e que há uma busca de melhorar sempre como algo que está dentro da prescrição religiosa, então, torna-se obrigação que seja bom para ambos. Por fim, faz-se necessário retroceder ao início: este é um texto do prazer e da devoção, da experimentação da sexualidade tanto em suas facilidades como em suas adversidades. A vivência feminina da sexualidade em suas dores e suas delícias e, mais que isso, no seu prazer e benção.

Concluímos, por ora, que mulheres muçulmanas buscam o prazer, sentem prazer e isso não é contrário à religião. Faz parte da conduta islâmica dar e receber prazer entre casais. As restrições indicadas pela religião - como: sexo anal, sexo durante o período menstrual, sexo fora do casamento - moldam essas relações sexuais, mas não necessariamente se esgotam quando se trata da intimidade de um casal.

Referências

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  • YOUNG-EISENDRATH, Polly. (2001), A mulher e o desejo: muito mais do que a vontade de ser querida Rio de Janeiro: Rocco.

Notas

  • 1
    Revisão técnica: Janaynne C. do Amaral.
  • 2
    As autoras optaram em usar Islam e não Islã com a finalidade de considerar a expressão na língua árabe e o termo usado nas comunidades muçulmanas brasileiras de forma mais ampliada (categoria nativa). Na etimologia da palavra Islam encontramos a forma verbal “aslama”, aquele que se entrega a Deus, da qual “muslim” (muçulmano) é o particípio presente: aquele que se entrega/submete a Deus (Cf. Ferreira, 2007, p.19). É importante dizer que corroboramos a ideia de Enzo Pace (2005PACE, Enzo. (2005), Sociologia do Islã. Petrópolis: Editora Vozes.) a respeito da pluralidade do campo islâmico. O Islam não é um bloco monolítico, é preciso considerar suas correntes (sunitas/xiitas e suas respectivas escolas de jurisprudência), além da diversidade de comunidades e pessoas que aderem à religião.
  • 3
    Barbosa foi uma das coordenadoras do Simpósio Temático 79 Islam e Gênero no 13º. FAZENDO GÊNERO em parceria com Sonia Hamid em julho/agosto de 2017.
  • 4
    Lesbian, Gay, Bisexual, Transsexual, Queer, Intersex, Asexual.
  • 5
    Disse o Mensageiro de Allah (saws) a respeito: “Entre as piores pessoas para Allah no Dia do Juízo estará o homem que depois de manter relações sexuais com sua esposa divulga segredos”. (Muslim 1437)
  • 6
    Revertido é uma categoria nativa no qual explicita que todos nascem muçulmanos, pois todos os homens nascem entregues à vontade de Deus, portanto, se retorna ao Islam (se reverte). É muito usual para quem faz trabalho de campo em comunidades islâmicas ouvir essa expressão. Há Sheiks (líderes religiosos) que rebatem essa terminologia, mas o fato é que se popularizou entre os novos muçulmanos.
  • 7
    As mulheres serão chamadas de A, B, C, D e E: A - mulher de origem árabe, casada há mais de 20 anos com homem de origem árabe; B- mulher de origem árabe casada há mais de 10 anos com homem de origem árabe; C- brasileira revertida há mais de cinco anos casada com estrangeiro muçulmano; D- brasileira revertida há 4 anos, casada com muçulmano revertido estrangeiro; E - nascida muçulmana de origem árabe casada com revertido há 6 anos.
  • 8
    Cabe lembrar que no Islam o divórcio é aceito, embora não seja recomendável, mas se trata de algo garantido na lei islâmica.
  • 9
    O Islam é demarcado pelo lícito (halal) e ilícito (haram), trata-se do que é aceito e do que é proibido respectivamente.
  • 10
    Islam inclusivo? Uma etnografia com muçulmanos queers em Paris. Início: 2015. Dissertação (Mestrado em Departamento de Psicologia/ FFCLRP/USP)
  • 11
    O uso da palavra “pérola” é bastante controversa para se referir à mulher. Algumas não gostam dessa referência, outras vão dizer que tem o sentido de serem valiosas para suas famílias e que gostam disso.
  • 12
    Embora seja um livro de tradição xiita, muitas informações conferem com a tradição sunita. Vale conferir o artigo de Ana Maria Ricci Molina (2017 MOLINA, Ana Maria Ricci; BARBOSA, Francirosy Campos. (2017), “A ética sexual no Islã e no mundo ocidental: interpretando o corpo e o sexo”. Revista Reflexão, v. 42(1):95-111.).
  • 13
    Sim, há contextos islâmicos em que mulheres ainda são obrigadas a um casamento não desejado, mas se trata de um costume local e não de uma determinação religiosa. Infelizmente, a luta contra o machismo é presente em todas as sociedades, islâmicas e não islâmicas.
  • 14
    Os hadices (plural de hadith) compõem a Sunnah, que são os ditos e falas do Profeta Muhammad, os muçulmanos se espelham na Sunnah para moldar o seu comportamento.
  • 15
    A palavrasirasignifica "forma de proceder" e corresponde às várias biografias que retratam a vida do Profeta Muhammad.
  • 16
    Disponível em: <http://www.icarabe.org/node/2929>. Acesso em: jan. 2017.
  • 17
    Ver o texto de Tariq Ramadan, Islam and Homosexuality. Disponível em: <http://tariqramadan.com/english/2009/05/29/islam-and-homosexuality/>. Acesso em: fev.2016.
  • 18
    Ablução, que significa: lavar o rosto, as mãos e os braços até o cotovelo e os pés. O ghust é o banho completo. BUKHARI. Hadith 288. Disponível em: <https://sunnah.com/bukhari>. Data de acesso: mar. 2016.
  • 19
    É importante esclarecer que, em situações de saúde da mulher, embora muitas prefiram médicas mulheres, isso não é regra, não é condenável que uma mulher passe por um ginecologista homem, por exemplo. Isso é um entendimento de vários sábios e praticantes da religião.
  • 20
    BUCKARI. Hadith 248. Disponível em: <https://sunnah.com/bukhari>. Data de acesso: mar. 2016.
  • 21
    MUSLIM. Hadith 616. Disponível em: <https://sunnah.com/muslim>. Acesso em: mar. 2015
  • 22
    Há um hadith copilado por Muslim que diz que “a limpeza é metade da fé”.
  • 23
    Disponível em: <http://d1.islamhouse.com/data/pt/ih_books/single/pt_DUVIDAS_RESPOSTAS_Sobre_Purificacao_Oracao_e_Jejum.pdf. Acesso em: mar. 2016.
  • 24
    Al-Bukhari e Muslim são estudiosos que compilaram a maioria dos hadiths, suas coleções são consideradas pelos sunitas como as mais fiéis.
  • 25
    Bençãos. Por isso, se considera o ato sexual uma benção.
  • 26
    Deus quis.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2017

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2018
  • Aceito
    01 Mar 2018
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