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Covid-19, comunidades islâmicas, islamofobia

Covid-19, Islam Communities, Islamophobia

Resumos

Resumo: A Sars-CoV2 afetou todos os grupos sociais, de distintas formas, a depender da classe, raça e gênero. As instituições religiosas também tiveram de se adaptar ao quadro caótico. Este artigo delineia o modo como a comunidade islâmica brasileira reconfigurou suas práticas devocionais durante o mês do Ramadan, utilizando, de forma mais sistemática, as redes sociais para manter os fiéis em casa. Também aborda como isso vem sendo realizado nos dias de hoje, com a abertura das mesquitas e salas de oração (mussalas). Destaco que, mesmo seguindo os protocolos, os muçulmanos não estiveram imunes ao enfrentamento da doença, nem a problemas antigos vivenciados fora e dentro Brasil, que envolvem reações islamofóbicas, sobretudo quando se trata da vestimenta usada por mulheres.

Palavras-chave:
Covid-19; comunidades muçulmanas; ramadan; redes sociais; islamofobia.


Abstract: The Sars-CoV2 affected all social groups in different ways, depending on class, race and gender. Religious institutions also had to adapt to the chaotic situation. This article outlines the way in which the Muslim community reconfigured its devotional practices during the month of Ramadan using more systematically social networks to keep the faithful at home and how this is being done today with the opening of mosques and spaces for pray (mussalas). The article also highlights that even following the protocols, Muslims were not immune to facing the disease, as well as, old problems experienced outside and inside Brazil that involve Islamophobic reactions, when it comes to the clothing worn by women.

Keywords:
Covid-19; muslim communities; ramadan; social networks; islamophobia.


Introdução

“Em verdade, com a dificuldade está a facilidade.” Alcorão 94:5

Escrevo este artigo no período em que temos mais de 130 mil mortes por Covid-191 1 Em 21 de agosto de 2021, temos mais de 573 mil óbitos registrado e 25% da população brasileira vacinada com duas doses. no Brasil e na semana em que mesquitas e mussalas islâmicas (salas de oração) abrem para oração de sexta-feira. Ainda não terminamos o ano de 2020, mas já podemos concluir que a pandemia por Sars-CoV2 marcou a vida das pessoas de modo a alterar estilo de vida em sociedade, agregando novos comportamentos e formas de relacionamento social. A intensificação do uso de álcool gel, máscara, lavagem constante de mãos e a falta de sociabilidade marcou um longo período neste ano.

Nos meses de agosto e setembro, o distanciamento social foi sendo flexibilizado, o que sugere que estamos longe de nos afastar dessa crise sanitária que vivemos em nosso país desde março. Mesmo diante de um vírus que transpõe as fronteiras, completamente alheio à própria ideia de território nacional, conforme nos aponta Butler2 2 BUTLER, Judith. (2020), “Judith Butler sobre a Covid-19: o capitalismo tem seus limites”. Blog da Boitempo. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2020/03/20/judith-butler-sobre-o-covid-19-o-capitalismo-tem-seus-limites/. Acesso em: 02/10/2020. (2020BUTLER, Judith. (2020), “Judith Butler sobre a Covid-19: o capitalismo tem seus limites”. Blog da Boitempo. Disponível em: Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2020/03/20/judith-butler-sobre-o-covid-19-o-capitalismo-tem-seus-limites/ . Acesso em: 02/10/2020.
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), ainda assim, ultrapassamos as barreiras que nos “protegem”, ou pelo menos nos dão um pouco de tempo de cuidado até que uma vacina esteja à disposição. Se o vírus não discrimina, tampouco deixa de ser menos lesivo aos mais pobres e pessoas vulneráveis, implementando sempre uma necropolítica nos moldes expostos por Achille Mbembe (Alves; Pereira 2020ALVES, Ygor Diego Delgado; PEREIRA, Pedro Paulo Gomes. (2020), “Da guerra às drogas à guerra ao vírus: necropolítica e resistência na Cracolândia”. Cadernos de Campo, São Paulo, vol. 29: 319-328. ).

Com intuito de amenizar os impactos gerados pelo vírus na sociedade, diversos estados brasileiros decretaram a medida emergencial de distanciamento social, iniciativa que foi seguida por uma cultura de valorização da individualidade como simbologia relativa à segurança. Porém, em conjunto com esse fenômeno, a falta da proximidade gera uma urgência de contato e relações sociais que a princípio seriam potencialmente escassas durante o período. Consequentemente, observa-se o aumento de sofrimentos psicológicos decorrentes do estado de isolamento, sobretudo aqueles causados pela solidão, desamparo frente à situação e estresse por confinamento. O pertencimento religioso surge como forma de apaziguar o descontrole emocional.

A tecnologia se coloca como grande aliada dos indivíduos que seguem rigorosamente as políticas de distanciamento social. Como ferramenta de superação das barreiras espaciais, os aplicativos de chamadas e videochamadas tiveram grande engajamento durante o período de isolamento e seu uso reinventado para saciar as mais diversas necessidades, desde comunicação básica entre parentes e conhecidos às demandas do mercado e, também, das redes de cuidado da saúde mental.

Dentre as esferas afetadas, a cerimônia religiosa sofreu grandes alterações depois de decretado o período de quarentena, por ser um espaço de potencial fonte de contágio. O distanciamento inviabilizou orações de sexta-feira e outros encontros semanais nas mesquitas, trazendo uma nova reconfiguração no mês do Ramadan, período dedicado ao jejum e aos encontros em mesquitas e casa de conhecidos e familiares. Outra preocupação dos muçulmanos se deu em relação ao decreto do governo do estado de São Paulo, que passou a considerar que toda pessoa que morrer durante a pandemia terá enterro como se falecido de Covid-19. Isso inviabiliza o modo de cuidar do corpo de um morto muçulmano, pois prepará-lo para o enterro requer cuidados rituais prescritos pela jurisprudência religiosa, conforme vou expor adiante. Cabe assinalar o pensamento delineado por mim e por Paiva (2019:13), sobre a necessidade de desconstruir saberes e práticas que envolvem as noções de saúde e doença. Quando falamos dessas, estamos também nos remetendo a determinados contextos sociais, formas de lidar com corpo, saúde, doença. Grupos étnicos e religiosos acabam por apresentar singularidades quando se trata dos cuidados com o corpo e seus meandros.

Outro dado que se averiguou durante o período foi o crescimento da islamofobia em países como a França, quando o assunto é o enterro de muçulmanos, além dos novos confrontos com as mulheres que usam niqab. Vestimenta proibida desde 2010 no país, com penalização por multa caso seja descumprida, o caso voltou a ser discutido com o uso de máscara pelos cidadãos franceses, incluindo mulheres que usam lenço (hijab). Porém, como pensar o uso obrigatório de máscaras durante a pandemia e não liberar as mulheres muçulmanas para o uso do niqab? Se a forma de cobertura islâmica segundo políticos franceses dificulta a identificação, o que dizer das diversas máscaras usadas por outros cidadãos? Podemos pensar em um caso de islamofobia?

Este artigo busca responder sobre as formas de potencialização de práticas devocionais islâmicas durante o mês do Ramadan de 2020, no Brasil, atrelado ao modo de atenção ao corpo, à doença e aos mais necessitados. Sendo o mês do Ramadan um período de devoção esperado, pois este viabiliza a sociabilidade entre os muçulmanos, por isso, pergunta-se: como a comunidade se organizou? Como viabilizou suas práticas devocionais? Ademais, como mencionado, chamou atenção as questões externas que afetam as comunidades islâmicas brasileiras, como a condição de mulheres muçulmanas francesas, ou que residem na França e fazem uso do hijab (lenço islâmico) e do niqab redirecionando a discussão sobre o uso das vestimentas religiosas e o uso da máscara concomitante, consubstanciado a ideia de que a política é política do corpo, da fabricação do corpo como salienta Paul Preciado (2020PRECIADO, Paul. (2020), “Aprendendo com o vírus”. [publicado originalmente em El País, em 28 mar. 2020]. AGB-Campinas Disponível em: Disponível em: http://agbcampinas.com.br/site/2020/paul-b-preciado-aprendendo-com-o-virus/ . Acesso em: 07/07/21.
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). Diante de uma crise sanitária, que fabricação do corpo e das práticas devocionais podemos verificar quando se trata de comunidades islâmicas?

Ramadan em tempos de pandemia

Do dia 23 para 24 de abril de 2020,3 3 Como o calendário é lunar, há entendimentos diferentes do primeiro dia do Ramadan, por isso, existem grupos, como os xiitas, que entraram no mês na data de 24 para 25 de abril, assim como ocorreu em países como a África do Sul. os muçulmanos entraram no Ramadan, nono mês do calendário lunar, no qual foi revelado o Alcorão, livro sagrado do islamismo. O jejum do período do Ramadan é o quarto pilar da prática no islã, portanto, uma obrigação religiosa. O Profeta Muhammad dizia que esse é o único ato inteiramente feito a Deus. Manter-se em estágio de obrigação a Deus é fundamental nesse mês. No jejum, os fiéis se abstêm de comida, bebida, sexo, cigarro, ou seja, qualquer ato que quebre a adoração a Ele - antes da alvorada ao pôr do sol, quando é realizada a oração do Magrib, além de buscarem renunciar a maus pensamentos, falta de paciência, discórdias etc. O período do jejum deve ser de reconciliação entre os grupos, famílias, pessoas. Esse é o período em que se aproveita para fazer um balanço do quão muçulmano se é - aquele que se entrega a Deus, que confia nEle, que tem obediência. O jejum é um ato de obediência e adoração.4 4 Conforme documentário Allahu Akbar (Barbosa 2006).

Muitos muçulmanos se referem a esse mês como sendo uma escola. Escola que ensina, sobretudo, a paciência, o desapego a coisas materiais, instrui a dividir comida, a sentir o que as pessoas que têm fome e sede sentem, ensina a retomar a conexão com Deus. Em minha tese de doutorado (Barbosa-Ferreira 2007BARBOSA-FERREIRA, Francirosy Campos. (2007), Entre arabescos, luas e tâmaras - performances islâmicas em São Paulo. São Paulo: Tese de Doutorado em Antropologia Social, USP.) ao escrever sobre o mês do Ramadan, atentei para o fato da suspensão de papéis sociais, como definiu o antropólogo Victor Turner (2013TURNER, Victor. (2013), O processo ritual. Estrutura e antiestrutura. Petrópolis: Editora Vozes.). Esse momento liminar de uma experiência extracotidiana transforma o fiel, que sai renovado desta experiência. Abster-se de algo deixa o fiel em contato com o sagrado, transformando-o cotidianamente durante esse tempo determinado, por isso o Ramadan é o mês de suspensão de papéis, uma reavaliação do ser muçulmano, da sua fé (iman), das suas práticas (ibadah). Esse é o mês da reativação dos laços sociais como define Chouikba (1998)CHOUIKHA, Larbi. (1998), “La modernité au miroir du ramadan télévisuel. Le cas des familles et des citadins de Tunis”. In: S. Ossman (dir.). Miroirs maghrébins: Itinéraires de soi et paysages de rencontre. Paris: CNRS Éditions. Disponível em: Disponível em: http://books.openedition.org/editionscnrs/39972 . Acesso em: 20/7/2021
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, que demonstra em sua etnografia realizada em Tunis que esse período do mês do Ramadan era acionado por uma memória coletiva por meio de programa de televisão nacional, que no dia a dia não é tão valorizado, mas passa a ter um papel central nesta sociabilidade ramadâmica. Néfissa-Paris (1991NÉFISSA-PARIS, Sarah Ben. (1991), “Ramadan 1991. Les pages religieuses des grands quotidiens pendant le Ramadan”. Égypte/Monde arabe, vol. 6. Disponível em: Disponível em: http://journals.openedition.org/ema/456 . Acesso em: 06/07/21.
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) afirma que o Ramadan é um momento de efervescência, que impõe um ritmo próprio à vida dos fiéis, principalmente quando esses passam por momentos atribulados como foi o mês do jejum em 1991, período da Guerra do Golfo. A autora demonstra que o discurso de religiosos e psiquiatras compartilham do mesmo pensamento de que este período estabiliza o emocional, nesse caso, confirma que a ciência vem legitimar o religioso. O psicólogo muçulmano Tamim Mobayed (2020MOBAYED, Tamim. (2021), “The Mysteries of Fasting (Reflections on Al Ghazālī’s Kitāb Asrār al-Siyyām)”. The Research Center for Islamic Legislation and Ethics (CILE) Disponível em: Disponível em: https://admin.cilecenter.org/resources/articles-essays/mysteries-fasting-reflections-al-ghazalis-kitab-asrar-al-siyyam . Acesso em: 22/07/21.
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), analisando a obra de Al Ghazali sobre o jejum, alega que esse pensador muçulmano considera que o jejum transcende os aspectos mais terrenos provocando uma cessação das necessidades corporais, envolvendo-se mais com aspectos superiores do eu (self/nafs). Nesse caso, são positivas as dores que surgem devido aos sacrifícios que são feitos neste mês.

Se por um lado existe a abstinência alimentar, de outro temos a fartura nas comidas das quebras de jejum, chamadas de iftar, que acontecem em mesquitas ou nas casas, com presença de outros familiares e amigos. Há famílias que se organizam para esse mês, agendando com antecedência os jantares (iftar) que vão oferecer em suas residências. Há grupos que marcam para quebrar o jejum na mesquita e ficam juntos durante a refeição e as orações. Em geral, também mudam de mesquita para encontrar outros irmãos e irmãs. Há uma circulação grande nas mesquitas e casas nesse período. É recomendável convidar outros irmãos para quebrar jejum em casa ou pagar seu jantar em algum lugar. Os que não podem jejuar por algum problema de saúde alimentam durante o mês um necessitado. Oferecer um iftar é uma dádiva e alegria para os donos da casa. A caridade é praticada o mês todo (sadaqa). Outro momento de encontro é a reza em congregação, por exemplo, rezar o Tarawih (oração realizada por sunitas como mais uma forma de adoração durante o mês do Ramadan) após a última oração da noite (salat Isha). Na madrugada, os fiéis acordam para o sohur, que consiste em uma alimentação leve, como ingestão de água, antes da primeira oração do dia, o fajr. Nas últimas dez noites do mês, muitos muçulmanos permanecem nas mesquitas em adoração a Deus. Nas noites ímpares, as mesquitas estão lotadas, porque em uma destas houve a revelação do Alcorão, e os muçulmanos acreditam que tudo o que se pede na Noite do Decreto/Destino (Qadr) Deus atenderá: é uma noite que vale mais que mil noites.

O Ramadan de 2020 foi atípico. A crise sanitária provocada pelo novo coronavírus desencadeou desconforto, incertezas e indagações em alguns muçulmanos. Como será o Ramadan? Como o Profeta Muhammad agiria nessas condições que nos impõe a Covid-19? Há um hadith 5 5 Ahadith são as coleções de tradições sobre a vida do profeta Mohammed registradas por seus companheiros e compiladas após a sua morte ao longo dos anos. do Profeta que diz: “Se você ouvir [sobre um] surto de uma epidemia em uma terra, não entre nela; mas se a epidemia surgir em um lugar enquanto estiver nela, não deixe esse lugar.” Essa fala tem sido usada pelos sheiks e divulgadores do islã como forma de respeitar e seguir as prescrições da OMS (Organização Mundial de Saúde), que significam ficar em casa. Outro hadith que complementa o anterior: Aqueles com doenças contagiosas devem ser mantidos afastados daqueles que são saudáveis.

Entretanto e as perguntas sobre o iftar, o Tarawih, os encontros familiares, de amigos-irmãos, tudo isso, como foi realizado? O iftar foi feito com as pessoas com quem se divide a casa, em núcleos familiares, ou de modo desacompanhado, sozinhos, como vivem boa parte dos muçulmanos revertidos ao islã. Estes me contam que sabem o que é passar um Ramadan sem iftar coletivo ou sem mesquita, porque em suas respectivas cidades não existem muçulmanos e, portanto, não há mesquitas. Talvez o confinamento não tenha alterado a rotina religiosa desses muçulmanos, entretanto, para quem se habituou à convivência em mesquita, foi mais difícil aceitar a não convivência em comunidade.

Um dos rituais importantes do islã é o sermão de sexta-feira, a salat jummah, obrigatório aos homens, e o Tarawih já era transmitido on-line, mas neste momento mais restrito do isolamento, era a única forma de contato com o sheik. Na Mesquita Brasil, a maior do país, localizada em São Paulo, estava à frente o Sheik Muhamad El Bukai. Após a oração, este passou a fazer, no período do Ramadan, um encontro com outros sheiks, para refletir sobre esse mês tão importante para os muçulmanos. Na oração, o sheik usava máscara, o que é recomendável a todos que frequentam espaços fora de suas residências. Seguindo as recomendações da OMS e do governo do estado, o Sheik Bukai deu exemplo à sua comunidade, mas, sobretudo, acompanhou as recomendações do Profeta Muhammad, que encorajava a busca de aprendizado religioso, mas sempre aconselhando sobre a necessidade de adotar medidas de precaução básica para estabilidade, segurança e bem-estar de todos os fiéis. Muçulmanos devem se comprometer com a saúde e o bem-estar de todas as pessoas, mesmo que estas não sejam muçulmanas. Por isso, muitos vêm observando as prescrições, as quais são, antes de tudo, religiosas.

Paul Preciado (2020PRECIADO, Paul. (2020), “Aprendendo com o vírus”. [publicado originalmente em El País, em 28 mar. 2020]. AGB-Campinas Disponível em: Disponível em: http://agbcampinas.com.br/site/2020/paul-b-preciado-aprendendo-com-o-virus/ . Acesso em: 07/07/21.
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) chama atenção para gestão política da Covid-19 como forma de administração da vida e da morte desenha os contornos de uma nova subjetividade. Estamos diante de outra forma de controle do corpo, que tem como ideal a não coletividade, a não sociabilidade presencial, mas com define o autor, as “máscaras” também são as redes sociais.

Não tem rosto, tem máscara. Seu corpo orgânico se oculta para poder existir por trás de uma série indefinida de mediações semio-técnicas, uma série de próteses cibernéticas que lhe servem de máscara: a máscara do endereço de correio eletrônico, a máscara da conta do Facebook, a máscara do Instagram. Não é um agente físico, mas um consumidor digital, um teleprodutor, é um código, um pixel, uma conta bancária, uma porta com um nome, um domicílio a que Amazon pode enviar seus pedidos. (Preciado 2020PRECIADO, Paul. (2020), “Aprendendo com o vírus”. [publicado originalmente em El País, em 28 mar. 2020]. AGB-Campinas Disponível em: Disponível em: http://agbcampinas.com.br/site/2020/paul-b-preciado-aprendendo-com-o-virus/ . Acesso em: 07/07/21.
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)

Uma das principais festas da comunidade, o Eid Fitr, Festa do Desjejum, também teve outra configuração. A comemoração do Eid, restrita à família, aconteceu dentro das casas, sem o habitual encontro na Mesquita para um grande e prolongado café da manhã, entrega de presente às crianças e oração especial. É o dia em que se veste roupa nova, se presenteia amigos, se festeja. Em 2020, as famílias acompanharam a oração especial via site da Mesquita Brasil ou outras mesquitas. Os muçulmanos mantiveram seus cumprimentos via WhatsApp ou pelas redes sociais. A sociabilidade não existiu, embora em cidades pequenas as famílias tenham se encontrado para o almoço ou café da manhã coletivo. Mesmo com restrições, algumas pessoas se vestiram para ocasião, fizeram muita comida para comemorar e presentearam suas crianças. O que observei é que as doações foram muito maiores durante o mês: isso ficou evidenciado pela quantidade de cestas e comidas distribuídas e documentadas por pessoas da comunidade. É importante assinalar que a segunda maior festa, Eid Adhha (Festa do Sacrifício), também ocorreu nos mesmos moldes, com um adendo: nesse período ocorre também o Hajj (quinto pilar da prática no Islam) - peregrinação à Meca - e, nesse ano, só muçulmanos da Arábia Saudita puderam realizá-lo, mesmo assim, com restrições.

No Brasil, pude observar que os muçulmanos se voltaram de forma mais intensa ao trabalho voluntário e às ações de divulgação da religião nas redes sociais. Podemos destacar, por exemplo, o trabalho do Instituto 5 Pilares, localizado em São Bernardo do Campo, que arrecadou contribuições para compra de cestas básicas, as quais têm sido entregues em diversas comunidades islâmicas e a pessoas carentes em São Paulo. Também há o trabalho da refugiada síria Razan Suliman, que, durante o mês Ramadan, produziu marmitas para moradores de rua. Além de utilizar sua renda mensal, que ganha cozinhando comida árabe, ela recebeu contribuições de outras pessoas para continuar entregando as marmitas durante certo tempo. Nesse período, sheiks da comunidade xiita fizeram suas contribuições e trabalhos assistenciais, como Sheik Houssein Khalilo, que visitou hospitais, cumprimentando pessoas que trabalham na área de saúde e levando sua palavra de conforto espiritual. O Centro Islâmico do Brasil ainda realizou distribuição de alimentos, além de fazer a divulgação da religião e seguir o papel social de orientar os muçulmanos com os cuidados higiênicos que devem ter. Já o Sheik Taleb Al-Khazraji fez vídeos falando sobre o mês do jejum.

Outro fenômeno que se ampliou muito neste ano de 2020 foram as lives, falas ao vivo em espaço virtual. Essa também tem sido uma das estratégias usadas pelos membros da comunidade islâmica. Vários sheiks tiveram sua presença intensificada nas redes sociais. Muitas lives com pessoas de dentro e fora da comunidade, como tem feito Sheik Jihad Hassan Hammadeh que, de alguma forma, transforma o cotidiano confinado de muitos muçulmanos em um momento mais voltado às práticas devocionais islâmicas. Sheik Rodrigo Rodrigues tem se dedicado a produzir vídeos explicando palavras repetidas pelos muçulmanos com frequência, com ensinamentos sobre o mês do Ramadan e, mais recentemente, realizando aulas para recém-convertidos. A presença desses sheiks nas redes tem se intensificado e contribuído para orientar muçulmanos e para fortalecer a fé diante da adversidade vivida.

Instituições como a Wamy (Assembleia Mundial da Juventude Islâmica) e a Fambras (Federação das Associações dos Muçulmanos do Brasil) têm ampliado a divulgação de material religioso e social em suas redes. A Wamy impulsionou seu trabalho de dawa no Instagram, no qual é possível ouvir palestras curtas do Sheik Ali Abdouni e Sheik Ahmed Mazloum e orientações a todos os muçulmanos, assim como distribuição de cestas básicas. Uma iniciativa individual foi a da muçulmana Fabiola Oliveira, produzindo #ALiveéDelas, na qual entrevistou mulheres muçulmanas durante um mês antes da entrada do Ramadan, formando assim um público que se acostumou a esse tipo de divulgação e retornou após algum tempo, dialogando sempre com mulheres, sejam muçulmanas ou não. A presença de lives femininas também tem sido vista com mais frequência, e isso coopera para uma maior participação das mulheres na comunidade muçulmana - há exposições sobre maquiagem, roupa, jejum, dieta, hijab, comida, religião e cursos acadêmicos, como o que realizei durante o mês de março/abril pelo Instagram,6 6 Perfil no Instagram: @dr_Francirosy_Campos comemorando os 10 anos do lançamento do livro Olhares femininos sobre o islã (Barbosa-Ferreira 2010).

Acompanhei também o relato de mães muçulmanas, que, nesse período de quarentena, se dedicaram mais à educação dos filhos e a ensiná-los sobre o Ramadan e a religião. Há mães muçulmanas que estão trabalhando de forma remota, o que sobrecarrega a rotina da casa, e que nem sempre podem contar com a participação dos maridos. Isso porque são divorciadas ou os maridos estão trabalhando fora de casa. Embora haja o cansaço das rotinas misturadas, muitas me apontam que têm sentido prazer em auxiliar seus filhos nas lições de casa, porque assim conseguem identificar dificuldades que, no cotidiano de mães que trabalham fora, antes não eram perceptíveis, além de aproximarem os filhos da religião. Nesse período que antecedeu o início do Ramadan vi algumas mães decorando suas casas com os filhos, como uma forma lúdica de inseri-los nesse dia a dia especial e ocupar o tempo de crianças com preparativos. Alguns agora ajudam na preparação do iftar. A satisfação de algumas mães sobre o contato mais próximo com seus filhos corrobora o comentário feito pelo Sheik Ali Abdouni, presidente da Wamy, quando lhe perguntei sobre os benefícios de um Ramadan cheio de restrições, como foi o de 2020:

A Covid estava no começo e as pessoas com medo, e todos mais humildes e próximos de Allah. O jejum nos aproxima de Allah. As pessoas estiveram mais próximas de suas famílias para avaliarem os filhos e o comportamento de cada um, e se consertando uns aos outros de erros que talvez não fossem percebidos devido à não permanência com eles. Muitos não tinham chance antes. As súplicas, orações, jejum recitação do Alcorão... Foram mais sinceros devido ao medo que todos tinham. Se apegar na mídia positiva para aprender mais sobre a religião, o tempo livre pra fazer todas essas adorações... [sic]. (Notas de caderno de campo 2020)7 7 Entrevista com Ali Abdouni, São Bernardo do Campo, 20 de maio de 2020, por Francirosy C. Barbosa.

É importante ressaltar que várias atividades on-line permaneceram após o mês do Ramadan. As mulheres ampliaram sua inserção no espaço virtual, não necessariamente como divulgadoras do islã, mas dos seus próprios campos de trabalho. Interessante observar que todas essas mulheres de maior destaque na comunidade também fazem uso do hijab (lenço), e isso remete à religião e a um comportamento religioso prescritivo. As blogueiras mais conhecidas, Mag Halat, Mariam Chami, Vida nas Arábias, Carima Orra e Fabiola Oliveira disputam o espaço, se revezam com venda de produtos, divulgação da religião, hábitos culturais, educação de filhos, entre outros temas, utilizando ferramentas comuns no Instagram.

Os muçulmanos tiveram de aprender com algo que não sabíamos como lidar inicialmente e que ainda é fonte de angústia e preocupação - e pior, os números de mortos sobem a cada dia. Entretanto, muçulmanos me recordavam o tempo todo do seguinte hadith (dito do Profeta), que diz: “Se Deus quer fazer o bem a alguma pessoa, a aflige com tribulações.” O entendimento é que diante de uma adversidade se aprende muito, se reconfiguram atitudes, práticas, formas de sentir e pensar. Percebo que, de modos diversos, a comunidade islâmica no Brasil tem vivido este momento, se adaptado e produzido determinados conteúdos para consolidar os ensinamentos da religião mesmo dentro de casa.

A maioria dos muçulmanos compreendeu a gravidade desse período e procurou seguir à risca todas as determinações. Há muitos(as) médicos(as), enfermeiros(as) e pessoas da área de saúde que são muçulmanos(as) e compõem a linha de frente, trabalhando em hospitais. Alguns deles já contraíram Covid-19. Assim como os profissionais da saúde, sheiks e líderes comunitários também foram contaminados pelo vírus: o líder comunitário César Kaab, incansável na busca de ajuda para sua comunidade, depois de se recuperar (apresentou sintomas do vírus, embora não testado, como a maioria da população da periferia), voltou ao seu trabalho de doação de cestas básicas e orientação às milhares de pessoas em torno da mesquita Sumayyah Bint Khayyat, em Embu das Artes. Durante o mês do Ramadan era comum ver as imagens da comunidade distribuindo jantares (iftar) para não muçulmanos e muçulmanos pobres da região. A mesquita contou com ajuda de entidades islâmicas, mas também com auxílio de pessoas físicas que, por se sensibilizarem com o momento, passaram a ajudar mais. Nos primeiros meses, o confinamento era maior, inclusive nas periferias, mesmo que de forma mais precária, e isso inviabilizou a sobrevivência das famílias que estiveram por muito tempo sem sair de casa. Por isso, a distribuição de cestas pela comunidade Sumayyah e a entrega da comida no período noturno auxiliou muitas famílias a se manterem.8 8 Infelizmente em 26 de maio 2021, a esposa de César Kaab, líder comunitário, veio a falecer de Covid-19. Passados dois meses, a comunidade segue no seu trabalho de acolhimento e na construção de um espaço que leva o nome de Vânia Freire, assim como as realizações sociais realizadas pelo grupo. O falecimento dessa irmã provocou manifestações de pesar de todas as instituições islâmicas e pessoas públicas. Pesquisando comunidades islâmicas há mais de duas décadas no Brasil, confirmo que é a primeira vez que vejo manifestações de grupos diversos de muçulmanos(as) pelo falecimento de uma brasileira muçulmana. A morte de Vânia confirma que as comunidades periféricas são as mais afetadas diante da covid e sinaliza também o quão importante é o trabalho que vem sendo feito por sua comunidade.

Essa é uma pequena parcela de instituições e pessoas muçulmanas que vêm ajudando a mudar a realidade de pessoas neste tempo de Covid-19, somado à crise sanitária e econômica. Todos estão tomando as devidas precauções, mas sabem que quem tem fome não espera, é preciso ajudar aqueles que pouco têm em suas casas, principalmente agora que muitas pessoas perderam seus empregos, e os que trabalham temporariamente também não estão podendo exercitar suas funções como antes, além de toda pressão psicológica vivenciada em momento de desamparo.

Em Curitiba, Sheik Rodrigo Rodrigues não conseguiu se desligar totalmente de suas funções na qualidade de responsável pela mesquita, e com as ações de distribuição de cestas básicas para as comunidades carentes, o contato constante com outras pessoas fez com que ele se contaminasse o vírus meses depois, mesmo tomando todos os cuidados. Perguntei como foi pegar o vírus e o que sentiu nesses dias. Ele me contou o temor que teve.

Muita falta de ar mesmo. Só de ir pro hospital e fazer oxigenação já aparece aquela imagem da TV. Pior é ter que sair escondido para os filhos não verem. Ter que esperar eles dormirem pra poder sair. Porque sair e ver as crianças chorando perguntando se o pai delas iria ser intubado. Foram momentos que nós colocamos em nosso lugar de verdade. Somos servos de Deus. Não possuímos força nem poder de nada. Só com o Alcorão mesmo. Li muito surah al-charh (94). Só queria voltar a respirar. 1 Acaso, não confortamos o teu peito, 2 E aliviamos o teu fardo, 3 Que feria as tuas costas, 4 E enaltecemos a tua reputação? 5 Em verdade, com a adversidade está a facilidade! 6 Certamente, com a adversidade está a facilidade! 7 Assim, pois, quando estiveres livre (dos teus afazeres), continua a prédica, 8 E volta para o teu Senhor (toda) a atenção. Então fazia roqia [evoca palavras religiosas para cura da doença] e SubnaAllah [Deus seja Louvado], teve momentos ali, que eu pensei “Ó Meu Senhor, tudo isso vai passar com todas as pessoas”, e refleti bastante sobre a surata até me acalmar [sic]. (Notas de caderno de campo 2020)9 9 Entrevista com Rodrigo Rodrigues, Curitiba, 2 de junho de 2020, por Francirosy C. Barbosa.

O corpo, a morte, o enterro - a islamofobia

Em minha tese de doutorado, centrei-me no corpo que se entrega a Deus. Essa é a máxima islâmica. Esse corpo entregue deve ser limpo, cuidado, respeitado. Há todo um cuidado na higiene para realização das orações, para o sexo, para o cuidado do corpo pós-morte (Chagas 2015CHAGAS, Gisele Fonseca. (2015), “Rituais fúnebres no islã: notas sobre as comunidades muçulmanas no Brasil”. Religião & Sociedade , Rio de Janeiro, vol. 35, nº 1: 121-138. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-85872015000100121&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 02/10/2020.
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; Barbosa, Paiva 2017BARBOSA, Francirosy Campos; PAIVA, Camila Motta. (2017), “Sexo/prazer no Islam é devoção”. Religião & Sociedade , vol. 37, nº 3: 198-223.; Molina, Barbosa 2017MOLINA, Ana Maria Ricci; BARBOSA, Francirosy Campos. (2017), “A ética sexual no Islam e no mundo ocidental: interpretando o corpo e o sexo”. Reflexão, vol. 42, nº 1: 95-111.).

Como bem escreve Chagas (2015CHAGAS, Gisele Fonseca. (2015), “Rituais fúnebres no islã: notas sobre as comunidades muçulmanas no Brasil”. Religião & Sociedade , Rio de Janeiro, vol. 35, nº 1: 121-138. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-85872015000100121&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 02/10/2020.
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):

[...] A crença de que todos voltarão à vida em seus corpos no Dia do Juízo Final faz com que a cremação, ou outras formas de destino final do corpo que não o seu enterro, seja entendida pelas diferentes tradições islâmicas como uma prática proibida aos muçulmanos. (Chagas 2015CHAGAS, Gisele Fonseca. (2015), “Rituais fúnebres no islã: notas sobre as comunidades muçulmanas no Brasil”. Religião & Sociedade , Rio de Janeiro, vol. 35, nº 1: 121-138. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-85872015000100121&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 02/10/2020.
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:124)

Assim, diante de uma pandemia, vem a restrição de se velar o morto, ou até mesmo “fazer o morto”, como escreve Chagas (2015CHAGAS, Gisele Fonseca. (2015), “Rituais fúnebres no islã: notas sobre as comunidades muçulmanas no Brasil”. Religião & Sociedade , Rio de Janeiro, vol. 35, nº 1: 121-138. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-85872015000100121&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 02/10/2020.
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) em seu artigo. É algo que fica completamente impossibilitado. Muitos me repetiam durante o mês do Ramadan, quando indagados sobre a possibilidade de ter seu corpo cremado: “Deus me livre disso!” No islã, o ritual de cuidado com o corpo do morto envolve um sistema de objetos, substâncias e preces e devem ser realizados por muçulmanos. Sendo mulher, no caso de não ter marido, uma muçulmana poderá cuidar do corpo, e o contrário também é correto. Os corpos são banhados e perfumados, principalmente as partes que envolvem a oração, como a testa, as mãos, os joelhos. O corpo do homem é enrolado em três pedaços de pano, o corpo da mulher é enrolado em cinco pedaços de pano, deixando seu cabelo solto. Nada disso tem sido realizado, por conta da possibilidade de contágio do vírus. O que ainda se consegue em determinados lugares é o enterro em cemitério islâmico, mas sim, não é para todos, porque em algumas cidades não há esse espaço reservado ou um cemitério específico.

A pandemia trouxe ao cotidiano islâmico outra forma de aceitar os rituais, sem perder a essência de devoção para cada um deles. Um corpo islâmico não pode ser violado por se tratar de uma criatura de Deus, por isso, sempre os cuidados com a limpeza corporal. Práticas como lavar as mãos já são do cotidiano islâmico, porque estas são no mínimo lavadas cinco vezes ao dia durante a ablução. Da mesma forma, tirar sapatos antes de entrar em casa e higienizar o espaço onde se realizam as orações. “A limpeza é metade da fé”, diz um hadith do Profeta Muhammad.

Se a limpeza é parte da fé do muçulmano, não se reza sem ter feito ablução - lavar mãos, rosto, antebraço, pés - isso nas cinco orações diárias. Na casa de muçulmanos também é usual não entrar de sapatos. Os muçulmanos procuram ter suas casas limpas, porque rezam sobre os tapetes, e esse espaço deve ser o ambiente mais limpo de suas casas, assim como tais objetos. Em Pureza e Perigo, Mary Douglas (1966DOUGLAS, Mary. (1966), Pureza e perigo. Ensaio sobre as noções de poluição e tabu. Lisboa: Edições 70.) ao estudar aspectos de pureza (limpeza) e perigo (sujeira) em “sociedades primitivas” aponta que o equilíbrio da sociedade está justamente na ordenação desses fatores de pureza/perigo. O sujo é a desordem que deve ser evitada, e isso é muito claro quando observamos a limpeza/pureza buscada pelos fiéis muçulmanos.

A limpeza corporal é tão importante no islã que alguns preferem dizer que não tomam banho, e, sim fazem ghusl, conforme escreve Pamela no seu Instagram.

E se eu te disser que não tomo banho, vai achar estranho? Pois bem, vou te falar o motivo de você parar de “tomar banho”, e muito provavelmente eu vou te convencer disso. Primeiro que nunca entendi a palavra TOMAR, TOMAR água tudo bem, mas TOMAR banho? Segundo, pois sou muçulmana. Banho significa; Lavagem do corpo com a finalidade higiênica. Então o que faço? Eu não TOMO BANHO Eu faço GHUSL Ghusl significa: lavagem do corpo com a finalidade de purificação. Entendeu? É algo que venho aprendendo a mudar no meu dia a dia. Fazer o Ghusl é muito melhor do que tomar banho... Enfim! Como mostrei no post anterior, eu começo o dia com o Miswak e depois eu faço o Ghusl, pois quero começar meu dia purificada. E aí tem umas questões que quero passar: Faço com água gelada, já ouviu falar da técnica #wimhof? Eu não faço por causa dela, mas por saber dos vários benefícios que a água gelada nos dá, principalmente pela manhã. Gripe e resfriado não se pega por causa do frio, e sim através de vírus! Ghusl (banho, como você conhece) na água gelada traz benefícios não apenas para a saúde, mas para o meio ambiente. A começar por não precisar gastar duas horas de água até chegar na sua temperatura ideal. É gelada, abre o chuveiro e pronto! Lavo o cabelo nesse momento apenas com água, além de usar produto natural e sólido, eu os uso no máximo duas vezes na semana. O ghusl me faz estar presente naquele momento, tudo bem, água gelada não é prazeroso no primeiro ou segundo mês, mas você precisa OBRIGATORIAMENTE fazer a intenção da purificação, então você vai entrar tendo consciência do que vai fazer, sendo mais rápido, prático, sem pensar na morte da bezerra, e sentindo cada parte do ritual da limpeza, e sentir é um dos melhores prazeres da vida. No piloto automático como fazemos no BANHO, não sentimos, terminamos que nem percebemos o que foi feito! No Ghusl você tem um ritual, lava a boca, nariz, orelhas, esfrega a cabeça, lava o lado direito e esquerdo. E aí? Vai continuar TOMANDO BANHO, ou vai FAZER O GHUSL? [sic] (@Pamelabdul 2020).10 10 Perfil no Instagram: @Pamelabdul, em 30/09/2020.

O ghusl é obrigatório após a relação sexual, e no final da menstruação, ou em dias de festas, como Eid Adhha, Eid Fitr, antes de se encaminhar para mesquita. Sendo o islã um código de vida, qualquer ação que o fiel tiver deve estar prescrita na religião, sendo esta recomendável, desaconselhável e/ou obrigatório. A limpeza garante a pureza, a entrega do corpo em oração a Deus (Barbosa-Ferreira 2009BARBOSA-FERREIRA, Francirosy Campos. (2009), “Teatralização do sagrado islâmico: a palavra, a voz e o gesto”. Religião & Sociedade, vol. 29, nº 1: 95-125 Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0100-85872009000100005 . Acesso em: 1/09/2021.
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).

Mesmo considerando que o enterro sem as práticas islâmicas não é o desejado pelos muçulmanos, é fato que, diante de uma pandemia, muçulmanos seguem os protocolos anunciados. Mas o que temos presenciado em outros países, sobretudo na França, são situações que denunciam uma islamofobia. Destaco um texto que foi compartilhado no Facebook por Rosa Freire d’Aguiar (tradutora, viúva de Celso Furtado):

Diário de uma confinada - os muçulmanos O Islam é a segunda religião da França. São uns 5 milhões de pessoas (ou 8, dependendo da contagem), ou uns 8 por cento da população. Não há estatística sobre a religião dos que morreram de coronavírus, mas é de crer que boa parte deles fosse de confissão islâmica. A julgar pela notícia de que restam poucos lugares para enterrá-los. Incrível como pareça, até hoje na França há cidadezinhas que se recusam a enterrar muçulmanos. São poucas, mas as há. Em geral os cemitérios têm os “carrés” (uns lotes) para enterrar muçulmanos, e judeus. Os judeus têm mais “carrés”. Seja como for, os dos muçulmanos estão perto da saturação. Dupla tristeza, porque, com as fronteiras fechadas, as famílias não podem repatriar os mortos (o Islam encoraja a volta às “terras de origem”). Morei muitos anos ao lado da Grande Mesquita de Paris, e da minha janela acompanhava toda sexta-feira a imensa afluência de muçulmanos de todas as classes sociais que iam rezar: embaixadores de países africanos muçulmanos, que chegavam em carrões, ou imigrantes muito pobres, e as indefectíveis mulheres sentadas nos degraus da mesquita, pedindo esmola. Na sexta-feira passei pela mesquita, e foi um choque vê-la de portas fechadas. O que também será outra tristeza para o Islam daqui a uns dez dias, quando começa o Ramadan, um dos cinco pilares da religião. O reitor da Grande Mesquita de Paris está fazendo um apelo urgente para que o governo providencie outros lugares de inumação, até que os muçulmanos tenham onde cair mortos. Desgraceira! [sic] (D’Aguiar 2020)11 11 ’AGUIAR, Rosa Freire. “Diário de uma confinada - os muçulmanos”. Facebook: Rosa Freire D’Aguiar. Paris, 14 abr. 2020. Disponível em facebook.com/RosaFreiredAguiar/posts/10223704091297224. Acesso em: 4/10/2020.

Esse relato me faz retomar o livro Vida Precária, de Judith Butler, que afirma que “a perda de algumas vidas ocasiona o luto; de outros, não; a distribuição do luto decide quais tipos de sujeitos são e devem ser enlutados...” (Butler 2019:45BUTLER, Judith. (2019), Vida precária: os poderes do luto e da violência. Tradução Andreas Lieber. Belo Horizonte: Autêntica.). Muçulmano não tem os mesmos direitos, se comparado a outros. Acompanhei o desespero de um refugiado sírio que durante a pandemia perdeu sua mãe para a Covid-19. Ele, que se esforçou para trazê-la, chegando ao Brasil há dois anos, a perdeu durante o mês do Ramadan e, não podendo cuidar devidamente do corpo, fez um apelo para que conseguisse enterrá-la em cemitério islâmico. Ele conseguiu com ajuda de amigos e da comunidade islâmica. Em São Paulo há dois cemitérios islâmicos: o de Guarulhos e, mais recentemente, o de Itapecerica, mas a cidade ainda é privilegiada em relação ao enterro de muçulmanos. Além de cemitérios, há também sheiks que podem ajudar na preparação do corpo do morto, cumprindo assim os rituais necessários.

A França tem mais de 6 milhões de muçulmanos. Há famílias inteiras que nasceram em território francês, mas que, por professarem o islã, sofrem vários tipos de perseguição. Recentemente, o presidente Macron anunciou um plano para reforçar o “secularismo”, mas com vistas claras a atacar a comunidade muçulmana. Em seu pronunciamento, diz que “o islã é uma religião em crise”12 12 DW. (2020), “‘Islã é uma religião em crise’, diz Macron”. DW, 2 out. 2020. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/isl%C3%A3-%C3%A9-uma-religi%C3%A3o-em-crise-diz-macron/a-55137629?fbclid=IwAR019aDNuEEMAalECxwKvtSaH1jIPH6Fe9qLuAsFe_wisUPUdEUIknsIWT4. Acesso em: 4/10/2020. (DW 2020). Com a política de controlar as formações dos muçulmanos, ele afirma que vai limpar a religião das escolas. A proibição do uso do véu nas escolas já existe desde 2010, mas diante do contexto pandêmico outros problemas surgem nesta seara.

Somos todos niqabis - a piedade como crime

Um objeto que virou símbolo dessa pandemia são as máscaras. Em três meses se popularizaram, de todas as formas, fora e dentro do Brasil. Em alguns países, como a França, os cidadãos são obrigados a sair de máscara. Desde 11 de maio de 2020 será multada toda pessoa que não usar máscara no metrô de Paris, no valor de 135 euros (R$ 810). Tal decisão levantou uma questão antiga a respeito do uso do niqab, tecido que cobre o rosto de mulheres muçulmanas, cujo uso é por opção de algumas. Contudo, essa utilização é proibida na França desde 2010. A mulher que for pega usando o niqab terá que pagar 150 euros (mais ou menos R$ 900).

Importante dizer que a vestimenta religiosa das mulheres é uma recomendação corânica, segundo interpretação da maioria dos muçulmanos, mas as mulheres não devem ser obrigadas a usar se não for da sua vontade, pois isso está na relação dela com Deus, e não com os homens. Entretanto, alguns grupos optam também pelo uso do niqab, pois esta era a vestimenta das mulheres do Profeta Muhammad. Consideram ser a forma mais “correta” de praticar sua devoção. Não descarto os movimentos que negam a vestimenta ou até mesmo práticas não tão ortodoxas, pois a religião é uma estrutura subjetiva, vista muitas vezes como solução de problemas (Schielke 2009SCHIELKE, Samuli. (2009), “Ambivalent Commitments: Troubles of Morality, Religiosity and Aspiration among Young Egyptians”. Journal of Religion in Africa, vol. 39, nº 2: 158-185.), entretanto, é necessário reforçar de que se trata de comunidades no Brasil, que teve seu maior crescimento de reversões, e até mesmo de certo “revivalismo” religioso por parte de nascidos muçulmanos após o 11 de setembro de 2001, momentos que tencionaram a existência de práticas islâmicas, reforçaram a necessidade de conhecê-la e de praticá-la, isso não significa que a sociedade tornou-se homogênea em suas práticas e devoções, continua existindo pessoas que só frequentam mesquitas e núcleos familiares no mês do Ramadan, mas isso consideramos parte de todo grupo religioso que intensifica suas práticas em determinada época do ano. Quando se refere ao revivalismo islâmico egípcio, Saba Mahmood (2005MAHMOOD, Saba. (2005), Politics of Piety: The Islamic Revival and the Feminist Subject. Princeton: Princeton University Press.) chama atenção ao medo que é acionado, pois aprender a ser piedosa é aprender a temer Deus, e isso, de alguma forma, regula a relação da fiel com as suas práticas.

Há muito debate a respeito, entretanto, refletindo sobre a autonomia das mulheres muçulmanas na França, considero legítima toda a forma de autorrepresentação em público. Na França, mulheres que usam niqab são multadas. E agora, com o uso das máscaras? Muito desse debate ressuscitou a antiga questão, e vários ataques às muçulmanas voltaram na esfera pública. Elas não podem usar o pano que cobre seu rosto, mas podem e devem usar máscaras. Não estou aqui colocando o uso de uma vestimenta religiosa em paralelo ao uso de máscara por motivos de saúde pública, mas, sim, considero importante chamar atenção para os argumentos utilizados em 2010 para proibição da cobertura facial das mulheres seriam: 1) só as faces descobertas permitem a verdadeira socialização; 2) ser capaz de identificar as pessoas é questão de segurança pública; e 3) o Estado francês é laico (o que levou o país a banir, já em 2004, o uso de símbolos religiosos nas escolas públicas, dos quais o mais visível era o véu muçulmano). O uso de máscara, por exemplo, descarta os dois primeiros itens que são atribuídos às muçulmanas. A sociabilidade, mesmo de máscara, continua, e não se discute a questão da segurança pública em uma sociedade que agora terá de viver completamente “mascarada”.

Com o discurso de laicidade, a França estigmatiza a comunidade muçulmana e provoca discussões a respeito da islamofobia gerada, sobretudo, pela racialização de mulheres muçulmanas cobertas, o mesmo que vimos no relato sobre os enterros de muçulmanos na França. A saúde pública traz impacto ao cotidiano, mas o sinal diacrítico de uma religião é proibido, por conta de uma laicidade que exclui o outro do dia a dia. Os questionamentos sobre a autonomia dessas mulheres nunca foram levados em consideração, mas o que elas já faziam pode, hoje, ser considerado algo de “proteção” às novas doenças, assim como os cuidados com a higiene dos corpos? O debate está posto. Vamos acompanhar os desdobramentos que, por ora, deixam as mulheres vulneráveis duas vezes, por usarem o niqab e por “não” usarem máscara. Com o novo projeto do presidente Macron, a perseguição aos muçulmanos vai ser intensificada.

Se pontuo o caso francês é porque este reverbera nas comunidades brasileiras. Vale conferir o paralelo que Giumbelli (2004GIUMBELLI. Emerson Alessandro. (2004), “Religião, estado, modernidade: notas a propósito de fatos provisórios”. Revista Estudos Avançados, vol. 18, nº 52. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000300005 . Acesso em: 20/07/21
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) faz sobre o caso das meninas muçulmanas na França e a lei que autoriza ensino religioso confessional no Rio de Janeiro. A pesquisa que venho realizando sobre islamofobia aponta que mulheres revertidas que usam lenço são as que mais sofrem agressões físicas, verbais, morais na nossa sociedade, e os exemplos sempre se remetem à França. Com a pandemia, as mulheres que usam hijab e, agora, máscara, têm sido hostilizadas em supermercados e espaços públicos. Nada que ainda possamos configurar como relevante do ponto de vista de números expressivos, mas, de todo modo, choca saber que mulheres são vitimizadas. A islamofobia de gênero é o que mais vemos expressado em determinados contextos no qual há mulheres de lenço. Este se tornou símbolo de opressão e violência, e sempre carrega a ideia de que mulheres precisam ser salvas. No nosso país, muçulmanas brasileiras são as que mais sofrem com a islamofobia, talvez pela classe social que a maioria ocupa, por serem arrimo de família, por circularem em ônibus, trens, metrô e, por isso, estarem em maior exposição. São comuns os relatos de perda de emprego, xingamentos e violências psicológicas.

Considerações finais - um “novo normal”

O que este texto deixou entrever, em certa medida, é que uma pandemia pode não só mudar o cotidiano de pessoas religiosas, mas também trazer à baila velhas discussões de práticas proibidas em determinados contextos, entremeando reinvenções de cuidados e atos devocionais. Estamos longe de ver o fim da Covid-19, mas certamente muito dessas discussões e revisitações será importante para nossas reflexões como antropólogos. Compreender algo que ainda não sabemos viver faz parte desse novo cotidiano, que nos coloca não só para rever práticas, mas para adquirir outras e retomar formas do que já foi vivido. Talvez seja o momento adequado para ponderar sobre os nossos pré-conceitos e reaprender que novas formas de olhar o outro e suas práticas podem ser também formas de superar o período atual.

Olhar para as comunidades muçulmanas no Brasil e o modo que enfrentaram 2020 foi o desafio deste texto, trazendo os vários atravessamentos possíveis sobre novas formas de comunicação entre a ortodoxia e os fiéis, ou comunicações entre os fiéis, assim como formas de sociabilidade presenciais reduzidas, mas direcionadas por tecnologias de contato virtual. Caso se perca o contato presencial, se ganha em diversidade de práticas que atualizam o religioso. As lives foram um bom exemplo disso, as videochamadas de celular, os encontros pelo Google Meet, Skype, Zoom, entre outros.

Certamente, muitos dos impactos deste tempo de isolamento e sua “abertura” ainda trazem mudanças ao nosso cotidiano, não só o uso de máscaras, mas sobre as nossas noções de saúde, doença, limpeza, impureza. O livro Pureza e perigo, de Mary Douglas (1966DOUGLAS, Mary. (1966), Pureza e perigo. Ensaio sobre as noções de poluição e tabu. Lisboa: Edições 70.), nunca esteve tão em voga. Estamos totalmente no perigo, embora, muitos se coloquem como se estivessem em uma situação de proteção ou extrapolassem, dizendo que as precauções de alguns governos promovem o estado de exceção, como vem escrevendo Agamben (2020AGAMBEN, Giorgio. (2020), “O estado de exceção provocado por uma emergência”. IHU Online, 27 fev. 2020. Disponível em: Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/596584-o-estado-de-excecao-provocado-por-uma-emergencia-imotivada?fbclid=IwAR3fVB_B5qXmI1xfPJP7k2zbyW82rWTQzAZy0-azSgH8XJkQGir8GdmIZpo . Acesso em: 02/10/2020.
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/5...
).13 13 AGAMBEN, Giorgio. (2020), “O estado de exceção provocado por uma emergência”. IHU Online, 27 fev. 2020. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/596584-o-estado-de-excecao-provocado-por-uma-emergencia-imotivada?fbclid=IwAR3fVB_B5qXmI1xfPJP7k2zbyW82rWTQzAZy0-azSgH8XJkQGir8GdmIZpo. Acesso em: 02/10/2020. Para o autor, promover afastamento, fechamento de escolas, aglomerações etc., são formas de poder do Estado, que gera o estado de exceção, no qual estamos obrigados a obedecer. Por outro lado, o autor se esquece de que não se trata de oprimir cidadãos, mas, sim, de protegê-los de algo mais letal e imponderável. Certamente não estamos vivendo algo passageiro, nem podemos normalizar a exceção (Latour 2020; Santos 2020SANTOS, Boaventura de Sousa. (2020), A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Edições Almedina. ). Como chama a atenção, não é meramente uma crise. É preciso olhar a Covid-19 como tragédia, e o vírus veio acompanhado da falta de estrutura, do negacionismo, de políticas contra o povo menos favorecido.

Se todos estão em alto-mar, estão, sobretudo em barcos diferentes, pois mesmo que promova uma “pedagogia” deste novo modo de viver, é uma pedagogia cruel como afirma Boaventura de Sousa (2020), muito embora o autor seja otimista quando aponta um caminho pela articulação de processos políticos em parceria com os processos civilizatórios para construção de uma sociedade mais justa. Sigo mais cética, pois percebo que o homem pouco aprendeu com a realidade que vivemos a mais de um ano, e segue de forma egoísta burlando práticas que deveriam ser evitadas - aqui não excluo os muçulmanos, pois penso que a realização de cerimônias, mesmo com distanciamento, é prejudicial neste momento em que estamos longe de ter mais de 50% da população brasileira vacinada com duas doses.

Também não vejo como alternativa o exposto por Preciado (2020PRECIADO, Paul. (2020), “Aprendendo com o vírus”. [publicado originalmente em El País, em 28 mar. 2020]. AGB-Campinas Disponível em: Disponível em: http://agbcampinas.com.br/site/2020/paul-b-preciado-aprendendo-com-o-virus/ . Acesso em: 07/07/21.
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) de mudar a relação de nossos corpos com as máquinas de biovigilância e biocontrole como caminho viável. Se antes estávamos expostos a este controle da internet, hoje isso se multiplicou muito mais com o confinamento, e o teletrabalho ampliou as muitas formas de interação por redes. Basta percorrer às páginas do Instagram de influenciadoras muçulmanas atualmente e há mais de um ano e perceber o quanto este “novo normal” potencializou suas redes, compartilhando seu dia a dia e suas “lojinhas” virtuais. Algumas dobraram o número de seguidores, mudando completamente as formas de comunicação da vivência religiosa, para uma exposição do cotidiano e da vida pessoal, segundo as mesmas são mais seguidas por não muçulmanos(as) do que pela comunidade, mesmo assim, algumas passam de 500 mil seguidores. Há quem diga que não se trata de comunicar o religioso, e sim de expor vivências de mulheres e homens muçulmanos nas redes sociais, se isso veio para ficar como comunicação religiosa, posso pensar que sim, porque as distâncias entre os estados, e a pouca presença de liderança religiosa em determinados nichos deixa aberta a entrada de pessoas muçulmanas, sejam vinculadas à ortodoxia ou não, de todo modo, demonstra o pluralismo islâmico que se encontra no nosso país, no qual se pode receber informações de sheiks, blogueiras, pesquisadores, médicos, entre outros da comunidade. Sem medo de errar a influenciadora islâmica para não muçulmanos(as) no Brasil é mulher, usa lenço, nascida muçulmana e não um líder religioso do sexo masculino.

Para pensar neste “novo normal” em entrevista a Marco Weissheimer, o antropólogo Jean Segata, professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que há um pesadelo por trás dessa ideia de “novo normal”.14 14 WEISSHEIMER, Marco. “Há um grande pesadelo por trás da ideia de um ‘novo normal’, diz antropólogo”. Sul 21. 3 out. 2020. Disponível em: https://www.sul21.com.br/ultimas-noticias/coronavirus/2020/10/ha-um-grande-pesadelo-por-tras-da-ideia-de-um-novo-normal-diz-antropologo. Acesso em: 04/10/2020. Diz Segata:

[...] Um pesadelo que se expressa pela naturalização de processos destrutivos da vida no planeta, pela absorção da vida privada pelas relações de trabalho e pela transformação da rua e do espaço público em um território cada vez mais hostil que será habitado fundamentalmente pelas pessoas que não podem trabalhar em casa. (Weissheimer 2020WEISSHEIMER, Marco. “Há um grande pesadelo por trás da ideia de um ‘novo normal’, diz antropólogo”. Sul 21. 3 out. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.sul21.com.br/ultimas-noticias/coronavirus/2020/10/ha-um-grande-pesadelo-por-tras-da-ideia-de-um-novo-normal-diz-antropologo . Acesso em: 04/10/2020.
https://www.sul21.com.br/ultimas-noticia...
)

Por isso, corroboro Segata (2020SEGATA, Jean. (2020), “Covid-19, biossegurança e antropologia”. Horizontes Antropológicos, ano 26, nº 57: 275-313.), quando este afirma que esperamos que se desdobrem futuros debates em torno de uma antropologia da biossegurança com uma orientação cada vez mais decolonial, mesmo porque, como tentei deixar entrever neste artigo, o modo como muçulmanos reagiram à pandemia está em conformidade com a religião, mas também não deixa de lado as orientações da OMS e dos agentes de governo. Este olhar decolonial proposto por Segata retoma nossos cuidados ao trato com mulheres muçulmanas que usam lenço, pois são elas o alvo preferencial para agentes islamofóbicos, muito embora sejam elas que estejam desequilibrando o espaço virtual. Quanto mais exposição, mais ataques, pelo visto ser (re)conhecida tem seus prós e contra.

Em meio ao caos que permanece, a comunidade muçulmana reage com esperança e confiança na ideia de que “Deus deu a doença, Deus dá a cura”. Enquanto esta última não chega, vale seguir os protocolos da OMS.

Referências

  • ALVES, Ygor Diego Delgado; PEREIRA, Pedro Paulo Gomes. (2020), “Da guerra às drogas à guerra ao vírus: necropolítica e resistência na Cracolândia”. Cadernos de Campo, São Paulo, vol. 29: 319-328.
  • BARBOSA-FERREIRA, Francirosy Campos. (2007), Entre arabescos, luas e tâmaras - performances islâmicas em São Paulo São Paulo: Tese de Doutorado em Antropologia Social, USP.
  • BARBOSA-FERREIRA, Francirosy Campos. (2009), “Teatralização do sagrado islâmico: a palavra, a voz e o gesto”. Religião & Sociedade, vol. 29, nº 1: 95-125 Disponível em: Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0100-85872009000100005 Acesso em: 1/09/2021.
    » https://doi.org/10.1590/S0100-85872009000100005
  • BARBOSA, Francirosy Campos; PAIVA, Camila Motta. (2017), “Sexo/prazer no Islam é devoção”. Religião & Sociedade , vol. 37, nº 3: 198-223.
  • BUTLER, Judith. (2019), Vida precária: os poderes do luto e da violência. Tradução Andreas Lieber. Belo Horizonte: Autêntica.
  • CHAGAS, Gisele Fonseca. (2015), “Rituais fúnebres no islã: notas sobre as comunidades muçulmanas no Brasil”. Religião & Sociedade , Rio de Janeiro, vol. 35, nº 1: 121-138. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-85872015000100121&lng=en&nrm=iso Acesso em: 02/10/2020.
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  • WEISSHEIMER, Marco. “Há um grande pesadelo por trás da ideia de um ‘novo normal’, diz antropólogo”. Sul 21. 3 out. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.sul21.com.br/ultimas-noticias/coronavirus/2020/10/ha-um-grande-pesadelo-por-tras-da-ideia-de-um-novo-normal-diz-antropologo Acesso em: 04/10/2020.
    » https://www.sul21.com.br/ultimas-noticias/coronavirus/2020/10/ha-um-grande-pesadelo-por-tras-da-ideia-de-um-novo-normal-diz-antropologo
  • 1
    Em 21 de agosto de 2021, temos mais de 573 mil óbitos registrado e 25% da população brasileira vacinada com duas doses.
  • 2
    BUTLER, Judith. (2020), “Judith Butler sobre a Covid-19: o capitalismo tem seus limites”. Blog da Boitempo. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2020/03/20/judith-butler-sobre-o-covid-19-o-capitalismo-tem-seus-limites/. Acesso em: 02/10/2020.
  • 3
    Como o calendário é lunar, há entendimentos diferentes do primeiro dia do Ramadan, por isso, existem grupos, como os xiitas, que entraram no mês na data de 24 para 25 de abril, assim como ocorreu em países como a África do Sul.
  • 4
    Conforme documentário Allahu Akbar (Barbosa 2006BARBOSA, Francirosy Campos (dir.). (2006), Allahu Akbar - Deus é maior. Disponível em: Disponível em: https://vimeo.com/135997120 . Acesso em: 20.05.2020
    https://vimeo.com/135997120...
    ).
  • 5
    Ahadith são as coleções de tradições sobre a vida do profeta Mohammed registradas por seus companheiros e compiladas após a sua morte ao longo dos anos.
  • 6
    Perfil no Instagram: @dr_Francirosy_Campos
  • 7
    Entrevista com Ali Abdouni, São Bernardo do Campo, 20 de maio de 2020Entrevista com Ali Abdouni, São Paulo, 20 maio 2020., por Francirosy C. Barbosa.
  • 8
    Infelizmente em 26 de maio 2021, a esposa de César Kaab, líder comunitário, veio a falecer de Covid-19. Passados dois meses, a comunidade segue no seu trabalho de acolhimento e na construção de um espaço que leva o nome de Vânia Freire, assim como as realizações sociais realizadas pelo grupo. O falecimento dessa irmã provocou manifestações de pesar de todas as instituições islâmicas e pessoas públicas. Pesquisando comunidades islâmicas há mais de duas décadas no Brasil, confirmo que é a primeira vez que vejo manifestações de grupos diversos de muçulmanos(as) pelo falecimento de uma brasileira muçulmana. A morte de Vânia confirma que as comunidades periféricas são as mais afetadas diante da covid e sinaliza também o quão importante é o trabalho que vem sendo feito por sua comunidade.
  • 9
    Entrevista com Rodrigo Rodrigues, Curitiba, 2 de junho de 2020Entrevista com Rodrigo Rodrigues, Curitiba, 2 jun. 2020., por Francirosy C. Barbosa.
  • 10
    Perfil no Instagram: @Pamelabdul, em 30/09/2020.
  • 11
    ’AGUIAR, Rosa Freire. “Diário de uma confinada - os muçulmanos”. Facebook: Rosa Freire D’Aguiar. Paris, 14 abr. 2020D’AGUIAR, Rosa Freire. “Diário de uma confinada - os muçulmanos”. Facebook: Rosa Freire D’Aguiar. Paris, 14 abr. 2020. Disponível em Disponível em facebook.com/RosaFreiredAguiar/posts/10223704091297224 . Acesso em: 4/10/2020.
    facebook.com/RosaFreiredAguiar/posts/102...
    . Disponível em facebook.com/RosaFreiredAguiar/posts/10223704091297224. Acesso em: 4/10/2020.
  • 12
    DW. (2020DW. (2020), “‘Islã é uma religião em crise’, diz Macron”. DW, 2 out. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/isl%C3%A3-%C3%A9-uma-religi%C3%A3o-em-crise-diz-macron/a-55137629?fbclid=IwAR019aDNuEEMAalECxwKvtSaH1jIPH6Fe9qLuAsFe_wisUPUdEUIknsIWT4 . Acesso em: 4/10/2020.
    https://www.dw.com/pt-br/isl%C3%A3-%C3%A...
    ), “‘Islã é uma religião em crise’, diz Macron”. DW, 2 out. 2020. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/isl%C3%A3-%C3%A9-uma-religi%C3%A3o-em-crise-diz-macron/a-55137629?fbclid=IwAR019aDNuEEMAalECxwKvtSaH1jIPH6Fe9qLuAsFe_wisUPUdEUIknsIWT4. Acesso em: 4/10/2020.
  • 13
    AGAMBEN, Giorgio. (2020), “O estado de exceção provocado por uma emergência”. IHU Online, 27 fev. 2020. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/596584-o-estado-de-excecao-provocado-por-uma-emergencia-imotivada?fbclid=IwAR3fVB_B5qXmI1xfPJP7k2zbyW82rWTQzAZy0-azSgH8XJkQGir8GdmIZpo. Acesso em: 02/10/2020.
  • 14
    WEISSHEIMER, Marco. “Há um grande pesadelo por trás da ideia de um ‘novo normal’, diz antropólogo”. Sul 21. 3 out. 2020. Disponível em: https://www.sul21.com.br/ultimas-noticias/coronavirus/2020/10/ha-um-grande-pesadelo-por-tras-da-ideia-de-um-novo-normal-diz-antropologo. Acesso em: 04/10/2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    26 Out 2020
  • Aceito
    19 Ago 2021
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