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Um doce de livro1 1 Agradeço a Raquel dos Santos Sousa Lima (UFV) pela interlocução em torno da elaboração desta resenha.

A sweet book

MENEZES, Renata; FREITAS, Morena; BÁRTOLO, Lucas. (org.). Doces Santos: devoções a Cosme e Damião. Rio de Janeiro: Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2020, 531p. (Série Livros Digital, 21)

“Só quem acredita vêQue essa vida é um doce” Arlindo Cruz, Jorge Carioca e Aluísio Machado

“Pegar doce” ou “dar doce” são expressões comuns no subúrbio carioca, sobretudo, nos dias que antecedem a festa de Cosme e Damião. Formuladas na interseção entre culturas e religiosidades populares, essas sentenças evocam lembranças e sentimentos de pertencimento daquelas e daqueles que as enunciam. Constituem memórias, pessoas, sociabilidades e sentimentos. O doce que se trata é mais que um alimento. Como somos lembrados em “Doces Santos: devoções a Cosme e DamiãoMENEZES, Renata; FREITAS, Morena; BÁRTOLO, Lucas (org.). Doces Santos: devoções a Cosme e Damião. Rio de Janeiro: Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2020, 531p. (Série Livros Digital, 21)”, coletânea organizada por Renata Menezes, Morena Freitas e Lucas Bártolo, mais que degustativo, o doce é adjetivo e metafórico.

Se os doces não são apenas doces, também os santos não são só católicos, os gêmeos não são dois, e as Crianças não são crianças. Por meio dos seus 11 capítulos, a obra oferece não apenas um quadro denso sobre a “especificidade da forma carioca” de devoção a Cosme e Damião, mas, em razão da combinação de diferentes abordagens metodológicas e campos de investimentos das autoras e autores, deve ser lida como uma potente reflexão sobre as transformações no Brasil contemporâneo a partir de enquadramentos caros à antropologia da religião e da devoção, da festa e dos rituais, da alimentação, da família, infância e das gerações, da política, do patrimônio, da arte, das materialidades e da cidade.

A introdução e os três primeiros capítulos, escritos pelas organizadoras e pelo organizador do livro, cumprem a importante função de apresentar a pesquisa que deu origem à publicação2 2 “Doces Santos: reciprocidade, relações inter-religiosas e fluxos urbanos em torno à devoção a Cosme e Damião no Rio de Janeiro”, coordenada por Renata Menezes (UFRJ) e financiada pela Faperj, através do Programa Jovem Cientista do Nosso Estado, entre 2013 e 2016. e o próprio fenômeno em análise. É lá que conhecemos questões basilares e, mais que isso, temos o nosso olhar redirecionado a partir das instigantes reflexões em torno das suas opções teórico-metodológicas. A festa de Cosme e Damião emerge por meio do movimento, das ações coletivas, da ordem e de um denso emaranhado de classificações sociais que, revelados nas etnografias, descortinam continuidades e rupturas na produção de sujeitos, relacionalidades, moralidades, temporalidades e espacialidades, nos fazendo observar o estabelecimento de diferenças e hierarquias a partir das celebrações e práticas apresentadas.

Em “Das formas e razões de dar doce”, Renata Menezes, tratando das motivações e práticas dos adultos para a distribuição dos “saquinhos”, apresenta uma das estimulantes contribuições da obra: a noção de “vida social do saquinho”. Com base em oportuna combinação de estratégias e espaços de pesquisa e da atenção à centralidade que os saquinhos possuem ante outras materialidades da/na festa, Menezes refletiu sobre os momentos de sua produção e distribuição, revelando a trama de classificações e aprendizados que emerge em torno das etapas e dos sujeitos envolvidos - onde comprar, quais doces, como e com quem montar, onde, com e para quem dar etc. Além das evidentes implicações a uma antropologia dos objetos, ao delinear o “processo metonímico” em que a qualidade de/dos doces, pessoas e suas relações se combinam, e aos estudos da técnica, examinando diferentes expedientes que articulam e transmitem aprendizados que tornam a devoção possível, uma consequência fundamental da proposição teórica-metodológica foi demonstrar que se opera uma espécie de alargamento do dia da festa, à medida que diversas ações se desenrolam antes e depois de sua expressão pública, em 27 de setembro, revelando que os saquinhos não só trazem doces, mas são acompanhados por coletividades, moralidades e reciprocidades.

Fruto da mesma pesquisa, o capítulo “Correndo atrás de doce”, de Morena Freitas, ao apresentar instigante reflexão acerca da noção de “reciprocidade” e ao eleger grupos de crianças em busca de doces como centro de sua análise, amplia o leque de contribuições da obra revelando o mundo de classificações operado pelas crianças, o aprendizado de formas e estratégias de pegar doces em dinâmicas inter e intrageracionais, bem como suas repercussões na relação com os ofertantes e na emergência de representações sobre criança e infância. Em torno do engajamento dos infantes na festa, Freitas lança luz sobre as suas formas de demonstração de gratidão, consistindo no agradecimento dito e, sobretudo, manifesto por meio de um sorriso, pontos nevrálgicos da reciprocidade ao redor dos doces, visto que o gesto, lido como demonstrativo de alegria genuína, é o elemento mediador da graça - então - recebida pelos adultos com a distribuição dos saquinhos. A autora conclui que esses elementos não permitem tomar o “dar e receber saquinhos” como trocas econômicas, ao redor de noções como atos (des)interessados e cálculos racionais, ou ainda apartadas do universo da dádiva e da generosidade, trazendo interessantes apontamentos acerca da combinação entre gratuidade, reciprocidade e tempo na teoria antropológica.

Encerrando esse primeiro panorama da pesquisa Doces Santos, Lucas Bártolo, em “A Praça de Cosme e Damião: reciprocidade, sociabilidade e devoção em torno de um altar suburbano”, chama atenção para outras dinâmicas de classificação a partir de uma festa organizada por um grupo de amigas e amigos, familiares e vizinhas e vizinhos em uma praça. Ao observar o processo de redefinição do espaço pelo “tempo da festa” e as interações mantidas entre suas organizadoras e seus organizadores, as crianças e outras devotas e outros devotos que por lá passam, dada a presença de um altar permanente dedicado aos santos e/ou pelo reconhecimento do local em razão da festa ocorrer há décadas no mesmo lugar, o autor recupera as negociações entre os diferentes sujeitos e seus modos de apropriação do espaço, apontando para um processo de contínua (re)conversão de comportamentos, do tempo e de faixas territoriais tidos/as como íntimos/as ou públicos/as, sagrados/as ou profanos/as, delineando uma “sociabilidade festiva na praça”. Especialmente representativo do argumento e potente etnograficamente, é a maneira como Bártolo, inspirado na clássica discussão de Gilberto Freyre sobre o açúcar, examina a configuração dessa sociabilidade em diálogo com as comensalidades compartilhadas, quando o comer doce ou salgado, característico de sociabilidades distintas, articula-se às classificações dos espaços e pessoas e torna a celebração aos santos parte de uma devoção à vicinalidade, aos laços de parentesco e à amizade.

A ênfase etnográfica que caracteriza os três primeiros capítulos tem continuidade nos dois seguintes. Em “Encanterias para Cosme e Damião na Praça da Harmonia: memórias, performance, sincretismo e herança africana”, Sandra Carneiro examina uma festa promovida por uma companhia artística na região portuária do Rio de Janeiro. Em torno das motivações e práticas do “fazer a festa de Cosme e Damião”, a autora chama atenção para outros aspectos na (re)apropriação do espaço público, diferentes do capítulo anterior, revelando nexos específicos na combinação entre experiências de sincretismo e pluralismo religioso, intervenção urbana e “arte pública”. Tendo no horizonte os embates em torno da resistência à gentrificação e a definição daquela região como “território negro”, Carneiro conclui que a Encanteria evidencia a escolha de determinados coletivos por (re)ocupar o espaço público como estratégia de luta, consistindo, nesse caso, a ressignificação da devoção a Cosme e Damião ponto nodal e elemento de mediação entre arte, política e direito à cidade no contexto em análise.

Nina Bitar, em “O caruru de Cosme e Damião: promessa e devoção na cidade do Rio de Janeiro”, encerra as reflexões que tem a realização de celebrações em praças, apoiando-se, no entanto, em outra materialidade - o caruru - e em novas relações de troca/reciprocidade - aquelas que se conformam também por meio de dinâmicas de consumo e do trabalho. Ao acompanhar o cumprimento da promessa da baiana de acarajé que, em seu ponto de vendas em uma praça, oferece o prato que caracteriza a devoção aos santos na Bahia, Bitar observa como a comida opera como amalgama entre humanos e entidades, em um movimento em que a ingestão do caruru pelas e pelos clientes e transeuntes, sobretudo, crianças e população de rua, é tomada como forma de alimentar os santos, agradecer as conquistas alcançadas e “domesticar” a rua, local de onde a baiana retira seu sustento e é habitado por exus e outras entidades garantidoras do sucesso profissional e protetoras de/em eventuais conflitos. Em torno da distribuição do caruru em uma praça, portanto, é nos permitido compreender os encadeamentos específicos que reúnem redes de reciprocidade comerciais, religiosas e íntimas em articulação com concepções sobre a rua e o mundo do trabalho.

Partindo da correspondência entre a devoção a Cosme e Damião e aos Ibejis como mais uma expressão do encontro entre culturas africanas e europeias no Brasil, Stefania Capone, em “As crianças divinas: Ibejis, Erês e Egbé Òrun nas religiões afro-atlânticas”, chama atenção para a presença de outras “entidades infantis” no panteão iorubá - observando a relação do seu culto com elaborações a respeito da gemelaridade - e historiciza a emergência e conformação de uma “ligação ambígua”, fruto de um “mal-entendido produtivo”, entre ibejis, erês e crianças em grande parte dos cultos afro-brasileiros. Dessa reflexão cruzada, propõe instigante leitura a respeito dos diálogos possíveis que emergem a partir da chegada ao Brasil do culto aos egbé òrun e de suas específicas elaborações em torno das “crianças divinas”, ampliando o escopo de reflexão do livro para os efeitos contemporâneos do transnacionalismo na religião com base nessas devoções fortemente protagonizadas por líderes cubanos e nigerianos.

Ao inverter o que considera ser a forma recorrente de observar o sincretismo no Brasil, que privilegiaria o enquadramento de uma relação de sujeição das cosmologias africanas em sua “incorporação” ou “submissão” ao panteão católico, Tadeu Mourão, em “De médicos a meninos: arte e cosmologias negras e a transformação de Cosme e Damião no Brasil”, demonstra algumas formas de agenciamento e resistência que se evidenciariam a partir das características que as esculturas devocionais dos santos ganharam no Brasil. Em especial, dedica-se ao exame da emergência de um terceiro, Doum, que reporta a questão da gemelaridade, e a infantilização das imagens, representativo do deslocamento do carisma dos santos da medicina à infância. Mourão, além de ressaltar à porosidade e troca entre as tradições europeias e africanas em termos cosmológicos, aponta para o apagamento histórico da influência artística negra sobre aquilo que, em geral, é tomado como “arte sacra”, demostrando a produtividade de romper com a colonialidade que marca algumas formas de produção de conhecimento sobre as artes.

Nos capítulos seguintes, Morena Freitas e Lucas Rehen, a partir de rituais organizados em torno de Cosme e Damião e das crianças, demonstram os ganhos etnográficos ao olhar para as “brincadeiras” e outros elementos considerados característicos de crianças nessas celebrações. Mais que apontarem a existência de expressões/vivências lúdicas, suas reflexões lançam luz para a atualização dos sentidos de religioso e de infância com a ressignificação da relação entre “brincadeira” e “trabalho [espiritual]”. Freitas, em “Hoje tem alegria: as ibejadas e seus doces”, analisa as materialidades que, no decorrer das festas de umbanda, são investidas da capacidade de criar e experimentar a infância: doces, frutas, roupas, refrigerantes, brinquedos, potes, enfeites etc. Ao recorrer a uma abordagem sensorial, ressaltando os sabores, os cheiros, o tato, as sensações e os sons que constituem o ritual de celebração às entidades infantis, evidencia a centralidade que a comida assume no culto, observando a ampliação dos significados dos doces, que deve ser tomado como uma “categoria de classificação da experiência”.

A presença ritual e cosmológica de Cosme e Damião no Daime relaciona-se com o tema do diálogo inter-religioso não apenas pela incorporação da devoção em si, cuja origem reporta as aproximações entre o universo ayahuasqueiro e a umbanda, mas, como Lucas Rehen discorre em “Cosme e Damião na religiosidade ayahuasqueira”, por meio das transformações que verifica na “performance musical-corporal” no ritual daimista e das tensões e negociações daí decorrentes - ou a partir dali enunciados. Se tradicionalmente há uma representação entre os fiéis de que as celebrações e os cultos se caracterizam pela ordem, pela rigidez e pela contenção, a devoção aos santos gêmeos e suas formas específicas de expressão no rito, com a incorporação de brincadeiras e outros aspectos lúdicos nas performances dos sujeitos e da religião, têm fissurado aquela imagem e apontando para arranjos e conflitos no diálogo entre essas duas tradições. Nesse sentido, o capítulo traz uma interessante contribuição ao deslocar a Umbanda da posição de quem lê, interpreta e ressignifica outras tradições e cosmologias, para observá-la como polo emissor-matriz em referência a incorporação dessa devoção no universo ayahuasqueiro.

Em “Etnografia da recusa: negações, apagamentos e símbolos judaico-cristãos”, Lívia Reis adensa as reflexões sobre a materialidade e os agenciamentos (a partir) dos doces e propõe interessante interpretação acerca das recentes transformações no campo evangélico e dos direitos humanos no Brasil. Com base em dois contextos e estratégias de pesquisas diferentes, análise documental de matérias na Folha Universal e observação etnográfica de uma celebração voltada às crianças em uma denominação evangélica, a autora demonstra a reelaboração dos discursos e práticas de rejeição à devoção aos santos, destacando, sobretudo, uma espécie de suavização nas formas de demonização das celebrações e cultos caros à tradição “afrocatólica” e a atualização dessas práticas populares através de sua incorporação e combinação com referências consideradas judaico-cristãs. Especialmente interessante, no entanto, é que o acionamento e a sacralização de referências sionistas-judaicas por setores evangélicos, como a centralidade que passa a ser conferida ao “povo hebreu”, seus feitos, objetos e símbolos nas celebrações e outras atividades desses segmentos religiosos, pode, nas reflexões de Reis, ser nuançada a partir do reconhecimento dos possíveis impactos de marcos legais e políticos trazidos por ações no campo do enfrentamento da intolerância religiosa no Brasil, resultando em novas formas e estratégias de afirmação dos evangélicos no espaço público que desafiam o modelo tradicional descrito como “pluralista exclusivista”.

No último capítulo, “Os doces santos no Rio de Janeiro do século XX”, Lucas Bártolo, a partir de pesquisa hemerográfica, reflete sobre as diversas formas de expressão da devoção aos santos ao longo de décadas e nos oferece oportuna interpretação sobre a sua (re)conversão em uma tradição do Rio de Janeiro, ressaltando as transformações nas dinâmicas sociais e na própria imprensa do período. Por meio da recuperação das informações, acompanhamos o deslocamento e ampliação da presença das celebrações e cultos pela cidade, pelas seções dos jornais e em torno dos sujeitos/atores que as agenciavam, mas também temos acesso às dinâmicas que, ao longo do século, colaboraram com a produção da imagem pública da devoção e enunciaram os conflitos decorrentes das múltiplas formas de experimentá-la. A partir disso, observamos que os embates em torno da definição da tradição e da autenticidade de determinadas práticas, atualizados pelos diversos atores em disputa e pelos jornais observados, são uma forma permanente na elaboração pública dessa devoção na cidade ao longo do século, nos levando a pensar que essas disputas são constitutivas da própria devoção.

Ao encerrarmos a leitura, somos mais uma vez conduzidos à devoção com base no ensaio fotográfico que, incluído como anexo no livro, também compôs uma exposição virtual.3 3 A exposição Doces Santos: as devoções a Cosme e Damião no Rio de Janeiro, realizada entre os dias 21 de setembro e 25 de outubro de 2020, ainda pode ser visitada no perfil @ludensmn no Instagram. Captando as emoções e sociabilidades em torno do dar e do correr atrás de doces e das celebrações domésticas e comunitárias, somando-se às imagens que recheiam a maior parte dos capítulos, o caderno de fotos, produzido por diferentes pesquisadoras e pesquisadores de Doces Santos, mostra que “o doce” também é experimentado pelas imagens. Nessa direção, um bastidor fundamental da obra e observável ao conclui-la está em sua origem. Diante dos desafios de acompanhar uma “festa multissituada” e “em movimento”, as organizadoras e o organizador informam que foi preciso desenvolver uma “etnografia do movimento em movimento” e de caráter coletivo. Movimento, no entanto, é indicativo não só dos deslocamentos físicos/territoriais, mas evoca processos de transformação, criação e trocas. Nesse sentido, vale destacar que Doces Santos é um produto, ou uma oferta, que se soma a outras (que inclui dissertações, tese, relatórios de iniciação científica e de pós-doutorado, exposição virtual etc.) dadas pelo Ludens (Laboratório de Antropologia do Lúdico e do Sagrado) em torno dessa devoção e a partir do engajamento de múltiplas pessoas, de diferentes instituições, em distintas etapas de formação, de estudantes do Ensino Médio a docentes do Ensino Superior, mostrando que a força do trabalho colaborativo e do diálogo além da universidade não se perde em chamas, como as que incendiaram o Museu Nacional/UFRJ em 2018, instituição que sedia o laboratório.

Como a criança que fica até o fim do dia em busca de saquinhos procurando prolongar a festa e ganhar mais, o livro nos deixa um desejo similar em algumas temáticas que podem ser aprofundadas em novas pesquisas e publicações. De maneira especial, as celebrações e os cultos no interior de paróquias e outros espaços católicos pode ganhar maior protagonismo, observando as suas formas de expressão e nuances, como as que existem entre o dia oficial e o oficioso da festa, respectivamente, 26 e 27 de setembro, ou ainda na revelação do modo como a devoção é praticada no decorrer do ano e sem o vínculo direto com a festa. Outras duas questões mencionadas que deixam o mesmo gosto doce são a expressão da fé e a presença dos santos em referências da música popular, trazida também na epígrafe desta resenha com a citação de um samba, e as práticas comerciais e sociabilidades que (re)organizam um grande mercado que serve à festa no subúrbio carioca, o popular Mercadão de Madureira. Diante das múltiplas questões, dos limites e desafios que emergem com a organização de uma coletânea tão diversa como essa, os deslocamentos e negociações entre diferentes concepções da festa, como as que ora parecem elaborá-la como “popular”, ora como “destinada a pobres”, bem como as diferentes conclusões alcançadas pelas autoras e autores, evidencia-se a relevância da continuidade desses investimentos como forma de conhecer algumas transformações que marcam o Brasil contemporâneo.

Por fim, é preciso pontuar que a potência do livro também está na eleição do tema e do seu enquadramento. Ao trazer aportes e interpretações acerca de uma devoção articulada no espaço público e a partir da centralidade das crianças, contribui para reflexões e enfrentamentos em torno da intolerância religiosa, observando suas manifestações, apontando transformações e caminhos, como também relatam a resistência daquelas e daqueles que permanecem ocupando as ruas, não abrindo mão desses espaços para convívio, partilha e realizações coletivas. Além disso, ao lançar luz acerca das presenças e elaborações sobre/das crianças físicas e espirituais, demonstra o poder e os agenciamentos dos seus conhecimentos e brincadeiras, evidenciando que a infância não é só momento de aprender, mas forma de educar, ser educado e experimentar a vida. Nessa direção, concluo a escrita desta resenha revelando que durante a leitura revivi algumas experiências de receber e dar doces de Cosme e Damião que, desejoso de compartilhar essa dádiva, também me faz convidar a leitora e o leitor a correr atrás desse livro-oferta, uma espécie de saquinho de doces (e dos bons!) dado a todas e todos nós!

  • MENEZES, Renata; FREITAS, Morena; BÁRTOLO, Lucas (org.). Doces Santos: devoções a Cosme e Damião Rio de Janeiro: Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2020, 531p. (Série Livros Digital, 21)
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    Agradeço a Raquel dos Santos Sousa Lima (UFV) pela interlocução em torno da elaboração desta resenha.
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    “Doces Santos: reciprocidade, relações inter-religiosas e fluxos urbanos em torno à devoção a Cosme e Damião no Rio de Janeiro”, coordenada por Renata Menezes (UFRJ) e financiada pela Faperj, através do Programa Jovem Cientista do Nosso Estado, entre 2013 e 2016.
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    A exposição Doces Santos: as devoções a Cosme e Damião no Rio de Janeiro, realizada entre os dias 21 de setembro e 25 de outubro de 2020, ainda pode ser visitada no perfil @ludensmn no Instagram.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2021
  • Aceito
    18 Ago 2021
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