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Las iglesias le dan continente al migrante: igrejas, religiosidades e venezuelanos/as no norte do Brasil

Las iglesias le dan continente al migrante: churches, religiosities and Venezuelans in northern Brazil

Resumos

Resumo: O artigo destaca o lugar da religiosidade nas relações entre migrantes venezuelanos/as e Igrejas cristãs católica e não católicas em Boa Vista (RR) e Manaus (AM). A intesificação do deslocamento venezuelano pelo Brasil setentrional desde 2015 mobilizou dezenas de instituições de índole religiosa para atuar no acolhimento aos/às migrantes. Modos de acolher e ser acolhido se interseccionam com as variadas religiosidades de quem dá e de quem recebe. O predomínio dos grupos religiosos na prestação de serviços “humanitários” no Brasil reflete uma tendência global de terceirização das políticas governamentais. Igrejas e comunidade de fiéis atuam nas brechas deixadas pela não incidência estatal. Contraditoriamente, de um lado reividicam ações de governo e, por outro, fortalecem práticas neoliberais de acolhimento.

Palavras-chave:
acolhimento; migração venezuelana; religiosidade; Boa Vista; Manaus.


Abstract: The article highlights the place of religiosity in the relationship between Venezuelan migrants and Christian Churches in Boa Vista (RR) and Manaus (AM). The intensification of Venezuelan displacement through northern Brazil since 2015 mobilized dozens of institutions of a religious nature to engage in migrant reception. Ways of welcoming and being welcomed intersect with the various religiosities of those who give and those who receive. The predominance of religious groups in the provision of “humanitarian” services in Brazil reflects a global trend towards the outsourcing of government policies. Churches and community of believers act in the gaps left by the state. Contradictorily, on the one hand, they demand government actions and, on the other, they strengthen neoliberal practices of reception.

Keywords:
migrant reception; venezuelan migration; religiosity; Boa Vista; Manaus.


Introdução

A partir de 2015, a entrada cada vez mais numerosa de cidadãos venezuelanos pela fronteira norte do Brasil modificou a paisagem das cidades brasileiras, impressionando as populações locais e pressionando respostas governamentais. Em 2018, o Governo Federal lançou a Operação Acolhida com tríplice objetivo de ordenar a fronteira, abrigar os/as imigrantes e promover a interiorização para outras cidades do Brasil. Antes da reação federal, contudo, entidades e pessoas religiosas já tratavam de abrigar e ajudar os/as venezuelanos/as com a documentação e integração sociocultural no país; ações que foram continuadas no âmbito da parceria com as autoridades federais e agentes das Nações Unidas - ONU.

Diferente de outros estudos sobre as migrações venezuelanas, enfocados nos impactos econômicos e políticos do fenômeno, minha preocupação aqui é lançar luz sobre o lugar da religião e da religiosidade nos modos de acolher e ser acolhido. O tema da religiosidade auxilia na compreensão das relações entre migrantes e as frentes locais de acolhimento bem como o tema da migração ilumina a relação entre fiéis, a relação das Igrejas com fiéis e a relação das Igrejas com instâncias governamentais. A noção de Estado, revelada pelas ações governamentais de acolhimento em Boa Vista e Manaus, desnaturaliza a separação entre Sociedade e Estado e demonstra como as ações estatais podem estar imbricadas com as forças sociais (Mitchell 2005MITCHELL, Timothy. (2015), “Sociedad, economía y el efecto de Estado”. In: P. Abrams; A. Gupta; T. Mitchell (org.). Antropología del Estado. México: Fondo de Cultura Económica.), no caso, as Igrejas e as comunidades de fiéis.

O material aqui discutido resulta de pesquisa de campo intermitente entre 2016 e 2020, com observação participante, entrevistas e colaboração em grupos de trabalho voltados para discussão e planejamento das políticas de acolhimento aos/as imigrantes venezuelanos/as em Boa Vista e Manaus. Os espaços prioritários de observação participante foram as estruturas fisicas das Igrejas, as instalações governamentais e não governamentais de recepção e abrigamento, eventos oficiais e ocupações autogeridas por migrantes em ambas cidades. A maioria das conversas foram travadas em portunhol, 1 1 Portunhol se define como uma língua resultante do contato linguístico entre o Português e o Espanhol e é identificada como uma língua de contato, mas também como uma língua étnica de falantes de comunidades fronteiriças (Sturza 2019:95). pois existia um esforço por parte dos/as migrantes em demonstrar adaptação à realidade brasileira. Esforço semelhante também ocorria entre oficiantes de cerimônias religiosas que se esforçavam em modular os acentos das palavras, simulando sons da língua espanhola, como mecanismo de aproximação com os/as recém-chegados/as.

A vinculação com instituições religiosas e a reinvindicação de valores comuns com os/as brasileiros/as são táticas para conseguir apoio e aceitação social, acionadas pelos/as venezuelanos/as nas duas cidades. Ao mesmo tempo, também é possível observar certo predomínio de instituições religiosas na acolhida dos/as estrangeiros/as bem como seu protagonismo nos projetos de interiorização. Entidades ligadas à Igreja católica e às Igrejas cristãs não católicas constituem quase que a totalidade dos membros não estatais engajados nas políticas destinadas aos/às migrantes, tanto em Roraima quanto no Amazonas. Tal presença, possivelmente, influencia na afirmação ou transformação das religiosidades dos/as estrangeiros/as.

Veremos que o termo “igreja” pode assumir, na perspectiva dos/as envolvidos/as, uma dupla conotação, podendo significar uma instituição e/ou uma comunidade de fiéis. Para desambiguação, tratarei diferenciadamente o papel das Igrejas (instituições) e suas comunidades de fiéis no acolhimento e integração de migrantes venezuelanos/as em Boa Vista e Manaus. Seja pela via comunitária ou pela via institucional, cabe perguntar em que medida o reconhecimento de uma irmandade cristã (e a possibilidade de conversão) dentro do discurso religioso eclipsa as diferenças de nacionalidade e cria uma dimensão de pertencimento a uma humanidade comum.

Por uma questão metodológica e pela própria limitação do campo, os dados apresentados estão restritos à participação dos/as migrantes nas congregações cristãs (católicas e não católicas) em Boa Vista e Manaus. O acolhimento de migrantes venezuelanos/as nessas cidades é marcado por uma complexidade de agentes e campos de atuação que englobam diferentes perspectivas, interesses, disputas e jogos de poder. Nesse sentido, optei em utilizar nomes fictícios a fim de não comprometer meus e minhas interlocutores/as que depositaram em mim confiança e compromisso ético com os dados da pesquisa.

O termo Igreja católica indica a Igreja Católica Apostólica Romana, instituição milenar caracterizada tanto pela tradição do pontificado quanto por sua capilaridade e diversidade contemporânea. Por Igrejas cristãs não católicas, compreendo tanto as chamadas Igrejas evangélicas (pentecostais e neopentecostais) que se submetem ao evangelho como fundamentação única de suas doutrinas, quanto as chamadas Igrejas neocristãs que não têm a bíblia como único livro referencial, mas adotam também referências introduzidas por seus fundadores (ex: o livro dos Mórmons) (Decol 1999DECOL, René. (1999), “Mudança religiosa no Brasil: uma visão demográfica”. Revista brasileira de Estudos Populacionais, Brasília, vol.16, nº 1.). Reconheço e pude identificar durante a pesquisa de campo uma grande diversidade de correntes religiosas embutidas na categoria Igrejas cristãs não católicas que não podem ser resumidas a um bloco monolítico. Contudo, as diferenças teológicas entre as denominações não serão tratadas aqui. O que justifica seu agrupamento em uma única categoria ampla não são seus aspectos doutrinários, porém a praxe do acolhimento por elas promovido.

A expressão “la iglesia le dan continente al migrante” provém dos diálogos com a antropóloga venezuelana Crisco, interlocutora muito próxima, com quem venho construindo uma instigante parceria acadêmica. A expressão remete à ideia de estar contido, de ser aceito e pertencer a um grupo. Trata-se de um processo de aproximação do migrante à comunidade e à instituição religiosa local, que por seu turno busca domesticar o migrante, modificando seu status perante as desconfianças do país receptor.

Na primeira seção, examino como as Igrejas e as comunidades de fiéis se conformam como meio de apoio e integração social aos/às migrantes. Reflito como o vínculo religioso pode operacionalizar hospitalidade e reciprocidade marcadas pela fé compartilhada. Na segunda seção, apresento as diferentes formas de protagonismo das Igrejas e das comunidades de fiéis no acolhimento institucional e comunitário de migrantes venezuelanos/as em Boa Vista e Manaus. Na terceira seção chamo atenção para o predomínio de instituições com vínculo religioso no contexto da Sociedade Civil Organizada atuante no acolhimento de migrantes venezuelanos/as. As Igrejas constituem-se parte integrante de uma indústria migratória que se articula em âmbito internacional e acompanha os processos de terceirização das políticas governamentais. Por fim, torno visível um quadro comparativo sobre a atuação publica da Igreja católica e das cristãs não católicas. Agentes públicos e entidades religiosas posicionam-se em um cenário complexo marcado concomitantemente por situações de cooperação, concorrência e resistência.

Expectativas e reciprocidades

A expressão somos cristianos/as é afirmada cotidianamente por venezuelanos/as em veículos midiáticos, conversas informais e em espaços de interlocução com instâncias governamentais de debate sobre políticas públicas, como audiências públicas. Durante a pesquisa de campo, tanto em Manaus quanto em Boa Vista, a afirmação de um ideal cristão era bastante recorrente. “Soy Cristiano/a; Que Dios te bendiga; Brasileños y venezolanos son hermanos en Cristo. Necesito un trabajo, hermana.

A solidariedade e hospitalidade dos/as brasileiros/as envolvidos/as diretamente em ações de instituições religiosas, em contraposição àqueles brasileiros/as que os hostilizam e estigmatizam, cria a percepção aos/às venezuelanos/as de que comungar uma mesma crença os torna mais semelhantes aos/às brasileiros/as. O reconhecimento de uma origem comum transcendental os torna tão humanos e tão dignos de ajuda quanto os/as brasileiros/as. Na interface entre migrações e cosmovisões religiosas, a noção de humanidade é estimulada pela incorporação de novos parentes, irmãos em cristo, tendo em vista o compartilhamento de uma filiação mítica comum com o pai criador (Vasconcelos; Santos 2017VASCONCELOS, Iana; SANTOS, Sandro. (2017), “Quem é da família? Reflexões sobre parentesco e mobilidade”. REMHU, Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana, vol. 25, nº 49: 249-265.:252).

A religiosidade como mecanismo de integração social dos/das venezuelanos/as em Boa Vista e Manaus pode tanto reavivar a fé quanto invisibilizar a crença praticada na Venezuela, aspecto apontado em estudos com migrantes em outras partes do mundo (Odgers Ortiz 2005, 2015ODGERS ORTIZ, Olga; RIVERA SANCHEZ, Liliana; HERNANDEZ, Alberto. (2015), “Believe, Migrate, Circulate: A Methodological Proposal for Analyzing Migratory Experience and Religious Change from Localities of Origin”. Migraciones Internacionales , Tijuana, vol. 8, nº 2: 73-101. ; Calderon Bony et al. 2014CALDERON BONY, Frida; ODGERS ORTIZ, Olga. (2014), “Prácticas devocionales y construcción del espacio en la movilidad”. Alteridades, México, vol. 24, nº 48: 99-110.; Menjivar 2001MENJIVAR, Cecilia. (2001), “Latino Immigrants and their Perceptions of Religious Institutions: Cubans, Salvadorans and Guatemalans in Phoenix, Arizona”. Migraciones Internacionales, Tijuana, vol. 1, nº 1: 65-88.). A história do jovem Alexsandro, natural de Caracas, é bastante ilustrativa. Conheci Alexsandro na fila dos solicitantes de refúgio na Polícia Federal em maio de 2017 em Boa Vista. Alexsandro é um jovem caucasiano, olhos azuis e cabelos claros. No dia, uma sexta-feira, usava blusa e calças brancas, a gola da blusa exibia sutilmente colares de miçangas coloridas. Durante a conversa, quando questionei como veio parar no Brasil, ele me relatou que conseguiu graças ao contato realizado anteriormente com um pastor brasileiro na capital de seu país. Intrigada com os colares de miçangas que pareciam guias espirituais, resolvi perguntar a ele do que se tratava. Ele prontamente respondeu que era participante da “santería”,2 2 Santería é uma religião originada na ilha de Cuba, caracterizada pelo sincretismo religioso entre divindades africanas e santos católicos (Pollak-Eltz 2004). religião de matriz africana. Contudo, devido à ajuda para arrumar um trabalho e casa para viver em Boa Vista, também passou a frequentar os cultos da Igreja cristã não católica. Disse que faz isso como uma forma de respeito e de prestigiar o convite feito pela família que o acolheu e pela ajuda do pastor, mas que ainda tem bastante convicção na sua verdadeira religião que, ao contrário do que pensam seus anfitriões, também prega o bem. Já Greidalyth, em Manaus, relatou que na Venezuela esteve afastada da Igreja dos mórmons,3 3 Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, conhecida popularmente como Igreja dos Mórmons em associação ao livro do Mórmon utilizado pelos fiéis junto com a bíblia como escritura que orienta a doutrina. a qual frequentava desde a infância. Ao chegar em Manaus retomou os votos com a fé. Desde então, recebe apoio da igreja como alimentação e cursos de capacitação para ela e o marido.

As religiosidades também são fortalecidas em um contexto de grande vulnerabilidade social, em que os indivíduos estão expostos a situações de violências, exploração, doença, fome e falta de habitação. Sem ter nenhuma entidade secular a quem recorrer, as pessoas pedem todos os dias a proteção divina, entidade acessível a qualquer um/a que tenha fé. Chulita relata que, todos os dias em Boa Vista, o grupo de mulheres que trabalha na rua realiza uma oração de proteção, antes de sair durante a manhã, na hora do almoço e no retorno para casa. Aníbal, em Manaus, ao ser questionado sobre as dificuldades enfrentadas na metrópole Amazônica afirma: “Se necesita como requisito creer en Dios y tener firmeza en que Dios me va a dar esa fortaleza y me la va a dar. No hay cosa imposible para Nuestro Señor Jesus Cristo.

A relação com a religiosidade vem ganhando espaço no âmbito dos estudos migratórios. De acordo com Farfán (2007FARFÁN, Carolina Rivera. (2007), “Abriendo brecha con la palabra de Dios: Cristianos no católicos en el sureste de México”. In: A. B. Rodríguez; M. d. C. Aguilar (coord.). Travesías de la fe: migración, religión y fronteras en Brasil /México. México: Colección Selva Negra/UNICACH . :30), os estudos pioneiros evidenciavam a continuidade cultural no país de destino e os benefícios psicológicos da fé religiosa para superação dos traumas do processo migratório. Cadge (2007CADGE, Wendy; ECKLUND, Elaine. (2007), “Immigration and Religion”, Annual Review of Sociology, vol. 33: 359-379. ), por meio de um extenso levantamento bibliográfico, aponta que a maioria das pesquisas realizadas no âmbito das Ciências Sociais, a partir da década de 1990, tinham como centralidade o indivíduo e as organizações de atendimento aos migrantes, revelando diferentes modos pelos quais a religião influencia na adaptação dos/as migrantes.

Na América Latina, Gill (1993GILL, Lesley. (1993), “Religious mobility and the many words of God in La Paz, Bolivia”. In: V. G. Burnett; D. Stoll (ed.). Rethinking protestantism in Latina América. Philadelphia: Temple University Press.), em seu estudo com camponeses e indígenas vivendo em La Paz, Bolívia, demonstra que os/as migrantes criaram uma série de táticas de sobrevivência para driblar as hostilidades econômicas, sociais e culturais da metrópole. Antes praticantes do catolicismo no interior, na cidade grande passaram a frequentar Igrejas pentecostais, pois encontraram espaços comunitários de solidariedade e ajuda mútua. Como hermanos en cristo, ao menos no âmbito religioso, não eram estigmatizados/as por serem índios e migrantes. Barrera (2009BARRERA, Paulo. (2009), “Pentecostalismo, migração andina e periferia urbana no Peru”. Estudos de Religião, vol. 23, nº 37: 104-128. ), em sua pesquisa sobre pentecostalismo e migração andina na periferia de Lima, Peru, aponta como a Igreja Pentecostal Deus é Amor-IPDA atraiu, nas últimas décadas, a participação de migrantes andinos enquanto espaço de fraternidade e convívio, em contraponto à xenofobia e estigma da sociedade de Lima. De acordo com esse autor, nos cultos da IPDA verificam-se experiências que dignificam as pessoas como a fraternidade, a possibilidade de aspirar e/ou conseguir uma responsabilidade, a valorização da condição econômica ou pessoal e, sobretudo, o acesso ao sagrado sem intermediários e sem trâmites burocráticos (Barrera 2009:120-121).

O espírito de fraternidade emanado pelo reconhecimento da condição semelhante por autoridades religiosas e pelos/as brasileiros/as que frequentam rituais, assim como os migrantes andinos da Bolívia e do Peru, emociona e surpreende os/as venezuelanos/as que percebem sinais de hospitalidade explícita, pela qual são recebidos como iguais e não como “outro”. O evento da participação na procissão de Nossa Senhora Aparecida, em Boa Vista, narrado por Yesy, na tentativa de demonstrar que também existem brasileiros/as que são solidários/as e hospitaleiros/as, é elucidativo.

Em outubro de 2016 ocorreu algo para ela inimaginável até então. Acompanhada de outras/os venezuelanas/os, seguiram a procissão e, ao chegarem à frente da Assembleia Legislativa do Estado de Roraima, parte central da cidade, conhecida como Centro Cívico, o padre que dirigia o préstito fez parar a multidão e chamou a todos/as venezuelanos/as presentes. Enquanto estes/as caminhavam em direção ao padre, formava-se um grande círculo composto de brasileiros/as. Yesy contou-me que, nesse momento, sentiram muito medo, acharam que haviam sido encurraladas/os e que algo de ruim poderia acontecer: “Eu pensei - listo agora vão nos matar e não temos nem como sair, depois de tudo que já ouvimos dos brasileiros aqui”. O padre, então, pediu para que todos/as brasileiros/as presentes pedissem perdão aos/às venezuelanos/as. Elas descreveram que, de repente, todas as pessoas que estavam posicionadas em círculo começaram a se ajoelhar e a pedir perdão. Nessa hora havia poucos/as venezuelanos/as no centro, pois muitos tiveram receio do que poderia acontecer. Em seguida, as pessoas que pediam perdão se levantaram e abraçaram coletivamente os/as venezuelanos/as que estavam no centro da roda.

Começamos a chorar, chorar até... chorei... todo mundo chorava... foi algo que nunca em mi vida havia pensado de suceder eso. Depois nos mandaram jantar em um restaurante, foi tudo muito bonito. Estamos muito agradecidas a esses brasileiros que graças a Deus nos trataram bem. (Yeci Boa Vista, 35 anos de idade, natural de Maturin, Boa Vista, 25 /11/2016)

O testemunho de Yesy evidencia que o ambiente religioso surge como alternativa ao contexto político e social adverso de Boa Vista. Estigmatizados/as por parte da população local, os/as migrantes venezuelanos/as encontram, nos ambientes das Igrejas e suas comunidades de fiéis, espaços de convivência e têm a percepção de tratamento como iguais, ao menos, na condição de irmãs e irmãos em Cristo. No ano de 2016, início da chegada significativa de venezuelanos/as na cidade, a população boa-vistense os/as viam com bastante animosidade e desconfiança. Venezuelanos/as tinham muitos obstáculos para se integrar. Eram alvos constante de ataques xenofóbicos, repressão policial e tentativas de deportação pelas autoridades migratórias, em virtude da sua condição indefinida de regularização no país.

Claro todos os dias saímos com um “credo en la boca”, na Venezuela se diz isso quando se tem medo, porque não se sabe o que pode acontecer, se te pegue, se te abuse o se te leve e te mate. Muitos brasileiros nos dizem mortos de hambre! Que estamos mendigando uma moeda. Isso para nosotros é tremendo. Nós temos sido humilhados bastante, mas hay que tener valor, ouviste?! (Gladys, Boa Vista, 25/11/2016)

As Igrejas e as comunidades de fiéis, para os/as venezuelanos/as, assim como para os/as deslocados/as forçados/as das periferias de Bogotá, pesquisados/as por Eduardo Carrilo (2012CARRILO, Eduardo Ignacio Gómez. (2012), “Espiritualidad y desplazamiento: consideraciones para los estudios de migración”. Theologica Xaveriana, vol. 62, nº 173: 61-84. ), retiram a condição marginalizada e produzem a inclusão a uma comunidade de pertencimento. Os/as venezuelanos/as, no ambiente religioso, não são especiais pela condição de migrante, mas por “pertencerem a uma comunidade de fiéis que se identificam, sobre qualquer outra coisa, como sendo “filhos de Deus” (Carrilo 2012:69). Otto Maduro (2009MADURO, Otto. (2009), “Religión y exclusión/marginación. Pentecostalismo globalizado entre los hispanos en Newark, Nueva Jersey”. Revista Cultura y Religión, vol. 3, nº 1: 37-54.), ao refletir sobre o tema, evidencia que a participação de migrantes mexicanos/as em grupos evangélicos pentecostais nos EUA os retira de uma condição de ameaçadores/as, estranhos/as e ilegais para uma condição de pessoas importantes, escolhidas, chamadas, elegidas, abençoadas e protegidas por Deus. Nesse sentido, sublinha o importante papel dos grupos religiosos como espaço de afirmação da dignidade humana e acesso a recursos pelos/as migrantes.

A questão religiosa abre espaço para discutir o reconhecimento ou não de uma humanidade comum entre brasileiros/as e venezuelanos/as. Pertencer ou fingir pertencer a um mesmo credo está diretamente relacionado à abertura ou fechamento de portas por parte dos habitantes locais. A hospitalidade, dessa maneira, pode ser pensada como uma abertura à alteridade, condicionada por limites da própria concepção de humanidade em questão. A hospitalidade trata da relação entre desiguais que, no limite, se percebem como semelhantes. Ela é “o gesto de compensação, de equalização, de proteção, num mundo em que o estrangeiro originalmente não tem lugar” (Grassi 2004GRASSI, Marie-Claire. (2011), “Hospitalidade: transpor a soleira”. In: A. Montandon (org.). O livro da hospitalidade: acolhida do estrangeiro na história e nas culturas . São Paulo: Editora Senac .:44). Importante notar que, como sugere Santos (2017SANTOS, Sandro Almeida. (2017), “Hospitalidade”. In: L. Cavalcanti et al. (org.). Dicionário Crítico de Migrações Internacionais. Brasília: EdUnb.:27), o gesto compensatório não admite hospitalidade sem uma necessária desigualdade de status entre o de dentro e o de fora, entre quem dá e quem recebe. Aquele que recebe jamais poderá retribuir na mesma medida, permanecendo em posição dependente. Michel Agier (2018AGIER, Michel. (2018), L’étranger qui vient: repenser l’hospitalité. Paris: Seuil.) chama atenção para a emergência de novas maneiras de solidariedade cívicas aos migrantes mundialmente, ao passo em que políticas restritivas e de controle das migrações são fortalecidas. Para o autor, a hospitalidade ressurge atualmente configurada como um acolhimento privado que vem ocupar as lacunas deixadas pela ausência de políticas governamentais direcionadas aos/às migrantes. Essa é a condição atual dos/as venezuelanos/as acolhidos/as por indivíduos e instituições religiosas no Brasil.

A acolhida, por parte das comunidades cristãs não católicas, vem convertendo muitos venezuelanos/as ou pelo menos os levando a frequentar essas Igrejas. A participação em cultos e cerimônias é uma forma de retribuir a hospitalidade e/ou solidariedade prestada, embora, para grande parte dessas pessoas, nas suas cidades de origem jamais tenham frequentado tais denominações. A reciprocidade opera como elemento explicativo do fortalecimento da noção de irmandade entre venezuelanos/as e brasileiros/as. Deve-se entrar no circuito de trocas espontaneamente, retribuindo a hospitalidade com algum dom (Mauss 2003MAUSS, Marcel. (2003), “Ensaio sobre a dádiva”. In: M. Mauss. Antropologia e Sociologia. São Paulo: Cosac Naify.). Evangélicos/as oferecem comida, emprego e a casa, em troca, venezuelanos/as frequentam a sua Igreja. Esse caso é exemplificado pelo testemunho de Gladys, natural de Maturim, que descreve sua participação em cultos da Igreja adventista depois que passou a receber visitas de um grupo de mulheres que trouxe comidas, alguns utensílios domésticos e conseguiu emprego para o seu filho em uma fazenda.

Igrejas com redes consolidadas internacionalmente como Mórmons e Adventistas do Sétimo Dia demonstraram forte aparato administrativo, burocrático e tecnológico de controle da comunidade de fiéis. Em Boa Vista, o missionário da Igreja dos mórmons que coordenava uma das frentes de acolhimento aos/às venezuelanos/as me mostrou por meio do celular um sistema on-line com o cadastro de todos os membros da Igreja em âmbito planetário. De acordo com ele, o sistema é acessível apenas a algumas lideranças religiosas, mas por meio desse mecanismo é possível identificar facilmente se o/a migrante está falando a verdade ou mentindo quando afirma pertencer ao credo. Em Manaus, após o batismo na Adventista, os/as recém-convertidos/as receberam um certificado de membros da Igreja. De acordo com a religiosa que ajudava a coordenar a cerimônia, “isso é uma credencial que pode ser apresentada em qualquer parte do mundo”. A possibilidade de inserção em uma comunidade planetária torna-se um fator de atração para os/as migrantes que geram a expectativa de inclusão nessas redes universais de apoio em um contexto em que ainda não se sabe qual será o destino final. O cristianismo é um conhecido meio de integração social de migrantes, seja na Amazônia, nos Estados Unidos ou na Alemanha (Glick-Schiller; Caglar & Guldbrandsen 2006GLICK SCHILLER, Nina; CAGLAR, Ayse; GULDBRANDSEN, Thaddeus. (2006), “Beyond the Ethnic Lens: Locality, Globality, and Born-Again Incorporation”, American Ethnologist, vol. 33, nº. 4: 612-633.).

A fidelização à determinada Igreja possibilita a inserção em uma rede de solidariedade que proporciona desde doações de cestas básicas e remédios até vagas de trabalho. No caso das Igrejas cristãs não católicas, a “conversão” ganha centralidade. Durante o ritual, as pessoas são inquiridas publicamente a “aceitar Jesus”. A inserção no circuito de bênçãos, proporcionada pela conversão e, consequentemente, promovida pela rede de apoio da comunidade de fiéis impõe aos/às recém-convertidos/as a obrigação de testemunhar sobre sua bênção (dádiva) perante assembleia como prova de sua fé. Isso não apenas fortalece o comprometimento com a Igreja publicamente, como também atrai novos/as migrantes na expectativa de entrar no circuito das bênçãos. Aos/às recém-chegados/as, é conferido, pela liderança religiosa local, responsabilidades na missão da Igreja. Isso fortalece a integração internamente com os membros da comunidade de fiéis e traz a sensação de protagonismo nos/as fiéis que fortalece o atrelamento religioso.

Crisco, frequentadora de cerimônias de diversas devoções em Manaus, costuma falar que “las iglesias le dan continente al migrante. Rachel, em Boa Vista, chama atenção que as Igrejas e comunidades de fiéis existem enquanto ponto de referência:

Quando nós chegamos, a gente sabia que tinha problemas de venezuelanos que tinham vindo e ficado, eles não estavam acolhidos, muitos se batizaram na Igreja, muitos voltaram pra Igreja, eles eram membros na Venezuela, chegaram aqui numa situação de fragilidade, eles voltam pra buscar alguma coisa que dê a eles referência. A igreja geralmente é um lugar, um ponto de referência. (Rachel, missionária Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias - mórmons, Boa Vista, em 04/10/2019)

A noção de continente, aqui, não faz referência à territorialidade, mas remete à ideia de estar contido, de ser aceito e pertencer a um grupo. A adesão dos/as migrantes às Igrejas cristãs não católicas como possibilidade de estabelecimentos de vínculos foi igualmente observada por Schünemann (2009SCHÜNEMANN, Haller Elinar Stach. (2009), “O papel das imigrações no crescimento da Igreja Adventista do Sétimo Dia”. Estudos de Religião , vol. 23, nº 37: 146-170.) na cidade de São Paulo. Para ele, a conversão dos/as migrantes à Igreja adventista era estimulada pela criação de laços fraternais com os membros da comunidade. Isso provocava a sensação de igualdade e solidificava a constituição de redes de compadrio (Schünemann 2009:166).

Não obstante a isso, os/as indígenas venezuelanos/as warao,4 4 Oriundos tradicionalmente da região caribenha do delta do Rio Orinoco, os Warao são a segunda maior população indígena da Venezuela. Embora retratados pela literatura histórica, antropológica e arqueológica como um grupo étnico com traços sedentárias, após distintas intervenções estatais e privadas no seu território de origem, iniciaram ciclos migratórios para os centros urbanos, primeiro nos entornos do delta e, posteriormente, chegando até Caracas, capital do país. Em 2014, pela primeira vez, os Warao cruzaram a fronteira com o Brasil. A partir de 2016 ocorreram novas ondas migratórias e em 2020 já estavam presentes em inúmeras cidades das cinco regiões do Brasil (Rosa 2020). ao serem acolhidos em Manaus, em meados de 2017, predominantemente por instituições ligadas à Igreja católica, manifestaram interesse de formalizar seu vínculo religioso:

Teve uma época que os Warao todos queriam ser batizados. Apesar que os Warao, historicamente, são católicos, né? São católicos devido ao processo de colonização da Venezuela, então eles são católicos. Mas quando eles chegaram aqui, logo os primeiros queriam ser todos batizados, a gente desconfiou, “Por que que eles querem ser batizados assim? Mal chegaram, nem conhecem a Igreja e já querem ser batizados, já querem batizar essas crianças tudinho?” Aí conversa com um, conversa com outro, conversa com um, conversa com outro, eles achavam que nós só iríamos continuar ajudando se eles fossem considerados da Igreja. Para ser considerado da Igreja, tem que ser batizado. (Frida, Igreja Católica, Manaus, 29/04/2019)

A preocupação dos/as Warao com o batismo na Igreja católica, quando de sua recente chegada a Manaus, evidencia o ato simbólico de entrada na comunidade cristã local. Transpondo as soleiras da instituição, passariam de visitantes-estranhos a membros da comunidade, gerando compromissos e entrando no circuito de dádivas. Beltran (2006BELTRÁN, William Mauricio. (2006), De microempresas religiosas a multinacionales de la fe: la diversifcación del cristianismo en Bogotá. Bogotá: Editorial Bonaventuriana.) aponta para o mútuo comprometimento gerado pela conversão: “irmão ajuda irmão.” Ou seja, o espírito de irmandade, fortalecido pela conversão, implica em ajudar prioritariamente quem compartilha da mesma fé. Isso fortalece o sentido de pertencimento ao grupo e a autoestima pessoal (Beltran 2006:172). Na percepção dos/as Warao, a integração à comunidade católica por meio do batismo estimularia o que Durkheim (1989DURKHEIM, Émile. (1989), Formas elementares de vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Ed. Paulinas.:503) denomina como “a consciência de parentesco moral” que os une por meio da religião à sociedade nacional. Isso geraria maior comprometimento das instituições católicas envolvidas no acolhimento dos/as migrantes na cidade e prioridade no atendimento de suas demandas. Ou seja, uma identificação com uma Igreja tipicamente local que de alguma forma poderia favorecer a sobrevivência na nova sociedade (Schünemann 2009SCHÜNEMANN, Haller Elinar Stach. (2009), “O papel das imigrações no crescimento da Igreja Adventista do Sétimo Dia”. Estudos de Religião , vol. 23, nº 37: 146-170.:168).

Os grupos religiosos nas cidades de Boa Vista e Manaus se colocam como caminho seguro frente ao universo de incertezas e vulnerabilidades sociais vivenciadas pelos/as venezuelanos/as, os/as quais se sentem abandonados/as pelos governos locais e nacionais, sobretudo pelas autoridades consulares venezuelanas em Boa Vista e Manaus. Assim como os deslocados forçados da periferia de Bogotá, para os/as venezuelanos/as, as comunidades de fiéis e as Igrejas são possibilidades de fuga do desprezo e do obstáculo ao acesso a políticas governamentais (Carrilo 2009:65). De acordo com Rosa (2007ROSA, Ronaldo Sathler. (2007), “A nova cidadania do cristianismo: da tutela à imersão. Uma hermenêutica antropológico-pastoral”. Estudos de Religião , Ano XXI, nº 32: 77-95.), comunidades com parca presença estatal são terrenos férteis para atuação de grupos religiosos.

Da caridade em nome de Deus à defesa dos direitos humanos

A Igreja cristã, especialmente a católica apostólica romana, tem uma longa tradição no exercício da caridade e da hospitalidade que data do século XII (ordens hospitalares, asilos para pobres e para doentes). Após as reformas protestantes, observa-se simultaneamente a secularização e a centralização no nível político das ações de assistência social. No século XVIII, as obras das sociedades filantrópicas substituíram a atuação direta da Igreja. No século XX, a assistência social deixa de ser realizada exclusivamente em nome de Deus, para se fazer em nome de uma invenção laica, os direitos humanos (Godi 2011GODI, Patrícia. (2011), “Igreja: a casa da misericórdia”. In: A. Montandon (org.). O livro da hospitalidade: acolhida do estrangeiro na história e nas culturas. São Paulo: Editora Senac.).

As Igrejas cristãs, a partir de 1930, entram no período denominado por Ronaldo Rosa (2007ROSA, Ronaldo Sathler. (2007), “A nova cidadania do cristianismo: da tutela à imersão. Uma hermenêutica antropológico-pastoral”. Estudos de Religião , Ano XXI, nº 32: 77-95.) como “neocristandade”. A separação da Igreja e do Estado permite à Igreja desempenhar um papel de “contrapoder” (Godi 2011GODI, Patrícia. (2011), “Igreja: a casa da misericórdia”. In: A. Montandon (org.). O livro da hospitalidade: acolhida do estrangeiro na história e nas culturas. São Paulo: Editora Senac.:612-613). Esse “contrapoder” não se trata de exercer um poder paralelo ou necessariamente contrário ao poder estatal, mas de existir enquanto uma instância de interlocução legítima que por vezes corrobora com as diretrizes oficiais e por vezes contraria.

Essa neocristandade seria marcada pela constituição de “organizações temporais cristãs” tais como partidos políticos denominados cristãos, institutos para formação de trabalhadores e camponeses, entre outros. As preocupações voltam-se para as “massas”. As Igrejas cristãs assumem o papel de mediadoras da relação entre sociedade e Estado. A vida cristã se relaciona ao exercício de determinado tipo de cidadania. A religião, antes relegada ao âmbito privado, passa a se preocupar com a vida cotidiana das pessoas. Ao assumir o domínio público, atua principalmente em locais de vulnerabilidade, onde há pouca ou nenhuma intervenção civil (Rosa 2007ROSA, Ronaldo Sathler. (2007), “A nova cidadania do cristianismo: da tutela à imersão. Uma hermenêutica antropológico-pastoral”. Estudos de Religião , Ano XXI, nº 32: 77-95.:80-85).

De acordo com Vanilda Paiva (1985PAIVA, Vanilda. (1985), “A igreja moderna no Brasil”. In: V. Paiva. Igreja e questão agrária. São Paulo: Edições Loyola. ), a atuação da Igreja Católica em espaços coletivos e comunitários se intensificou após a segunda guerra mundial. A instituição passou a ter um importante papel na esfera política no “ocidente”, atuando no combate às formas autoritárias de poder e às desigualdades sociais. Para a autora, as Igrejas foram conclamadas pelo mundo moderno a se aproximarem das massas, deslocando “suas bases sociais das classes médias para camadas subalternas” (Paiva 1985:57).

No Brasil, conforme Leilah Landim (1993LANDIM, Leilah. (1993), A Invenção das ONGs: do serviço invisível à profissão sem nome. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia Social, Museu Nacional/UFRJ.), os reflexos dessas transformações da Igreja Católica, associadas às mudanças conjunturais do país com a emergência de movimentos sociais e sindicais desvinculados do Estado e o declínio da ditadura militar, promoveram, em meados da década de 1970, a formação de um conjunto de Organizações Não Governamentais - ONGs vinculadas fortemente com as Igrejas, especialmente a católica. Essas organizações se constituíram em meio ao movimento de oposição a um regime ditatorial (Landim 1993:102). No final da década de 1970 e início da década de 1980, essas entidades civis sem fins lucrativos se especializaram e vêm atuando na esfera pública com incidência política relacionada a “questões sociais, no Brasil, onde circulam valores variados como a caridade, o altruísmo, a militância” (Idem:9).

A condição de vulnerabilidade dos/as migrantes venezuelanos/as em Boa Vista e Manaus os/as tornam alvo de atenção das Igrejas e comunidades religiosas cristãs, mas as abordagens são diversas. Como dito anteriormente, foram as instituições vinculadas às Igrejas cristãs que prestaram as primeiras ações de acolhimento aos/às migrantes venezuelanos/as, tanto em Boa Vista quanto em Manaus, cada qual a seu modo. Foram predominantemente as organizações ligadas à Igreja católica que tomaram a posição crítica, denunciando a situação de vulnerabilidade dos/as migrantes aos órgãos jurídicos de defesa dos direitos humanos e pressionando o Estado sobre a necessidade de respostas estatais de recepção e acolhimento. Por seu turno, as Igrejas não católicas investem na aproximação de vínculos com os migrantes, atraindo a comunidade venezuelana para os cultos e para a conversão.

O obstáculo da comunicação em virtude da falta de domínio do idioma, por exemplo, fez com que alguns pastores realizassem cultos em portunhol ou com tradução simultânea do português para o espanhol. O domínio do idioma dos/as fiéis é fundamental para qualquer projeto missionário de evangelização e, nesse caso, de conversão, pois “só quando for possível expressar-se na língua nativa, será possível iniciar a evangelização” (Almeida 2004ALMEIDA, Ronaldo de. (2004), “Traduções do fundamentalismo evangélico”. In: R. Wright (org.). Transformando os deuses: Igrejas evangélicas, pentecostais e neopentecostais entre os povos indígenas no Brasil. vol. 2. Campinas: Ed. Unicamp.:42). Para os/as venezuelanos/as, pode-se dizer que a satisfação de ser compreendido/a, mesmo em diálogos travados em portunhol, produz no/a migrante a sensação de integração que repercute no fortalecimento da fé. Isso revigora a percepção de sujeito e a condição de pessoa dos/das migrantes em relação a si e à sociedade acolhedora. Passam de indesejados/as, tratados/as com indiferença, estigmatizados/as, a serem bem-vindos/as, escolhidos/as por Deus e tratados/as como semelhantes, como também já revelaram outras pesquisas relacionadas ao tema (Beltrán 2006BELTRÁN, William Mauricio. (2006), De microempresas religiosas a multinacionales de la fe: la diversifcación del cristianismo en Bogotá. Bogotá: Editorial Bonaventuriana.; Barrera 2009BARRERA, Paulo. (2009), “Pentecostalismo, migração andina e periferia urbana no Peru”. Estudos de Religião, vol. 23, nº 37: 104-128. ; Marinucci 2012MARINUCCI, Roberto. (2012), “A migração dos deuses: as migrações internacionais e a questão religiosa contemporânea”. In: R. Pereira; G. Santiago (org.). Migração e globalização. Curitiba: CRV.; Carrilo 2012CARRILO, Eduardo Ignacio Gómez. (2012), “Espiritualidad y desplazamiento: consideraciones para los estudios de migración”. Theologica Xaveriana, vol. 62, nº 173: 61-84. ).

As necessidades básicas, como saciar a fome, também incentivavam a participação em cultos evangélicos. As cerimônias não católicas tendem a se prolongar mais que as católicas. Geralmente, os cultos duram de uma hora e meia a duas horas. Quando há batizado ou alguma cerimônia especial, o culto pode se estender por mais de duas horas. A liturgia envolve cânticos e louvores coletivos, a pregação por parte do dirigente e momentos de testemunhos de experiências pessoais dos/as fiéis. Os/as venezuelanos/as são constantemente instigados a se pronunciar publicamente. Somente ao final, ocorre a distribuição do lanche, ocasião ansiosamente aguardada pelos/as venezuelanos/as.

Durante as missas católicas é até possível encontrar fiéis nas portas das Igrejas distribuindo panfletos da liturgia, mas, em geral, os/as novos/as visitantes não são convidados/as a se apresentarem no meio da cerimônia. Isso acontece apenas em ocasiões especiais, como durante a “semana do migrante” realizada em meados de junho. Mesmo assim, o número de migrantes é pequeno em relação ao de fiéis nacionais. Quando os migrantes são maioria, os brasileiros não comparecem. Eu mesma tive oportunidade de assistir a uma missa na Paróquia São Geraldo em Manaus, por ocasião da “semana do migrante”, no ano de 2018. A maioria dos participantes eram migrantes (predominantemente haitianos/as e em número menor colombianos/as, peruanos/as e venezuelanos/as). O contato pessoal como os fiéis católicos/as brasileiros/as durante as missas geralmente é mais restrito. A proximidade se resume ao cumprimento rápido, definido por um aperto de mão em quem está ao lado. Os/as migrantes não encontram espaço para se manifestar, entram e saem calados/as e anônimos/as.

Não estou afirmando, com isso, que a Igreja católica e parte de sua comunidade religiosa não se esforce para integrar migrantes e comunidade de fiéis nacionais, mas que as atividades desenvolvidas com esse foco, tais como festas, feiras e seminários, acabam restritas às/aos fiéis engajados/as com o tema da migração, seja com vínculo remunerado ou voluntário. Esse elemento denuncia que a adesão e o engajamento integral da comunidade católica na acolhida e recepção desses migrantes são um desafio. Paradoxalmente, a Igreja católica é instância empenhada políticamente nas questões sociais que envolvem a autonomia financeira, defesa e garantia dos direitos humanos e integração social dos/as migrantes, inclusive com discursos oficiais emitidos pela autoridade máxima, o Papa Francisco.5 5 Existem documentos expedidos pelo Vaticano com diretrizes e instruções sobre o acolhimento de migrantes e refugiados. Disponível em: https://migrants-refugees.va/wp-content/uploads/2019/11/Rifugiati-2013-PORT.pdf. Acesso em: 13/03/21.

Durante um Seminário6 6 Seminário Migração e Políticas Públicas: Acolher, Proteger, Promover, Integrar e Celebrar. “A luta é todo dia!” Realizado de 30 de agosto a 1º de setembro de 2019 em Manaus-AM. Na ocasião havia lideranças de 9 dioceses que compõem a região norte 1 (inclui os estados de Amazonas e Roraima) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB. O bispo de Roraima e segundo vice-presidente da CNBB, Dom Mário Antônio da Silva, e o Bispo de São Gabriel da Cachoeira, Edson Taschetto Damian, participaram de forma integral do evento. realizado no final de agosto de 2019 pela Pastoral do Migrante da Arquidiocese de Manaus,7 7 Dentre os grupos e organizações católicas, a Pastoral do Migrante constitui-se como uma divisão das pastorais sociais que fazem parte da Igreja Católica. um religioso manifestou preocupação com a falta de adesão dos/as cristãos/ãs católicos/as às campanhas e ações de acolhimento aos/às migrantes venezuelanos/as: “Há uma certa indiferença dos cristãos e uma dedicação da Igreja. Como atingir os católicos e a política local?” A súplica do religioso revela uma distinção entre a comunidade de fíeis e a Igreja. Ora, de acordo com Godi (2011GODI, Patrícia. (2011), “Igreja: a casa da misericórdia”. In: A. Montandon (org.). O livro da hospitalidade: acolhida do estrangeiro na história e nas culturas. São Paulo: Editora Senac.:605) o termo igreja no contexto cristão é usado historicamente para designar a comunidade dos fiéis que formam o próprio cristianismo. Então, por que distinguir igreja dos/as cristãos/ãs? O questionamento do religioso, membro da Arquidiocese de Manaus, descortina certo distanciamento entre a Igreja e a comunidade. Contradições que colocam em xeque noções de hospitalidade e acolhida, demonstrado pela pouca participação e integração dos/as venezuelanos/as nos rituais e celebrações católicas.

Por outro lado, também evidencia que a relação da vida cristã com o exercício da cidadania se mantém reservada a um pequeno grupo (Rosa 2017). A ação dos/as cristãos/ãs católicos/as na sociedade resulta de suas escolhas individuais e não de decisões da hierarquia eclesiástica (Gutierrez 1986GUTIERREZ, Gustavo. (1986), Líneas pastorales de la iglesia en América Latina. Lima: CEP. ). A posição do Bispo de Roraima, Dom Mário Antônio da Silva, sobre a necessidade do respeito e acolhimento aos migrantes, contrasta com as frequentes reações xenofóbicas de grande parte da sociedade roraimense. A pastoral do migrante de Manaus também é alvo constante de críticas interna da comunidade de fiéis católicos por ajudar migrantes não católicos:

Não tem, em nenhum momento isso de a orientação ser a de ajudar só quem é católico. Tanto que se você pegar os nossos formulários e onde você for, em nenhum momento tem: “Qual é a sua religião?” É uma das grandes críticas internas que nós da Pastoral do Migrante recebemos da igreja, de outras pastorais, de outros movimentos da igreja, né? Por exemplo no caso dos haitianos: “Mas eles nem são católicos!” A gente fala: “Mas eles são pessoas.” Só. Isso é uma questão nossa de orientação mesmo do evangelho, né? Nós não estamos aqui para atender os católicos, nós estamos aqui para atender as pessoas, para servir as pessoas, ponto. E isso não é porque é Pastoral do Migrante, isso deveria ser todo mundo, né? Mas só que a gente tem dentro da igreja alguns segmentos, né? Mais radicais, mais tradicionais, que não entendem. E aí a gente tem que de vez em quando estar se esquivando desses. (Frida, Manaus, entrevista em 24/09/2019)

A Igreja católica, enquanto um “contrapoder”, tem como norte principal buscar transformar a atuação e a presença da Igreja em benefício dos que estão fora dela. Além “de aprofundar o compromisso político-social dos cristãos e das cristãs, posiciona-se, igualmente, por uma Igreja que não seja legitimadora do status quo hegemônico, considerado como gerador de injustiças” (Rosa 2007ROSA, Ronaldo Sathler. (2007), “A nova cidadania do cristianismo: da tutela à imersão. Uma hermenêutica antropológico-pastoral”. Estudos de Religião , Ano XXI, nº 32: 77-95.:84-87). Contudo, alerta Gutierrez (1986GUTIERREZ, Gustavo. (1986), Líneas pastorales de la iglesia en América Latina. Lima: CEP. :30-31), apesar “da denúncia profética das injustiças sociais surgir como uma das grandes tarefas da Igreja, a posição de radicalidade cristã tem provocado atritos e divisões”. Isso ocorre tanto entre a comunidade de fiéis quanto internamente entre religiosos/as e fiéis engajados/as:

Porque tem paróquia que você chega lá e: “Eu sou da Pastoral do Migrante”, eles: “Não, não, não... quero nem saber de migrante aqui, quero nem saber de migrante aqui, não, não quero, não quero.” Aí tu tem que: “Não, padre, mas o senhor precisa, sim. O senhor sabia que o Papa lá no documento “fulano de tal” ele diz isso, isso, isso e isso, o senhor sabe que lá no evangelho de Mateus ele fala isso, isso... então? Cadê o seu testemunho? Como é que o senhor vai testemunhar uma vida em favor do irmão? E blábláblá...” Mas, pra isso, a gente precisa saber, eu não vou falar pro padre da nova Lei de Migração, não. (Frida, Manaus, entrevista em 24/09/2019)

A unicidade do catolicismo enquanto Igreja eclipsa sua diversidade interna. Existem divergências políticas entre autoridades religiosas, entre autoridades e fiéis engajados/as e dentro da própria comunidade de fiéis. Tais discrepâncias são também observadas em outros contextos, como no interior do estado da Florida/EUA, onde a Igreja local se divide entre criticar e encobrir relações abusivas de trabalho migrante (Cerdi 2007CERDI, Elizabeth Juárez. (2007), “Del discurso a la acción. La participación de las Iglesias ante la problemática de los migrantes en Florida”. In: A. B. Rodríguez; M. d. C. Aguilar (coord.). Travesías de la fe: migración, religión y fronteras en Brasil/ México. México: Colección Selva Negra/UNICACH.). De volta a Manaus, mesmo que o pontífice conclame os fiéis ao acolhimento de migrantes e refugiados, existem párocos avessos à questão. A própria Confederação Nacional dos Bispo Brasileiros-CNBB, que defende uma postura envolvida com as causas sociais, encontra resistências dentro do corpo eclesiástico, bem como detecta certo descaso por parte da comunidade de fiéis. Inclui-se, nessa comunidade de fiéis, prefeitos/as e outras autoridades locais que frequentam as paróquias, mas não demonstram interesse pelas demandas da minoria migrante.

Já as Igrejas cristãs não católicas, embora promovam maior engajamento dos/as fiéis no envolvimento de ações de assistência social aos/às migrantes, não assumem publicamente a posição de contrapoder ou resistência perante autoridades governamentais em relação à ausência de ações estatais que atendam as demandas e amenizem as vulnerabilidades dos/as migrantes. Ainda que haja uma negação peremptória da prática do proselitismo (entendido como a ação intencionada de converter alguém a uma causa especifica), o esforço realizado pelos membros das comunidades de fíéis oportuniza o recrutamento de mais fiéis em meio à massa de vulneráveis e suas ações tendem a beneficiar quem aceita a “conversão”.

Na próxima seção, veremos como se dá o deslocamento da hospitalidade e das ações de assistência social desde um prisma religioso para outro humanitário. O que ganha importância, no contexto de uma governança internacional das migrações (Souza; Ruseishvili 2020SOUZA, André Ricardo e RUSEISHVILI, Svetlana. (2020), “As organizações cristãs de abrangência nacional em face da questão dos refugiados”. Contemporânea, vol. 10, nº 2: 537-555.), não é a “soterologia” (teoria sobre a salvação) em questão, mas a promoção de uma cidadania global alicerçada em princípios laicos.

Sociedade Civil Organizada ou Sociedade Religiosa Organizada?

Junto à intensificação da chegada dos/as venezuelanos/as em Boa Vista e Manaus, vieram também as Igrejas. Instituições e grupos religiosos que não tinham sede nem desenvolviam trabalhos nas cidades instalaram filias, assim como surgiram instituições locais com o objetivo de prestar algum atendimento aos/às migrantes venezuelanos/as. A mobilidade dos/as migrantes, como causa emergente, provocou, a partir de 2016, a mobilidade de dezenas de instituições humanitárias de índole religiosa (Sarmento 2019SARMENTO, Gilmara. (2019), Entre a assistência e a representação: o papel das ONGs e a política local no contexto de imigração venezuelana para Roraima. Boa Vista: Relatório Anual Bolsa PNPD/CAPES; PPGSOF/UFRR.:7). Um exemplo suficiente é a chamada Federação Humanitária Internacional, também conhecida como Fraternidade Internacional, grupo ecumênico que passou rapidamente de ilustre desconhecido para parceiro implementador da gestão de abrigos.8 8 O termo Parceiro Implementador é utilizado para se referir às organizações locais ou internacionais que executam atividades de atendimento a migrantes e refugiados em parceria com o ACNUR (Acnur 2011:17).

Essa mobilização de agentes religiosos envolve aspectos de certa “indústria da migração”, entendida como “o conjunto de atores não estatais que fornecem serviços que facilitam, restringem ou prestam assistência à migração internacional” (Sorensen 2017:407). Essa indústria apresenta várias facetas que perpassam as organizações internacionais, associações e empresas privadas e também entidades religiosas. A chegada dessa verdadeira “força tarefa” não governamental especializada em causas humanitárias é vista com positividade sob o ponto de vista econômico. O atrelamento da injeção de recursos financeiros, sobretudo na pequena Boa Vista, provenientes dos projetos executados por essas organizações é utilizado de forma recorrente como argumento que positiva a presença venezuelana na cidade:

Olha, a vinda dos migrantes fez com que a nossa vida fosse diferente. É claro que a nossa cidade mudou. Não significa que piorou. Intensificou aquela falta que já tinha, mas nós também devemos admitir que a vinda dos venezuelanos fez com que vários projetos se somassem com entidades nacionais e internacionais para assistência dos migrantes. Isso irrigou e está irrigando a economia local. (Dom Mário Antônio da Silva, bispo de Roraima, 01/09/19)

E ainda tem um outro detalhe muito importante que é o detalhe do recurso que nós vamos injetar no comércio local. (...) O dono do restaurante que almoço, o garçom, o dono do restaurante que vem reclamar, “Filho, não reclame, porque se não tivesse a imigração eu e mais cem funcionários da ADRA não estaria comprando aqui no seu restaurante. (A.K., Diretor Fundador da ADRA/igreja Adventista/ regional Roraima, em 04/10/19)

Nota-se que o argumento econômico traduz um esforço para transformar venezuelanos/as em migrantes desejáveis aos olhos dos/as roraimenses. No ano de 2020 foi publicado estudo que associa a intensificação da migração venezuelana em Roraima ao aumento na arrecadação estadual, atribuído à chegada de ONGs, Agências Internacionais, implementação da Operação Acolhida e exportação de produtos para a Venezuela. Os/as autores/as do estudo defendem a existência de uma “economia humanitária” em Roraima, “composta pela atuação de uma série de organismos nacionais e internacionais que lidam com os refugiados e imigrantes e acabam por movimentar a economia, sem que isso apareça, necessariamente, de forma explícita” (FGV 2020FGV - Fundação Getúlio Vargas. (2020), A economia de Roraima e o fluxo venezuelano: evidências e subsídios para políticas públicas. [recurso eletrônico] Rio de Janeiro: FGV/DAPP.:15). Por outro lado, o aumento da migração venezuelana para Roraima também tornou crescente os índices de desemprego e de pessoas vivendo em extrema pobreza (ibidem:16). Impactos sociais e econômicos observados em outros estudos sobre a migração venezuelana na América do Sul (Barbieri et al. 2020BARBIERI, Nicolás Gissi et al. (2020), “Respuestas de los países del pacífico suramericano ante la migración venezolana: estudio comparado de políticas migratorias en Colombia, Ecuador y Perú”. Diálogo Andino, nº 63: 219-233.; Ramírez et al. 2019RAMÍREZ, Jacques; LINARES, Yoharlis; USECHE, Emilio. (2019), “(Geo)Políticas Migratorias, Inserción Laboral y Xenofobia: Migrantes Venezolanos en Ecuador”. In: C. Blouin (org.). Después de la Llegada. Realidades de la migración venezolana . Lima (Perú): Themis-PUCP . ; Pedone & Mallimaci 2019PEDONE, Claudia; MALLIMACI, Ana. (2019), “Trayectorias laborales de la población venezolana en la Ciudad autónoma de Buenos Aires”. In: C. Blouin (org.). Después de la Llegada. Realidades de la migración venezolana. Lima (Perú): Themis-PUCP. ).

A crescente atuação das instituições não estatais produziu certa privatização e terceirização de funções governamentais. Representantes governamentais em âmbito estadual e municipal se isentaram em assumir as demandas dos/as migrantes baseados na suposta circulação/aplicação de recursos da dita “economia humanitária”. Em contrapartida, “organizações não governamentais são forçadas a vender seus serviços em condições de mercado” (Sorensen 2017:407) produzindo, inclusive, condições precárias de trabalho (Xavier 2020XAVIER, Fernando César Costa. (2020), “Os direitos humanos trabalhistas dos contratados de agências internacionais atuantes na crise migratória no estado de Roraima”. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia, vol. 48, nº 1: 156-194.). Paradoxalmente, as ONGs que reivindicam do Estado a construção de políticas migratórias, são as mesmas que atuam na brecha deixada pela não incidência de políticas governamentais para atender a emergência do acolhimento aos/às migrantes. Tal relação acaba por fortalecer práticas de governança neoliberais, levadas a cabo de modo acrítico pelos agentes não estatais.

As Igrejas que oferecem algum atendimento ao/às migrantes venezuelanos/as se autodenominam e são enquadradas na categoria de Sociedade Civil Organizada-SCO por gestores/as governamentais e Agências Internacionais. A noção de sociedade civil, como pude perceber durante a pesquisa de campo e, como também aponta Melo (2014MELO, Marina Félix de. (2014), “Sociedade Civil, Terceiro Setor e ONGs: esboço de alguns termos”. Revista Café com Sociologia. vol. 3, nº 2. :49) “apresenta-se como uma categoria explicativa da própria sociedade”. Ao mesmo tempo, a noção emerge no Brasil como projeto popular de ampliação da democracia com incidência política em espaços decisórios e de desenvolvimento social para populações vulneráveis onde não havia respostas estatais satisfatórias (Landim 1993LANDIM, Leilah. (1993), A Invenção das ONGs: do serviço invisível à profissão sem nome. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia Social, Museu Nacional/UFRJ.; Cohen 2003COHEN, Jean L. (2003), “Sociedade civil e globalização: repensando categorias”. Dados, vol. 46, nº 3: 419-459. ; Moura; Silva 2008MOURA, Joana Tereza Vaz de; SILVA, Marcelo Kunrath. (2008), “Atores sociais em espaços de ampliação da democracia: as redes sociais em perspectiva”. Revista Socioligia e Política, vol. 16, número suplementar: 43-54.).

No campo das Ciências Sociais existe um amplo debate sobre o conceito. A SCO abrange complexos arranjos institucionais “designando desde empreendimentos cívicos, associações voluntárias e organizações sem fins lucrativos até redes mundiais, organizações não governamentais, grupos de defesa dos direitos humanos e movimentos sociais transnacionais” (Cohen 2003COHEN, Jean L. (2003), “Sociedade civil e globalização: repensando categorias”. Dados, vol. 46, nº 3: 419-459. :419). Embora haja discordância entre estudiosos/as sobre os limites da autonomia e separação da SCO em relação ao Estado e aos mercados, existe um consenso entre grande parte dos/as autores/as que a SCO representa uma esfera diferente e às vezes oposta ao estado (Landim 1993LANDIM, Leilah. (1993), A Invenção das ONGs: do serviço invisível à profissão sem nome. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia Social, Museu Nacional/UFRJ.; Dagnino 2002; Lavalle 1999). “Inclusive, quase sempre associações assistemáticas e formas de expressão pública independente” (Cohen & Arato 1994COHEN, Jean L.; ARATO, Andrew. (1994), Civil Society and Political Theory. Cambridge, Massachusetts: Massachusetts Institute of Technology.:74) .

A SCO envolvida na recepção e acolhimento de migrantes venezuelanos/as em Boa Vista e Manaus também constitui uma diversidade de arranjos institucionais, entidades, associações, grupos organizados, entre outros, que não são subordinados a instituições governamentais e não dependem exclusivamente dos recursos do Estado para desenvolver suas atividades. Em Boa Vista e Manaus, considerando o histórico de atendimento e oferta de serviços, pude identificar dois grupos. O primeiro é o formado por entidades locais, e o segundo formado por instituições nacionais e internacionais que chegaram nas cidades após o aumento da migração venezuelana e acompanham a chegada das agências da ONU. As entidades que constituem o primeiro grupo têm um histórico de atuação na defesa dos direitos das minorias em âmbito local, como povos indígenas, campesinos/as e comunidades de bairros populares, com exceção do Centro de Migração e Direitos Humanos-CMDH da Diocese de Roraima que já desenvolvia ações especificas direcionadas às questões migratórias. As instituições que compõem o segundo grupo têm majoritariamente financiamento internacional e participam de uma cadeia global de prestadores de serviços humanitários.

Esse contexto demonstra a continuidade da conformação, pelas agências internacionais, após a segunda guerra mundial, “de redes de relações entre agentes e entidades que se reconhecem mutuamente” (Landim1993LANDIM, Leilah. (1993), A Invenção das ONGs: do serviço invisível à profissão sem nome. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia Social, Museu Nacional/UFRJ.:10). De acordo com Landim (1993:10-11), as Agências internacionais e as ONGs consolidam um quadro transnacional de instituições interdependentes, legitimado pelo atendimento aos grupos vulneráveis dos ditos países em desenvolvimento. Essa articulação entre dinâmicas locais e transnacionais é um elemento central de acomodação do modelo “global” em distintas conjunturas nacionais.

Isso ajuda explicar como rapidamente a chegada das Organizações Internacionais transformou a realidade do acolhimento da migração venezuelana em Boa Vista e Manaus. Os/as funcionários/as das agências internacionais foram imediatamente reconhecidos como detentores do conhecimento sobre o modo de fazer o acolhimento - mesmo aqueles funcionários inexperientes. Mobilizaram a chegada de novas instituições de causas humanitárias até então desconhecidas localmente, conquistaram posições de destaque e passaram a mediar a atuação de órgãos governamentais e da SCO.

Em ambos os grupos da SCO se destacam entidades que têm vínculo direto ou indireto com alguma Igreja ou causa religiosa. Isso evidencia o protagonismo das Igrejas e comunidades de fiéis no acolhimento e recepção dos/as migrantes venezuelanos/as em Boa Vista e Manaus, ao mesmo tempo que descortina o processo histórico que consolidou a SCO no Brasil, intensamente marcado pela vinculação de instituições e movimentos sociais às Igrejas, especialmente a católica (Landim 1993LANDIM, Leilah. (1993), A Invenção das ONGs: do serviço invisível à profissão sem nome. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia Social, Museu Nacional/UFRJ.).

Tal processo histórico de constituição da SCO no Brasil se reflete no protagonismo do acolhimento de venezuelanas/os em Boa Vista e Manaus, marcado pela atuação de instituições vinculadas às Igrejas. Ao passo que também demonstra que a separação entre Igreja e Estado, embora tenha possibilitado a emergência de um contrapoder, não modificou profundamente as relações de assistência às pessoas vulneráveis, tradicionalmente ocupada pelas instituições e grupos religiosos.

Comparando as formas de aproximação católica e não católicas, observa-se que ambas praticam ações filantrópicas e procuram transformar o status do estrangeiro perante cidadãos e autoridades brasileiros/as. As vias, contudo, são distintas. Ações cristãs não católicas são caracterizadas por maior protagonismo dos/as fiéis, enquanto os católicos atuam de forma mais institucionalizada por meio de Pastorais e organizações não governamentais ligadas à Igreja. A percepção dos/das migrantes sobre o protagonismo das ações católicas e não católicas confirma essa distinção. As organizações vinculadas à Igreja católica são denominadas pela categoria generalizante de a Igreja. Enquanto as ações não católicas são diferenciadas por cada organização social atuante ou pelo nome da denominação religiosa específica (ex: los mórmons, los adventistas etc.).

Outro aspecto que distingue a Igreja católica em relação às entidades cristãs não católicas são as expectativas de reciprocidade. Enquanto a primeira procura demonstrar publicamente preocupações com aspectos sociais dos/as migrantes e seu lugar como sujeitos de direito no Estado brasileiro; as segundas parecem mais comprometidas com o engajamento individual do migrante na comunidade local, por meio da adesão e fidelização à Igreja. Existe, no discurso oficial, a negação do proselitismo, enfatizando que a promoção do acolhimento se fundamentaria pelo princípio cristão de “amor ao próximo” e a comprovação prática de ser cristão e cristã. Seja como for, o maior envolvimento dos/as venezuelanos com as Igrejas não católicas demonstra o sucesso de uma estratégia de atração.

Algumas considerações sobre acolhimento e a atuação das instituições religiosas

A expressão “las iglesias le dan continente al migrante”, para o caso dos/as venezuelanos/as, faz alusão à religiosidade enquanto um campo de integração social e alternativa de fuga contra estigmas e preconceitos no Brasil. A fé compartilhada, a comunhão, ofusca a autopercepção de marginalidade à medida que permite a inclusão em uma rede de colaboração e ajuda mútua. A solidariedade é movida tanto por posicionamentos políticos de defesa dos direitos humanos quanto por ideais cristãos de ajuda a um/a irmão/a em cristo. Aqui não busco defender ou acusar qualquer denominação religiosa, apenas situar as múltiplas facetas da atuação religiosa no contexto do acolhimento de venezuelanos e venezuelanas no norte do Brasil.

A atuação da Igreja católica no âmbito político a partir da Segunda Guerra Mundial modificou o desenvolvimento de suas ações para além muros. No domínio público, transferiu o foco da elite para as classes subalternas, desempenhando ações de combate às desigualdades e injustiças sociais. Por outro lado, o engajamento dos/as católicos/as não acompanhou de forma massiva essa nova perspectiva. A fé, para grande parte dos indivíduos, manteve-se associada à dimensão individual e não às ações coletivas de benefício ao próximo. Isso ajuda a explicar a falta de sintonia entre o discurso de autoridades eclesiásticas que pregam o acolhimento aos/às migrantes e os recorrentes atos de xenofobia e resistências ao acolhimento por parte de uma parcela dos/as cristãos/ãs em Boa Vista e Manaus. A Igreja católica, sob a liderança do Papa Francisco, coloca o seu peso institucional para criticar as omissões das autoridades diante da promoção dos direitos humanos e mantém múltiplas frentes de atuação por meio de suas pastorais e organizações não governamentais.

Com relação às Igrejas cristãs não católicas, percebe-se um maior engajamento dos/as fiéis que emerge do reconhecimento do outro enquanto potencialmente um/a novo/a irmão/ã. As vulnerabilidades dos/as migrantes fazem deles/as “almas” que precisam ser salvas. Para os evangélicos e outros grupos cristãos não católicos, o caminho da salvação passa pela conversão. A continuidade da ajuda está condicionada à adesão à congregação. Evitam apresentar críticas ao direcionamento dado pelas autoridades, preferindo se posicionar por meio de um discurso de suposta isenção política. A missão tem como centralidade ajudar a Igreja e não necessariamente os/as venezuelanos/as.

A Sociedade Civil Organizada que atua no acolhimento de venezuelanos/as em Boa Vista e Manaus descortina a confluência com o processo histórico brasileiro, marcado pela constituição de entidades vinculadas a instituições religiosas. Isso nos permite pensar em certa “sociedade religiosa organizada”, chamando atenção para o protagonismo das Igrejas nesse contexto. Ao passo que essas instituições compõem uma das faces daquilo que pode ser entendido como “indústria das migrações”.

A complexidade dessa indústria produz em seu cerne contradições. Tratando aqui especificamente da atuação das Igrejas e comunidade de fiéis, foi possível perceber que as instituições e os coletivos religiosos foram e são fundamentais para fortalecimento e manutenção de iniciativas de acolhimento aos/às venezuelanos/as em Boa Vista e Manaus. Por outro lado, a necessidade de atender às metas dos/as financiadores/as e as demandas imediatas dos/das migrantes faz com que essas instituições religiosas colaborem tanto na mobilização de novas formas de solidariedade aos/às migrantes, quanto também fortaleçam, de forma indireta, políticas de restrição e de controle das migrações.

As agências religiosas ora reivindicam políticas migratórias, ora atuam nas brechas deixadas pelo estado, fortalecendo o consenso neoliberal e a não efetivação de políticas governamentais duradouras. Ora questionam publicamente embargos econômicos que desencadearam a crise econômica na Venezuela, ora têm projetos de acolhimento de migrantes venezuelanos/as financiados pelos países que contribuíram para aprofundamento da crise. Ora são percebidas como aliadas da gestão militarizada das migrações como mecanismo de apaziguamento de tensões sociais e apoio logístico, ora são vistas com incomodo à medida que fazem críticas públicas da gestão militarizada e denunciam formas de violação de direitos alicerçadas no autoritarismo. Assim, a Sociedade Civil Organizada ou Sociedade Religiosa Organizada pode ser vista como um contrapoder capaz de se afirmar enquanto canal de interlocução dos/as migrantes na denúncia de violações e garantia dos direitos humanos, como também pode ser vista como concessionária do poder oficial, ao fortalecer acriticamente diretrizes oficiais de controle e restrições da migração.

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  • 1
    Portunhol se define como uma língua resultante do contato linguístico entre o Português e o Espanhol e é identificada como uma língua de contato, mas também como uma língua étnica de falantes de comunidades fronteiriças (Sturza 2019STURZA, Eliana. (2019), “Portunhol: língua, história e política”. Gragoatá, vol. 24, nº 48: 95-116. :95).
  • 2
    Santería é uma religião originada na ilha de Cuba, caracterizada pelo sincretismo religioso entre divindades africanas e santos católicos (Pollak-Eltz 2004POLLAK-ELTZ, Angelina. (2004), María Lionza. Mito y culto venezolano ayer y hoy. Caracas: Universidad Católica Andrés Bello.).
  • 3
    Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, conhecida popularmente como Igreja dos Mórmons em associação ao livro do Mórmon utilizado pelos fiéis junto com a bíblia como escritura que orienta a doutrina.
  • 4
    Oriundos tradicionalmente da região caribenha do delta do Rio Orinoco, os Warao são a segunda maior população indígena da Venezuela. Embora retratados pela literatura histórica, antropológica e arqueológica como um grupo étnico com traços sedentárias, após distintas intervenções estatais e privadas no seu território de origem, iniciaram ciclos migratórios para os centros urbanos, primeiro nos entornos do delta e, posteriormente, chegando até Caracas, capital do país. Em 2014, pela primeira vez, os Warao cruzaram a fronteira com o Brasil. A partir de 2016 ocorreram novas ondas migratórias e em 2020 já estavam presentes em inúmeras cidades das cinco regiões do Brasil (Rosa 2020ROSA, Marlise. (2020), A mobilidade Warao no Brasil e os modos de gestão de uma população em trânsito: reflexões a partir das experiências de Manaus-AM e de Belém-PA. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Antropologia Social, Museu Nacional/UFRJ. ).
  • 5
    Existem documentos expedidos pelo Vaticano com diretrizes e instruções sobre o acolhimento de migrantes e refugiados. Disponível em: https://migrants-refugees.va/wp-content/uploads/2019/11/Rifugiati-2013-PORT.pdf. Acesso em: 13/03/21.
  • 6
    Seminário Migração e Políticas Públicas: Acolher, Proteger, Promover, Integrar e Celebrar. “A luta é todo dia!” Realizado de 30 de agosto a 1º de setembro de 2019 em Manaus-AM. Na ocasião havia lideranças de 9 dioceses que compõem a região norte 1 (inclui os estados de Amazonas e Roraima) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB. O bispo de Roraima e segundo vice-presidente da CNBB, Dom Mário Antônio da Silva, e o Bispo de São Gabriel da Cachoeira, Edson Taschetto Damian, participaram de forma integral do evento.
  • 7
    Dentre os grupos e organizações católicas, a Pastoral do Migrante constitui-se como uma divisão das pastorais sociais que fazem parte da Igreja Católica.
  • 8
    O termo Parceiro Implementador é utilizado para se referir às organizações locais ou internacionais que executam atividades de atendimento a migrantes e refugiados em parceria com o ACNUR (Acnur 2011ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. (2011), Guia operacional para a Proteção de Refugiados(as) e Soluções em Áreas Urbanas Promovendo Meios de Subsistência e Autossufi ciência. Disponível em: Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2018/02/Promovendo-Meios-de-Subsist%C3%AAncia-e-Autossufici%C3%AAncia_Guia-Operacional.pdf ., Acesso em: 13/03/21.
    https://www.acnur.org/portugues/wp-conte...
    :17).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2021
  • Aceito
    23 Ago 2021
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