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Conjugalidade e racionalidade neoliberal na Igreja Universal: A conversão do homo oeconomicus em família-empresa e a submissão da mulher

Neoliberal rationality and conjugality at the Universal Church: The conversion of homo oeconomicus into family-company and the submission of women

Resumos

Resumo: Esta pesquisa busca compreender os processos de subjetivação utilizados pela Igreja Universal do Reino de Deus na orientação dos sujeitos nela inscritos, precipuamente a mulher nas relações conjugais. A partir de pesquisa etnográfica realizada nas liturgias da “Terapia do Amor” em templos de Vitória/ES e São Paulo/SP, observamos como as tecnologias de poder da igreja buscam converter o sujeito moral à racionalidade econômica neoliberal, estimulando o homo oeconomicus na direção do empreendedorismo familiar. Com base na analítica do poder foucaultiana, analisamos como, nesse modelo de família-empresa, localiza-se um duplo papel da mulher: de submissão incondicional ao marido e de agente fundamental para a prosperidade da família.

Palavras-chave:
Subjetividade; Empreendedorismo familiar; Igreja Universal; Mulher; Conjugalidade


Abstract: This research seeks to understand the subjectivation processes used by the Universal Church of the Kingdom of God in guiding the subjects enrolled in it, especially women in conjugal relations. From ethnographic research carried out in the “Terapia do Amor” liturgies in temples in Vitória / ES and São Paulo / SP, we observe how the church's power technologies pursue the conversion of the moral subject into a neoliberal economic rationality, stimulating homo oeconomicus towards family entrepreneurship. Based on the analytic of power by Foucault, we analyze how, in this family-company model, a dual role of women is played: an unconditional submission to the husband and a fundamental agent for the family's prosperity.

Keywords:
Subjectivity; Family entrepreneurship; Universal Church; Woman; Conjugality


Considerações iniciais

Esta pesquisa busca compreender os processos de subjetivação utilizados pela Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) na orientação dos sujeitos nela inscritos, precipuamente a mulher e suas relações conjugais. Tais processos se revelam por meio da profusão de discursos e tecnologias de poder que perfazem uma moral familiar que, a seu turno, opera como mecanismo difusor do modelo de família tradicional inscrita no patriarcado e no neoconservadorismo hodierno. A Iurd apresenta uma capacidade de difusão de seus preceitos morais e religiosos sobre as condutas dos indivíduos que encontra forte capilaridade na sociedade atual de estágio avançado do neoliberalismo e de ascensão do conservadorismo de extrema direita.

1 1 Embora a Iurd apresente ampla capacidade de difusão de seus preceitos morais e religiosos sobre as condutas dos indivíduos, é importante destacar que: a) o último censo do IBGE apontou para um decréscimo no número de pessoas que declaram filiação à denominação (https://censo2021.ibge.gov.br/ Acesso em 17/03/2021); b) pesquisas qualitativas que se propõem a acompanhar/dialogar com os/as frequentadores/as da Iurd mostram as diversas possibilidades de arranjos que eles/elas fazem, sinalizando dimensões criativas de agência, resistência e de reflexão dos sujeitos, que modulam suas condutas com base em diferentes referenciais (Machado 2005; Birman 2010; Teixeira 2012; Almeida 2017; Marchesi 2020).

Suas tecnologias de poder, dominação e assujeitamento, amparadas na Teologia da Prosperidade,2 2 A Teologia da Prosperidade propaga a asserção de que o fiel a Deus deve ser próspero na esfera financeira, gozar de boa saúde, ser feliz e obter êxito em seus empreendimentos terrenos (Marchesi 2020:41). possibilitam a emergência de um modelo de família-empresa na qual a mulher tem um duplo papel. Se por um lado ela é posta em relação de submissão e servilismo ao marido, por outro ela ganha centralidade, no seio familiar, na responsabilização sobre a conversão e adesão de sua família aos preceitos iurdianos, assim como no sucesso da família-empresa. Nesse sentido, foi possível constatarmos a passagem do empreendedorismo de si, característico do homo oeconomicus tipicamente encontrado na racionalidade neoliberal apresentada por Foucault (2008bFOUCAULT, Michel. (2008b), Nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes.), para uma espécie de “empreendedorismo familiar”, em que os cônjuges tratam do casamento sob a ótica da empresa.

A expressão familista do empreendedorismo, nos moldes da Iurd, é parte fundamental da governamentalização neoliberal3 3 Por governamentalização ou governamentalidade neoliberal, nos referimos a uma forma de saber, uma racionalidade, uma técnica de governo que perpassa o Estado, a economia das famílias e as condutas individuais. Com o neoliberalismo, coloca-se como basilar o homo oeconomicus, que opera em termos de ganhos e do empreendedorismo de si voltado à produtividade e à formação contínua de capital humano. Ver: Foucault (2008b e 1999). e produz importante convergência entre a gramática religiosa, a racionalidade econômica e a moral conservadora. O alcance popular via veículos midiáticos, a grandiosidade dos templos, a incursão nas instituições políticas representativas e a expansão internacional fazem das narrativas e prédicas iurdianas poderoso dispositivo de poder, que encontra respaldo e proeminência no contexto atual de ascensão de grupos conservadores de direita e de extrema direita, em diversos países.

O estudo aqui apresentado partiu de pesquisa etnográfica, baseada na observação participante, realizada no maior templo da Iurd da cidade de São Paulo/SP, Templo de Salomão, e de Vitória/ES, denominada Catedral da Iurd. Nossa atenção se concentrou no programa litúrgico denominado “Terapia do amor”, principal locus das orientações familistas e conjugais. A pesquisa etnográfica foi apoiada e contrastada com material bibliográfico de difusão das doutrinas da igreja, com textos de autoria de, entre outros, seu líder máximo, o bispo Edir Macedo. Esses materiais são produzidos, vendidos e distribuídos pela igreja e suas empresas de mídia associadas. O objetivo da pesquisa foi verificar como, com que métodos e técnicas de poder, a igreja busca produzir um sujeito moral cujos cuidados de si são voltados para a família e o logro de uma “vida abundante”. A discussão dos dados é orientada pela analítica foucaultiana do poder, conduzida pelo poder pastoral e a racionalidade neoliberal4 4 Racionalidade neoliberal: para Foucault (2006:342) “não há práticas sem um certo regime de racionalidade”, de modo que a governamentalidade (ver nota anterior) se ampara em uma “política da verdade” que molda estilos de pensamento e ações. Na biopolítica, essa razão está voltada para a promoção da vida e da saúde da população, articulando-se com o neoliberalismo ao incumbir ao indivíduo a responsabilidade por si (Foucault, 2008b e 2010a). evidenciando a conversão do homo oeconomicus em família-empresa.

Família e planejamento familiar na racionalidade empreendedora

Nos espaços e mídias em que a Igreja Universal do Reino de Deus veicula suas prédicas, como templos, programas de rádio, televisão, livros, revistas e páginas web, há ritos litúrgicos e orientação de condutas dos fiéis no empreendedorismo familiar e patriarcal, como o intellimen, 5 5 Segundo a própria IURD, “o nome do projeto é uma junção das palavras em inglês intelligent (inteligentes) e men (homens). Escolhemos esse nome porque além de soar como um super-herói, que todo homem secretamente aspira ser desde criança, ele engloba tudo o que o projeto aspira: formar homens inteligentes e melhores em tudo. Não prometemos superpoderes como levantar ônibus com um dedo, voar ou invisibilidade — mas estamos trabalhando nisso”. Disponível em <https://sites.universal.org/intellimen/>. Acesso em 28 de novembro de 2019. destinados aos homens e o “Culto da Prosperidade”, enfocado em estratégias de abundância econômica. Nesta pesquisa nos centraremos sobre o programa “Terapia do Amor”, cujo mote recai mormente sobre as condutas de homens e mulheres no casamento. Aos solteiros ou divorciados se encoraja o casamento como forma de obtenção da comunhão com Deus e consequente possibilidade de conquista da vida abundante.

De fato, trata-se de um de seus principais atrativos, na medida em que os fiéis também podem buscar a saúde financeira. Este discurso é muito significativo, já que a maioria dos integrantes da igreja provém de classes mais pobres, embora tal tipo de pregação seja bem acolhido também pelas chamadas camadas médias. (Gomes 2009GOMES, Edilaine de Campos. (2009), “‘Fé racional’ e ‘Abundância’: família e aborto a partir da ótica da Igreja Universal do Reino de Deus”. Sexualidad, Salud y Sociedad - Revista Latinoamericana, n. 2:97-120.:103)

O planejamento familiar e o encorajamento à gestão financeira pela família são quesitos continuamente evocados para que a família logre êxito e sucesso na vida financeira. Em um dos ritos da Catedral de Vitória, cuja preleção se dirigia à preservação do casamento e ao combate ao divórcio, uma obreira6 6 Segundo Teixeira (2012:117), “A participação litúrgica das mulheres se restringe a atuação das obreiras, no espaço do templo compreendido como átrio. As obreiras (e obreiros também) trabalham assessorando o dirigente do culto no contato com os fiéis participantes, distribuindo objetos que servem para intermediar a relação do fiel com Deus.” se dirigiu a nós com o livro Casamento Blindado 2.0 7 7 De autoria da filha do bispo Edir Macedo - fundador e líder da Igreja Universal, Cristiane Cardoso, e seu marido, Renato Cardoso (Cardoso; Cardoso 2017), o livro é distribuído e vendido pela igreja. em mãos. Ressaltamos a nossa surpresa com a aproximação da obreira, bem vestida e maquiada, já que nos apresentávamos sempre nas últimas cadeiras da Catedral. Aparentemente acostumada com esse tipo de prática, demonstrou saber, inclusive, os nomes de diversas pessoas das centenas ali presentes.

A analítica do poder desenvolvida por Foucault nos auxilia a compreender as distintas formas de poder, suas técnicas e seus objetivos, utilizadas aqui na busca por assujeitamento dos fiéis e frequentadores dos templos da Iurd. Concomitante com o poder disciplinar, sobre o corpo dos indivíduos (Foucault 1997FOUCAULT, Michel. (1997), Vigiar e Punir. Petrópolis: Ed. Vozes , 16ª. ed.), e o poder pastoral (Foucault, 2008aFOUCAULT, Michel. (2008a), Segurança, território e população. São Paulo: Ed. Martins Fontes.), sobre cada um e sua subjetividade, há também o biopoder sobre todos (Foucault 2008b), determinando as condutas vitais e produtivas da massa dos seguidores. Na Iurd o êxito financeiro é almejado e a pugna contra o divórcio reforçada, enquanto planejamento racional familiar. Em um dos cultos em Vitória, nos chamou atenção o sermão moralizador, polarizando o bem e o mal, proferido pelo pastor Davi:

Estejam certos de que, se forem bem-sucedidos nesta terra, serão odiados pelo mundo, o mundo não quer ver o seu sucesso e, quem sabe, você que está crescendo diante dos homens, se vê dividido entre a vida com Deus e as coisas do mundo. Se você que está em nossa catedral, seja você obreiro em outra igreja, ministro, presbítero, venha até a frente que eu irei orar por você. (Pastor Davi)8 8 Transcrição de áudio do culto “Terapia do Amor”, realizado em 20 de setembro de 2018, na Catedral da Iurd de Vitória, Espírito Santo.

Nesse momento, com uma canção, as pessoas se deslocam à frente, e o pastor faz oração em que repreende o divórcio, os problemas financeiros e preconiza que todos escolham viver para Deus e não para o mundo. Essa conjunção nas prédicas do êxito financeiro com o matrimônio e certo modelo familiar, patriarcal e heteronormativo, leva-nos a tencionar o deslocamento do empreendedorismo de si, localizado por Foucault (2008bFOUCAULT, Michel. (2008b), Nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes.) como o homo oeconomicus, para o empreendedorismo familiar. A racionalidade da família-empresa fica evidente em diversas passagens do livro Casamento Blindado 2.0:

Há uma maneira eficaz de homens e mulheres resolverem os problemas conjugais e evitar que se repitam sem ferir ninguém no processo. Eu chamo essa maneira de “tratar seu casamento como uma empresa” (…). A ideia é se lembrar dos objetivos do casal e ter uma visão mais clara de onde vocês querem chegar para, assim, errar menos. Acompanhe o raciocínio. Por que alguém começa uma empresa? Qual o objetivo? Pode haver muitos. Ganhar dinheiro é um dos óbvios. Ser seu próprio patrão e assim ter maior independência é outro. Muitos sentem a necessidade de realizar seu potencial e veem no criar uma empresa um meio para isso. (Cardoso; Cardoso 2017CARDOSO, Renato; CARDOSO, Cristiane. (2017), Casamento blindado 2.0: o seu casamento à prova de divórcio. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil . 2ª. ed.:59)

Daí outro benefício de ver seu casamento como uma empresa: entender que ele é o seu maior investimento. Pessoas casadas normalmente são mais estáveis financeiramente e em todas as outras áreas da vida, como: saúde, espiritualidade e família. Não tem sentido você sacrificar suas emoções para ter sucesso no trabalho, mas não no seu casamento (ibid:79).

A relação análoga da família com uma empresa é disposta sob um ethos econômico, no qual é prescrito rigoroso controle dos gastos. “Quando aprendi que o meu casamento é uma empresa, entendi que mesmo as minhas menores decisões e atitudes têm que estar ligadas aos nossos objetivos a longo prazo” (Cardoso; Cardoso 2017CARDOSO, Renato; CARDOSO, Cristiane. (2017), Casamento blindado 2.0: o seu casamento à prova de divórcio. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil . 2ª. ed.:62). Assim, a forma como as famílias administram seus recursos se traduz em uma pedagogia empreendedora que contempla o planejamento e o uso racional do orçamento familiar. Para a consecução do sucesso deste projeto, é disponibilizado inclusive uma planilha orçamentária no site do “Casamento Blindado”:

Se vocês quase nunca conseguem realizar seus objetivos financeiros, costumam gastar mais do que ganham ou entram em dívidas maiores - provavelmente é porque não têm ou não seguem um orçamento familiar. Orçamento é um plano que inclui previsão de receitas e despesas futuras a fim de alcançar um objetivo financeiro. Nenhuma empresa de sucesso opera sem um orçamento. Se vocês tratarem seu casamento como uma empresa também nesse aspecto, poderão garantir o sucesso e prosperidade em pouco tempo (…). Encontre nesse link uma explicação detalhada de como criar e manter um orçamento familiar: CasamentoBlindado.com/dinheiro. (Cardoso; Cardoso 2017CARDOSO, Renato; CARDOSO, Cristiane. (2017), Casamento blindado 2.0: o seu casamento à prova de divórcio. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil . 2ª. ed.:234-235)

Segundo Mafra et al. (2012MAFRA, Clara; SWATOWISKI, Claudia; SAMPAIO, Camila. (2012), “O projeto pastoral de Edir Macedo: Uma igreja benevolente para indivíduos ambiciosos?”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 27, n. 78: 81-96.) a partir das práticas canônicas da Igreja Universal, os sujeitos são encorajados ao autorreconhecimento e a se tornarem agentes empreendedores. Ou seja, nessa interpretação, o/a fiel da Iurd, ao reconhecer em sua própria situação uma condição indesejada, seria levado à inquietude e ao empreendedorismo. Nos discursos proferidos pelos líderes da Iurd por meio de livros, mídias ou sermões, bem como na reprodução de suas prédicas por pastores que compõem a denominação, verificamos uma relação de poder que se busca estabelecer de forma individualizadora, atenta a cada um e a todos. Essa relação se apresenta como sofisticada tecnologia de assujeitamento à racionalidade neoliberal, já que, singularmente, conglomera a pedagogia familiar com a pedagogia econômica individual. De acordo com Almeida (2017ALMEIDA, Ronaldo de. (2017), “A onda quebrada - evangélicos e conservadorismo”. Cadernos Pagu, n. 50, Epub, s/n.):

A doutrina religiosa é capaz de gerar disposições empreendedoras de caráter individualista. O mérito decorre do esforço ativo e da atitude empreendedora, e não propriamente do capital social e de suas distinções sociais. O discurso da prosperidade material, resultante e de atitude empreendedora, é valorizado religiosamente e adotado como ética econômica. (Almeida 2017ALMEIDA, Ronaldo de. (2017), “A onda quebrada - evangélicos e conservadorismo”. Cadernos Pagu, n. 50, Epub, s/n.:15)

A estrutura familiar que deve seguir essa ética econômica, essa racionalidade na forma de se conduzir, adota conformação hierárquica e patriarcal, em que o sujeito homem é incitado ao empreendedorismo de si por meio de discursos pastorais que os colocam na condição de cabeça da família. Além da liderança nas condutas e no empreendedorismo, cria-se a expectativa do homem como guardião, protetor da família-empresa: “o homem foi designado o provedor da família. Quer dizer, não há como ele fugir dessa maldição (...). A pressão de sustentar a família, de ser o caçador, de não deixar a família passar necessidade, faz o homem cobrar de si mesmo o resultado do trabalho” (Cardoso; Cardoso 2017CARDOSO, Renato; CARDOSO, Cristiane. (2017), Casamento blindado 2.0: o seu casamento à prova de divórcio. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil . 2ª. ed.:112-113). Já a mulher deve ser subserviente ao homem, e seu principal apoio, com a função primordial de motivá-lo no sucesso e acompanhá-lo no empreendimento familiar. Segundo o bispo Macedo, a mulher “procura no homem a sua proteção, segurança. Ela é a parte mais dócil, frágil e, como tal, deseja encontrar alguém que a sustente e lhe dê condições. O homem agrada a mulher quando a assume” (Macedo 2012aMACEDO, Edir. (2012a), O perfil do homem de Deus. Rio de Janeiro: Unipro Editora .:70).

Observamos que as mulheres que participavam dos ritos que frequentamos nesses encontros realizados nos templos da Iurd em São Paulo/SP e Vitória/ES, por mais de um ano, trabalham ou buscam trabalhar de forma remunerada regularmente. Muitas delas se apresentavam aos cultos vestidas com o uniforme da empresa em que são funcionárias. Esse caráter da família iurdiana em que ambos os cônjuges trabalham não é ainda suficiente para que as mulheres sejam emancipadas em relação ao marido. Conforme mencionamos, compete ao homem a atribuição de provedor e, em vários ritos a ênfase da submissão feminina aliada à competência de administração financeira foi frequentemente assinalada.

O estímulo ao empreendedorismo dos “chefes de família” constitui outra recorrente abordagem nas prédicas pastorais. Assim, os homens são fomentados a adquirir seu próprio negócio em vez de permanecerem como empregados de uma empresa. Em um dos ritos em Vitória, o pastor Davi reiterava que os homens casados que não empreendem são suprimidos pelo desempenho da esposa, já que ela é capaz de trabalhar, ganhar mais que o marido e ainda cuidar de si e da casa. Desse modo o casamento ficaria suscetível ao divórcio:

Você quer ver outro grande motivo que causa o divórcio? A questão financeira. Sua esposa não se importa de comer arroz e feijão com você por uns dias, o problema é a falta de perspectivas de quando essa situação vai mudar! Então, o que angustia a mulher? É a falta de perspectiva, a indefinição por algo novo e empreendedor! O cara está em um emprego satisfeito com o cargo dele, e a única ambição dele é ser promovido! Aí, depois de alguns anos, se aposenta e vai ganhar quanto de aposentadoria? Então a mulher que faz conta, a mulher que pensa, vai logo perceber que ela não vai prosperar do seu lado. Existe algo chamado teto salarial e que dele você não passa! A mulher começa a trabalhar e, quando ela faz isso, faz com sucesso, porque ela trabalha, ela se cuida e ainda cuida da casa, costura, cozinha e daqui a pouco ela vai estar ganhando mais do que você e vai começar a cobrar de você: é só até aí que você vai? Não existe solução fácil para problema difícil! Esteja hoje fazendo algo olhando o amanhã. (Pastor Davi)9 9 Transcrição de áudio do culto “Terapia do Amor” em setembro de 2018.

Sobre essa participação ativa, porém auxiliar, da mulher na economia da família, Machado (2005MACHADO, Maria das Dores Campos. (2005), “Representações e Relações de gênero nos Grupos Pentecostais”. Revista Estudos Feministas, v. 13, n. 2: 387-396.) afirma que “a pertença a uma igreja que reforça a autoestima, enfatiza o presente e estimula a busca da prosperidade, certamente ajuda na superação dos constrangimentos da cultura tradicional, favorecendo a participação da mulher na esfera econômica” (Machado 2005:390). Entretanto, como a função alocada à mulher na família, pela Iurd, é auxiliar e suplementária ao homem, o tradicionalismo hierárquico patriarcal não cessa, permeia-se de outra feição, adequada e atualizada aos fluxos econômicos neoliberais, que responsabiliza o indivíduo e a família pelo sucesso profissional.

Reproduzindo essa racionalidade neoliberal, empreendedora e familiar, o bispo Macedo (2011MACEDO, Edir. (2011), O poder sobrenatural da fé. Rio de Janeiro: Unipro Editora.) defende que através do que denomina “fé racional”, as famílias de baixa renda seriam levadas a elaborar um “planejamento familiar”, levando em conta a realidade social e econômica de cada um. Seria concebível nessa moral iurdiana que as famílias optassem por não ter filhos, já que o(a) filho(a) poderia ficar sujeito à precariedade da pobreza e à fome: “Há ainda os que ensinam que o casal não pode evitar filhos e que o sexo deve ser feito apenas para a procriação, contribuindo para o aumento da pobreza, da miséria e de todos os males daí decorrentes, deturpando a Palavra de Deus” (Macedo 2011:16). Cardoso e Cardoso (2017CARDOSO, Renato; CARDOSO, Cristiane. (2017), Casamento blindado 2.0: o seu casamento à prova de divórcio. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil . 2ª. ed.) reiteram que ter filhos não seria premissa para a constituição da família:

Um dos erros comuns cometidos por recém-casados e seus parentes é achar que, enquanto o casal não tem filho, não deve ser visto como uma família. Mas a família se forma no dia do casamento e, a partir de então, deve se comportar como tal. O homem se une à sua parceira e se tornam uma só carne. (…) Se vocês são uma só carne, quando cuida do seu cônjuge, está cuidando do seu próprio corpo e quando ele cuida de você, está cuidando dele mesmo. Infelizmente, muitas mulheres pensam que esse é o tipo de relacionamento que devem ter exclusivamente com seus filhos, sangue do seu sangue. (Cardoso; Cardoso 2017CARDOSO, Renato; CARDOSO, Cristiane. (2017), Casamento blindado 2.0: o seu casamento à prova de divórcio. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil . 2ª. ed.:149)

O escopo desse planejamento familiar estimulado pela Iurd pode abarcar a adoção de crianças, em vez de concebê-las biologicamente, a vasectomia nos homens, precipuamente por pastores e bispos10 10 Como atestam acusações judiciais divulgadas pelos jornais. Cf. FOLHA DE S. PAULO. “Ex-pastores dizem que Universal pagou por vasectomias em mutirões: Igreja afirma que decisão sobre cirurgia é dos pastores e que não paga os procedimentos”. Folha de São Paulo, 10 jun. 2019. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/06/ex-pastores-dizem-que-universal-pagou-por-esterilizacoes-em-mutiroes.shtml>. Acesso em: 28/10/2020. , bem como a aquiescência do aborto11 11 O aborto é criminalizado no Brasil, salvo em casos específicos previstos em lei. O artigo 128 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, vigente atualmente, estabelece que aborto é considerado legal quando a gravidez é resultado de abuso sexual ou põe em risco a saúde da mulher. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal ampliou a admissão legal da interrupção da gestação para abarcar casos de fetos anencéfalos. (Teixeira, 2012TEIXEIRA, Jacqueline Moraes. (2012), Da controvérsia às práticas: conjugalidade, corpo e prosperidade como razões pedagógicas na Igreja Universal. São Paulo: Dissertação de Mestrado em Antropologia Social. Universidade de São Paulo - USP.; Gomes 2009GOMES, Edilaine de Campos. (2009), “‘Fé racional’ e ‘Abundância’: família e aborto a partir da ótica da Igreja Universal do Reino de Deus”. Sexualidad, Salud y Sociedad - Revista Latinoamericana, n. 2:97-120.). De acordo com Gomes (2009), “a questão do planejamento familiar é inerente à noção de ‘harmonia familiar’, aparecendo em seus registros oficiais desta maneira” (Gomes 2009:111).

A busca pela “vida em abundância”, individual e familiar, é condição necessária à edificação da fé, assim como a transmissão desses valores. Ao questionar os aspectos socioeconômicos, religiosos e emocionais inscritos no debate sobre o aborto, Edir Macedo e outras lideranças da igreja utilizam categorias constitutivas da cosmovisão iurdiana, o que marca a distinção desta igreja no campo religioso, inclusive entre as neopentecostais. Nesta perspectiva, a efetividade do planejamento familiar e a descriminalização do aborto estão em consonância com a boa conformação da “família de Deus” concebida pela IURD. (Gomes 2009GOMES, Edilaine de Campos. (2009), “‘Fé racional’ e ‘Abundância’: família e aborto a partir da ótica da Igreja Universal do Reino de Deus”. Sexualidad, Salud y Sociedad - Revista Latinoamericana, n. 2:97-120.:117)

O que se evidencia é que o modelo familiar pregado aos seguidores da Iurd engendra como valores supremos a indissolubilidade do matrimônio, a hierarquia patriarcal e a heterossexualidade dentro de uma racionalidade economicamente empreendedora, que seria expressão da fé em Deus. Conforme elucida Teixeira (2012TEIXEIRA, Jacqueline Moraes. (2012), Da controvérsia às práticas: conjugalidade, corpo e prosperidade como razões pedagógicas na Igreja Universal. São Paulo: Dissertação de Mestrado em Antropologia Social. Universidade de São Paulo - USP.):

Para tornar-se racional ou cheio do Espírito, é preciso entregar-se ao desenvolvimento prático de uma ascese para a vida e para o trabalho, tendo a disciplina e o sacrifício como características principais. Tal suposto emerge como mola propulsora das práticas rituais da IURD e dos sentidos atribuídos à prosperidade, pois o fruto da fé racional seria a vida abundante em recursos materiais e espirituais, é nessa lógica que se faz a relação entre planejamento familiar, legalização do aborto e prosperidade. (Teixeira 2012TEIXEIRA, Jacqueline Moraes. (2012), Da controvérsia às práticas: conjugalidade, corpo e prosperidade como razões pedagógicas na Igreja Universal. São Paulo: Dissertação de Mestrado em Antropologia Social. Universidade de São Paulo - USP.:70)

Foi principalmente por meio do poder pastoral (Foucault 1990FOUCAULT, Michel. (1990), “‘Omnes et singulatim’: Para uma crítica da razão política”. Novos Estudos CEBRAP, n. 26:77-99., 2008a, 2015FOUCAULT, Michel. (2015), História da sexualidade I: A vontade de saber. São Paulo: Paz e Terra.) que ao longo da história se estabeleceram certos “modelos” de família, apreendidos pelos sujeitos cristãos como verdades únicas apresentadas enquanto vontade de Deus. Esse modo de subjetivação por meio de “regimes de verdade” (Foucault 1997, 2016) afeta transversalmente os indivíduos que compõem os entes da família, conferindo certa busca por uma performatividade familiar que contemple o que seria incontestável na pugna pela salvação da alma. Essa subjetivação que repercute, em alguma medida, nas condutas é resultado de relações de poder operadas por prédicas e discursos pastorais, como explica Butler (2019BUTLER, Judith. (2019), Corpos que importam. São Paulo: N-1 Edições.:372): “se o poder do discurso para produzir aquilo que ele nomeia está relacionada com a questão da performatividade, logo a performatividade é um domínio no qual o poder atua como discurso”.

Esse poder pastoral que atravessa os seguidores da Iurd frequentemente se configura também como um biopoder (Foucault 1999FOUCAULT, Michel. (1999), Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Ed. Graal ., 2015) que age sobre a vida biológica do grupo, perpassando por dispositivos como planejamento familiar, controle reprodutivo e gestão da sexualidade. O controle da natalidade se lança por meio de medidas contraceptivas, ocasionalmente promovidas pelas prédicas da igreja, como a vasectomia e o aborto. Importante ressaltar, no entanto, que a IURD modifica seus direcionamentos de acordo com as conveniências políticas de cada momento. Sua adesão e defesa pública deste ou daquele dispositivo de controle biopolítico, ou agenda de política pública, está sujeita a suas ambições de alinhamento com as forças políticas que predominam na gestão do Estado e da economia (Burity 2018BURITY, Joanildo. (2018), “A Onda Conservadora na Política Brasileira traz o Fundamentalismo ao Poder?”. In: R. de Almeida e R. Toniol (orgs.) Conservadorismos, fascismos e fundamentalismos: análises conjunturais. Campinas: Editora da Unicamp.).

Conjugalidade e o papel central da mulher na família

Nas alocuções dos pastores e bispos da Igreja Universal na “Terapia do Amor”, rito que priorizamos na obtenção dos dados para esta pesquisa, o empenho dos sujeitos na constituição da família nuclear é evocado constantemente como evidência de convenção com Deus. Para isso, como destacado, se espera a observância de certa performatividade nas condutas. A submissão feminina e a promoção de um pretenso “cuidado de si” da mulher orientado à satisfação do marido e ao sucesso familiar recebem especial atenção nas prédicas.

Nessa conjuntura, há uma oferta de inúmeros cursos direcionados às mulheres que participam desses rituais para que possam desenvolver as especificidades do chamado “amor inteligente”, para que a “família de Deus” atue em conformidade com as premissas da família iurdiana. A métrica da heterossexualidade é reivindicada dinamicamente como evidência irrevogável da presença de Deus, bem como compete às mulheres, essencialmente, a busca pela preservação da família, para que não seja destituída pelo divórcio.

Os pastores orientam e até mesmo incentivam a prescrição da castidade até o casamento, como sendo uma norma tanto para os solteiros quanto para os divorciados. Essas alocuções empreendem a instauração da família como centralidade da convenção dos sujeitos com Deus. O líder da Iurd, bispo Edir Macedo, propôs em alguns de seus livros destinados à família, tais como O Perfil da mulher de Deus (Macedo 2017), O perfil do homem de Deus (Macedo 2012a), O perfil da família de Deus (Macedo 2012b), dentre outros, uma peculiar doutrina sobre a mulher, a quem cumpre o encargo de proporcionar condições que resultem não só na preservação do casamento, mas também, precipuamente, no êxito da família e do marido. “O sucesso de um homem, não importando a profissão que exerça, depende muito da mulher que faz parte da sua vida. Ela é, na verdade, corresponsável tanto pelo seu sucesso quanto pela sua desgraça” (Macedo 2017:12). A mulher, segundo o bispo:

É quem edifica a sua casa, cabe à mulher a responsabilidade da estrutura básica do seu lar. É a mulher que cuida da casa, providencia o alimento para as crianças, lava a roupa, enfim, cuida de tudo o que se relaciona aos membros da sua família (…) O ministério da mulher de Deus é cuidar do marido, dos filhos e da casa. (Macedo 2017MACEDO, Edir. (2017), O perfil da mulher de Deus. Rio de Janeiro: Unipro Editora .:70-77)

Uma de nossas interlocutoras, que frequentava assiduamente o Templo de Salomão, em São Paulo/SP, revela como essa racionalidade que atribui responsabilização e papel suplementar à mulher é assimilada pelas convertidas:

Aos poucos, você vai entender e aprender que a sua salvação e de toda a sua família dependem de você. Por isso, não desista, caso haja perseguições dos seus pais (sic) e amigos, que certamente vão estranhar a nova maneira como você vai viver a vida: para Deus, atraindo toda a sua família para o altar e com os cuidados com você mesma. Eu vou te passar passo a passo, como você deve agir para que aprenda a ser uma mulher de Deus (sic). (Estela)12 12 Transcrição de gravação realizada em outubro de 2018.

A perspectiva apresentada por Estela demonstra a presunção de encargos naturais e primordiais da mulher, que operacionaliza ações em nome do “amor” à família, suscitando sua função de gestora da estabilidade de seu cônjuge e demais membros da família. Tal escopo coaduna com o papel de mediação feminina formulada por Birman (2010BIRMAN, Patrícia. (2010), “Mediação feminina e identidades pentecostais”. Cadernos Pagu , n. 6-7: 201-226.), no qual às mulheres é assignado o comprometimento da preservação de toda a família. Compete à mulher as tarefas domésticas, a submissão ao marido e a educação dos filhos, caso os tenha.

As mulheres que participam do rito da “Terapia do Amor”, tanto em Vitória/ES quanto no Templo de Salomão em São Paulo/SP, buscam auxílio terapêutico da igreja para a resolução de questões que envolvam suas aflições na vida cotidiana. Entre elas, pode-se mencionar questões relacionadas à esfera familiar, como a busca por um parceiro; a atuação da mulher no que tange à conversão dos seus familiares; a busca de cura de enfermidades; as práticas relacionadas a determinados cuidados de si, como a estética e as finanças; a busca da prosperidade; a pugna contra o divórcio, entre outros.

Nas prédicas da Iurd pela passividade da mulher e seu papel-chave na preservação da família, encontramos até mesmo a tolerância à violência doméstica e a relacionamentos abusivos para se evitar a dissolução conjugal. Quando, em momento posterior a um culto na Catedral da Iurd em Vitória/ES, a pesquisadora comentou que era divorciada à interlocutora Olívia,13 13 Codinome escolhido para a interlocutora. a conversa que se seguiu foi emblemática ao revelar a capacidade da igreja em produzir uma subjetivação subserviente nas mulheres:

Olívia: Por que você chegou a esse ponto [de divorciar-se]? Há muitos anos na minha vida, eu estava tão destruída que eu tive que vir para a igreja. Eu estava uma frangalha! E você pode perguntar: por que, Olívia? E eu te digo: sou casada, né (sic)? [E questiona:] Quando foi que você se divorciou? Pesquisadora: Há dois anos. Olívia: E só agora você vem buscar um companheiro? Pesquisadora: Não sei se quero um novo companheiro. Olívia: Sabe quantas vezes eu tive que mandar meu marido para fora de casa? Todos os dias durante cinco anos. Meu esposo Paulinho é grosso, me batia muito, bebia e usava drogas, agora, graças à igreja ele mora comigo como amigo. Somos casados, mas sem relações sexuais, porque é da vontade de Deus que não haja divórcio! E eu estou aqui, orando pela vida dele. E ele não aceita o divórcio também! Meu marido saiu da fé, e eu permaneci, e, quando ele saiu, todas as desgraças recaíram sobre nós. Ele me agrediu, se drogou, me traiu e agora ele não frequenta mais a igreja, mas eu frequento e faço as campanhas de oração e sacrifício por nós dois.14 14 Transcrição literal de áudio gravado em setembro de 2018 no rito “Terapia do Amor”, na Catedral de Vitória-ES.

Importante destacar como a gravidade da violência doméstica é assimilada por Olívia, que parece conferir a esse tipo de conduta masculina certo caráter de normalidade ou, ao menos, tolerância e aceitabilidade. Não será por menos, dada a pregação do bispo Edir Macedo, acompanhado por seu séquito, sobre o tema: “Se ele a agredir, não revide. Não fale mal dele para ninguém, muito menos comente os seus erros! Veja-o com bons olhos, repare o seu lado bom e as suas virtudes. (…) Você deve se manter calada e confiar que Deus irá defendê-la!” (Macedo 2012a:50-51). E a pregação segue, sobre relacionamentos abusivos, no livro O perfil da família de Deus: “Caso o cônjuge seja ‘endiabrado’: se for mulherengo; bêbado; perverso; malcriado? (...) De que modo conviver com tal situação? Você diz para si mesma que vai à igreja, ora pelo marido e parece que quanto mais ora, pior ele fica” (Macedo 2012b:49-50). O bispo, então, dá as instruções de como a mulher deve agir: “A posição da mulher é a mesma da Igreja: submissa; dócil; bondosa; cheia de amor e alegria; esperando por seu marido assim como a Igreja espera pelo Senhor Jesus” (Macedo 2012b:42).

Neste contexto, Campos (1997CAMPOS, Leonildo Silveira. (1997), Teatro, templo e mercado: Organização e marketing de um empreendimento neopentecostal. Petrópolis: Ed. Vozes.) levanta a pertinente questão: “Se o pentecostalismo é tão cruel com as mulheres, por que elas se constituem como a maioria em suas congregações?” (Campos 1997:443). Segundo o autor, há um delineamento ambíguo sobre a atuação feminina, já que, podendo assumir o cargo de obreira, a mulher se concebe valorizada, ao passo que, concomitantemente, sujeita-se à condição de submissão ao marido como uma evidência de comunhão com Deus. Esse paradigma é promovido pelos pertinazes discursos pastorais que envolvem a família e o encargo da mulher no recôndito do seu lar. Assim, os discursos são lidos pelo autor como “uma tentativa frustrada de conciliar modernidade e arcaísmo” (idem). Sá (2018SÁ, José Felipe Rodriguez. (2018), O mito familiar da Igreja Universal do Reino de Deus. Salvador: Dissertação de Mestrado em Família na Sociedade Contemporânea, Universidade Católica de Salvador.) também indaga sobre a ampla participação do público feminino na Iurd: “Esses preceitos bíblicos levam-nos a uma questão que é tanto paradoxal quanto inevitável: como é que uma igreja tão misógina tem um rebanho onde dois terços são de mulheres?” (Sá 2018:55). Isso posto, cumpre destacar que, conforme o Censo de 2010,15 15 https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html Acesso em: 17/03/2021. as mulheres representam 55,7% da população “evangélica” do país, com um contingente de 42,3 milhões de pessoas.

O arranjo familiar que emerge tem como fulcro, paradoxalmente, a mulher simultaneamente submissa e agente da salvação da família. A mulher deve apresentar-se como esposa dócil e submissa ao marido, mas tem papel fundamental em engendrar a prosperidade do seu lar. Quanto a essa centralidade da mulher no âmbito familiar, Machado (2005MACHADO, Maria das Dores Campos. (2005), “Representações e Relações de gênero nos Grupos Pentecostais”. Revista Estudos Feministas, v. 13, n. 2: 387-396.) postula que:

As mulheres quase sempre associam suas escolhas religiosas com as desavenças familiares e as necessidades - materiais e espirituais - do grupo doméstico. Em outras palavras, enquanto os homens procuram a comunidade religiosa em situações que põem em ameaça a identidade masculina predominante na sociedade, as mulheres se colocam como guardiãs das almas de todos que integram a família, buscando os grupos confessionais sempre que um dos seus familiares se mostre em dificuldades. Nesse sentido, as qualidades alocadas ao gênero masculino no sistema hegemônico de representações parecem distanciar os homens das prescrições religiosas de uma forma geral e, em especial, do ethos pentecostal, enquanto os atributos femininos favorecem as experiências das mulheres com o sagrado e os vínculos com as comunidades religiosas. (MACHADO 2005MACHADO, Maria das Dores Campos. (2005), “Representações e Relações de gênero nos Grupos Pentecostais”. Revista Estudos Feministas, v. 13, n. 2: 387-396.:389)

Segundo Machado (2005MACHADO, Maria das Dores Campos. (2005), “Representações e Relações de gênero nos Grupos Pentecostais”. Revista Estudos Feministas, v. 13, n. 2: 387-396.), os homens tendem mais à conversão religiosa quando se sentem ameaçados em sua masculinidade. Encontram nos átrios religiosos o reconforto e consolidação do papel social patriarcal que se assenta sobre a métrica do protagonismo masculino. Como destacado, na racionalidade iurdiana, a mulher é colocada na condição importante, porém subordinada, da função de servir ao marido e à família, cabendo-lhe a responsabilidade do êxito familiar, entendido principalmente como prosperidade econômica e indissolubilidade do matrimônio.

Indissolubilidade do matrimônio e submissão da mulher

A subordinação da mulher ao marido, na racionalidade iurdiana, vai para além da tolerância ao abuso e à violência. Se complementa com sua condução das tarefas domésticas, cuja função primordial se explicita em atender ao bem-estar do marido. O pastor Davi, da Iurd em Vitória, expõe em culto: “Quer um marido que te acompanhe na igreja? Comece a cozinhar para ele! É assim que se faz!”16 16 Transcrição de gravação do rito “Terapia do Amor”, realizado na Catedral de Vitória (ES), em setembro de 2018. Tal sermão corrobora com as prédicas do bispo Macedo (2012bMACEDO, Edir. (2012b), O perfil da família de Deus. Rio de Janeiro: Unipro Editora .), que não se furta em especificar como a esposa deve proceder:

Em primeiro lugar, você deve olhar para o seu marido como se ele fosse o Senhor Jesus, tendo uma visão dele como se fosse o próprio Salvador. Se você tiver essa visão, naturalmente tomará atitudes compatíveis. Obviamente isso fará com que as suas atitudes caseiras em relação a ele sejam muito bem recebidas. Faça seu prato predileto; deixe sua roupa muito bem lavada e passada; arrume seus pertences pessoais em seus devidos lugares, mantenha a casa limpa; enfim, administre a casa de acordo com o gosto dele. Isso o fará ver o quanto você é virtuosa. (Macedo 2012bMACEDO, Edir. (2012b), O perfil da família de Deus. Rio de Janeiro: Unipro Editora .:49-50)

Nesse discurso é factível localizar uma constituição paradoxal da mulher como fulcro das atuações tanto de Deus quanto do Diabo, pois na Iurd as mulheres perfazem a maioria dos sujeitos religiosos em que a manifestação demoníaca ocorreria. Macedo (2012bMACEDO, Edir. (2012b), O perfil da família de Deus. Rio de Janeiro: Unipro Editora .) reitera tal asserção ao postular que, desde a fundação do mundo, a mulher é alvo do domínio do mal por ser mais emocional, assim, o diabo a usa e se manifesta através dela procurando a dissolução do projeto da família de Deus, usando-a para disseminar o pecado por meio das entidades demoníacas.17 17 Diante dessa ambivalência, importante conferir o trabalho de Kamp (2016) situando a violência que pode significar o processo de conversão de mulheres moçambicanas à Iurd. A constituição da família que contemplaria o plano familiar de Deus por meio da blindagem do casamento é ameaçada pelo adultério, que ocorreria com mais frequência, como anteriormente citado, quando a mulher não se dispõe a satisfazer os desejos sexuais do marido. Isso ocorreria também quando ela não se inclina à submissão da liderança do seu cônjuge. Mais uma vez, o caráter emocional da mulher é evocado como fomentador dessa disfunção no matrimônio que a condiciona ao lugar de submissão em relação ao marido, que é o seu lugar adequado, na medida em que esse respeito à hierarquia conjugal resultará no sucesso da família-empresa.

A pugna contra o divórcio é considerada fundamental para atender à vontade de Deus. Em um dos ritos da “Terapia do Amor”, ouvimos o pastor Davi atribuir um caráter demonizante ao divórcio. Assim, os casais que engendram tal separação estariam sob a égide maligna do Diabo. Em um momento em que os casais são convidados a se dirigirem à frente do altar, o pastor predica:

Para que Deus possa entrar na vida de uma pessoa, o mal tem que sair. Quem tem entrado na vida das famílias para causar a degradação delas é o mal. É o Diabo quem ganha com o divórcio, porque zomba com a cara de Deus, porque foi Deus quem criou o casamento, o divórcio é um tapa na cara de Deus. O mundo hoje começa a disseminar que o divórcio é normal. Saiu uma pesquisa hoje dizendo que as pessoas estão se divorciando mais, e os casamentos durando menos. Por qualquer problema o casal se divorcia, por qualquer briga já querem se divorciar, mas eu profetizo aqui, você não vai fazer parte dessa estatística mais. Nós vamos fazer o procedimento da Libertação porque quem está por trás do divórcio, direta ou indiretamente, é o Diabo. (Pastor Davi)18 18 Transcrição de áudio de culto “Terapia do amor” realizada em dezembro de 2018.

No momento dessas prédicas, casais estavam dispostos próximos ao pastor, e foi possível ouvir laivos e gritos. Neste momento, o pastor Davi pediu que fechassem as portas de acesso ao templo e disse aos obreiros: “Ele está aqui hoje.” E continuou sua oração, vociferando:

Em nome do Senhor Jesus, eu entro na luta dela como eu prometi que iria entrar, nós entramos na luta dela, eu me dirijo a você, espírito causador dessa separação, o espírito que se alojou nesse casamento, nessa família, sai daí agora, em nome do senhor Jesus! [Nesse momento o pastor caminha até uma mulher, supostamente, “endemoniada” e diz:] A troca de espírito vai chegar na tua vida! [E pergunta ao “espírito”:] O que você coloca na mente das pessoas? [E o suposto espírito responde:] Eu trago o passado, eu digo que não vai dar certo, eu digo que se na vida dos pais não deu certo, na vida dela também não vai dar. [Depois de muitos bramidos, a mulher se aquieta].

Na prédica pastoral iurdiana, a frieza no relacionamento conjugal torna um dos cônjuges suscetível a não seguir os ditames da igreja e a se ausentar nos programas e ritos de cunho familiar e relacional, favorecendo a quebra da aliança do casamento e se rendendo a práticas sexuais fora do casamento. Isso valeria tanto para homens quanto para mulheres. Observa-se aí uma íntima conexão, estabelecida pelo pastorado iurdiano, entre conversão religiosa e empreendedorismo familiar. Como recorda Foucault, a monogamia é um antigo preceito da moralidade cristã, que recai sobretudo à mulher, cujo adultério é considerado:

Imoral, desqualificado, na medida em que, estando colocada sob o poder do marido e, de certo modo, fazendo parte dos bens de que ele podia dispor legitimamente, a mulher, caso se entregasse a outro, ia contra essa estrutura jurídico-social que constituía o arcabouço geral não só do casamento, mas também da economia dos prazeres. (Foucault 2016FOUCAULT, Michel. (2016), Subjetividade e verdade. São Paulo: Ed. Martins Fontes .:146)

A mulher recebe múltiplos atributos para se adequar aos encargos familiares visando alcançar o status de “mulher de Deus”. Sua atuação é compreendida como alicerce da família através da adesão a um comportamento de mediação (Gomes 2009GOMES, Edilaine de Campos. (2009), “‘Fé racional’ e ‘Abundância’: família e aborto a partir da ótica da Igreja Universal do Reino de Deus”. Sexualidad, Salud y Sociedad - Revista Latinoamericana, n. 2:97-120.), dedicado às lides da casa, ao marido e aos filhos. Como já destacamos, na Iurd, o papel da mulher ultrapassa os limites privados da casa, que tradicionalmente a cultura patriarcal lhe assigna, para se colocar também no espaço público e no mercado de trabalho. Nas prédicas, no entanto, se evidencia que o sucesso e a prosperidade da família só estarão assegurados caso as condutas da mulher estejam em consonância com os princípios religiosos, da mesma forma com que também ocorre com os homens, sobretudo, naqueles cultos que visam à prosperidade. É necessário que ela tema a Deus e atue de acordo com o que a igreja considera uma mãe atenciosa e uma esposa honrada.

A proposição da submissão feminina direcionada à mulher iurdiana tem sido alvo da mídia. Assim, destacamos reportagem publicada pela Revista Fórum sobre a asserção do líder da Iurd, que, em um culto transmitido ao vivo, afirmou que a mulher só deve estudar até o ensino médio, para que não haja a supressão do protagonismo masculino, pois ao homem é reservado o papel de “cabeça” da família. Com base na sugestiva manchete - “Em show de misoginia e machismo, Edir Macedo diz que proibiu filhas de fazerem faculdade: ‘Quero que minhas filhas casem com macho’”19 19 REVISTA FORUM. “Em show de misoginia e machismo, Edir Macedo diz que proibiu filhas de fazerem faculdade: ‘Quero que minhas filhas casem com macho’”. Revista Fórum, 23 set. 2019 Disponível em: <https://revistaforum.com.br/brasil/em-show-de-misoginia-e-machismo-edir-macedo-diz-que-proibiu-filhas-de-fazerem-faculdade-quero-que-minhas-filhas-casem-com-macho/>. Acesso em: 02/12/2019. -, é possível ilustrar não apenas a generificação das relações conjugais presentes na gramática iurdiana, como também a presença de certa divisão sexual do trabalho, que tem no homem a figura de liderança, e na mulher, a de submissão e até mesmo de autonegação de seus desejos. Diz a matéria:

Em um verdadeiro show de misoginia e machismo, o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus e dono da Rede Record, protagoniza um vídeo que viralizou nas redes sociais dizendo que não permitiu que as filhas, Cristiane e Viviane, fizessem faculdade porque se estudassem seriam “cabeças” da família, e o fracasso seria certo. (Revista Fórum, 2019)

Você vai fazer até o ensino médio. Depois, se você quiser fazer a faculdade, você que sabe, mas até o seu casamento você vai ser apenas uma pessoa de ensino médio. Porque se a Cristiane. Vem cá, Cristiane. Se ela fosse doutora e tivesse um grau de conhecimento elevado e encontrasse um rapaz que tivesse um grau de conhecimento baixo, ele não seria o cabeça. Ela seria a cabeça. Não é isso? E se ela fosse a cabeça, não serviria à vontade de Deus. (Edir Macedo, apud Revista Fórum, 2019)

A asserção quanto à interdição do engajamento acadêmico da mulher se traduz como limitação às aspirações femininas na esfera pública, sobretudo no que se refere à progressão acadêmica e profissional. A mulher não pode se destacar mais que o homem. Essa prédica pode ser constatada no livro O perfil da família de Deus, em que o bispo Edir Macedo (2012bMACEDO, Edir. (2012b), O perfil da família de Deus. Rio de Janeiro: Unipro Editora .) indaga: “Imaginemos, por exemplo, uma mulher que tenha mais idade, mais experiência e cultura, ou que esteja tecnicamente em um nível superior ao do marido. De que maneira ela se submeterá à liderança dele, na vida em comum?” (Macedo 2012b: 24). Quanto à proposição do homem como o “cabeça da família” e a asseveração da submissão feminina tratada como o coração, Macedo (2012b) assevera:

Conforme narrativa bíblica, da costela do homem, o Senhor criou a mulher. Ele poderia tê-la formado da mesma maneira como fez o homem, ou seja, do barro, mas fez a mulher a partir do homem, a fim de deixar evidente a posição dela em relação a ele: submissão à sua liderança (...). O homem é o cabeça, mas a mulher o coração. (Macedo 2012bMACEDO, Edir. (2012b), O perfil da família de Deus. Rio de Janeiro: Unipro Editora .:22-23)

Beauvoir (1970BEAUVOIR, Simone. (1970), O segundo sexo: fatos e mitos. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 4ª. ed.) notou que a submissão feminina idealizada no cristianismo emerge como proposta à mulher para lograr êxito na aproximação com Deus. Assim, a perpetuação hierárquica do homem sobre a mulher satisfaria a vontade do Criador:

Venerando a mulher em Deus, trata-a neste mundo como uma serva: mais ainda, quanto mais se exigir dela uma submissão completa, mais seguramente será ela dirigida para o caminho da salvação. Devotar-se aos filhos, ao marido, ao lar, à propriedade, à Pátria, à Igreja, é sua função. (Beauvoir 1970BEAUVOIR, Simone. (1970), O segundo sexo: fatos e mitos. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 4ª. ed.:274)

Antes de Beauvoir, no final do século XVIII, Mary Wollstonecraft (2016WOLLSTONECRAFT, Mary. (2016), Reivindicação dos direitos da mulher. São Paulo: Boitempo .) já havia antecipado que o “enclausuramento feminino na exclusiva vida doméstica e pela proibição do acesso das mulheres a direitos básicos, em especial à educação formal, (...) fazia delas seres dependentes dos homens, submetidas a pais, maridos ou irmãos” (De Moraes 2016DE MORAES, Maria Lygia Q. (2016), “Prefácio”. In: WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos direitos da mulher. São Paulo: Boitempo.:07). Até hoje, tal domesticação e submissão, ainda que atualizadas, nas conversões iurdianas, com o acesso da mulher ao mercado de trabalho, fomentaria a livre circulação das rudes coerções do homem sobre a mulher, abalando sua autoestima e independência.

Posto isso em tela, é possível localizar certa governamentalização (Foucault 1999FOUCAULT, Michel. (1999), Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Ed. Graal .) da submissão feminina e o consequente fortalecimento do modelo patriarcal, uma vez que a mulher se inclina à certa “arte de governar” seu lar e a certo “governo de si”, já que guarda vínculo com concepções morais fixados na faculdade de governar satisfatoriamente a família. A constituição de tal performatividade familiar atende aos anseios de uma parcela da sociedade, da política e da igreja familista, heterossexual e patriarcal, com base no exercício híbrido de tecnologias e dispositivos pastorais, dispostos à construção de uma forma de ser, de uma subjetivação.

O cuidado de si no assujeitamento da mulher iurdiana

A Iurd dispõe de diversos programas que podemos denominar dispositivos de exercício do poder pastoral, voltados para mulheres que buscam orientar suas condutas em relação aos cuidados com o corpo, a saúde, a beleza, as vestimentas, assim como seu papel no casamento e na relação com o marido. Para Teixeira (2012TEIXEIRA, Jacqueline Moraes. (2012), Da controvérsia às práticas: conjugalidade, corpo e prosperidade como razões pedagógicas na Igreja Universal. São Paulo: Dissertação de Mestrado em Antropologia Social. Universidade de São Paulo - USP.), “tais práticas nos remetem ao conjunto de atividades desenvolvidas pela IURD, centralizadas em uma noção específica de conjugalidade e na formulação de uma ética para o cuidado do corpo e da família que visam estabelecer formas gerais para o convívio no mundo” (Teixeira 2012:128). A pesquisadora enumera diversas atividades voltadas para a mulher, como o programa Godllywood, que reforça as normatividades do binarismo de gênero, oferecendo uma educação feminina submissa que atende aos padrões da “família de Deus”.

No site da Iurd, assim como em seus blogs e podcasts, é possível constatar a presença de tais pedagogias da conjugalidade e, mais especificamente, das pedagogias que engendram a docilidade feminina, que recorrentemente são dispostos. Teixeira (2014TEIXEIRA, Jacqueline Moraes. (2014), “Mídia e performances de gênero na Igreja Universal: O desafio Godllywood”. Religião & Sociedade, n. 34(2): 232-256.) salienta que até a educação postural e o controle do peso compõem tal escopo, visando o que a igreja entende como sucesso da conjugalidade heterossexual: “os sentidos para a produção substancial deste modelo de gênero envolvem, por um lado, a dependência e dedicação a uma relação de conjugalidade heterossexual e, por outro, a autonomia para o desenvolvimento profissional” (Teixeira 2012:239). Quanto ao desvelo da mulher com a beleza, o bispo Macedo (2017MACEDO, Edir. (2017), O perfil da mulher de Deus. Rio de Janeiro: Unipro Editora .) predica que:

Não há absolutamente nada de errado quando a mulher se maquia, arruma o cabelo com adereços, corta, pinta, enfim, faz tudo o que acredita ser o melhor para ter uma aparência bonita. Aliás, é dever de toda mulher, especialmente se ela é de Deus, procurar ter a melhor aparência possível. (Macedo 2017MACEDO, Edir. (2017), O perfil da mulher de Deus. Rio de Janeiro: Unipro Editora .:51)

Figura midiática da Iurd, Nanda Bezerra, em seu livro Mais linda em 40 dias: dicas de beleza para o espírito, a mente e o corpo, apresenta diversos comportamentos a serem adotados pelas mulheres iurdianas para a consecução desse perfil ideal de mulher que agrade a Deus. Dentre vários comportamentos elencados por Bezerra, e que devem ser adotados por mulheres que se pretendem “de Deus”, estão questões como “não rir alto”, ser discreta nas vestimentas, praticar atividades físicas, não ingerir açúcar e outros. Bezerra (2015) propõe uma postura às mulheres: “transforme-se em um novo padrão de beleza para outras mulheres, inclusive para as meninas mais jovens, que estão na idade de procurar exemplos de beleza para seguir” (Bezerra 2015BEZERRA, Nanda. (2015), Mais linda em 40 dias: dicas de beleza para o espírito, a mente e o corpo. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil.:78).

Rago (2006RAGO, Margareth. (2006), “Narcisismo, sujeição e estéticas da existência”. Verve. Revista semestral autogestionada do Nu-Sol, n. 9: 236-250.) acentua que, segundo Foucault, o indivíduo a partir da ótica da individualidade, é instigado cada vez mais à manifestação de si mesmo, daquilo que lhe é mais íntimo e pessoal, bem como a externalizar suas questões mais íntimas, proporcionando um “governo por individualização”. Esse governo de si, no âmbito da micropolítica e da governamentalização da razão de Estado é operado cotidianamente, enleando cada indivíduo a um modelo de conduta e racionalidade em que ele encontra sua identidade (Foucault 2008a, 2010bFOUCAULT, Michel. (2010b), O governo de si e dos outros. São Paulo: Ed. Martins Fontes .). Destacamos os inúmeros testemunhos vistos em campo, onde em uma parte do rito denominado de “palestra”, as esposas dos bispos e pastores são chamadas a falar e os diversos testemunhos de algumas pessoas que se propõem a relatar sobre si mesmas.

Pastor Davi: Como você chegou à terapia? Sara: Cheguei de um relacionamento ruim, totalmente frustrada. Eu não enxergava mais a “Sara” como eu vejo hoje, depois de tantas traições, eu perdi a confiança em mim mesma. Minha irmã me trouxe na Terapia, e Deus falou comigo que eu teria que terminar o relacionamento com ele, eu terminei e comecei a cuidar de mim. Cuidando de mim, Deus foi me reconstruindo. Esse percurso não foi fácil, pois eu buscava nas pessoas aquilo que precisava acontecer primeiro em mim e depois buscar em outra pessoa. Depois de um certo tempo, minha autoestima estava alta, e eu passei a confiar mais em mim e ver que eu não preciso de pessoas para ser feliz, eu preciso é da presença de Deus na minha vida. Eu cheguei mesmo nesse propósito de cura interior mesmo, foi para mim. (SARA)20 20 Nome escolhido aleatoriamente como codinome.

Durante os ritos da “Terapia do Amor”, alguns casais são também chamados a relatar sobre eles, enfatizando que o relacionamento conjugal está sendo transformado depois da frequência do casal no culto. Os solteiros, por sua vez, eram encorajados a falar sobre a preservação da castidade antes do matrimônio, conferindo a esse comportamento um ato de evidência da comunhão com Deus. Contudo, Butler (2015BUTLER, Judith. (2015), Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Ed. Autêntica.) depreende uma condição paradoxal no que se refere a falar de si mesmo, pois, segundo a filósofa, mesmo que a deliberação moral seja o impulsionador de contar sobre si, a própria moralidade se estampa como normativa e definidora de uma performatividade. Assim, a autonomia a que o sujeito supunha ter para expor o que lhe é íntimo também o assujeita a sanções impostas pela própria normatividade da moral.

Evidenciamos isso no discurso proferido por Ester, esposa do pastor Davi, que encoraja as esposas no cuidado com a estética. Sua proposição é que, ainda que inseridas no mercado de trabalho, as mulheres são responsáveis pelas lides domésticas e devem dedicar-se ao desvelo consigo mesmas:

Algo que eu acho interessante quando um homem prova que valoriza a esposa é através de um elogio. Quando você namora, você observa os mínimos detalhes que te fazem admirar a pessoa que você ama, ao passo que quando você casa, os elogios são mínimos. Então é importante o homem valorizar a esposa e demonstrar que está atento a como ela se apresenta. Quanto à mulher, o que acontece? Quando estão namorando, ela se perfuma, se penteia, se mantém arrumada e depois que casa ela relaxa e se justifica dizendo: puxa, eu já tenho filhos, não tem como ser magra como antes. Eu sei também que você pode dizer que já chegou do trabalho cansada e que ainda tem que cuidar das tarefas do lar e ainda se cuidar? Sim. O seu marido espera por isso. (Ester)21 21 Esposa do Pastor Davi.

Em trabalho de campo que realizamos no Templo de Salomão, no momento da fala da esposa do bispo que estava muito bem maquiada e vestida, foi possível perceber em suas palavras o encorajamento às mulheres não só ao cuidado com sua aparência, mas também um discurso que dispõe a mulher como pessoa forte, base do esposo e da família. Com isso, há certa pretensão de atuar como uma espécie de modelo a ser seguido por outras mulheres, inclusive as que estão fora do aprisco iurdiano. Assim, a mulher iurdiana é apresentada como um modelo de mulher a ser seguida na sociedade patriarcal, para além dos muros da igreja ou de sua própria casa, para o bem-estar das “famílias de Deus” dentro da moral conservadora, heterossexual e adaptada ao neoliberalismo.

Verificamos no assujeitamento das fiéis da Igreja Universal à sua moral, um tipo de cuidado de si distinto daquele que Foucault localizou na cultura greco-romana, porém bastante similar ao que se passou a verificar de modo geral na era cristã. Os primeiros se compunham de uma cultura de si mesmo em que o desenvolvimento da liberdade individual era fundamental:

Para se conduzir bem, para praticar adequadamente a liberdade, era necessário se ocupar de si mesmo, cuidar de si, ao mesmo tempo para se conhecer (...) e para se formar, superar-se a si mesmo, para dominar em si os apetites que poderiam arrebatá-lo. Para os gregos a liberdade individual era alguma coisa muito importante (...): não ser escravo (de uma outra cidade, daqueles que o cercam, daqueles que o governam, de suas próprias paixões). (Foucault 2017FOUCAULT, Michel. (2017), Ditos & Escritos Vol. V: Ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária.:262)

Já a partir do Cristianismo, ainda que, segundo o autor, não “pura e simplesmente fruto do cristianismo” (idem), esse cuidado de si passou a ser mal-visto, entendido como uma forma de egoísmo ou de interesse individual “em contradição com o interesse que é necessário ter em relação aos outros ou com o necessário sacrifício de si mesmo” (idem). No cristianismo, a busca da salvação também é uma forma de cuidar de si, mas essa salvação “é realizada através da renúncia a si mesmo” (idem).

As duas formas de cuidado de si têm como resultado certo cuidado na relação com o outro. Na conjugalidade iurdiana, esse cuidado está principalmente voltado para as condutas dos cônjuges para com sua própria família, em que há uma clara sujeição moral que implica condutas a se praticar e outras a se evitar. Certamente as normatividades morais agem sobre os sujeitos levando-os a renunciar àquelas singularidades desviantes da norma, neste caso, das supostas bênçãos divinas. Como demonstramos na evidente submissão ao marido, a mulher recebe especial encargo nesse sentido, limitando-a na possibilidade de “pertencer a si”, como sugeriu Sêneca (apud Foucault 1985FOUCAULT, Michel. (1985), História da sexualidade 3: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Ed. Graal.:70), no que Foucault identificou como “práticas de si” de uma “cultura de si”.

É importante frisar que tais renúncias não são percebidas dessa forma pelos frequentadores mais assíduos dos templos que frequentamos da Iurd. Como sujeitos morais (Foucault 1984FOUCAULT, Michel. (1984), História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal.), a percepção tanto de mulheres quanto de homens, incentivados pelas formas de subjetivação da igreja, é que suas ações estariam direcionadas a atender à vontade divina. Nesse sentido, seriam práticas de si necessárias, em que o sujeito, em sua consciência, estaria de fato cuidando de si e de sua família. Como explica Foucault, acerca das ações morais:

Para ser dita “moral”, uma ação não deve se reduzir a um ato ou a uma série de atos conformes a uma regra, lei ou valor. É verdade que toda ação moral comporta uma relação ao real em que se efetua, e uma relação ao código a que se refere; mas ela implica também uma certa relação a si; essa relação não é simplesmente “consciência de si”, mas constituição de si enquanto “sujeito moral”, na qual o indivíduo circunscreve a parte dele mesmo que constitui o objeto dessa prática moral, define sua posição em relação ao preceito que respeita, estabelece para si um certo modo de ser que valerá como realização moral dele mesmo; e, para tal, age sobre si mesmo, procura conhecer-se, controla-se, põe-se à prova, aperfeiçoa-se, transforma-se. (Foucault 1984FOUCAULT, Michel. (1984), História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal.:28)

Essa formação do sujeito moral é bastante adequada à governamentalização do neoliberalismo nos sujeitos, pois a razão neoliberal propicia certa liberdade de agir ao indivíduo, na medida em que este é estimulado a atuar por conta própria. Evidentemente, isso ocorre dentro de uma racionalidade empreendedora na qual o êxito econômico é buscado inclusive como forma de segurança sobre sua própria existência, já que, no neoliberalismo, isso não caberia ser provido pela sociedade, mas como fruto do esforço do indivíduo e de sua família (Brown 2019BROWN, Wendy. (2019), Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia.). Desse modo, a partir de certa consciência e cuidado de si, o sujeito agiria de forma coerente com esse ideal, que não é imposto coercitivamente, mas construído minuciosamente nas subjetividades, atravessando convicções, desejos e condutas. Essa construção do sujeito, sutil em alguns espaços, é bastante explícita, como vimos, nos discursos e prédicas difundidos e estimulados pela Iurd.

Considerações finais

As formas de atuação da Iurd se revelam como expressivas tecnologias de poder de formação da subjetividade e de gestão das condutas dos sujeitos religiosos, compostas por discursos e práticas pastorais, cujo fulcro constitui a preservação da família patriarcal. O poder pastoral engendra a produção de verdades universais, aqui orientadas pela convenção com Deus na consecução do casamento, do empreendedorismo familiar, da preservação da família e o consequente combate ao divórcio. Tal poder se manifesta como individualizante em que o sujeito opera como sujeito moral em cujo bojo cuida de si e de sua família.

A família patriarcal engendrada pela Iurd não se limita à heterossexualidade e à monogamia, mas à produção de uma família empreendedora, que se pense enquanto empresa, adequando-se de forma assaz favorável ao neoliberalismo que se busca instaurar. Destacamos que, ainda que a família seja o fulcro das prédicas iurdianas, a mulher assume a centralidade neste âmbito, competindo-lhe o planejamento para a preservação da família, a captação de outros membros da sua família à igreja, assim como a subordinação irrestrita ao marido, os cuidados com a casa e com sua estética.

Apesar dessa submissão, que em diversos aspectos a inferioriza e limita o pleno desenvolvimento de suas capacidades, a mulher é situada como a principal agenciadora da prosperidade da família, tendo seu corpo e suas condutas voltados à consecução do êxito financeiro da família. Cabe à mulher empreender, trabalhar, encorajar e oferecer todo apoio que seu marido necessite para também empreender e obter êxito material. Com base em certa combinação da Teologia da Prosperidade com a racionalidade neoliberal, a família iurdiana é concebida tal qual uma empresa, e seu sucesso financeiro seria comprovação de que está sendo conduzida adequadamente, de acordo com as vontades de Deus. Evidentemente, todo esse aparato de poder empregado pela Iurd encontra distintos graus de ressonância nos indivíduos seguidores da igreja, que, em maior ou menor medida, são capazes de modular as normativas em arranjos compostos também por outros referenciais a que são expostos, lhes possibilitando resistir e criar vivências diferentes das incentivadas pelos pastores.

Referências

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  • 1
    Embora a Iurd apresente ampla capacidade de difusão de seus preceitos morais e religiosos sobre as condutas dos indivíduos, é importante destacar que: a) o último censo do IBGE apontou para um decréscimo no número de pessoas que declaram filiação à denominação (https://censo2021.ibge.gov.br/ Acesso em 17/03/2021); b) pesquisas qualitativas que se propõem a acompanhar/dialogar com os/as frequentadores/as da Iurd mostram as diversas possibilidades de arranjos que eles/elas fazem, sinalizando dimensões criativas de agência, resistência e de reflexão dos sujeitos, que modulam suas condutas com base em diferentes referenciais (Machado 2005; Birman 2010; Teixeira 2012; Almeida 2017; Marchesi 2020).

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  • 2
    A Teologia da Prosperidade propaga a asserção de que o fiel a Deus deve ser próspero na esfera financeira, gozar de boa saúde, ser feliz e obter êxito em seus empreendimentos terrenos (Marchesi 2020MARCHESI, Valéria B. S. (2020), A Igreja Universal do Reino de Deus e a tecnologia de produção de sujeitos: Subjetividades, heteronormativas e performatividade familiar. Vila Velha: dissertação de Mestrado em Sociologia Política. Universidade Vila Velha - UVV.:41).

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  • 3
    Por governamentalização ou governamentalidade neoliberal, nos referimos a uma forma de saber, uma racionalidade, uma técnica de governo que perpassa o Estado, a economia das famílias e as condutas individuais. Com o neoliberalismo, coloca-se como basilar o homo oeconomicus, que opera em termos de ganhos e do empreendedorismo de si voltado à produtividade e à formação contínua de capital humano. Ver: Foucault (2008b e 1999).

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  • 4
    Racionalidade neoliberal: para Foucault (2006FOUCAULT, Michel. (2006), Ditos & Escritos IV: estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária .:342) “não há práticas sem um certo regime de racionalidade”, de modo que a governamentalidade (ver nota anterior) se ampara em uma “política da verdade” que molda estilos de pensamento e ações. Na biopolítica, essa razão está voltada para a promoção da vida e da saúde da população, articulando-se com o neoliberalismo ao incumbir ao indivíduo a responsabilidade por si (Foucault, 2008b e 2010aFOUCAULT, Michel. (2010a), Em defesa da sociedade. São Paulo: Ed. Martins Fontes .).

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  • 5
    Segundo a própria IURD, “o nome do projeto é uma junção das palavras em inglês intelligent (inteligentes) e men (homens). Escolhemos esse nome porque além de soar como um super-herói, que todo homem secretamente aspira ser desde criança, ele engloba tudo o que o projeto aspira: formar homens inteligentes e melhores em tudo. Não prometemos superpoderes como levantar ônibus com um dedo, voar ou invisibilidade — mas estamos trabalhando nisso”. Disponível em <https://sites.universal.org/intellimen/>. Acesso em 28 de novembro de 2019.

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  • 6
    Segundo Teixeira (2012:117), “A participação litúrgica das mulheres se restringe a atuação das obreiras, no espaço do templo compreendido como átrio. As obreiras (e obreiros também) trabalham assessorando o dirigente do culto no contato com os fiéis participantes, distribuindo objetos que servem para intermediar a relação do fiel com Deus.”

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  • 7
    De autoria da filha do bispo Edir Macedo - fundador e líder da Igreja Universal, Cristiane Cardoso, e seu marido, Renato Cardoso (Cardoso; Cardoso 2017), o livro é distribuído e vendido pela igreja.

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  • 8
    Transcrição de áudio do culto “Terapia do Amor”, realizado em 20 de setembro de 2018, na Catedral da Iurd de Vitória, Espírito Santo.

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  • 9
    Transcrição de áudio do culto “Terapia do Amor” em setembro de 2018.

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  • 10
    Como atestam acusações judiciais divulgadas pelos jornais. Cf. FOLHA DE S. PAULO. “Ex-pastores dizem que Universal pagou por vasectomias em mutirões: Igreja afirma que decisão sobre cirurgia é dos pastores e que não paga os procedimentos”. Folha de São Paulo, 10 jun. 2019. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/06/ex-pastores-dizem-que-universal-pagou-por-esterilizacoes-em-mutiroes.shtml>. Acesso em: 28/10/2020.

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  • 11
    O aborto é criminalizado no Brasil, salvo em casos específicos previstos em lei. O artigo 128 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, vigente atualmente, estabelece que aborto é considerado legal quando a gravidez é resultado de abuso sexual ou põe em risco a saúde da mulher. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal ampliou a admissão legal da interrupção da gestação para abarcar casos de fetos anencéfalos.

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  • 12
    Transcrição de gravação realizada em outubro de 2018.

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  • 13
    Codinome escolhido para a interlocutora.

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  • 14
    Transcrição literal de áudio gravado em setembro de 2018 no rito “Terapia do Amor”, na Catedral de Vitória-ES.

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  • 15
    https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html Acesso em: 17/03/2021.

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  • 16
    Transcrição de gravação do rito “Terapia do Amor”, realizado na Catedral de Vitória (ES), em setembro de 2018.

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  • 17
    Diante dessa ambivalência, importante conferir o trabalho de Kamp (2016KAMP, Linda Van de. (2016), Violent Conversions. Brazilian Pentecostalism and Urban Women in Mozambique. Nova York: James Currey Publishers.) situando a violência que pode significar o processo de conversão de mulheres moçambicanas à Iurd.

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  • 18
    Transcrição de áudio de culto “Terapia do amor” realizada em dezembro de 2018.

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  • 19
    REVISTA FORUM. “Em show de misoginia e machismo, Edir Macedo diz que proibiu filhas de fazerem faculdade: ‘Quero que minhas filhas casem com macho’”. Revista Fórum, 23 set. 2019 Disponível em: <https://revistaforum.com.br/brasil/em-show-de-misoginia-e-machismo-edir-macedo-diz-que-proibiu-filhas-de-fazerem-faculdade-quero-que-minhas-filhas-casem-com-macho/>. Acesso em: 02/12/2019.

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  • 20
    Nome escolhido aleatoriamente como codinome.

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  • 21
    Esposa do Pastor Davi.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    31 Out 2020
  • Aceito
    21 Abr 2021
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