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Economia moral da saliva: Bolsonaro, Covid-19 e as políticas do contágio no Brasil

Moral economy of saliva: Bolsonaro, Covid-19, and the contagion policies in Brazil

Resumos

Resumo: Este trabalho analisa como a saliva é central para a manutenção de uma “política do contágio” durante a pandemia da Covid-19 no Brasil. Apresentamos como tal fluido/substância se converte em uma importante ferramenta política para os Estados nacionais e seus limites biopolíticos e necropolíticos. Assim, através de discursos e ações de Jair M. Bolsonaro frente à pandemia da Covid-19 e observando seu desprezo por cuidados de higiene e proteção contra o coronavírus, destacamos a correlação entre Estado na condução do vírus e a ascensão de grupos conservadores de orientação religiosa que mobilizam a saliva como um fluido necessário para efetivação de uma economia moral que administra a produção de relações, família, nacionalismo, masculinidades e religião.

Palavras-chave:
saliva; Bolsonaro; economia moral; políticas do contágio; covid-19.


Moral economy of saliva: Bolsonaro, Covid-19, and the contagion policies in BrazilAbstract: This work analyzes how saliva is central to guarantee a “contagion policy” during the Covid-19 pandemic in Brazil. We present how that fluid/substance becomes an important tool for the National States and their biopolitical and necropolitical borders. Thus, focusing on Jair M. Bolsonaro's speeches and actions in the face of the Covid-19 pandemic and observing his contempt for hygiene care and protection against coronaviruses, we highlight the correlation between the State in the conduct of the virus and the rise of conservative groups with a religious orientation. They mobilize saliva as a necessary fluid to enable a moral economy that manages the production of relationships, family, nationalism, masculinities, and religion.

Keywords:
saliva; bolsonaro; moral economy; contagion policies; covid-19


Introdução: controle de substâncias corporais e política

Paul Preciado (2018PRECIADO, Paul Beatriz. (2018), Testo Junkie: sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. São Paulo: n-1 edições .) pontua que a gestão política do corpo, do sexo e das sexualidades passaram a se acelerar a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, no momento em que uma nova política mundial se erguia. Essas transformações derivaram da emergência de um regime político que reconfigurou sistemas de controle do corpo associados a novas dinâmicas do capitalismo em que a subjetividade se tornou cada vez mais controlada por microdispositivos, técnicas de gestão biomolecular e a consolidação da cultura de massa. Esse novo modelo de política mundial inaugurou outra expressão epistemológica do corpo, dos fluidos, das células, dos hormônios e materiais genéticos que, conjuntamente com os aparatos econômicos e políticos, compuseram e foram afetados por um processo de extração, circulação e exploração global. Em função da mundialização desses processos, os Estados nacionais e seus regimes políticos foram se ajustando e se assemelhando a um modelo específico de regulação dos corpos e subjetividades, em que o mercado, com suas imposições sociais e morais, converteu-se em parâmetro para organização do mundo. Nesse cenário, o que se coloca em jogo, segundo Preciado, é o que o autor chama de sexopolítica: um modelo de poder em que as identidades sexuais, os órgãos chamados sexuais, as práticas sexuais e códigos de masculinidade passam a ser elementos centrais para o poder, tornando discursos sobre o sexo e as tecnologias de normalização das identidades de gênero um agente de controle da vida. Na sexopolítica, o corpo e suas partes também se tornam mercadologicamente reguláveis e capazes de produzir identidades, pertencimentos nacionais, noções de pessoa, vida e morte.

Nesse caminho, substâncias corporais como saliva, sêmen, óvulos e sangue, se convertem em alvos importantes do Estado na gestão e manutenção da vida e da ideia de nação, justamente por suas capacidades produtivas de pessoas, relações e conexões em porvir. As definições de pertencimento nacional passam a ser compostas em dimensões fluidas dos contatos corporais e das trocas permitidas ou vedadas de suas substâncias. O surgimento de novas tecnologias capazes de manipular tais fluidos, células e gametas, de produzir materiais sintéticos e de promover a comercialização farmacológica de substâncias corporais e medicamentos incidem em novas regulações coletivas a respeito dos usos possíveis de tais elementos e dos modos desejados ou não de produzir relações e pessoas no caminho de fabricar cidadãos modelares a contexto nacionais específicos.

Importante notar que a Antropologia, especialmente a subárea da disciplina voltada aos estudos sobre parentesco, há muito está atenta às diferentes formas de conectar substâncias corporais e produzir famílias, relações e organizar politicamente grupos e coletividades. Sabemos por uma longa bibliografia que as definições de pertencimento familiar, coletivo e étnico habitualmente passam por noções de partilha de substâncias, de descendência biológica ou de trocas e conexões entre pessoas (Carsten 1995CARSTEN, Janet. (1995), “The substance of kinship and the heat of the hearth: Feeding, personhood and relatedness among Malays of Pulau Langkawi”. American Ethnologist, nº 22 (2): 223-241.; Scnheider 1980SCHNEIDER, David. (1980), American Kinship: a cultural account. New Jersey: Prentice-Hall.; Luna 2004LUNA, Naara. (2004), “Novas tecnologias reprodutivas: natureza e cultura em redefinição”. Revista Campos. Curitiba: UFPR, nº 5(2): 127-156.). É assim que elas se tornam partes relacionadas e intrínsecas umas das outras, como bem define Marshall Sahlins (2013SAHLINS, Marshall. (2013), What kinship is... and is not. Chicago: The University of Chicago Press.) quando fala do parentesco como mutualidade do ser.

Portanto, as formas como substâncias corporais são agenciadas no cenário social não é inventiva do capitalismo contemporâneo sendo parte importante da vida coletiva e da produção de relações que compõem os sentidos de conexão e aproximação e emparentamentos (Howell 2006HOWELL, Signe Lise. (2006), The kinning of foreigners: transnational adoption in a global perspective. London: Berghahn Books.) entre pessoas e grupos. De modo geral, sangue, sêmen e saliva são importantes pilares de como sociedades se constituem e falam sobre parentesco, mas também sobre política e economia (Abreu Filho 1982ABREU FILHO, Ovídio de. (1982), “Parentesco e Identidade Social”. Anuário Antropológico/80, p. 95-118.). De acordo com a antropóloga Janet Carsten (2014CARSTEN, Janet. (2014), “A matéria do parentesco”. Revista R@U, nº 6 (2): 103-118.), as substâncias corporais estão em constante fluxo e intercâmbio, podendo ser acionadas para produzir ou questionar relações que aproximam ou afastam pessoas.

No caminho para que distintas substâncias corporais sejam acionadas para produzir (ou desfazer) relações, os grupos sociais se encarregam de estabelecer regulamentações a respeito de como se deve ou não conectar e produzir relações. A depender do grupo, é o sêmen quem faz pai, o comer junto que faz parente ou o dividir um mesmo útero que consolida uma relação. Em outros tantos casos, é o controle racial e étnico que dá o tom do controle rigoroso das conexões e trocas de substâncias permitidas e legitimadas socialmente. Qual seja o ordenamento em questão, sempre está vigente um controle político dos fluidos corporais e suas capacidades produtoras de relações.

A família parece, portanto, estar sob atenção, e as transformações sociais contemporâneas contribuem para o aparecimento de distintos questionamentos acerca do que é o parentesco, do que são as famílias e sobre como se estabelecem ou devem se estabelecer relações atualmente. As transformações no seio da instituição familiar parecem informar uma crise, vale dizer, em meio a deslocamentos dos modelos tradicionais (marcados pelo peso de uma ordem de mundo imutável escondido sobre a aba da autoridade do patriarca) a família parece estar em desordem. Divórcios, novos casamentos, gestações de substituição, recurso à novas tecnologias reprodutivas e adoções trazem à tona novas formas de se fazer família e traçar laços entre as pessoas a partir do final dos anos 1970 e nos obrigam a repensar as relações parentais e as configurações familiares para compreender a pluralidade de formações possíveis.

Entretanto, esses movimentos não agradam aos grupos conservadores, em especial aqueles religiosos que defendem um formato específico de família como único pilar possível da sociedade. Estes se debruçam especialmente sobre o controle acirrado da diversidade tomando para si o cuidado com o tema da família. Ao mesmo tempo, o controle das substâncias, corpos e o reconhecimento das relações que engendram passam a também corresponder a interesses de mercado. Vão, dessa forma, sendo administrados, em grande medida, pela iniciativa privada que os mobiliza na produção social de indivíduos de acordo com normativas prescritas na ordem social vigente. O controle de substâncias corporais envolve, portanto, um regime mercadológico/econômico de controle do corpo e das subjetividades que consolida um aparato moral/social e sobremaneira político que dita quem e como devem ser os cidadãos nacionais, suas famílias e parentes.

O que queremos dizer com isso não é simplesmente que dispositivos corporais passam, na contemporaneidade, a ser cada vez mais regidos por forças econômicas mais amplas e que incidem sobre regimes morais e sociais conservadores que ditam formas específicas de sociedade, de corpo, de gênero, de raça e de etnia. O que pretendemos discutir neste artigo são os modos específicos como a gestão de substâncias corporais (e suas capacidades de produção de pessoas, relações e pertencimentos) são base de sustentação de uma política nacional de inclinação religiosa colocada em ação no Brasil atual. Essa política, que chamaremos de política do contágio, é acionada especialmente pelo presidente da república, Jair Messias Bolsonaro, em meio a pandemia de coronavírus. Vale dizer, analisamos como o espalhamento de saliva orquestrado por Bolsonaro em meio à crise sanitária global provocada pelo vírus de difusão pelo sistema respiratório, SarsCov-II, tem inúmeras dimensões que relacionam política, nacionalismo, religião, corpo, gênero e sexualidade. Destacamos, portanto, como diferentes eventos são mobilizados pela presidência da república na intencionalidade de promover situações de aglomeração nas quais são realizados pronunciamentos, apertos de mão e confraternizações próximas que permitem o partilhar estrategicamente organizado de saliva e secreções respiratórias entre o presidente e seus apoiadores que se convertem, por meio dessa troca de substâncias, em uma espécie de família nacional/nacionalista de base cristã e viril.

O Estado Nacional e o gerenciamento da bio/necropolítica através da política de contágio

Conforme pontuamos anteriormente, é tarefa dos Estados nacionais se ocuparem de organizar suas fronteiras biopolíticas e necropolíticas. Definem, portanto, os meandros da formulação de políticas voltadas a gestar a vida e a morte das populações que os compõem. Michel Foucault (2008FOUCAULT, Michel. (2008), Nascimento da biopolítica. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes.) utilizou a palavra biopolítica para evidenciar a relação que o poder estabeleceu com o corpo social na modernidade. Ao analisar a transição da sociedade soberana para a disciplinar/biopolítica demonstrou que a primeira versava sobre a decisão da morte, enquanto a segunda se ancora em um modelo no qual a sociedade doméstica os corpos individuais e maximiza a vida das populações e da soberania nacional. A vida da população se tornou alvo, portanto, de governo. Administrar e controlar populações também significa que deixar morrer algumas populações pode ser aceitável. Se adicionamos a este debate a perspectiva de Achille Mbembe (2018MBEMBE, Achille. (2018), Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Tradução: Renata Santini. São Paulo: n-1 edições.), o Estado também se habilita na função de matar o outro como artifício de garantia de sua soberania, assim, tanto a vida (biopolítica) quanto a morte (necropolítica) são negociadas pelo poder. Segundo Preciado (2020PRECIADO, Paul Beatriz. (2020), Aprendiendo del virus. Sopa de Wuhan: Pensamientos contemporáneos en tiempos de pandemia. Editorial: ASPO (Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio).), as experiências históricas das epidemias materializaram ao nível individual as fantasias que dominaram o gerenciamento da vida e da morte de uma população. O autor compreende que as epidemias radicalizam as técnicas bio/necropolíticas ao nível do corpo individual, ao mesmo tempo, as pandemias também servem para estender a toda população nacional medidas de higienização e controle do corpo que antes eram aplicadas somente aos estrangeiros/outros. A pandemia teatraliza uma utopia coletiva de sociedade, externalizando seus “sueños de omnipotência (y los fallos estrepitosos) de su soberanía política” (2020:167).

O corpo, portanto, é o grande lócus para o qual se redireciona a ideia de fronteira para reestruturar o que se imagina como soberania nacional. Com a Covid-19, as políticas de Estado muitas vezes fecharam as fronteiras de seus próprios territórios geográficos e as realocaram ao nível de cada corpo individual. O corpo advém barreira contra o vírus e espaço através do qual outras fronteiras são também administradas, tal como a casa, valorizada como um bunker protetor dos corpos contra os invasores externos e a máscara facial que protege o corpo exposto fora da casa e redefine interditos e brechas de contatos e espaços/substâncias corporais. Dessa forma, a mão, a boca e a casa são elementos sacralizados e proibidos do acesso e do contato comunal. Os rituais de higiene e purificação se aprofundam permitindo que a gestão do vírus crie formas de controle do corpo. Entretanto, à medida que se impõe mundialmente uma série de novas práticas e autocuidados reguladores de uma nova moral sanitária que emerge, Jair M. Bolsonaro, presidente do Brasil, escapa a todas as normativas internacionais conveniadas por organizações de saúde e por pesquisas científicas e despreza a pandemia, recriando-a sob o status de “gripezinha” e assunto menor no país. Muito embora essa estratégia de não reconhecer a gravidade da pandemia tenha sido adotada por Bolsonaro num primeiro momento, logo foi sucedida por uma perspectiva na qual passou a identificar a letalidade do vírus, afirmando: “- Vai morrer gente? Vai morrer gente” (Ferro 2020FERRO,Maurício. (2020), “‘Vai morrer gente? Vai morrer gente’, diz Bolsonaro sobre a Covid-19...”. Poder 360, 20/03/2020. Disponível em: Disponível em: https://www.poder360.com.br/governo/vai-morrer-gente-vai-morrer-gente-diz-bolsonaro-sobre-a-covid-19/ . Acesso em: 22/08/2021.
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). Mesmo pontuando a seriedade da pandemia a partir de abril de 2020, Jair M. Bolsonaro seguiu investindo em um ethos viril de enfrentamento a doença, apostando em cultivar situações de aglomeração e desqualificar a importância da máscara de proteção.

Na gestão da atual crise sanitária, líderes nacionais conservadores da extrema direita, como Bolsonaro, caminham em sentidos tortuosos. Ao demorarem na definição de ações práticas para conter o vírus, ao ironizarem e diminuírem a gravidade da pandemia e as ações necessárias para controlar os fluidos corporais responsáveis por disseminar o coronavírus, contribuem de forma sistemática para espalhar em vez de conter a doença. Ainda que pareça que tais atitudes são apenas consequências de comportamentos levianos, teimosamente reticentes às mudanças impostas pelo vírus, tendo, portanto, pouco peso e sendo, por vezes, até passíveis de risada, argumentamos que eles são centrais na elaboração de uma agenda nacional moral, religiosa e conservadora que visa perpetuar-se no poder.

Governo Bolsonaro: o neoliberalismo conservador autoritário e religioso da família

Segundo Wendy Brown (2015BROWN, Wendy. (2015), Undoing the Demos: Neoliberalism’s Stealth Revolution. New York: Zone Books.:28), o neoliberalismo é frequentemente interpretado como a representação de um conjunto de políticas econômicas que atuam de acordo com seu princípio fundamental de autorregulação de mercados. Brown informa que a abertura para autorregulação dos mercados tem impactos como a desregulamentação de indústrias e fluxos de capital; diminuição drástica nas provisões e proteções do Estado de bem-estar; bens públicos privatizados e terceirizados; o fim da redistribuição de riqueza como uma política econômica ou social e a conversão de cada necessidade ou desejo humano em uma atividade potencialmente lucrativa. O que significa pensar, por exemplo, em uma lógica social que abarca a financeirização de tudo e o crescente domínio de capital financeiro sobre o capital produtivo na dinâmica da economia e vida cotidiana.

Na sociedade estadunidense, durante os anos 1960 e 1970, a oposição ao comunismo e disputas em relação às práticas liberais, aproximou parte dos conservadores dos neoliberais. Os neoconservadores passaram a compartilhar os mesmos princípios dos neoliberais: defendiam que a intervenção do governo na economia e os programas sociais geravam inflação, endividamento, prejuízos à produtividade e, além disso, debilitavam o trabalho e a inovação. Em resumo, afetavam a produtividade e desestimulavam o país. Nessa perspectiva, o Estado em sua busca obstinada por um igualitarismo pervertido e utópico teria sacrificado o lugar da família, da igreja e da comunidade, enfraquecendo esses laços supostamente naturais. Como consequência desses atos, a juventude passou a valorizar o afeto, a dependência, o uso de drogas, a pornografia e o sexo. Isso provocaria o crescimento da criminalidade e traria o enfraquecimento do Estado Nacional. Portanto, os problemas morais derivavam do Estado totalizante (liberal ou comunista) como indica Roberto Moll (2016MOLL, Roberto. (2016), “Diferenças entre neoliberalismo e neoconservadorismo: duas faces da mesma moeda?” IEEI-UNESP. Disponível em: Diferenças-entre-neoliberalismo-e-neoconservadorismo.pdf (unesp.br). Acesso em: 24/07/2020. ). Por isso, além das tradicionais medidas econômicas, seria fundamental reforçar os valores clássicos ocidentais (ou seja, as epistemologias brancas e heteropatriarcais cristãs de base familista) para reerguer a base normativa para os Estados democráticos neoliberais-conservadores.

Tais ideários expressos anteriormente encontram eco no crescimento de lideranças conservadoras (sobremaneira religiosas) na política, eventos analisados por Melinda Cooper (2017COOPER Melinda. (2017), Family values: between neoliberalism and the new social conservantism. Cambridge, MA: MIT Press.) no contexto norte-americano. Sem querer esticar as análises produzidas por Brown e Cooper para o contexto norte-americano, observamos que o Brasil de Bolsonaro vem seguindo a mesma lógica de aliança neoliberal conservadora. Esse movimento local, Letícia Cesarino (2019CESARINO, Letícia. (2019), “Identidade e representação no bolsonarismo: corpo digital do rei, bivalência conservadorismo-neoliberalismo e pessoa factal”. Revista de Antropologia, nº 62(3): 530-557.) tem chamado de ambivalência neoliberal-conservadora que invade o cenário político (especialmente cibernético) e torna-se base do que chama populismo digital no Brasil contemporâneo. Como a autora aponta, o neoliberalismo navega de modo muito mais confortável que o conservadorismo (especialmente aquele de base religiosa) no terreno das transformações sociais, especialmente no campo das famílias. Todavia, o neoliberalismo investe na família tanto quanto os conservadores sociais (Cooper 2017). Os neoliberais se preocupam com os enormes custos sociais que são produto do colapso da família fordista estável e o fato de que esses custos vão para o governo e o contribuinte, e não para a família privada. Já os conservadores sociais preferem afirmar a família junto à natureza, ditando seus moldes e se agarrando em um modelo único e correto do que se deve defender, política e publicamente, neste terreno.

Assim, uma lógica neoliberal conservadora procura implementar um sistema de valores na produção da subjetividade política e econômica. Uma das principais esferas de reprodução desse modelo de poder maximiza as relações sociais à esfera privada, submetendo as conquistas do Estado de bem-estar social à lógica do mercado. Os neoliberais passam a sustentar a noção de responsabilidade familiar por meio da qual caracterizam a responsabilidade não remunerada das atividades domésticas, de educação (homeschooling), cuidados de saúde e assistência a idosos como pertencentes à família. Enquanto desmanchavam o Estado de bem-estar social, os neoliberais também esperavam que muitas das funções de cuidado previamente exercidas por esse Estado fossem assumidas pelas famílias, na maioria das vezes pelas mulheres, como aponta Melinda Cooper (2017COOPER Melinda. (2017), Family values: between neoliberalism and the new social conservantism. Cambridge, MA: MIT Press.).

A conexão entre neoliberais e conservadores está assegurada por meio dessa perspectiva da responsabilidade familiar. De um lado, para os neoliberais, a família pode ser uma extensão ao livre mercado, enquanto para os conservadores ela é o alicerce da vida social. De todo modo, ela segue preservada e valorizada. Ao defender a família como valor, incorpora-se neste debate uma dimensão religiosa. A religião organiza a reprodução da vida social e a divisão sexual do trabalho, impõe, através dessa economia de valores, o trabalho doméstico não remunerado para as mulheres ao atribuir um regime comum de parentesco e descendência, inspirado em um modelo biológico e heteronormativo naturalizado (porque reprodutivo) de família. Assentada nessa dimensão sagrada/natural, a família patriarcal heterocentrada torna-se inquestionável, transcendente, responsável pela manutenção do bem-estar e da moral cívica e cristã. O nacionalismo captura tais elementos para traduzir a tradição religiosa que defende. A nova direita religiosa que emerge no cenário político brasileiro atual centraliza suas questões na família. Ao transformá-la em uma genealogia coletiva, transfere valores públicos e direitos civis para família ao mesmo tempo em que a carrega enquanto agenda moral para dentro das estruturas do poder. Ou seja, a família torna-se aliada e suporte do livre mercado enquanto a administração pública e suas estruturas de governo e poder advém espaço legítimo da família.

É assim que políticos e a política nacional brasileira engajam-se nas atuais campanhas antigênero, pró-vida1 1 Modo como se autointitulam grupos religiosos contrários ao aborto. e na produção de políticas públicas voltadas à família. Buscam garantir um modelo forte, essencializado e tradicional de família no qual a reprodução não seja separada da heterossexualidade patriarcal. Destarte, tais grupos e campanhas se fixam a uma concepção do parentesco e reprodução como aquela fundada na premissa reprodutiva dada pela dicotomia sexual do par homem (chefe) e mulher como representantes da natureza real ou normal, sendo todas as outras formas de famílias desviantes, preocupantes e não normais.

Segundo Lucas Bulgarelli (2020BULGARELLI, Lucas (2020), “Damares e Guedes são parte do mesmo projeto político”. [Entrevista cedida a Rosana Pinheiro Machado]. The Intercept Brasil, 01/09/2020. Disponível em: Disponível em: https://theintercept.com/2020/09/01/entrevista-lucas-bulgarelli-damares-guedes-conservadorismo/ . Acesso em: 25/11/2020.
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), é especialmente por meio da categoria de família que a agenda antigênero transnacional entra em ação. No Brasil, ela penetra nas entranhas do poder através da ação engajada de juízes, promotores, psicólogos, psiquiatras e igualmente pela forte presença da Igreja Católica e Evangélica na política. Por exemplo, conforme sinaliza João Filho (2020FILHO, João. (2020), “Os superpoderes da Anajure, a associação de juristas evangélicos que quer um Brasil teocrático.” The Intercept Brasil , 18/10/2020. Disponível em: Disponível em: https://theintercept.com/2020/10/18/anajure-juristas-evangelicos-brasil-teocratico/ . Acesso em: 25/11/2020.
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), a Defensoria Pública da União (DPU), órgão federal que assessora juridicamente (e gratuitamente) os mais pobres, transformou a maneira como nomeia seu chefe após a chegada de Jair M. Bolsonaro. Anteriormente, os defensores públicos escolhiam o chefe a partir de uma lista tríplice e a enviavam ao presidente da República, que obrigatoriamente deveria escolher um dos três nomes. Contudo, hoje uma nova etapa foi inserida nesse processo seletivo. Agora, os candidatos precisam passar pela avaliação de uma entidade representativa dos evangélicos, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), cuja fundação envolve, entre outras personalidades, a atual ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. Essa associação é a reunião de uma elite intelectual e financeira que se alinha no espectro evangélico, segundo aponta Luigi Mazza (2020MAZZA, Luigi. (2020), “No reino do poder: o lobby discreto - e cada vez mais eficaz - dos juristas evangélicos”. Revista Piauí. Ed. 169, outubro de 2020. Disponível em: Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/no-reino-do-poder/ . Acesso em: 28/11/2020.
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).

A trajetória política da ministra Damares Alves teve início muito antes de ela trabalhar como assessora parlamentar de Magno Malta, senador pelo estado do Espírito Santo e pastor evangélico, e ser convocada como responsável pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Foi na Anajure que Damares Alves, advogada e evangélica, teve sua formação política e onde participou nos últimos anos de uma série de debates fundamentais a respeito de temas caros às análises que estamos propondo neste artigo, a saber o controle e gestão de substâncias corporais como aspecto significativo de uma biopolítica cristã nacional brasileira. São exemplos dos debates nos quais se engajou a atual ministra: o aborto de anencéfalos, o estatuto de nascituros, a utilização de células-tronco para pesquisa, a possibilidade da eutanásia etc.

Tais discussões tocam na gestão política de células, gametas e substâncias corporais. Como aponta Letícia Cesarino (2007CESARINO, Letícia. (2007), “Nas fronteiras do ‘humano’: os debates britânico e brasileiro sobre a pesquisa com embriões”. Mana, nº 2, vol. 13: 347-380.), embriões, gametas e substâncias corporais passam, muitas vezes, despercebidos das mobilizações sociais, mas não deixam, por isso, de serem alvos de debates e de tentativas de regulamentações legais por parte de Estados e governos. Se seguimos os apontamentos de Judith Butler (2003BUTLER, Judith. (2003), “O parentesco é sempre tido como heterossexual?”. Cadernos Pagu, nº 21: 219-260. ), parece haver, em todos esses episódios de regulações biopolíticas de substâncias corporais, uma preocupação com a reprodução, não somente de pessoas, mas sobretudo da cultura/moral, ou seja, de uma ordem simbólica que possa levar a marca e obter o reconhecimento de determinada nação, sendo, portanto, assunto nacional.

De acordo com Luigi Mazza (2020MAZZA, Luigi. (2020), “No reino do poder: o lobby discreto - e cada vez mais eficaz - dos juristas evangélicos”. Revista Piauí. Ed. 169, outubro de 2020. Disponível em: Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/no-reino-do-poder/ . Acesso em: 28/11/2020.
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), entre todos os ministérios brasileiros, é no Itamaraty que a Anajure tem sido mais bem recebida. O ex-chanceler Ernesto Araújo, católico alinhado às agendas evangélicas, deu suporte às demandas de ajuda a cristãos que sofriam perseguição religiosa, especialmente no Oriente Médio, um dos temas relevantes para a Anajure. Ademais, Araújo sustentou a bandeira da liberdade religiosa como uma política de Estado - contudo defendeu a liberdade religiosa a partir da sua fé, isto é, voltada para os cristãos. No ano de 2019, Ernesto Araújo, em concordância com a Anajure, vetou o uso da palavra gênero pelos diplomatas brasileiros em negociações de organizações multilaterais, como a Organização das Nações Unidas (ONU).

O lobby, na atuação política da Anajure, é central como ferramenta política e vem atuando tanto no Supremo Tribunal Federal (STF), quanto no Congresso Nacional de modo a barrar projetos relacionados a direitos sexuais e reprodutivos, direitos de gênero e sexualidade e advoga em prol de uma agenda focada no conservadorismo cristão. Destacamos que para além do STF, a PGR (Procuradoria Geral da República) e a AGU (Advocacia Geral da União) já possuem fortes aliados à perspectiva política da Anajure.

Segundo informa Mazza (2020MAZZA, Luigi. (2020), “No reino do poder: o lobby discreto - e cada vez mais eficaz - dos juristas evangélicos”. Revista Piauí. Ed. 169, outubro de 2020. Disponível em: Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/no-reino-do-poder/ . Acesso em: 28/11/2020.
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), para ser escolhido como procurador-geral da República, Augusto Aras2 2 Eleito Procurador-Geral da República sem estar entre os nomes da lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República. teve que se curvar às perspectivas da Anajure. Foi o único candidato a assinar a carta de princípios enviada pela organização e, ao fazê-lo, concordou que “a instituição familiar deve ser heterossexual e monogâmica, as doutrinas religiosas não podem ser enquadradas como discurso de ódio e todo homossexual deve ter liberdade para tornar-se paciente em tratamento de reversão sexual” (Mazza 2020:n.p.). Da mesma forma, o ex- ministro da Justiça de Bolsonaro, Sergio Moro, e o recentemente indicado a uma posição no Supremo Tribunal Federal, André Mendonça, mantêm boa relação com a Anajure e se tornaram presenças habituais nos eventos da instituição.

O avanço religioso na esfera da institucionalidade política busca legalizar, legitimar, regular e normatizar os valores cristãos na cultura. As questões de gênero, sexualidade e raça são centrais nesse processo, visto que as técnicas de gestão da vida se operacionalizam no território nacional ao nível de uma anátomo política (Foucault, 2000FOUCAULT, Michel. (2000), Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Tradução: Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, p. 119-120.:119-120), ou seja, são inscritas no corpo individual. É, portanto, por meio do corpo e seus marcadores sociais que a legitimação desses debates (que agora também pertencem às estruturas do Estado) acontece. A transformação desse paradigma político busca eleger alguns corpos como produtores da verdade. A fantasia bio/necropolítica de reconstrução da família branca, heterossexual e cristã busca colocá-la como única célula possível para a unidade econômica de produção, consumo e a matriz do imaginário nacional e nacionalista brasileiro.

Populismo messiânico: o poder da saliva e a Covid-19

A condução política da Covid-19 pelo governo Bolsonaro vem reforçar o estatuto religioso de narrativas que estão em disputa para serem convertidas, sistematizadas e controladas na esfera social. Dentro dessa perspectiva, a orientação religiosa que atravessa uma série de poderes também circula microscopicamente por meio do vírus. O presidente, em sua atuação pública, demarca e expande politicamente uma série de significados e valores sociais próprios à esfera do cristianismo. Um desses valores é o populismo.

Para Marilena Chauí (2004CHAUÍ, Marilena. (2004), “Raízes teológicas do populismo no Brasil: teocracia dos dominantes, messianismo dos dominados”. In: E. Dagnino (org.). Os anos 90: política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense.), o populismo e o messianismo são esferas integradas do poder teocrático. Na matriz teocrática de poder, Deus é a fonte e a origem do poder político. Essa manifestação do poder se fundamenta em alguns mitos fundadores sobre os quais elabora a ideia de que Deus é instrumento e a gênese da política.

Segundo a autora, o primeiro mito populista messiânico versa sobre o governo como a realização da vontade de Deus, a vontade divina. Essa visão propõe discursivamente interpretar o Brasil como expressão de um plano providencial de Deus. Logo, o governante estaria a serviço dele, estando Deus acima do país, e o governante, por sua vez, operacionalizando sua vontade, como no slogan do governo de Jair M. Bolsonaro: Brasil acima de tudo e Deus acima de todos. O próprio presidente Bolsonaro acabou se transformando em uma figura de autoridade religiosa. No livro lançado em 2008, Plano de Poder: Deus, os cristãos e a políticaMACEDO, Edir, OLIVEIRA, Carlos. (2008), Plano de poder: Deus, os cristãos e a política. [S. l.]: Rio de Janeiro: Thomas Nelson Religion Edition., o bispo Edir Macedo conta sobre a importância da tomada e estabelecimento do poder político ou de governo para os evangélicos que deveriam pensar nas vitórias de sua categoria em todos os níveis eleitorais. Nesse contexto, explica, Bolsonaro é visto como representante de certos valores morais importantes a esses grupos e qualquer oposição a ele é vista como sendo feita por “inimigos da fé”.

Na segunda matriz mítica de poder, busca-se reinventar o messianismo milenarista entre Cristo e o Anticristo com a vitória do cristianismo e a instauração do Reino de Deus na Terra. Para Marilena Chauí (op. cit.), essa é matriz sobre a qual se busca significar às classes populares a política como uma luta entre o bem o mal e o que se projeta estar em jogo não é o poder, mas a restauração da justiça e da felicidade no mundo. Essa perspectiva permite pontuar o exercício da dicotomia moral sobre a qual se sedimenta o bolsonarismo, preservando o bem enquanto propriedade da direita que assenta seu sistema de valores em religiões evangélicas e católicas no embate com a esquerda, que, em sua visão, aprofunda o mal na transformação radical do presente.

A terceira orientação mítica procura garantir a visão jurídico-teocêntrica que entende que “o homem” perdeu seu direito ao poder, que pertence exclusivamente a Deus. Entretanto, Deus pode conceder o poder exclusivamente a alguns homens. Portanto, o poder seria um favorecimento divino direcionado para o governante, o que também significa que governar é uma distribuição de favores. O poder conduzido por Deus é orientado para o governante e não diretamente para o povo. Assim, ao ser eleito, o governante representa Deus e sua vontade e não a população. Nessa perspectiva Deus é despótico, a lei se exprime na vontade individual do governante e as questões de ordem pública se tornam privadas, tal como sua própria família. É pertinente lembrar do esforço pessoal do presidente Bolsonaro em tornar sua família parte da máquina do Estado e não negar a eles privilégios.

Finalmente, a última constituinte da mítica nacional, elaborada por Chauí, busca estabelecer o imaginário nacional através de uma visão do paraíso. O paraíso muitas vezes narrado por viajantes e missionários e que fundou a imagem nacional é simbolizado pela exaltação da natureza, da hipersexualidade racializada das indígenas e negras, é marcado pela definição do Sol como signo masculino de fundação de um território utópico onde o calor forja a alegria e a expansividade de seu povo. Esse ideal foi recriado na gestão Bolsonaro. O reino da natureza, a-histórico e pacífico - base da mítica do paraíso - é uma categoria profundamente relacionada a gênero e raça.

Nessa matriz de poder, as figuras femininas são encaradas por meio de fantasias e pontos de contatos, de fronteiras e de orifícios a serem disputados. É a partir da dualidade de gênero que se busca recriar a mística da natureza nacional. A política bolsonarista procura atuar no reposicionamento dessa esfera da mítica nacional. Anne McClintock (2010McCLINTOCK, Anne. (2010), Couro imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colonial Tradução: Plínio Dentizien, Campinas: Editora UNICAMP.) chama de pornotrópicos a experiência colonial de descobrimento do outro como lascivo e passível de ser penetrado e descoberto assim como uma terra virgem. As fantasias de dominação heteropatriarcais das colônias eram assentadas em questões de raça e gênero que com as invasões coloniais passaram a ser materializadas através de uma erótica da violação, em que o estupro passou a se tornar uma das práticas regulares de reafirmação do poder imperial. As fantasias que envolviam a ideia de paraíso, especialmente aquelas associadas ao Brasil, buscavam reiterar esse lugar da sexualidade na formação da utopia nacional sobre quem somos.

O governo de Bolsonaro procura recriar essa mística nacional. A matriz mítico- teocrática da atual gestão elabora a narrativa nacional sob o olhar conduzido pela ortodoxia cristã que encontra na ideia de família e do pornotrópico heterossexual uma ética apropriada para refundar o que se entende como natureza. O mito do paraíso das montanhas, das florestas e do sexo está sendo reinventado para reestruturar novas mitologias da natureza nacional correlacionada à família cristã, ao mito do fundamento reprodutivo heterossexual e à autoridade masculina como única e verdadeira.

Observamos, portanto, a busca atual do fortalecimento e da ascensão de um Estado teocrático fundado sobre a esfera da natureza (família) como uma forma de dominação masculinista das elites conservadoras. Tais elites encontram na narrativa da família uma transferência da responsabilidade do Estado para o espaço privado e, ao mesmo tempo, usam o messianismo como uma narrativa de salvação frente ao mal oriundo de grupos políticos preocupados, por sua vez, com a destruição da família, do bem, do paraíso.

A circulação desses imaginários morais assentados em ideias religiosas garante um espaço privilegiado na hegemonia da cultura, que, por meio de uma rede de informações (muitas vezes falsas), procura acelerar a transformação da esfera simbólica para o real. Esses conteúdos que circulam através das novas linguagens (como as redes sociais) possuem uma matriz profundamente cristã que se traduzem em ideais, valores e se repetem como reiteração da lógica enunciativa.

Saliva, o “sêmen da palavra”: vida, cura e a salvação nacional

O mito messiânico encarnado no próprio presidente, o Jair Messias Bolsonaro, assume força nas práticas e narrativas elaboradas por ele. É exemplo a declaração dada em abril de 2020 em frente ao Planalto da Alvorada, em que o presidente afirma, ao ser questionado sobre o altíssimo número de mortes por Covid-19 no país: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre” (Bolsonaro 2020:n.p.)UOL. (2020), “‘Sou Messias, mas não faço milagres’, diz Bolsonaro sobre recorde de mortes”. UOL, 28/04/2020. Disponível em: Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/04/28/sou-messias-mas-nao-faco-milagres-diz-bolsonaro-sobre-recorde-de-mortes.htm . Acesso em: 22/11/2020.
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.

A pandemia da Covid-19 vem reforçar o estatuto religioso de enunciados que estão em disputa para serem convertidos, repetidos e regulados na esfera social. A circulação e o uso político da saliva caracterizam uma forma alternativa de fazer política: reiterar uma política masculinista de proliferação de substâncias corporais como agentes promotores de relações a partir da palavra do messias.

A importância da saliva desponta na Bíblia através de relatos em que Jesus cura doentes utilizando saliva. Em Marcos 7:33, um surdo que falava com dificuldade é curado pela saliva de Jesus, já em Marcos 8:23, um cego é curado após ter os olhos untados com saliva, e em João 9:1-8, temos a narrativa de situação semelhante:

E, passando Jesus, viu um homem cego de nascença. E os seus discípulos lhe perguntaram, dizendo: Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Jesus respondeu: Nem ele pecou nem seus pais; mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus. Convém que eu faça as obras daquele que me enviou, enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar. Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo. Tendo dito isto, cuspiu na terra, e com a saliva fez lodo, e untou com o lodo os olhos do cego. E disse-lhe: Vai, lava-te no tanque de Siloé. Foi, pois, e lavou-se, e voltou vendo. (Bíblia on-lineBÍBLIA (ON-LINE). Disponível em: Bíblia Online - ACF - Almeida Corrigida Fiel (Disponível em: Bíblia Online - ACF - Almeida Corrigida Fiel (bibliaonline.com.br ). Acesso em: 21/11/2020.
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)

Nessas passagens, a saliva seria indispensável para a cura porque ela indicaria a ação sagrada de Deus através dos fluidos humanos As substâncias corporais de Jesus sugerem e transmitem a ligação entre ele e seu pai, Deus, sendo a saliva santa e expressão material da corporalidade divina. Funciona, podemos pensar, como o santo sudário, pano em que Jesus limpou o rosto antes de ser crucificado e que através de seu sangue, suor e saliva revelaria sua face verdadeira, revelando em consequência a imagem de Deus, haja visto ser Jesus a imagem e semelhança de seu pai. Nesse sentido, a saliva curativa de Jesus, ao agir sobre um doente, o faria através do espírito santo de Deus (que agiria sobre ele e nele). A saliva carregaria a materialidade de Deus e a ação sagrada do espírito santo, implicando entre todos esses elementos uma relação.

Na perspectiva religiosa, a saliva é manifestação da palavra de Deus, ela semeia e fecunda a transmissão das ideias cristãs, ela é o “sêmen da palavra” (Homília Diária on-lineHOMÍLIA DIÁRIA. (2020), “A língua e a saliva que cura: Mc 8:22-26” Disponível em: Disponível em: https://homilia.cancaonova.com/pb/homilia/a-lingua-e-a-saliva-que-cura-mc-822-26/ Acesso em: 28/11/2020.
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). A saliva congrega e dissocia os alimentos e pode simbolicamente significar a cura ou a corrupção, a aliança ou o insulto. Na perspectiva cristã, as curas de Jesus através da saliva (sêmen) geraram/reproduziram como fruto a multiplicação da palavra, vale dizer, a circulação e consolidação do cristianismo como verdade e religião. A expulsão da saliva (sêmen) sob os olhos do homem cego, curando-o, implicou a produção de vínculo entre Deus (pai) e a pessoa (filho) curada por intermédio de Jesus. O ato de cura indica a mudança no status do indivíduo (que antes sofria de algum mal) e aponta para a efetivação da relação com Deus, uma relação de conexão, ou de parentesco, dada através da materialidade, troca, recebimento ou contato com fluidos corporais divinos, como a saliva.

Na Bíblia a saliva supõe a vida, a cura e a salvação. Se a saliva é o sêmen, a fecundação é o ato de cura, e a salvação é a transformação do enfermo em parte do espírito, da matéria e da palavra/família de Deus. Ela fala sobre o processo individual e coletivo da transmissão espiritual, propriamente de ser semeado, mas também de se alimentar cotidianamente de Deus. Fala sobre recebê-lo dentro de você e nutri-lo cultivando seu espírito e a sua palavra, afinal é na boca onde acontecem as núpcias celestes (Homília Diária on-line).

Dessa maneira, a saliva está relacionada a um sistema de transmissão masculinista associado a tradição judaico-cristã. A saliva, assim como o sangue e o sêmen, inscrevem relações de parentesco e família patriarcal na vida social. No Brasil contemporâneo, quando a política nacional avança em direção a reivindicação, institucionalização, legalização e consolidação do cristianismo (especialmente relacionado às tradições neopentecostais) como hegemonia em diferentes aspectos da cultura: a política, a esfera jurídica, o ensino etc. existem e atualizam-se estratégias rizomaticamente administradas para produzirem sentido religioso de conexão e conversão no mundo social.

A Covid-19 estabeleceu novos limites de penetração dos fluidos/substâncias corporais no cenário social. Se sangue e sêmen se tornaram substâncias corporais administradas, controladas e perseguidas durante a epidemia do HIV nos anos 1980 (que aconteceu no momento em que a homossexualidade deixava de ser considerada uma doença, afetando, estigmatizando e tornando abjetos LGBTQIA+, hemofílicos, garotos de programa, prostitutas e usuários de drogas), agora é a saliva que se torna a grande vilã do contágio, do perigo e da contaminação, sendo por isso mesmo controlada.

Desde o estopim da pandemia de coronavírus no mundo, as atenções têm se voltado a uma nova gestão dos fluidos corporais. A saliva e demais secreções bucais converteram-se em responsáveis pela propagação, em níveis acelerados, dessa doença nefasta. Assim, manter o distanciamento social, bem como usar barreiras para conter a disseminação e troca de gotículas e quase invisíveis partículas de saliva e fluidos bucais são indispensáveis no controle da propagação da doença. Nesse contexto, as máscaras faciais aparecem como novas tecnologias de gestão e controle dos corpos dados pela necessidade sanitária de conter a atual pandemia. Ainda que aparentemente simples, o uso adequado das máscaras faciais em ambientes públicos não é uma realidade consolidada. A falta de hábito, o desconforto e muitas vezes o descrédito na letalidade do vírus fazem com que a população em geral tencione a necessidade de uso das máscaras como contenção da partilha de fluidos bucais em espaços públicos.

Em especial, damos destaque ao descrédito constante que Jair M. Bolsonaro faz, não somente da situação pandêmica que enfrentamos, mas sobremaneira do uso da máscara. Visto poucas vezes usando a máscara facial de forma contínua e correta, o presidente foi alvo de severas críticas realizadas por autoridades sanitárias do país e tornou-se alvo de brincadeiras na internet.

Figura 1
Imagem que circulou nas redes sociais ironiza o não uso da máscara pelo presidente.

Para além de negar o peso da pandemia, aliando-se a outros políticos conservadores da extrema-direita, o mau uso que Bolsonaro tem feito da máscara, quando a usa, revela mais que um suposto negacionismo frente à crise de saúde mundial. Indica a construção intencional de um corpo nacional que parece edificar a imunidade a Covid-19 não apenas por meio da possibilidade de não se expor ao contágio do vírus. De forma surpreendente, parece ser justamente seu oposto o mote de investidas presidenciais. É a exposição voluntária ao vírus que vem condicionado regimes morais de corpos nacionais fortes pensados em oposição justamente àqueles corpos abjetos, definidos por Bolsonaro como “maricas”. Há em vigor um projeto moral que visa a consolidação de uma teocracia familiar organizada a partir da formulação de um corpo nacional irmanado e religioso que se imuniza ao se expor a saliva curativa de seu líder ou messias.

No contexto da Covid-19, a saliva, que é uma substância pouco usual para nosso sistema de parentesco e de conectividade entre as pessoas, mas de força na representação religiosa das conexões espirituais, tem sido acionada como motor do processo de construção de um corpo nacional unido e emparentado sob a rédea de uma política religiosa conservadora. A dimensão da saliva é religiosa e curativa, Jesus transforma pela saliva a condição de enfermidade do corpo em sanidade. No mesmo sentido, o uso político atribuído a ela durante a pandemia do coronavírus está relacionado à ideia de cura. Alguns líderes religiosos compreendem a Covid-19 como uma tática do diabo, frente a qual somente a fé em Deus é caminho para a cura, como aponta Edir Macedo. Assim, a Covid-19 passa a significar a transformação da saliva em mal na presença imanente de Satanás. Logo, uma das estratégias de cura religiosa para essa doença, realizada especialmente por setores evangélicos, é a organização de jejuns coletivos que contam com apoio de lideranças importantes das mais variadas denominações religiosas.

Muitas congregações evangélicas consideram o jejum (parcial ou total) uma poderosa ferramenta espiritual na cura de doenças ou de estados demoníacos. Em tal prática promove-se a abstenção da comida e do sexo como forma de mostrar a Deus que o cristão leva seu relacionamento com ele a sério, realizando sacrifícios em seu nome. Jair M. Bolsonaro convocou no início de abril de 2020 um jejum nacional para “sanar à terra” (como diz o cartaz referindo-se à citação bíblica 2Cr 7:14) da ameaça da Covid-19. Bolsonaro corporifica o líder religioso conclamando seu povo para a “Santa Convocação” com um vídeo bastante divulgado em redes sociais com apoio político de importantes lideranças evangélicas.

Figura 2
Imagem distribuída por líderes evangélicos.

Sexo e comida são vetados para que se estabeleça a dedicação exclusiva a Deus. A recusa ao alimento é uma afirmação significativa em todas as culturas e significa a negação de relação. Como vimos, a palavra de Deus penetra pela boca, encontrando na saliva a materialidade fértil que a simbologia do sêmen caracteriza. A cura espiritual pelo jejum, transforma a boca em um espaço sagrado. A boca que contém a saliva e sua simbologia reprodutiva (o sêmen da palavra) deve ser dirigida a Deus na forma de palavra e oração. A saliva da boca em jejum atua como um agente de cura espiritual contra o mal encarnado, nesse caso, a Covid-19. O aspecto coletivo dos eventos de jejum demonstra a necessidade de garantir a transferência da saliva como uma expressão da coesão social e relacional desses grupos religiosos na cura contra o mal. Nesse sentido, não se pode negar o caráter religioso que a transmissão intencional da saliva carrega durante a pandemia da Covid-19.

É certo, desse modo, que as atitudes que ignoram as medidas restritivas de saúde não são amparadas apenas em negacionismo da pandemia. A administração política do vírus e os significados sociais produzidos na relação com ele são conduzidos por diferentes poderes e saberes que atuam na esfera da cultura, mediados por discursos e práticas carregados de moralidade e de valores religiosos que podem se tornar hegemônicos, na medida que disputam um projeto divino de nação por meio de uma política de contágio por coronavírus orquestrada pelo atual governo.

Ao mesmo tempo, a gestão neoliberal da Covid-19 procura substituir a responsabilidade do Estado com a boa condução da pandemia por uma boa condução do Estado na salvação da economia. O boletim Direitos na Pandemia: mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil (2021VENTURA, Deisy; REIS, Rossana. (2021), “Boletim direitos na pandemia: Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no brasil”, nº10. Cepedisa, Conectas (Direitos Humanos). ) menciona que o resultado dessa estratégia orquestrada de disseminação do vírus foi, segundo o Tribunal de Contas da União, uma “opção política do centro de governo de priorizar a proteção econômica” (2021:07). A ausência de uma política de Estado alinhada e sólida prejudicou a ação de combate à pandemia. Tal posicionamento favoreceu a transmissão do vírus e o crescimento no número de casos de infecção no país. O discurso de salvação da economia, largamente defendido, não é senão uma manifestação da gestão neoliberal do vírus, que buscou desregular o controle do Estado até a responsabilização ao nível meramente individual (familiar) e não compartilhado da pandemia.

Do mesmo modo que a orientação política da Covid-19 buscou desregulamentar a centralidade do Estado junto às políticas de saúde coletivas, a orientação conservadora- religiosa da política nacional atuou de modo a espalhar rizomaticamente sua ideologia moral. A saliva e seu sistema de valores reprodutivos, religiosos e conservadores faz o papel de mediadora na gestão nacional da Covid-19. A partir da sua transmissão, se intenciona construir uma aliança e uma relação de irmandade que supõe uma ordem coletiva de parentesco e descendência que atua na proteção e expansão de certo grupo seu, uma comunidade religiosa orientada pela sacralização da vida nacional que combate o vírus com jejum e oração. Desse modo, a religião absorve a cultura e se transfunde em uma cosmovisão que comunga com a ordem da fé cristã-evangélica e do divino. Portanto, a saliva é agente mediadora de uma economia moral e cristã de governo.

Tal moralidade está correlacionada com noções de pertencimento ligadas a gênero. O presidente Jair M. Bolsonaro, por exemplo, refere-se à atitude de enfrentamento coletivo do coronavírus como deixar de ser um país de maricas”CATRACA LIVRE. (2020), “Bolsonaro volta a minimizar mortes por Covid: ‘país de maricas’”. Jornal Catraca Livre, 10/11/2020. Disponível em: Disponível em: https://catracalivre.com.br/cidadania/bolsonaro-volta-a-minimizar-mortes-por-covid-pais-de-maricas/ . Acesso em: 22/11/2020.
https://catracalivre.com.br/cidadania/bo...
. Enfatiza, ainda, a ideia de coragem e força afirmando ser necessário encarar a pandemia de “peito aberto”. Conjuntamente, informa ser o uso da máscara de proteção facial “coisa de viado” (Correio 24 horas 2020CORREIO 24 HORAS. (2020), “Máscara é coisa de ‘viado’, dizia Bolsonaro antes de pegar Covid-19” Correio 24 horas, 08/07/2020. Disponível em: Disponível em: https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/mascara-e-coisa-de-viado-dizia-bolsonaro-antes-de-pegar-covid-19/ . Acesso em: 22/11/2020.
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:n.p.). O espalhamento de saliva tem sido significado e repetido de diversas formas de modo a traduzir o domínio e a transmissão masculina da religiosidade cristã. Logo, o presidente reivindica e difunde o masculinismo através da saliva como parte fundamental para a construção de um modelo de nacionalidade.

O poder nacional, concentrado na figura do presidente, que é assumidamente católico, suporta grande parte de suas perspectivas ideológicas e a aliança política aos setores e lideranças cristãos, especialmente os evangélicos. Em suas performances públicas, incluindo cultos religiosos durante a pandemia, ele habitualmente aperta as mãos de admiradores, abraça-os e tira selfies. Numa imagem escatológica que circulou nas redes sociais, irrompem da boca do presidente inúmeras gotículas de saliva que se transferem em direção ao seu próprio povo, objeto de ação da sua necropolítica individual (além da coletiva, claro).

Figura 3
As partículas de saliva saindo da boca de Bolsonaro.

A semiótica da figura pública de Bolsonaro, aciona como técnica de governo o gerenciamento de uma masculinidade militarizada, altamente viril e vertical, uma heterossexualidade incorruptível e inflexível que se contraria com qualquer forma de desvio de uma conduta estritamente normativa. Esse modelo de virilidade busca, através de práticas discursivas, colocar em oposição a masculinidade certa e a errada. Por correlação, a masculinidade abjeta é a de “maricas” e se aproxima da feminilidade que cuida e se protege do vírus.

Nesse sentido, o espalhamento da saliva é uma pedagogia masculinista que aciona a coragem e a hipervirilidade. Enfrentar o vírus sem máscara, de “peito aberto” e associar isso a força e potência física atlética são esforços para tornar o enfrentamento da Covid-19 uma luta masculina e não um esforço coletivo de conscientização, prevenção e combate a pandemia. Na visão do presidente, a Covid-19 expressa uma disputa de gênero, em que o que está em jogo não é somente uma questão de saúde, mas, sobretudo, a reafirmação de um modelo de masculinidade patriarcal em que o corpo nacional é a ele vinculado na figura paterna do líder/messias/pai. A saliva, no que lhe concerne, se torna um fluido corporal masculino, altamente biopolítico, já que sua administração determina a vida, a cura e a salvação da nação das rédeas do feminismo e da desestruturação da família.

O estatuto religioso da saliva é acionado por Bolsonaro não apenas de forma acidental em seu percurso de enfrentar de “peito aberto” a pandemia. Tem ainda outras dimensões, uma delas é a concretização de um vínculo que se produz entre ele, através de sua saliva, e seus apoiadores. A ausência da máscara e as gotículas ejetadas em suas falas produzem uma forma de emparentamento salvador. Sendo a família ponto central e base moral da sociedade, ao distribuir substâncias corporais, Bolsonaro produz relações, espalha seu material genético/biológico e fecunda o corpo nacional de modo a gestar um “país de fortes”, de “machos” assim como ele supõe ser. A proteção da máscara vista como “frescura” serve como analogia ao preservativo que bloqueia a fecundação e impede a transmissão biomolecular. Nessa perspectiva fortemente influenciada pelo simbolismo cristão, Bolsonaro cura o Brasil do que entende como enfermidade: a feminilização. A gestão da masculinidade viril e da heterossexualidade são partes de sua técnica de governo, em que indivíduos buscam recolonizar imaginários morais sobre a utopia de um mundo masculinista ameaçado por feministas, antirracistas e dissidências sexuais que visam o fim da família.

O exercício do poder não é desprovido de uma perspectiva de gênero (como não é também de raça ou classe). Portanto, vale lembrar que espaços historicamente associados à ação masculina branca e burguesa como a política são constantemente permeados por disputas no domínio das narrativas. Corpos masculinos pautam agendas políticas majoritariamente inscritas nos reforços de seus privilégios de gênero, raça e classe. Da mesma forma, inferem sobre interditos e limitações a corpos femininos e dissidentes das normas de gênero e suas pautas políticas.

O presidente no esforço de manutenção do poder masculino e soberano age como o próprio pênis que semeia, espalha e fecunda o que é estéril, virgem e/ou enfermo. A fábula da mentira da mídia sobre a Covid-19 permitiu que Bolsonaro novamente irrompesse o universo semiótico com seus fluidos corporais, toques e fantasias masculinistas de poder. Ele mesmo é saliva/sêmen que invade as fronteiras do corpo (individual, mas também nacional) e semeia o extermínio em massa (e não a vida como prenunciam os movimentos e comunidades antiaborto). Bolsonaro performa o pênis desprotegido e procriativo que usa a si mesmo ou próprio corpo como arma para a conquista (seja de poder ou de sexo).

O populismo masculinista de Bolsonaro em meio a pandemia

A política patriarcal de matriz religiosa em voga com o governo Bolsonaro tem como efeito produzir um líder populista. O populismo captura a esfera teológica-política através dos mitos fundadores que atuam ideologicamente junto aos grupos dominantes e aos dominados enquanto expressão política do messianismo. Algumas concepções a respeito de populismo podem ser observadas, tal como já sinalizamos, por meio dos apontamentos de Marilena Chauí (2004CHAUÍ, Marilena. (2004), “Raízes teológicas do populismo no Brasil: teocracia dos dominantes, messianismo dos dominados”. In: E. Dagnino (org.). Os anos 90: política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense.). Lembramos que o populismo é um poder que visa ser operacionalizado sem intermediação política, ou seja, um poder que busca deixar de lado as instituições políticas, os partidos e as outras esferas de poder republicano e procura operar numa relação direta com a população, assemelhando-se a uma relação familiar.

O fenômeno contemporâneo das dinâmicas de informação via redes sociais produziu um modus operandi específico que Letícia Cesarino (2019CESARINO, Letícia. (2019), “Identidade e representação no bolsonarismo: corpo digital do rei, bivalência conservadorismo-neoliberalismo e pessoa factal”. Revista de Antropologia, nº 62(3): 530-557.) chama de populismo digital. Essa tecnologia de poder não é somente uma expressão do populismo orientada para o mundo virtual. Antes, significa a desautorização de instâncias tradicionalmente mediadoras de narrativas hegemônicas sobre os fatos, particularmente através das redes sociais.

O populismo de Bolsonaro, sendo em simultâneo transcendente e imanente, se apresenta muitas vezes para além do social, uma vez que busca ser o detentor da lei e do saber recebidos de Deus. Em seu governo despótico (leia-se déspota como o pai de família) e na chefia de seu clã e Estado, Bolsonaro, por meio de sua saliva incontida, transforma a todos em sua família. Seu núcleo familiar figurado por seus filhos herdeiros políticos e apoiadores destemidos dos males da Covid-19 reforçam a influência política do pai enquanto chefe da nação e de seu próprio grupo. Na esfera pública, sua posição de transcendência garante o exercício de seu poder divino e igualmente patriarcal, amparado em um Deus que operacionaliza o poder das suas ideias através da difusão da palavra pela saliva.

Entretanto, a propagação da saliva no contexto da Covid-19 tem a função de seleção e separação entre aqueles desejados e aptos ao pertencimento e aqueles indesejáveis para compor a família nacional. Essa divisão encontra eco na perspectiva do darwinismo social que funciona através de uma seleção das coletividades humanas baseada em perspectivas genéticas. Michael Lowy (2020LOWY, Michael. (2020), “Dois anos de desgoverno - a ascensão do neofascismo”. Instituto Humanitas Unisinos - IHU, 10/02/2021. Disponível em: Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/606674-dois-anos-de-desgoverno-a-ascensao-do-neofascismo-artigo-de-michael-loewy . Acesso em: 14/07/2021.
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/6...
) lembra que o fascismo e suas estratégias eugênicas de reformulação do corpo nacional se utilizou amplamente do darwinismo como fundamento científico para políticas. Conforme aponta Lowy, as políticas de Bolsonaro também recorrem ao darwinismo com fins de seleção social dos mais fortes e resistentes ao coronavírus na pandemia.

Desse modo, a saliva é, para além de sua função de contágio e/ou cura espiritual da Covid-19, negociada como um líquido que transfere e reafirma a masculinidade, sugerindo a concepção de que apenas os mais fortes resistem a uma possível infecção por coronavírus. Nessa medida, o vírus que circula nesta política de contágio organizada poderia agir em uma seleção genética que não afetaria os fortes e másculos, adoecendo apenas aqueles percebidos como fracos e “maricas”. Portanto, o ato repetido que generificar e performatizar passeios públicos sem medidas de segurança à saúde pública, implicam num exercício de transmissão que igualmente atua pela cura espiritual e moral. Dentro dessa perspectiva, haveria a intenção de cura coletiva ou de aprimoramento moral e físico do povo brasileiro, afinal, a seleção dos mais fortes e qualificados no embate com o vírus (mal), transformaria o quadro genético nacional, promovendo gerações supostamente mais másculas e fortes.

A bio/necropolítica voltada ao controle das substâncias corporais insurge justamente contra os usos autônomos de nossos próprios corpos, células, gametas, saliva e sangue. O fazem porque a gestão da vida é fundamental para a manutenção de regimes políticos e ditar qual vida deve pertencer e quais não pertencem ao corpo nacional é parte constituinte do que entendemos no mundo atual como Estado, país, nação e cidadania. Se no campo do parentesco sangue e sêmen contam como articuladores de vínculos praticamente indestrutíveis entre parentes, eles também são responsáveis por transmitir qualidades morais, valores, gostos familiares. No campo da política conservadora e religiosa em tempos de coronavírus, a saliva torna-se produtora de proximidade, de relações e de confiança. É também prova de masculinidade, virilidade e acentua um corpo próximo como marca do nacionalismo atual, responsável pela disseminação de valores religiosos.

Considerações finais

Procuramos analisar neste artigo como, com base na partilha de substâncias corporais, particularmente a saliva, se produz no Brasil a circulação de uma economia moral engajada na produção de conexões e sentidos sociais e religiosos de nação. A partir das ações e falas públicas de Jair M. Bolsonaro, atual presidente do Brasil, notamos que foi acionada, como forma de gestão da pandemia de coronavírus, uma política do contágio que revela uma série de práticas e condutas que foram estrategicamente colocadas em ação para garantir a transmissão do vírus e não sua contenção e controle. Dentro dessa perspectiva, ao trocar fluidos/secreções/substâncias corporais nas aglomerações de contágio promovidas pelo presidente, se produziram vínculos e conexões entre pessoas que podem, em alguma medida, se sentir conectadas, próximas, relacionadas e talvez, pertencentes a uma mesma família nacional e moral, ainda que em um sentido amplo.

Na confecção desses laços de pertencimento e relação entre governante e apoiadores/população no Brasil observamos como a saliva, em uma perspectiva cristã, bíblica, e sobretudo política, pode ter um caráter ao mesmo tempo curativo, reprodutivo e masculino, já que é considerada “o sêmen da palavra de Deus”. Por conseguinte, buscamos entender como Bolsonaro operou nessas três dimensões em sua política de gestão da pandemia e na tentativa de consolidação de um governo que borra as fronteiras entre Estado e religião. Assim, destacamos que o atual presidente não se engajou em medidas científicas voltadas à promoção da saúde e controle da pandemia. Ao revés, acionou como estratégia para tratar a Covid-19 eventos de cura coletiva ligados a igrejas evangélicas, como a Santa Convocação para realização de jejuns curativos, em que prometia, por exemplo, sanar a terra, mobilizando também o que se denomina populismo messiânico. Bolsonaro articulou igualmente a dimensão reprodutiva da saliva, ao espalhar seu material biogenético sobre apoiadores e re/produzir conexão e proximidade entre quem partilhou estas substâncias. Ao mesmo tempo, disseminou continuamente suas mensagens antiproteção e antimáscaras faciais defendendo sua política de contágio. Ao espalhar suas gotículas salivares em toda oportunidade efetiva também garantir uma generificação do espalhamento do vírus. Qualificando a uso da máscara de proteção como “coisa de viado” e defendendo que a pandemia deve ser enfrentada de “peito aberto” atuou de forma intencional na produção de uma masculinidade viril que devia ser marca do corpo nacional forte e atlético capaz de sobreviver ao vírus exclusivamente na força de sua potência masculina divinamente protegida e encorajada.

Portanto, a saliva disseminada pelo presidente atua na regulação moral nacional e na elaboração de novas fronteiras de práticas e condutas éticas que emergem com o fim de controlar e incentivar a transmissão do vírus. O vírus se torna pequeno frente a cruzada pela unificação e emparentamento daqueles que partilham uma mesma ideia, uma mesma agenda moral conservadora e cristã. A saliva do presidente, que vaga solta e confiante, toca aqueles dispostos a conectarem-se nas tramas dessa utopia heteropatriarcal que se pretende instituir no Brasil. Os fluidos e substâncias se tornam produtores de alianças patriarcais e religiosas em potencial, nesse processo os riscos são negociados e agenciados, por vezes dissimulados por falsas informações.

Enfatizamos, por fim, o uso da saliva para o espalhamento da Covid-19 como técnica política de contágio e do governo bio/necropolítico brasileiro. A saliva compartilhada não marca, desse modo, apenas o interesse na disseminação da doença, mas garante que uma série de valores políticos possam ser mobilizados e executados a partir dessa estratégia. Quando Bolsonaro negocia o uso da saliva para promover o que se chama popularmente de “imunidade de rebanho”, ele também se conecta com as diversas facetas que a disseminação da saliva e seus significados políticos carregam: a fantasia do espalhamento do “sêmen da palavra” e suas dimensões reprodutivas e heteropatriarcais, a estratégia populista messiânica que amplia sua figura salvadora encarnada no Messias e a cura do povo brasileiro através de uma prática eugênica oriunda do darwinismo social que compreende que só os fortes (homens viris) irão resistir. Esses elementos combinados consolidam seu sistema ético e estético de ação/nação marcado por uma economia moral de base religiosa sustentada pelo uso político da saliva na contaminação intencional do povo brasileiro com a Covid-19.

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  • 1
    Modo como se autointitulam grupos religiosos contrários ao aborto.
  • 2
    Eleito Procurador-Geral da República sem estar entre os nomes da lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2020
  • Aceito
    19 Ago 2021
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