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Religiões e Raça

Engana-se quem pensa que a articulação entre religiões e raça, proposta deste dossiê, é um campo recente de estudos. No Brasil, o interesse pelo tema esteve no cerne da formação das Ciências Sociais enquanto campo acadêmico, de maneira geral, mas sobretudo nos estudos da religião, em particular. No entanto, como nos mostra a literatura especializada (Birman 1997BIRMAN, Patrícia. (1997), "O campo da nostalgia e a recusa da saudade: temas e dilemas dos estudos afro-brasileiros". Religião & Sociedade, Rio de Janeiro, v. 18, n.2., Silva 2002Silva, V. G. da. (2002). "Religiões afro-brasileiras. Construção e legitimação de um campo do saber acadêmico (1900-1960)". Revista USP, (55), 82-111. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i55p82-111
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e Prandi 2007), os debates que de alguma maneira relacionaram esta temática tiveram, durante algumas décadas, um foco bem definido: as populações afro-brasileiras e as religiões dos negros, especialmente o candomblé.

De acordo com Silva (2002), foi o trabalho de Nina Rodrigues sobre línguas e religiões africanas que contribuiu, ainda na década de 1930, “para uma primeira transformação do status das representações sobre negros no Brasil” (Silva 2002:87). Apesar de entusiasta do racismo científico e dos princípios antropométricos, o registro etnográfico produzido por Rodrigues (1935RODRIGUES, Raimundo Nina. (1933[1894]), As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil. Rio de Janeiro, Guanabara.) permitiu que as religiões afro-brasileiras fossem reconhecidas como "um dado psicológico positivo, em um contexto em que não se pensava que essa religiosidade fosse passível de ser observada seriamente, muito menos pela ciência” (idem).

Enquanto a produção de Rodrigues (1935RODRIGUES. Raimundo Nina (1935), O animismo fetichista dos negros bahianos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.) teve como preocupação central os impactos da miscigenação no Brasil, a maioria dos trabalhos sobre religiões afro-brasileiras, quando elas ainda eram apenas a religião dos negros, esteve centrada em seus aspectos etnográficos, com foco nos mitos, nos rituais e nas relações engendradas no interior dos terreiros (Prandi 2007:9). O interesse em pesquisar relações raciais, vale lembrar, também levou pesquisadores estrangeiros a se aproximarem dos cultos afro-brasileiros. Este foi o caso de Donald Pierson (1971) e Ruth Landes ([1947] 2002LANDES, Ruth. (2002), A Cidade das Mulheres. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.), ainda na década de 1930, e Roger Bastide (1983BASTIDE, Roger. (1946 [1973]). “Contribuição ao estudo do sincretismo católico-fetichista” in Estudos afro-brasileiros. São Paulo: Perspectiva, pp. 159-191.;1986BASTIDE, Roger. (1958 [2005]), O candomblé da Bahia (rito nagô). São Paulo: Companhia das Letras.), da década seguinte em diante. Interessado compreender os cultos afro-brasileiros como uma realidade brasileira, considerando a relação entre negros e brancos, Bastide foi responsável, também, por impulsionar todo um debate sobre sincretismo religioso. Em comum aos trabalhos produzidos sobre cultos afro-brasileiros, pelo menos até a década de 1970, o fato de tratarem da temática da nação, característica observada por Birman (1997BIRMAN, Patrícia. (1997), "O campo da nostalgia e a recusa da saudade: temas e dilemas dos estudos afro-brasileiros". Religião & Sociedade, Rio de Janeiro, v. 18, n.2.). Para a autora, desde os primeiros estudos sobre as religiões dos negros, “as religiões afro-brasileiras foram designadas como um componente heterogêneo, de certo modo estrangeiro, e ao mesmo tempo como fazendo parte da singularidade que “faz do Brasil, Brasil” (1997:79).

Uma nova abordagem pôde ser percebida, ainda segundo Birman, a partir da década de 1970, quando uma geração de pesquisadores colocou em questão posicionamentos teórico-metodológicos e epistemológicos já consolidados sobre as religiões afro-brasileiras. Em um momento em que a Antropologia, enquanto campo do conhecimento, questionava a autoridade etnográfica, as formas de escrita e o próprio conceito de cultura, esse movimento procurou “'desnaturalizar' os sentidos de África no Brasil, ainda que para realizar o mesmo movimento no sentido oposto: “'desnaturalizar' as áfricas no Brasil para redimensioná-las como invenções culturais associadas à criação de identidades religiosas e nacionais” (Birman 1997:82). Como se vê, mesmo após algumas rupturas, a articulação entre religião e raça continuou sendo atravessada pela questão do papel das religiões afro-brasileiras na formação de uma cultura nacional e, claro, sua relação com o catolicismo, religião que ocupa a outra ponta do debate sobre identidade e nação no Brasil.

Apesar da separação entre igreja e Estado ter sido constitucionalmente reconhecida em 1891, não podemos desconsiderar que o Brasil teve o catolicismo como religião oficial durante quase quatro séculos (Montero, Sales, Teixeira 2017MONTERO, Paula; SALES, Lilian. P.; MORAES TEIXEIRA, Jacqueline. (2017). "As relações entre Estado e Religião no Brasil". SILVA, Felipe; Rodriguez, José. R. Rodriguez. (Org.). Manual de Sociologia Jurídica. 4 ed. São Paulo: Saraiva, v. 3, p. 301-335). Este fato teve reflexos incontornáveis na consolidação de moralidades públicas, na composição dos símbolos nacionais e nas ações de repressão do aparelho estatal. Mesmo por isso, há um consenso na literatura de que tanto a presença negra como a hegemonia católica forneceram um leque de elementos mágicos-religiosos centrais para a constituição de uma matriz cultural nacional (Velho 1987; Steil 1996STEIL, Carlos Alberto. (1996), O sertão das romarias: um estudo antropológico sobre o santuário de Bom Jesus da Lapa Bahia. Petrópolis: Vozes , Sanchis 1994SANCHIS, Pierre. (1994), "O repto pentecostal à cultura católica brasileira”. Revista de Antropologia, v. 37, p. 145-181.; Silva 2012SILVA, Vagner Gonçalves da. (2012), Caminhos da Alma: Memória Afro-Brasileira, Vol 1 (2a. edição). 1. ed. São Paulo: Selo Negro/Summus, v. Vol 1. 267p.), configurando aquilo que Sanchis (1994) convencionou chamar de “cultura católico-brasileira”. No entanto, vale reforçar que a imagem dessa nação essencialmente católica foi construída sobre a negação e a repressão de outras religiosidades, principalmente aquelas ligadas aos cultos indígenas e afro-brasileiros, e que conflitos e perseguições religiosas são parte constitutiva de nosso processo histórico, não uma exceção (Giumbelli 2004GIUMBELLI, E. (2004), "Religião, Estado, modernidade: notas a propósito de fatos provisórios". Estudos Avançados (USP. Impresso), São Paulo, v. 52, n.52, p. 47-62.; Menezes 2014​​MENEZES, R.C. (2014) Religiões, números e disputas sociais. Comunicações do ISER, v. 33, p. 34-54.).

A partir da década de 1970, as tensões provocadas pela perda da hegemonia católica como base de uma matriz cultural nacional e pelo crescimento pentecostal inseriram novos elementos ao campo religioso brasileiro. As mudanças no interior de um país tradicionalmente católico, mesmo que por inércia (Teixeira e Menezes 2006TEIXEIRA, Faustino; MENEZES, Renata de Castro . (Org.) (2006), As Religiões no Brasil: continuidades e rupturas . Petrópolis: Vozes .; 2013TEIXEIRA, Faustino; MENEZES, Renata de Castro (Org.). (2013), Religiões em movimento: o censo de 2010. Petrópolis: Vozes .), teria tensionado as definições de “cultura” e “identidade” (Mariz e Campos 2011MARIZ, Cecília; CAMPOS, Roberta B. C. (2011), "Pentecostalism and “National Culture” a Dialogue between Brazilian Social Sciences and the Anthropology of Christianity". Religion and Society: Advances in Research, v. 2, p. 106-121.; Sant’Anna 2013SANT’ANA, Raquel. (2013), “A música gospel e os usos da ‘arma da cultura’. Reflexões sobre as implicações de uma emenda”. Revista Intratextos, v. 5, no 1, pp. 23-41., 2017; Bandeira 2017; Machado 2018MACHADO, Carly. (2018), "Evangélicos, mídias e periferias urbanas: questões para um diálogo sobre religião, cidade, nação e sociedade civil no Brasil contemporâneo''. Debates do NER, Porto Alegre, ano 19, n. 33, p. 58-80, jan./jul.), com ressonâncias nas práticas culturais consideradas tradicionais e populares, incluindo relações familiares, disputas na política partidária e por direitos (Duarte & al 2006DUARTE, Luiz F. D. (2006), “Ethos privado e modernidade: o desafio das religiões entre indivíduo, família e congregação”. In: DUARTE, Luiz Fernando Dias et al. (Orgs.). Família e Religião. Rio de Janeiro: Contracapa, p. 51-89.; Machado 1996MACHADO, Maria das Dores Campos. (1996), Os efeitos da adesão religiosa na esfera familiar. São Paulo: ANPOCS., Vital da Cunha; Lopes 2012VITAL DA CUNHA, Christina; LOPES. Paulo V. (2012), Religião e política: uma análise da atuação de parlamentares evangélicos sobre direitos das mulheres e de LGBTs no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll.; Vital da Cunha, Lopes & Lui 2017VITAL DA CUNHA, Christina; LOPES, P. V., LUI, J. (2017), Religião e Política: medos sociais, extremismo religioso e as eleições 2014. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll: Instituto de Estudos da Religião). Percebe-se um intenso movimento de politização do religioso (Asad 1993ASAD, Talal. (1993), Genealogies of religion: discipline and reasons of power in Christianity and Islam. Baltimore: The Johns Hopkins University Press.), de politização da cultura (Wright 1999) e de politização de identidades (Araújo 2013), além de um imbricamento entre religião, cultura e política (Mafra 2011MAFRA, C. C. J.. (2011), A "arma da cultura" e os "universalismos parciais". Mana (UFRJ. Impresso), v. 17, p. 607-624; Sant’Anna, 2017; Giumbelli 2016GIUMBELLI, E. (2018), “When Religion Is Culture: Observations About State Policies Aimed at Afro Brazilian Religions and Other Afro-Heritage”. Revista Sociologia e Antropologia, 8: 401-426, 2018.)

Contudo, essa maior diversidade religiosa não impediu que religiões afro-brasileiras deixassem de ser atacadas. Ainda que essas práticas sejam direcionadas, também, a outras religiões minoritárias, como nos casos das casas de reza indígenas, é possível dizer que a violência física e simbólica contra religiões no Brasil continua direcionada, em sua maioria, às religiões de matriz africana (Silva 2007 e 2015SILVA, Vagner Gonçalves. (2015), “Entre a gira de fé e Jesus de Nazaré: Relações Socioestruturais entre neopentecostalismo e religiões afro-brasileiras”. In: SILVA, Vagner (org.). Intolerância Religiosa: Impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. SILVA, Vagner (Org.). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. pp. 191-260.; Tavares & Chagas 2021TAVARES, Fátima; CHAGAS, C. (2021), "21 de Janeiro de 2021, Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa: notícias de Salvador e da Bahia". Revista Intolerância Religiosa, v. 2, p. 1-4.; Vital da Cunha 2021VITAL DA CUNHA, Christina (2021), "Ativismo Negro Religioso: O caso da Frente Parlamentar de Terreiros no Congresso Nacional Brasileiro". Novos Estudos. CEBRAP, v. 40, p. 243-259.). Como nos mostra a literatura, esses ataques são realizados, ainda que não exclusivamente, por evangélicos, em sua maioria de origem pentecostal (Almeida 2009ALMEIDA, Ronaldo de. (2009), A Igreja Universal e seus demônios. São Paulo: Terceiro Nome.), que percebem as religiões atacadas como “demoníacas” (Almeida 2003ALMEIDA, Ronaldo. (2003), "A guerra de possessões". In: Ari Pedro Oro; André Corten; Jean-Pierre Dozon. (Org.). Igreja Universal do Reino de Deus: Os novos conquistadores da fé. São Paulo: Paulinas, p. 321-342., Silva, 2007; Rocha et al, 2011ROCHA, José Geraldo da; PUGGIAN, Cleonice, RODRIGUES, Luana Rodrigues. (2011), “Religiões de Matrizes Africanas: dilemas da Intolerância da Contemporaneidade”. Debates do NER , ano 12, n. 20 p. 145-164, jul./dez.).

Para além da violência física, a violência simbólica também impacta diretamente manifestações culturais e religiosas populares. Um bom exemplo é a festa de Cosme e Damião, ligada aos santos católicos e às religiosidades afro-brasileiras. O trabalho de Menezes et al (2020MENEZES, Renata de Castro; FREITAS, Morena; BÁRTOLO, Lucas (Org.). (2020) Doces Santos: devoções a Cosme e Damião. 1. ed. Rio de Janeiro: Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.) mostra que, na cidade do Rio de Janeiro, a distribuição de saquinhos de doces que caracteriza a festa vem sendo alvo de ataques sistemáticos por parte de algumas denominações evangélicas, que os consideram “doces do demônio". Como mostra a literatura, o discurso demonizador interfere não apenas nas relações de sociabilidade mas também colocam em xeque a própria reprodução da festa (Gomes 2009GOMES, Edaline. (2009), “Doce de Cosme e Damião: Dar, Receber, ou não?” In: GOMES, Edlaine. Dinâmicas Contemporâneas do Funcionamento Religioso na Sociedade Brasileira. Aparecida: Ideias e Letras, pp. 167-185.; Reis 2020REIS, Lívia. (2020), "Etnografia da recusa: negações, apagamentos e símbolos judaico-cristãos". In: MENEZES, Renata de Castro; FREITAS, Morena; BÁRTOLO, Lucas. (Org.). Doces Santos: devoções a Cosme e Damião . 1. ed. Rio de Janeiro: Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro .). Não por acaso, esses ataques são percebidos também como ataques à cultura brasileira, denunciados também de outras formas, como no caso das manifestações das escolas de samba (Menezes, Bártolo 2019MENEZES, Renata de Castro; BÁRTOLO, Lucas. (2019) Quando devoção e carnaval se encontram. PROA - Revista de Antropologia e Arte, vol. 9, n. 1, p. 96-121, Menezes 2020MENEZES, Renata de Castro. (2020) "Caos, crise e a etnografia das escolas de samba do Rio de Janeiro". Hawò, v. 1, p. 1-38.). Os movimentos do campo, entretanto, não param por aí.

Como demonstrado por Mafra (2011MAFRA, C. C. J.. (2011), A "arma da cultura" e os "universalismos parciais". Mana (UFRJ. Impresso), v. 17, p. 607-624), a “arma da cultura” foi uma estratégia frequentemente mobilizada por católicos e afrorreligiosos nos processos de patrimonialização e de luta por direitos que garantiram sua inclusão na narrativa nacional (Velho 2006VELHO, Otávio. (2006), "Missionamento no mundo pós-colonial: uma visão a partir do Brasil e alhures". Tensões Mundiais, v. 2, p. 139-206.; Sansi-Roca, 2005aSANSI-ROCA, Roger. (2007), “De armas do fetichismo a patrimônio cultural: as transformações do valor museográfico do Candomblé em Salvador da Bahia no século XX.” In: ABREU, Regina; CHAGAS, Mario; SANTOS, Myrian Sepúlveda dos (orgs). Museus, coleções e patrimônios: narrativas polifônicas. Brasília: IPHAN/DEMU, Coleção Museu, Memória e Cidadania, p.95-112. ; 2005bSANSI-Roca, Roger. (2003), Fetishes, images, commodities, art works: afro-brazilian art and culture in Bahia. Tese de Doutorado em Antropologia. Chicago: University of Chicago.). Hoje, percebe-se que a “cultura” tem sido utilizada como arma também por evangélicos, que, de alguma forma, também querem se inserir nas narrativas de nação (Machado 2018MACHADO, Carly. (2018), "Evangélicos, mídias e periferias urbanas: questões para um diálogo sobre religião, cidade, nação e sociedade civil no Brasil contemporâneo''. Debates do NER, Porto Alegre, ano 19, n. 33, p. 58-80, jan./jul., Sant´Anna 2017SANT'ANA, RAQUEL. (2017), A nação cujo Deus é o Senhor: a imaginação de uma coletividade evangélica a partir da Marcha para Jesus. 2017. 263 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). Nos últimos anos, observamos o aumento das demandas legislativas apresentadas por parlamentares evangélicos na disputa por feriados religiosos, nas disputas por patrimonialização material e imaterial (Toniol, Reis 2021REIS, Lívia; TONIOL, Rodrigo (2021), “Como as religiões disputam legitimidade utilizando a estratégia da religião como cultura”. Religião e Poder, 18 de outubro de 2021. Disponível em Disponível em https://religiaoepoder.org.br/artigo/como-as-religioes-disputam-legitimidade-utilizando-a-estrategia-da-religiao-como-cultura . Acesso em 10 de janeiro de 2022.
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) e pela construção de monumentos de símbolos religiosos em praças públicas (Giumbelli 2014GIUMBELLI, E. (2014), Símbolos religiosos em controvérsias. 1a. ed. São Paulo: Terceiro Nome ., 2021GIUMBELLI, E. (2021) "Sentidos da Cultura em suas Relações com a Religião: Políticas Culturais e Diversidade Religiosa no Brasil". DADOS, Rio de Janeiro, vol.64 (4) pp.1-32.).

Por fim, é importante destacar que raça e religião aparecem imbricados, também, como elementos constitutivos dos regimes de alteridade que marcaram a exploração colonial das Américas, impondo a necessidade de se pensar, mesmo que historicamente, os processos de racialização no contato com o cristianismo. Em “Sociologia de uma Revolução”, Fanon (1968FANON, F. (1968), Sociología de una revolución. Cidade do México: Ediciones Era) chamou atenção sobre as mudanças ocorridas na sociedade argelina após a revolução pela independência, iniciada em 1954, e identificou a raça como uma materialidade atravessada por linguagens religiosas que permitiu com que a sociedade europeia remodelasse os territórios colonizados. Além disso, demonstrou as ambivalências que atravessavam as religiosidades, que, ao mesmo tempo em que provocam a obliteração do sujeito racializado - como nos mecanismos de imposição do cristianismo -, também promoveram insurgências - como no caso do islã, que atuou positivamente para construção de uma “nova sociedade argelina” (Fanon 1968FANON, F. (1968), Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro, RJ: Editora Civilização Brasileira:17).

Nesse mesmo sentido, Aníbal Quijano (2004QUIJANO, Anibal. (2004) El laberinto de América Latina: ¿hay otras salidas? OSAL, Observatorio Social de América Latina. Buenos Aires: Clacso, anoV, n. 13, p. 15-30.) afirmou que a concepção de raça, amparada pela gramática cristã, teria sido o principal fundamento da naturalização das relações coloniais de dominação. Segundo o autor, a expansão territorial colonialista, justificada pela superioridade de um grupo racial, estabeleceu um mesmo critério de classificação populacional em escala global. A raça se tornou a principal tecnologia de governo da colonialidade e seu uso indiscriminado conseguiu naturalizar a produção da desigualdade (2004:123).

Ainda que o recorte aqui realizado esteja longe de ser exaustivo, é possível afirmar que a religiosidade aparece, há mais de um século, como um marcador importante para compreensão das interações sociais de populações que foram foco da racialização. Como nos mostram alguns os textos deste dossiê, a categoria raça, enquanto marcador social da diferença, se apresenta não apenas como fonte de exclusão ou assujeitamento, mas também como plataforma para estratégias de resistência, de produção de políticas públicas e de ativismos políticos no interior das diferentes religiões. Ao mesmo tempo, apesar de ter sido objeto central da reflexão socioantropológica no século XX, a articulação entre religião e raça perdeu espaço na literatura especializada nas últimas décadas. Isso não significa, contudo, que as interfaces entre essas duas clivagens sociais tenham perdido importância política e social. Elas apenas ficaram deslocadas depois de inúmeros processos de rearticulação da pesquisa acadêmica nos últimos tempos. Resta-nos entender por quê.

Dossiê religiões e raça: recortes e enfoques múltiplos

É evidente que o crescimento pentecostal contribuiu para o recrudescimento dos casos de intolerância e racismo contra religiões afro-brasileiras e indígenas, que pessoas racializadas são as maiores vítimas dessa violência e que essa é uma agenda de pesquisa urgente (Miranda 2012; 2014). Por outro lado, o crescimento pentecostal levou boa parte da população negra, principalmente as mulheres pobres, para dentro das igrejas, o que faz dessa agenda de pesquisa urgente também.

Quando “O Negro Evangélico” foi publicado, em 1985, Regina Novaes e Maria da Graça Floriano chamaram atenção para um campo de pesquisa ainda pouco explorado, mas certamente fecundo, em um momento em que o Brasil ainda era hegemonicamente católico. O trabalho pioneiro, que tinha como objetivo visitar as relações e processos discriminatórios na interação entre pessoas brancas e negras dentro de igrejas protestantes do Rio de Janeiro, resultou na primeira sistematização das relações raciais dentro das igrejas protestantes, ainda que não pentecostais. As autoras tinham como objetivo investigar se, de fato, as igrejas evangélicas se constituíam como espaços mais democráticos, permitindo que pessoas negras acendessem na hierarquia eclesiástica. Ali são encontrados, por parte das lideranças, discursos que vão desde a negação do racismo até a produção de sensibilidades e disposições para o surgimento de um antirracismo evangélico.

Marcia Contins (1995; 2008) e John Burdick (2002) atualizaram algumas das dimensões apresentadas por Novaes & Floriano ao tratar das relações raciais em contextos pentecostais no Rio de Janeiro entre 1990 e 2000. Para os autores, apesar de não haver ações declaradamente antirracistas no interior das igrejas pesquisadas, foi possível observar um conjunto substancial de situações em que o pertencimento racial e a identidade religiosa eram negociados e evidenciados, permitindo que negros evangélicos construíssem uma subjetividade valorizada que possibilitava o reconhecimento social e a mudança de vida.

Atualmente, novas pesquisas têm se empenhado nessa discussão. São exemplos os trabalhos de Reina (2017REINA, Morgane Laure. (2017) "Pentecostalismo e questão racial no Brasil: desafios e possibilidades do ser negro na igreja evangélica". PLURAL, Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.24.2, p.253-275) e Rocha (2021ROCHA, Cleiton de J. (2021), Racializando o Pentecostalismo: experiências e vivências raciais/religiosas em duas igrejas nos extremos do Brasil (Mestrado em Antropologia) Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre. p. 152) sobre raça e pentecostalismo; e de Oliveira (2017OLIVEIRA, Rosenilton da Silva de. (2017) A cor da fé: “identidade negra” e religião. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo.), Medeiros (2021MEDEIROS, Vitor G. Queiroz de, (2021), Ativismo negro evangélico no Brasil contemporâneo. (Mestrado em Sociologia) . Universidade de São Paulo. São Paulo. p.213.) e Araújo (2022), que abordam o letramento racial no interior do Movimento Negro Evangélico. Nesse dossiê, a ambivalência da relação entre evangélicos negros e as pautas antirracistas é foco do artigo de Oliveira, que analisou posições públicas de algumas lideranças do MNE.

Passadas quase quatro décadas da publicação de Novaes & Floriano (1985NOVAES, Regina. FLORIANO, Maria da Graça ; (1985). O Negro Evangélico. Comunicações do ISER , Rio de Janeiro, edição especial.), muita coisa mudou, mas outras tantas ainda permanecem. As transformações na sociedade brasileira - que passou a se identificar mais como negra - e as mudanças do próprio campo religioso brasileiro dividem espaço com o recrudescimento do racismo em suas múltiplas formas. O exclusivismo católico deu lugar a um país de população ainda cristã, embora mais evangélico, os ataques contra religiões de matriz africana e indígena ganharam novos e violentos contornos, sendo agora direcionados também para mulçulmanos que aqui aportaram em razão dos fluxos migratórios. No entanto, ainda são poucas as pesquisas que dão centralidade à dimensão racial, sobretudo quando se fala em cristianismo.

Este dossiê, portanto, tem por objetivo reunir pesquisas sobre religião nas quais a categoria raça foi mobilizada, em diferentes contextos, em seus sentidos histórico (compartilhamento de experiência comum de opressão), político (associação em torno de reivindicações) ou cultural (sentimento de comunidade a partir de uma cultura). Os artigos aqui apresentados abordam uma multiplicidade de temas, com diferentes metodologias, epistemologias, abordagens e referências teóricas, além de diferentes escalas de análise. Isso revela que o debate racial, ao contrário do marco inicial do campo, vem se espraiando oportunamente entre as diferentes religiões e religiosidades. Ainda que muitos dos trabalhos dialoguem, direta ou indiretamente, com o tema da cultura nacional, percebe-se que a análise racialmente orientada das religiões pode abranger outros cruzamentos. É importante ressaltar que os ataques de evangélicos às religiões de matriz africana são mencionados em três artigos deste dossiê, o que reforça a urgência de políticas públicas que combatam a intolerância e o racismo religiosos. Paralelamente, estes mesmos artigos se reportam, de alguma forma, à mobilização pública de afrorreligiosos na luta por garantia de direitos e representação política. Por isso, eles abrem este dossiê.

“Memórias documentadas do grupo “Tradição dos Orixás”: reações, resistência e ressonâncias afro-brasileiras dos anos 1980”, de Edlaine Campos Gomes e Luis Claudio, reconstrói as trilhas para produção de memórias e as alianças políticas realizadas por povos de terreiro no combate ao racismo entre as décadas de 1980 e 1990. Para isso, os autores mergulham no acervo do grupo Tradição dos Orixás, que promoveu, durante mais de três décadas, o liame entre terreiros da Baixada Fluminense e o movimento negro nacional. O artigo, fruto de uma pesquisa realizada por 10 anos, revela que movimento de afroperspectivação ressignificou o papel de sacerdotes e sacerdotisas das religiões afro-brasileiras, deslocando-os do plano da representação simbólica para o de interlocutores de um novo traçado de luta antirracista, interpondo, portanto, raça e religião.

Já “Povos e comunidades tradicionais de matriz africana” no combate ao “racismo religioso”: a presença afro-religiosa na Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial”, de Mariana Ramos de Morais, evidencia como as categorias “raça”, “religião” e “cultura” foram mobilizadas nas estratégias desenvolvidas por afrorreligiosos no âmbito da luta por garantia de direitos e de combate à intolerância religiosa. Diferentemente de Gomes e Oliveira, que pesquisam um grupo, aqui a questão é abordada a partir da análise de uma política pública, a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR), no período de 2003 a 2018. Assim como Gomes e Oliveira, Morais nos mostra que a mobilização política de adeptos das religiões de matriz africana, no âmbito desta política, esteve vinculada à pauta mais ampla de combate ao racismo. Baseando-se em documentos produzidos pelo governo federal, na bibliografia existente sobre o tema e em suas experiências de campo junto aos adeptos dessas religiões, a autora explica com riqueza de detalhes como as religiões afro-brasileiras se articularam no combate ao racismo, como o movimento afrorreligioso apresentou sua agenda naquele contexto e quais estratégias de enfrentamento foram elaboradas para a garantia de direitos.

O artigo escrito por Joana Bahia, Marcelo Camurça e Camilla Aguiar "​​Relações interétnicas, luta contra intolerância religiosa e produção de candidaturas no campo político: eleições municipais de São Gonçalo (RJ) de 2020" articula o debate sobre “religião” e “raça” ao campo de estudos de “religião e política”. Os autores partem de um estudo de caso feito durante as eleições 2020 na cidade de São Gonçalo (RJ) - um dos municípios mais pentecostais do Brasil e também onde a umbanda foi fundada. O foco do estudo foi a candidatura de uma liderança umbandista ao legislativo municipal.

O texto aborda as relações entre racialidade, identidade e política à luz do conceito de interseccionalidade, uma categoria que, segundo os autores, alude à multiplicidade de diferenciações. Com base nessa perspectiva teórica, os autores analisaram, em primeiro lugar, como o discurso racial foi evocado como narrativa público-política pelas religiões de matriz africana em resposta a atos de intolerância religiosa. Depois, analisam a candidatura ao legislativo municipal do diretor social da União Espiritualista de Umbanda e Afro-Brasileiro do Rio de Janeiro, assim como a retórica racial mobilizada durante a campanha. Para ampliar o escopo da análise, os autores estendem a questão das interseccionalidades também ao meio evangélico majoritário, examinando como o discurso racial foi empregado por esses grupos no cotidiano das igrejas.

“Percepções da diversidade étnico-racial e religiosa no Brasil e na Argentina e suas expressões político-jurídicas”, de Camila Nicácio, Paula Montero e Juan Marco Vaggione, parte da comparação entre países hegemonicamente católicos, Brasil e Argentina, para compreender como as diferentes percepções da diversidade étnico-racial e religiosa se expressam no gerenciamento estatal da diversidade religiosa. Para isso, os autores analisam tanto o enquadramento constitucional historicamente dado à diversidade religiosa e étnico-racial quanto as ferramentas oficiais utilizadas para descrevê-la e nomeá-la (ou deixar de), neste caso, os levantamentos censitários de ambos os países, estabelecendo aproximações e diferenças.

O artigo mostra o Censo como um instrumento de disputa e articula discussões variadas que envolvem secularismo, espaço público, tecnologias governamentais de governo das populações e os impactos da gramática católica na percepção racial de cada sociedade. No caso brasileiro, como demonstram os autores, a categoria “pretos” aparece já nos primeiros censos realizados, ainda que as religiões afro e indígenas tenham permanecido invisíveis até o levantamento de 2000. Já no caso argentino, tanto a diversidade étnico-racial quanto a religiosa permaneceram silenciosas até muito recentemente. Os autores consideram que a diferença entre os dois países no trato da diversidade tensiona de maneira distinta as relações entre o regime de liberdade e o regime da igualdade, apesar dos paralelismos nas configurações da desigualdade.

Outros dois artigos do dossiê abordam a relação entre religiosidades e raça pensando memória, corporalidade e reconhecimento. Gestos, tambores e danças nos transportam diretamente para o Vale do Paraíba, no Rio de Janeiro, onde Jongo e Umbanda se cruzam nos rituais de passagem detalhadamente analisados e vividos por João Alípio Cunha em “Gestos e posturas: dançando com os espíritos”. No texto, o autor apresenta dados de pesquisa produzidos paralelamente à experiência de integração ao grupo de Jongo que hoje integra. Ao descrever a preparação e o ritual dedicado à passagem para o outro plano dos espíritos de negros escravizados que habitavam uma antiga fazenda cafeeira na cidade de Pinheiral, Cunha nos provoca a pensar sobre os diferentes modos de produção de conhecimento e também sobre a potência analítica dos múltiplos encontros, ou confluências, experimentados por um antropólogo em campo.

Neste caso, o autor encontra, além das materialidades, dos jongueiros, dos umbandistas e das entidades incorporadas, espíritos de pessoas negras escravizadas. Como pano de fundo, a história da casa de jongo, que cruza a história dos jongueiros com outros ativismos negros, acadêmicos ou não. Por fim, o (re)encontro do autor com a sua própria história, já que o texto mobiliza os estudos da antropóloga negra Marlene Cunha no campo dos gestos e postura no candomblé Angola, também mãe de João. A análise apresentada permite a compreensão dos gestos preliminares, liminares e pós-liminares do ritual, além de recuperar contribuições fecundas dos estudos de gestualidade no campo da antropologia brasileira. Revela, por fim, que a profunda relação afetiva e o histórico de lutas sociais dos jongueiros é marcado por gestualidades ligadas à dança e à religião, mas também mediadas por concepções próprias de raça e cultura.

Raça, memória, cultura e reconhecimento também atravessam o artigo "Entre as águas transatlânticas: dimensões raciais da Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Minas Novas - MG", de Yara Alves. O artigo trata do papel fundamental das irmandades negras para preservação de tradições e reconhecimento do pertencimento racial de populações negras do Vale do Jequitinhonha. Segundo a autora, as Irmandades surgidas na Bahia e em Minas Gerais já surgiram com um forte potencial revolucionário, já que foram criadas por fiéis, não pelo Estado, e se constituíram como espaços legais de encontro e socialização. Para Alves, a festa de Nossa Senhora dos Homens Pretos permite pensar a constituição de um catolicismo negro operado pelo agenciamento que se faz entre as temporalidades do presente e do passado. Ele se torna perceptível, por exemplo, quando a expressão n’goma é evocada na porta da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de Minas Novas sempre que o cortejo e os tamborzeiros dela se aproximavam. Aos gritos de "Salve o povo de Ngoma!'', os tamborzeiros anunciavam a chegada das procissões e da imagem da santa. Para a autora, a Festa permite uma reconexão com esse passado glorioso, interrompido, mas não apagado. Ela é percebida, também, como um bem comunitário e municipal que conecta a memória cultural a um conjunto de arranjos políticos.

O artigo "Hoje eu orei e ele é negro: a gênese do movimento negro evangélico no Brasil", de Rosenilton Oliveira, apresenta uma historiografia do Movimento Negro Evangélico a partir da atuação de algumas lideranças negras em diversas regiões do Brasil. No texto, o autor discorre sobre o modo como os símbolos da herança africana são acionados nas ações desses grupos. Também reconstitui os processos de disputa por legitimidade da presença das pessoas negras no segmento evangélica a partir de uma análise dos conceitos em disputa identificados em campo, tais como “identidade negra”, “cultura negra”, “negritude”, “herança africana”, “pan-africanismo”, “afrocentrismo” etc. A noção de raça acionada por alguns agentes ora aponta para o sentido de grupo étnico, ora se aproximam das demandas e agendas do movimento negro, dentre elas o combate ao racismo. Porém, para o autor, há uma rejeição das religiões afro-brasileiras como sendo o único lócus da “cultura negra no Brasil” sem que haja, no entanto, uma difusão de práticas discriminatórias. Opera-se uma radicalização do movimento de “africanização” iniciado por alguns pais e mães de santo, a ponto de também o cristianismo ser considerado uma “religião de matriz africana".

Como nos alertou Prandi (2007PRANDI, R. (2007). "As religiões afro-brasileiras e seus seguidores". Civitas - Revista De Ciências Sociais, 3(1), 15-33. ) ao referir-se às religiões de matriz africana, “é preciso tratar essas religiões a partir de categorias que - para além dos aspectos de cunho mágico, como a cura - permitam entender questões atuais das ciências sociais como as de gênero, sexualidade, representação política, identidade e ética" (p. 29). Certamente, a abordagem das religiões e religiosidades a partir de sua dimensão racial é promissora e pode ajudar a revelar aspectos importantes e inexplorados da vida social.

Os artigos aqui reunidos mobilizam um conjunto específico de questões, mostram o potencial político das mobilizações religiosas, sobretudo quando conectadas à memória e à luta contra as desigualdades, mas estão longe de esgotar o tema. Portanto, são urgentes que relacionem o recorte racial a religiosidades indígenas, ao pentecostalismo em contextos transnacionais, sobretudo africanos, ao islamismo, às pastorais católicas e ao movimento carismático, às materialidades do sagrado, à cultura nacional, e, claro, o pentecostalismo no Brasil, atualmente a religiosidade escolhida pela maioria dos negros do país.

Além do dossiê Religiões e Raça, compõem este número quatro artigos do fluxo contínuo. "Transição intergeracional em uma Igreja Evangélica e um Centro Espírita nos Estados Unidos: uma análise inicial", de Rodrigo Serrão, apresenta um estudo etnográfico realizado em uma igreja evangélica e um centro espírita nos Estados Unidos. Seu objetivo é pensar como as congregações religiosas brasileiras estão passando por uma transição geracional e reunindo, cada vez mais, adeptos não-brasileiros.

Em "Ritual melquita e dinâmicas identitárias dos cristãos no Líbano", Rodrigo Cruz analisa a importância da comunidade greco-melquita católica na mobilização de dinâmicas identitárias dos cristãos libaneses. O texto é fruto de uma pesquisa realizada em igrejas e monastérios do Líbano e trata da mobilização de uma série de referenciais identitários nos discursos dos participantes dos rituais.

Já Karina Kosicki Bellotti aborda a relação entre religião, saúde e mídia em “Combatamos a obesidade!” - religião, corpo e saúde na mídia impressa adventista". No artigo, a autora analisa o conteúdo produzido entre 1939 e 2019 pela revista Vida e Saúde, da Igreja Adventista do Sétimo Dia, para pensar a mensagem adventista sobre saúde e as representações sobre a obesidade em diferentes momentos da publicação.

Por fim, o artigo "Santo Antônio, me casa já! Leituras Afro-brasileiras sobre as virtudes casamenteiras do santo lisboeta e a moralização da sexualidade da mulher", de Luiz Fernando Conde Sangenis. No texto, o autor discorre sobre os processos culturais de sincretização entre um santo católico e Exu, orixá priápico pertencente ao universo cultural e religioso afro-brasileiro desde o século XVI. Para o autor, o sincretismo foi confrontado por narrativas eclesiásticas do Século XIX com o intuito de compatibilizar os atributos casamenteiros de Santo Antônio com a moral sexual cristã.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021
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