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Viver um dia por vez: jejum pentecostal e espera cristã em um contexto de insegurança alimentar1 1 Este artigo é produto do projeto de pesquisa “Ações pentecostais nos conjuntos habitacionais das periferias de Campos dos Goytacazes-RJ: sociabilidades religiosas nos espaços de moradias” financiado com a Bolsa de Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Agradecemos às imprescindíveis contribuições da professora Cecília Mariz.

Living one day at a time: Pentecostal fasting and Christian waiting in a context of food insecurity

Resumos

Resumo: Neste texto, analisamos a prática do jejum pentecostal de uma moradora em uma favela localizada no Norte do Rio de Janeiro, marcada pela insegurança alimentar. Argumentamos que a privação voluntária de alimentação evocada por pentecostais como intercessão com o divino alude a uma possibilidade de aspiração dos pobres em um contexto no qual o sobrenatural pentecostal conforma as texturas, a temporalidade e a espacialidade. Assim, ao renunciarem à alimentação possível em nome do divino, os crentes buscam a segurança alimentar imediata e futura. Tal postulado não é uma contradição, mas uma possibilidade que remete ao sentido de “espera” pela providência, uma temporalidade experienciada no contexto da favela em questão, colocando em perspectiva uma noção de transcendência cristã.

Palavras-chaves:
jejum, pentecostalismo; insegurança alimentar; antropologia do cristianismo


Abstract: In this text, we analyze the practice of Pentecostal fasting in a slum marked by food insecurity. We argue that the voluntary deprivation of food evoked by Pentecostals as mediation before the divine alludes to a possibility of aspiration of the poor in a context in which the Pentecostal supernatural conforms textures, temporality, and spatiality. We add that this sense of aspiration evoked by fasting is configured in the relationship between temporality and spatiality (Das 2012). Thus, by giving up possible food in the name of the divine, believers seek immediate and future food security. This postulate is not a contradiction, it is a possibility that leads to the sense of “Christian waiting” for providence, a temporality experienced in the context of the favela in question, putting into perspective a notion of Christian transcendence.

Keywords:
fasting; Pentecostalism; food insecurity; Anthropology of Christianity


Nunca vi o justo mendigar o pão, nem sua descendência passar fome. Divisa de fogo, varão de guerra, ele desceu à Terra. Ele chegou para guerrear (Divisa de fogo)

Introdução

No pequeno corredor que formava o Beco da Morte, na favela Corredor das Cores, em Campos dos Goytacazes, os sons da pequena igreja pentecostal ecoavam. A voz grave da pastora, uma mulher negra, cerca de 40 anos, proclamava e suplicava a Deus: “Que Ele receba o jejum que oferecemos. Que as correntes sejam quebradas. Que as orações contrárias e as invejas sejam rompidas.” Ruidosos, os participantes da cerimônia ouviam e respondiam às orações da religiosa, que suava sob a túnica lilás. Aquele era um ritual de renúncia. Era um domingo, dia do último dos sete cultos que celebravam o jejum de Daniel, convocado como um sacrifício oferecido ao divino. Durante os cultos, os participantes escreviam em bilhetes seus anseios e aspirações. Os escritos eram ungidos pelas orações da pastora e demais integrantes da igreja.

Após terminar a cerimônia, a pastora Tábita2 2 Nome fictício. voltaria à sua casa; uma pequena construção que dividia com os seis filhos, o neto e a cunhada, mãe biológica do caçula da família. A criança mais nova foi cuidada pela pastora enquanto a mãe do pequeno esteve encarcerada por associação ao tráfico de drogas no local.

Depois de chegar a casa e após sete dias de jejum, a pastora tomou um copo de leite reservado ao neto com um pouco de café. No almoço, Tábita preparou uma grande panela de arroz, o único alimento guardado na geladeira que, quebrada, servia como armário. Naquele domingo, o filho mais velho conseguiu comprar meia dúzia de ovos, que foram divididos com todos os integrantes da família. Tábita e seus parentes, assim como muitos de seus vizinhos, conviviam com a insegurança alimentar.3 3 Consideramos insegurança alimentar com base em Panigassi et al. (2008), para os quais, a iniquidade na segurança alimentar constitui-se em diferenças de acesso aos alimentos e à alimentação saudável, condições essas socialmente produzidas e que impactam negativamente no bem-estar e na qualidade de vida das famílias e de seus membros. Nesse sentido, a insegurança alimentar reflete a negação aos direitos elementares da pessoa, como os de estar vivo e sem doença, estar bem nutrido, assim como de ter garantido o seu direito ao respeito próprio e o de ser respeitado como cidadão (2008:237).

Certa vez, perguntamos à pastora qual era a razão de fazer jejum mesmo convivendo com a escassez de alimentos. Respondeu que era uma renúncia ofertada a Deus. Uma dádiva que, se fosse aceita, poderia garantir o “alimento de cada dia e a geladeira cheia”.

Com base na interlocução com a pastora Tábita, a intenção deste artigo é compreender os sentidos do jejum pentecostal em um contexto de insegurança alimentar. Argumentamos que a prática do jejum pentecostal, no caso etnográfico, alude a uma possibilidade de aspiração dos pobres. Por aspiração, recorremos à postulação de Veena Das (2012), ao destacar que, em contextos de pobreza, a imaginação de futuro (DAS 2012DAS, Veena. (2008), “La subalternidad como perspectiva”. In: D. Veena; F. Ortega (ed.). Sujetos de dolor, agentes de dignidad. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, Pontificia Universidad Javeriana-Instituto Pensar.:17) se constitui na relação entre espacialidade e temporalidade. Ao renunciarem à alimentação em nome do divino, os crentes buscam não apenas providência alimentar ante a insegurança, mas também uma possibilidade de futuro que se sobreponha ao hoje como uma única instância garantida ante às geladeiras vazias. Tal postulado não é uma contradição, mas uma evocação do sentido de figuração bíblica (Reinhardt 2016REINHARDT, Bruno. (2016), “De epifania a método: a teopolítica do testemunho em um seminário pentecostal em Gana”. Religião & Sociedade , vol. 36, nº 2: 44-70.) como possibilidade imaginativa ajustada no contexto da favela focalizada.

Para o trabalho, apresentamos algumas categorias-chave, entre as quais, “aflição” e “espera cristã”. Consideramos que tais conceitos, a serem apresentados e analisados no decorrer do texto, ensejam discussões sobre a experiência da privação de comida e a relação com a pentecostalidade. Buscando colocar em perspectiva a cotidianidade de moradores de um território de favela, o objetivo é adensar as possibilidades de compreensão sobre pobreza e pentecostalismo. Dessa maneira, metodologicamente, optamos pela análise dos relatos biográficos da trajetória (Bispo 2021BISPO, Raphael. (2021), “A ética cotidiana das interrupções em trajetórias religiosas pentecostais”. Revista brasileira de ciências sociais (online), vol. 36(57): 1-19.; Gomes 2006GOMES, Edlaine de Campos. (2006), “Família e trajetórias individuais em um contexto religioso plural”, In: M. L. Heilborn; L. F. D. Duarte; C. Peixoto; M. L. de Barros (org.), Família e Religião. Rio de Janeiro: Contracapa.; Pereira 2018PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2018), “Juventude é curtição, o problema é se Jesus voltar: cultura funk, pentecostalismo e juventudes nas camadas populares”. Religião & Sociedade , vol. 38: 41-62.) de uma interlocutora, aqui chamada pelo nome fictício de Tábita.

Textualmente, o artigo é composto por um grande item dividido em três temáticas. Na primeira, abordamos o contexto da igreja liderada pela interlocutora e a discussão sobre jejum e cristianismo, e a relação com a favela. Também associamos a aflição (Das 2015DAS, Veena. (2015), Affliction: Health, Disease, Poverty. New York: Fordham University Press.) ao sentido múltiplo de fome e insegurança alimentar; no segundo ponto, retomamos a abordagem sobre temporalidades cristãs e o manejo do jejum. No último item, apresentamos a espera cristã em sua dupla dimensão: ao mesmo tempo como esperança escatológica e como recurso de acesso ao divino pela educação da atenção (Ingold 2010INGOLD, Timothy. (2010), “Da transmissão de representações à educação da atenção”. Educação, vol. 33, nº 1.).

Os dados etnográficos que apresentamos foram obtidos em observação participante realizada entre 2018 e 2021, em uma favela de Campos dos Goytacazes (RJ), a qual denominamos neste trabalho como Corredor das Cores.

O jejum e a igreja das varoas: o jejum forçado

A igreja da pastora Tábita, na qual foi celebrado o jejum de Daniel, é marcada pela significativa presença das mulheres. Instalada em um templo pequeno de alvenaria, conta com púlpito. No espaço da igreja, que é decorado com flores, há cerca de 20 assentos de plástico branco para os integrantes. Em razão da intensa participação feminina, é conhecida no entorno da favela como igreja das varoas, expressão que se refere às mulheres pentecostais, em uma aproximação ao termo varão, evocado para se referir aos homens.4 4 Observamos, porém, que embora as varoas da igreja sejam mulheres que praticam jejum, este não é uma prática exclusivamente feminina. Nos pentecostalismos, homens e mulheres jejuam.

No primeiro dos sete cultos dedicados ao jejum de Daniel, as varoas presentes colocavam seus pedidos escritos em pedaços de papel sobre o pequeno altar. Havia, então, uma dimensão de segredo nos pedidos. Todavia, as orações da pastora deixaram antever o conteúdo. Em tom de súplica, pediam que Deus “batesse o martelo” se fosse do merecimento de quem implora a graça. Pediam para que as “setas” do inimigo fossem desviadas. Pediam para que Deus abrisse a porta “do serviço” para os que estavam desempregados e que todos tivessem o “pão de cada dia”.

Questionamos a pastora Tábita sobre como é praticado o jejum pentecostal. Atenta, a pastora nos interrompeu com outra pergunta: “Mas existe diferença entre o jejum dos pentecostais e os de outras igrejas (cristãs)?” (Tábita. Informação verbal). Ao não encontrarmos resposta, acudimos novamente à pastora, que nos respondeu:

A diferença entre o jejum praticado na nossa igreja e aqueles praticados em outras, tipo a presbiteriana, por exemplo, é que o jejum em igrejas pentecostais é aberto com um propósito. A gente consagra o jejum a Deus e faz um propósito, que pode ser a abertura das portas do emprego ou para tirar o filho da prisão. (entrevista com TábitaTÁBITA. Entrevista com Réia Sílvia Gonçalves Pereira. Campos do Goytacazes. 2018 a 2021., 21/08/2021)

Ao pontuar as diferenças entre o jejum praticado em sua igreja - na qual há a definição dos propósitos - e entre a histórica presbiteriana, Tábita destaca as distinções nas práticas dentro do cristianismo evangélico. Mesmo entre os pentecostais, o jejum é acionado de diferentes formas. Marina Fazani Maduchi (2014) sublinha que a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) anualmente também promove o “jejum de Daniel”, no qual abertamente incentiva os fiéis a se “desintoxicar” da audiência à televisão e das redes sociais e os incentiva a acessarem as produções audiovisuais da igreja.

Tal relação nos remete a outras reflexões das Ciências Sociais sobre o cristianismo e a comensalidade.5 5 A explicação de Tábita sobre o jejum parece se associar à interpretação de Mauss & Hubert (2005) sobre o sacrifício. Os clássicos autores argumentam que os sacrifícios oferecidos às divindades seriam possibilidades de troca entre o profano e o sagrado. A vítima sacrificada, em um terceiro polo, seria o mediador de tal relação. No cristianismo, tal relação se conforma em sua maior amplitude. O Deus cristão torna-se, ao mesmo tempo, divindade e vítima sacrificial. Porém, diante da imolação de Jesus, o fator sacrificial é excluído da teologia cristã. Pontuamos que o jejum praticado entre as varoas na igreja presidida pela pastora Tábita evoca outro sentido de sacrifício, em uma relação de troca em que seus próprios corpos são sacrificados por meio da renúncia à alimentação. Nessa vertente, Victor Turner (1967), Mircea Eliade (1976) e Mary Douglas (2002) configuram-se como autores clássicos que se debruçaram sobre tais temáticas. Em especial Mary Douglas (1966), que discute os vários tabus alimentares judaicos no livro Levítico revistos em Cartas de Paulo, sendo o texto mais famoso em relação à superação dos tabus judaicos pelos cristãos o livro de Atos dos Apóstolos. Aduz Douglas:

Paulo aludia com frequência a esta lei, que apresentava como uma servidão e um fardo. Os seus comentários são demasiado conhecidos para que seja preciso citá-los. Após a intervenção de S. Paulo, o estado fisiológico de uma pessoa, estivesse ela leprosa, sangrando ou paralisada, deixaria de ser considerado como um obstáculo à sua entrada na igreja. Os alimentos que comia, os objectos que tocava, os dias em que determinadas acções não afetariam a sua condição espiritual. (Douglas 1966:58)

Dessa forma, ao contrário de um grande número de tradições religiosas, como o judaísmo, o islamismo e as tradições africanas, o cristianismo - mais precisamente na sua expressão protestante - renuncia aos tabus alimentares e encara a alimentação como uma questão de moralidade (para quem tem fome) ou procura por sacrifício pessoal (jejum) ou sacrifício simbólico (como a comunhão, símbolo da união com o divino e da correspondência (Douglas:1969).

A alimentação se torna questão de ética e um simbolismo da comensalidade (santa ceia). Muitos textos sobre cristianismo e comida discutem a eucaristia; no texto aqui proposto, o jejum encontra sua postulação no caminho ético de resolver a questão sobre alimentar o corpo mesmo que em relação com o divino (Patterson & Banks 2013PATTERSON, Barbara A. B; BANKS, Shirley M. (2013), “Christianity and food: recent scholarly trends”. Religion Compass, vol. 7, nº 10: 433-443.).

Patterson & Banks (2013PATTERSON, Barbara A. B; BANKS, Shirley M. (2013), “Christianity and food: recent scholarly trends”. Religion Compass, vol. 7, nº 10: 433-443.), em revisão de literatura sobre a temática cristianismo e comida, destaca três vertentes de abordagens: a abordagem sociocultural, na qual as relações mediadas pela comida em grupos cristãos; a abordagem sobre a religião vivida, que, com base etnográfica, vai versar sobre os rituais cristãos de comensalidade; a abordagem feminista e libertária, que, adotando os estudos feministas, se ampara nos estudos sobre os cuidados e seleção da alimentação. Desses estudos, Patterson e Banks destacam o trabalho de Caroline Walker Bynum (1984;1988), que aborda as práticas de jejum das mulheres cristãs medievais, as quais encontravam na renúncia aos alimentos uma possibilidade de autonomia de seus corpos. Também sobre o tema, Carole M. Counihan (2012COUNIHAN, Carole M. (2012), “Uma visão antropológica do prodigioso jejum de mulheres ocidentais”. Cadernos Pagu, nº 39: 15-53.), em um trabalho de cunho histórico-etnográfico, analisa o jejum praticado pelas santas medievais:

As santas medievais faziam da comida o principal veículo em sua busca pela piedade. Assim interpreta Bynum seu comportamento [...] Seus extraordinários comportamentos incluíam não só o jejum - chamado de anorexia sagrada ou admirável [mirabilis] -, mas também, como ressalta Bynum, um conjunto de outras atividades centradas na comida (93, capítulos 4 e 5, e passim). As santas medievais curavam os enfermos com óleo ou leite que fluíam de seus corpos, antes ou depois da morte [...]. Muitas davam a comida aos pobres, muitas vezes contra os desejos de seus pais ou maridos. Algumas mascavam e cuspiam a comida ou vomitavam refeições que eram forçadas a consumir, como as bulímicas de hoje. (Counihan 2012COUNIHAN, Carole M. (2012), “Uma visão antropológica do prodigioso jejum de mulheres ocidentais”. Cadernos Pagu, nº 39: 15-53.:25)

A última vertente apresentada por Banks & Patterson são os estudos globais, discutindo como as práticas, escolhas e hábitos alimentares das comunidades cristãs se inserem nas dinâmicas multinacionais. (Patterson & Banks 2013).

Especificando a discussão teológica sobre o jejum cristão, destacamos que o texto bíblico traz passagens, nas quais a prática é tratada. Hintz & Butzke (2017HINTZ, Bruno Bernardi; BUTZKE, Paulo Alfonso. (2017), “A prática do jejum na espiritualidade Cristã. [The practice of fasting in Christian spirituality]. Vox scripturae, vol. 25, nº 1: 171-215.) argumentam que profetas do Antigo Testamento, como Elias e Samuel e Daniel, praticaram o jejum como forma de obtenção de auxílio divino (Hintz & Butzke 2017:175).

No novo testamento, Jesus Cristo, assim como o profeta Elias, jejuou por 40 dias no deserto, sendo desafiado pelo diabo em sua jornada (Mt. 4,1-11). Ato individual e solitário, o jejum de Jesus alude a um sentido e de introspecção.

Na História da igreja, o jejum fora prática comum e coletiva nas primeiras organizações cristãs (Hintz & Butzke 2017HINTZ, Bruno Bernardi; BUTZKE, Paulo Alfonso. (2017), “A prática do jejum na espiritualidade Cristã. [The practice of fasting in Christian spirituality]. Vox scripturae, vol. 25, nº 1: 171-215.). Na idade Média, a igreja católica institucionaria o jejum nos monastérios em datas específicas como as sextas-feiras e quaresmas, hábitos que se expandiram para além dos conventos.

Sob o protestantismo, o jejum seria retomado como meio de disciplina (Hintz & Butzke 2017HINTZ, Bruno Bernardi; BUTZKE, Paulo Alfonso. (2017), “A prática do jejum na espiritualidade Cristã. [The practice of fasting in Christian spirituality]. Vox scripturae, vol. 25, nº 1: 171-215.:183). Lutero discorreu sobre o tema localizando na prática uma possibilidade de flagelo:

Nos exercícios de jejum, vigília, trabalho não se deve atentar para as obras em si mesma, para os dias, para a quantidade ou para o tipo de comida, mas unicamente para o Adão petulante e lascivo, para que assim se lhe coíba o prurido. (Lutero 2000LUTERO, Martinho et al. (2000), O programa da reforma: escritos de 1520. São Leopoldo-RS: Sinodal, 2º ed.:141)

Se na História do cristianismo o jejum nunca perdeu o caráter sacrificial e de contricional, tal sentido parece ecoar nas concepções da pastora Tábita: “Jejum, para mim, é um sacrifício, uma renúncia. É também para a gente mortificar a carne e ficar ligado com o mundo espiritual. É uma forma de a gente ficar mais perto de Deus. Com as coisas de Deus” (Tábita. Informação verbal).

Destacamos que o período de jejum é também período de constantes e intensas orações. Além das preces nos cultos, a pastora reserva o período da manhã e da noite para orar sozinha ou acompanhada dos filhos.

Dessa forma, na explicação de Tábita, o caráter de contrição se apresenta em termos como “mortificar a carne”; “sacrifício, renúncia”. Contudo, destacamos outro aspecto: tal sacrifício do corpo se faz em nome de uma intencionalidade e de um propósito. O jejum revela-se em temporalidade e volição ativa. Jejua-se por uma razão em determinado tempo. O tempo do jejum, “ao mortificar a carne”, é também o tempo de “estar ligado ao mundo espiritual”, implicando, assim, uma possibilidade de educação da atenção, evocando aqui a concepção de Tim Ingold (2012; 2015INGOLD, Tim. (2015), “O dédalo e o labirinto: caminhar, imaginar e educar a atenção”. Horizontes Antropológicos, vol. 21, nº 44: 21-36. ).

Ingold, contestando as concepções sobre representação e cognição (Sperber 1996), argumenta que a atenção se conforma como um movimento em tempo contínuo l e em relação com o ambiente. Argumenta Ingold:

Em vez de ter suas capacidades evolutivas recheadas de estruturas que representam aspectos do mundo, os seres humanos emergem como um centro de atenção e agência cujos processos ressoam com os de seu ambiente. O conhecer, então, não reside nas relações entre estruturas no mundo e estruturas na mente, mas é imanente à vida e consciência do conhecedor, pois desabrocha dentro do campo de prática [...] A cognição, neste sentido, é um processo em tempo real. (Ingold 2010INGOLD, Timothy. (2010), “Da transmissão de representações à educação da atenção”. Educação, vol. 33, nº 1.:21)

Desse modo, a aprendizagem, para Ingold, está ligada ao caminhar no mundo e, nesse processo, à captura da atenção.

Clara Mafra (2012MAFRA, Clara. (2012), Como o Espírito Santo educa a atenção. Cultura, percepção e ambiente: diálogos com Tim Ingold. São Paulo: Terceiro Nome.), amparando-se em Ingold, reitera a dimensão relacional da experiência pentecostal. Para a autora, o contato com o espírito santo é capaz de educar a atenção no andar da vida da pessoa pentecostal. O espírito Santo, ao soprar “onde quer” (Mafra 2012:99), possibilita uma experiência dinamicamente, exigindo constante e mutável engajamento ético e imaginativo àqueles por ele tocados: “O Espírito Santo sopra onde quer e é acessível para todas as pessoas porque valoriza o que é imanente à experiência de viver: a habitação do mundo, articulando com comprometimento ético, conhecimento e imaginação” (Mafra 2012:99).

Em consonância às postulações de Mafra, reiteramos a reflexão. O jejum pentecostal, como sacrifício, educa a atenção. Mortificando o que é “carnal”, na temporalidade das semanas de jejum, os esforços da atenção são requeridos como forma de acesso à dimensão espiritual. Jejuar é também estar vigilante ao transcendente, o que se observa na intensificação das orações e na preocupação de Tábita em estar “ligada ao mundo espiritual”.

Desse modo, é importante trazer à discussão as possibilidades analíticas da antropologia do cristianismo, vertente de estudos que, em sentido amplo, preocupa-se em compreender as distintas noções entre transcendente e imanente, evocando um dos fundantes dos cristianismos, a relação entre as transcendências e o mundano (Robbins 2011ROBBINS, Joel. (2011), “Transcendência e Antropologia do Cristianismo: linguagem, mudança e individualismo”. Religião & Sociedade , vol. 31, nº 1: 11-31.; Reinhardt 2016REINHARDT, Bruno. (2016), “De epifania a método: a teopolítica do testemunho em um seminário pentecostal em Gana”. Religião & Sociedade , vol. 36, nº 2: 44-70.; Cannel 2006; Kaine 2009). Destaca Robbins (2011:15):

Os antropólogos não estão sozinhos ao apontarem a variedade de formas cristãs de se relacionar o transcendental com o mundano. O intelectual e teórico da história e da política Mark Lilla também refletiu muito sobre a natureza versátil do pensamento cristão sobre transcendência. Ele considera visível a complexidade das noções de transcendência cristã, especialmente nas “concepções cristãs da Trindade” (2007:35). É por causa da Trindade - com Deus distante e totalmente outro; Jesus, que foi uma vez totalmente imanente, mas já não é mais; e o Espírito Santo móvel - que “foi provado ser possível, na história da teologia cristã, desenvolver imagens de Deus muito plausíveis - embora em última análise irreconciliáveis. (Robins 2011:15):

Se as colocações de Robbins e a explicação da sacerdotisa Tábita trazem argumentos que incitam a compreensão do jejum pentecostal como uma possibilidade de mediação e de troca para com a transcendência, importa saber quais são os termos dessa troca possibilitada na especificidade do jejum de Daniel praticado na igreja das varoas.

Assim, há uma provável intencionalidade na escolha do profeta Daniel como inspirador do jejum. Analisemos, em primeiro lugar, a figuração bíblica a ele relacionada. De acordo com a Bíblia, Daniel, um jovem pertencente à nobreza hebraica, fora preso pelo rei da Babilônia, Nabucodonosor, juntamente com dois amigos - Sadraque, Mesaque e Abednego. Após a prisão, o rei babilônico ofereceu a Daniel bebidas e alimentos, os quais foram recusados. Observemos um hábito pentecostal (Mafra 2012MAFRA, Clara. (2012), Como o Espírito Santo educa a atenção. Cultura, percepção e ambiente: diálogos com Tim Ingold. São Paulo: Terceiro Nome.) ao recorrermos diretamente à Bíblia: “Naqueles dias, eu, Daniel, pranteei durante três semanas. Manjar desejável não comi, nem carne nem vinho encontraram na minha boca, nem me ungi com óleo algum, até que passaram as três semanas inteiras” (Bíblia. Daniel 10:2-3BÍBLIA. (1969) Português, A Bíblia sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Edição revista e corrigida. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica do Brasil, 5570 pp.).

Nesse ponto, citamos a fala da pastora Tábita, que nos informa sobre quais alimentos renunciava como forma de sacrifício durante o jejum; a resposta foi tão lancinante como direta: A Bíblia fala que Daniel fez jejum de carne e bebida. Mas se eu fizer o jejum de carne, vai ser forçado [risos]. Então, renunciei aos hábitos que me afastam do Senhor. Este ano, deixei de assistir televisão (Entrevista com Tábita. 14/04/2021, Grifos nossos).

A informação da pastora Tábita e a alegoria bíblica de Daniel parecem encontrar confluência com a possibilidade de leitura figural da bíblia, categoria cunhada por Auerbach (1959AUERBACH, Erich. (1997), Figuração. São Paulo: Ática.) e aplicada por Hans Frei (1974FREI, Hans. (1989), The “‘Literal Reading’ of Biblical Narrative in the Christian Tradition: Does it Stretch or Will it Break?” In: F. McConnell (ed). The Bible and the Narrative Tradition. Oxford: Oxford University Press, :36-7.). Neste artigo, abordamos a concepção de figuração com base na interpretação de Bruno Reinhardt (2016REINHARDT, Bruno. (2016), “De epifania a método: a teopolítica do testemunho em um seminário pentecostal em Gana”. Religião & Sociedade , vol. 36, nº 2: 44-70.). Para Reinhardt, a figuração bíblica tem três dimensões. Uma se refere à forma como a Bíblia é tomada em sua literalidade, na qual as alegorias bíblicas referem-se a uma historicidade: “(o texto bíblico) produzia sentido dentro de uma historicidade em que Deus teria um papel definido e intrínseco” (Reinhart 2016:57).

A segunda dimensão se refere ao dado de que a história bíblica é cumulativa, ocasionando uma tensão quanto à unidade dos textos. Nesse sentido, a figuração resolveria tal tensão ao possibilitar que textos anteriores da Bíblia funcionassem como figuras dos textos posteriores. Dessa postulação, aduz Reinhardt, o sentido figural se conformaria como extensão do sentido literal, e não o oposto (Reinhardt 2016:57).

A terceira dimensão da figuração bíblica se refere à possibilidade de as escrituras se excederem ao texto bíblico em uma possibilidade pragmática; os leitores se reconheceriam nos textos bíblicos, tornando-se estes como instrumentos éticos nas formulações de si. Explica Reinhardt: “Em suma, uma figura não é uma metáfora, mas um evento histórico-sacral que antecipa outros eventos similares, ao desvelar uma lógica temporal que não é nada além do modus operandi de Deus” (Reinhardt 2016:57).

Relacionando a leitura figurativa da Bíblia para a impossibilidade do jejum de carne da pastora Tábita, é possível argumentar que a leitura figural ensejou a substituição do jejum alimentar pelo de televisão. Destacamos que nos momentos em que não está envolvida com as atividades da igreja, a pastora se apraz em acompanhar programas de auditório e telejornais. Em suma, trazendo a reflexão para o jejum em um contexto de insegurança alimentar grave como nos casos da pastora Tábita e da igreja das varoas, a renúncia se faz não apenas ao que é possível, mas também ao que tem relevância para o fiel. Em nome de um propósito, este ligado à própria providência à alimentação, o sacrifício se faz ao se abster do que é aprazível, no caso, a audiência à televisão e da atenção evocada para a conexão ao “mundo espiritual e às coisas de Deus” (Tábita. Informação verbal).

Desta feita, ao substituir o jejum alimentar pela abstenção da televisão, Tábita expande a alegoria figurativa de Daniel para além do texto, comportando uma variação do jejum bíblico. Opera-se uma pedagogia da graça (Reinhardt 2016REINHARDT, Bruno. (2016), “De epifania a método: a teopolítica do testemunho em um seminário pentecostal em Gana”. Religião & Sociedade , vol. 36, nº 2: 44-70.), na qual a relação com o divino se conforma em múltiplos caminhos tomados entre aqueles que, como Tábita, se reconhecem nos textos. A pastora, convivendo com a privação, na impossibilidade de renunciar aos alimentos rejeitados por Daniel, encontrou sua possibilidade de estabelecer uma relação sacrificial. Na jornada em busca de seu propósito durante o tempo do jejum, a atenção ao transcendente é constantemente acionada.

Na densidade da favela: aspiração e vida social

Ao argumentarmos que o jejum da pastora Tábita se conforma como sacrifício e atenção, sublinhamos os propósitos aludidos na igreja e que ensejam o jejum: “o pão de cada dia”, a ocupação profissional e mesmo os anseios menos tangíveis como “a quebra das correntes”, que, de origem espiritual, impediriam a prosperidade material. Sacrifício, jejum, propósito e aspiração colocavam-se de forma conexa na singularidade da teologia da igreja das varoas.

Para Appadurai (2004APPADURAI, Arjun. (2004), “The Capacity to Aspire: Culture and the Terms of recognition”. In: V. Rao; M. Walton (ed.). Culture and Public Actions. California: Stanford University Press, :59-84.), as aspirações acontecem na vida social (2004:67).6 6 “Bundles of individual and particular wants, which are tied up between more general norms, presumptions and axioms about the good life, and life more generally” (Appadurai 2004:67). Tal colocação desloca para contexto nos quais se forjam as relações o postulado para que os desejos possam ser concebidos. Se as aspirações acontecem na vida social, é a vida social que alimenta as ideias de futuro (2004:67).

Ampliando a discussão de Appadurai para o jejum e os propósitos da pastora Tábita, não chega ser surpreendente como a vida social na igreja e no entorno da favela se relacionam.

A igreja das varoas é uma dentre outras quatro denominações pentecostais que povoam o pequeno espaço entre o rio Paraíba e as barricadas das facções narcotraficantes, que margeiam o território da Corredor das Cores. Igrejas como a da pastora Tábita marcam uma presença constante e ruidosa. Numerosas, tais igrejas guardam semelhanças: são pequenas, formadas por poucos integrantes e produtoras de vivazes rituais de culto ao Espírito Santo (Pereira 2019PEREIRA, Réia Silvia Gonçalves. (2021), Guerreiros de cristo, bailarinos de jeová. Juiz de Fora: Tese de Doutorado em Ciências Sociais, UFJF.).

Situada à margem do Rio Paraíba do Sul, em Campos dos Goytacazes, a Corredor das Cores compõe um conjunto de favelas conhecido como Complexo da Lapa (Ribeiro 2020RIBEIRO, Vanessa da S. Palagar. (2020), Ação social pentecostal em uma favela de Campos dos Goytacazes: a parceria entre um projeto social evangélico e uma organização não governamental. Campos dos Goytacazes: Tese de Doutorado em Sociologia Política, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). ).

Andar na Corredor das Cores é adentrar na “densidade” das favelas descrita por Oosterbaan (2009OOSTERBAAN, Martijn. (2009), “Sonic supremacy: Sound, space and charisma in a favela in Rio de Janeiro”. Critique of Anthropology, vol. 29, nº 1: 81-104.) que se mostrava naquele ambiente de casas encostadas umas às outras, de becos estreitos e úmidos, nos quais a proximidade entre a vida na rua e a vida dentro das residências se fazia evidente.

A Corredor das Cores também assiste à ascensão dos símbolos evangélicos. Na localidade, além de uma pequena capela católica (quase nunca aberta), apenas as igrejas pentecostais se estabeleceram. Na proximidade densa da favela, os pequenos templos pentecostais e seus ressonantes cultos formavam uma paisagem sonora (Forsey 2010FORSEY, Martin Gerard. (2010), “Ethnography as participant listening”. Ethnography, vol. 11, nº 4: 558-572.) audível não apenas na estreiteza das vielas, mas também na privacidade do interior das casas. Os muros também deixavam evidente a influência cristã. Salmos e representações da bíblia eram pintados nas paredes, o que emprestava um ar colorido às paredes, sempre úmidas pela proximidade do rio.

O predomínio pentecostal na Corredor das Cores apresentava uma gramática sobrenatural compartilhada no cotidiano. Uma expressão desse cotidiano que se abre ao sobrenatural pentecostal é a categoria êmica seta, uma espécie de um mau agouro lançado por demônios. É possível pegar seta nos momentos de distração ou quando não se está sob a proteção da nuvem, uma de zona de influência do espírito santo. Algumas pessoas seriam mais suscetíveis às setas do que outras. O uso de drogas, de bebidas alcoólicas ou a audição de músicas do “mundo” podem tornar alguém alvo. De modo oposto, os jejuns e a constância das orações seriam artifícios que fortaleceriam a luta contra as traiçoeiras setas lançadas por satanás.

Assim, em sua religiosidade (Duarte 2006), cujas manifestações são compartilhadas, a pastora Tábita - ao proclamar o jejum a Deus e ao espírito santo, tendo em conta os anseios pelo “pão de cada dia”, pela “abertura das portas do emprego” ou pela liberdade dos filhos” - se dirige não apenas ao divino, mas também à comunidade das varoas da congregação e aos próprios vizinhos, unidos em jogo linguístico a eles compreensível e reconhecido. Se as aspirações acontecem na vida social,7 7 Ao refletir sobre as aspirações dos moradores das favelas de Deli, Veena Das (2012), ponderando que os pobres não podem ser definidos ou reduzidos às necessidades da sobrevivência, argumentou que as aspirações das populações das favelas estavam ligadas à relação entre espacialidades e temporalidades. como postulou Appadurai, na Corredor das Cores, tal vida social está imiscuída à sonora e sobrenatural pentecostalidade, cuja igreja das varoas é um exemplo. Nessa religiosidade, o jejum oferecido como renúncia e sacrifício, em uma relação ao mesmo tempo ética e mágica, cabem propósitos, desde o pão de cada dia à fartura de um ansiado banquete após a libertação das correntes espirituais.

“A salsicha era só ilusão”: a temporalidade do maná

Conviver com a insegurança alimentar não significa, necessariamente, estar sem alimento, embora a relação com a falta seja constante. A expressão, difundida por instituições como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), se refere à impossibilidade de acesso regular aos alimentos (Blanco 2017). Apresentamos uma fala de Tábita que revela a condição de insegurança alimentar grave: “Sabe, irmã, eu não queria ser rica. Queria ter as coisas na geladeira. Guardadas. Ter o almoço de manhã certinho. Aquele café da manhã com pão, com fruta. Isso ainda não tenho para meus filhos. O alimento guardado” (Tábita. Informação verbal).

Nesse ponto é necessário fazer uma distinção. De modo geral, os estudos antropológicos concebem a comida dotada de significado social e alimento como os ingredientes necessários à nutrição (Damatta 1987; Blanco 2017). Dessa forma, é possível estar sem comida e, ao mesmo tempo, nutrido. Lis Furlani Blanco (2017) destaca que historicamente no Brasil a temática da segurança alimentar está ligada à falta de acesso à alimentação e ao necessário acesso à cidadania. Franco formula a expressão fome múltipla para abarcar a complexidade do termo:

Neste sentido, penso a fome a partir da ideia desta enquanto múltipla, isto é, promulgada tanto pela comida, como pelo alimento; pelos diferentes atores envolvidos nas atualizações de seus sentidos: pelas nutricionistas, pelo Estado, pelos políticos, cientistas sociais, por aqueles que passam fome e pela sociedade civil. [...] Foi nesse contexto que a noção de alimento e/ou comida passou a ser politizada e debatida de forma rigorosa, mesmo que ainda vinculada à oferta de alimentos, o que gerava uma noção de política de assistência alimentar [...] Assim, foi a partir deste contexto que as discussões acerca do direito à regularidade. (Blanco 2017:26)

Múltipla em sentidos, a fome alude à associação entre necessidade e vontade (Blanco 2017:26). Também se refere à previsibilidade da falta. No caso da pastora Tábita, em muitas das visitas etnográficas - não apenas à sua igreja, mas também à sua casa -, foi observada a falta de alguns alimentos. Algumas vezes, faltava arroz e, outras, feijão; em outros momentos, faltava sabão para lavar os utensílios da cozinha. Raramente, havia carne vermelha nas refeições. Em momentos mais tranquilos, quando recebiam a parcela do Bolsa Família8 8 Programa do governo brasileiro que garante o pagamento de quantia mensal. ou quando recebiam as cestas de alimentos de organizações, costumavam consumir alimentos processados, como salsicha e mortadela.

Como mencionado, havia certa previsibilidade na imprevisibilidade da falta. Ciente dos mantimentos que por último eram consumidos nos pacotes doados - fubá e sal -, Tábita aprendeu a fazer bolos salgados sem a utilização de ovos: “A gente que vive de sacolão,9 9 Expressão êmica para se referir à cesta básica recebida em doações. já sabe: no final, só sobra fubá e sal. Aí, aprendi a fazer esse bolo com água. As crianças até gostam” (Tábita. Informação verbal. 2021).

No entanto, mesmo privada de comidas consideradas importantes em sua dieta, as refeições eram preparadas em grandes dimensões, em panelas sempre amplas. Quase nunca a comida era servida na mesa. Os cozidos, geralmente arroz ou preparados de fubá, ficavam no fogão a postos para serem consumidos. Quando havia comidas de base proteica, eram escondidas pela interlocutora para serem melhor repartidas à noite.

Em uma ocasião, Tábita fora convidada a participar de um jantar na casa de um pastor de uma das igrejas da classe média que formavam sua rede de apoio. Mostrou-se bastante animada com a possibilidade de participação no evento. No dia posterior, ao ser questionada sobre o jantar, jocosamente respondeu: “Irmã, eles (a família do pastor anfitrião) têm aquele mistério; são aquelas pessoas que não comem carne. Tinha salsicha, mas a salsicha era só ilusão” (Tábita, informação verbal, 09/2018).

Os hábitos alimentares de Tábita parecem se relacionar com o que José Reginaldo Gonçalves (2007GONÇALVES, José Reginaldo Santos. (2007), “O espírito e a matéria: o patrimônio enquanto categoria de pensamento”. In: J. R. S. Gonçalves (ed.). Antropologia dos objetos: coleções, museus e patrimônios. Rio de Janeiro: Museu, memória e cidadania.), apoiando-se nas conceituações de Damatta, denomina como uma “cozinha relacional”. Embora divirja de Damatta sobre as especificidades territoriais do Brasil, Gonçalves (2007) argumenta que as refeições nas camadas populares, em vez de formarem eventos estruturados, comporiam um continuum, que seria mais condizente às relações de interdependência estabelecidas

Parece-me que as ponderações do autor se adequam aos hábitos de alimentação e de sociabilidade da casa. Estou sugerindo é que, seja lá qual for o aspecto do “sistema culinário” brasileiro para o qual voltemos nossa atenção, perceberemos provavelmente esse princípio relacional a situá-lo num conjunto de relações de interdependência. Desse modo, ao invés de focalizarmos itens alimentares ou culinários individualizadamente, precisamos registrar formas de sociabilidade e formas de pensamento (sistemas de significados) dentro das quais esses itens ganham sentido. (Gonçalves 2007GONÇALVES, José Reginaldo Santos. (2007), “O espírito e a matéria: o patrimônio enquanto categoria de pensamento”. In: J. R. S. Gonçalves (ed.). Antropologia dos objetos: coleções, museus e patrimônios. Rio de Janeiro: Museu, memória e cidadania.:171)

Mesmo convivendo com a privação de alimentos desde antes do início das pesquisas, em 2018, e mesmo que contasse com alguns períodos de panelas e pratos mais fartos, percebemos que a situação de escassez vivida pela pastora se agravou em 2020 e em 2021. Acometida de Covid-19 em sua forma mais grave em 2020, Tábita sofre com as sequelas de um acidente vascular cerebral e de uma trombose causadas pela doença. Sua convalescência a impede de trabalhar como diarista. Com a redução do valor do auxílio emergencial - benefício cedido pelo governo federal durante a pandemia - e com as dívidas adquiridas (Das 2012) pela compra de medicamentos, os recursos disponíveis para a aquisição de alimentos e comidas foram reduzidos. Em seu relato, Tábita nos revela um pouco sobre a temporalidade de viver em uma situação de insegurança alimentar. Também apresenta algumas de suas aspirações: comer frango assado.

Nem sei mais o que é fazer uma compra no mercado. Jesus peleja junto e a gente vai vencendo a cada dia, um dia de cada vez. A gente tem o feijão. É o mais difícil faltar. Jesus é tão fiel porque semana passada acabou o arroz, acabou o macarrão e até o feijão tava para acabar. Mas aí uma ex-patroa entregou um sacolão.10 10 Expressão êmica para definir cesta básica. O domingo é o dia mais difícil. A gente sente vontade de comer coisas gostosas, de comer um frango assado. Não sei como, mas vou dar um jeito de comer um frango assado. Em nome de Jesus. (Entrevista com Tábita, 15/08/ 2021. Grifos nossos)

Em 2020, ainda bastante debilitada na convalescência por Covid-19, Tábita utilizou uma figuração bíblica para descrever como se sentia. Destacou a figura do maná, explicando que o alimento doado por Deus aos judeus, enquanto atravessavam o deserto em sua fuga do Egito, não pode ser acumulado de um dia para o outro:

Tenho fé que Jesus vai me tirar dessa cama. Hoje, estou vivendo igual ao povo do deserto da Bíblia, um dia de cada vez. O povo recebia o maná de Deus, mas não podia acumular. Era o alimento para um dia. Assim estou vivendo. Um dia de cada vez. Vivendo pela fé. (Tábita. Informação verbal, 08/2020)

A temporalidade do maná aludida por Tábita revela a relação figurativa com a Bíblia. Mais do que uma pentecostal pobre, a pastora vive sua privação como uma pentecostal (Reinhardt 2017REINHARDT, Bruno. (2017), “Temporalidade, ética e contingência na pós-colônia africana: esperando por Deus em Gana”. Ilha Revista de Antropologia, vol. 19, n 175-212.:187). Em sua relação com a transcendência, contudo, entra em perspectiva uma temporalidade marcada não apenas pelo imediato, como no caso da figuração do maná, mas também pela aspiração por um futuro que, mediado pela renúncia e pela vigilância exigidas no jejum, espera ser guarnecido por Deus, cujos pedidos pelo pão de cada dia, pelo emprego ou pela liberdade de seus filhos guardam a esperança de serem atendidos.

Citamos uma fala da religiosa Tábita quando se referiu a um dos momentos em que experimentou mais intensamente a privação de comidas: “São esses os momentos de prova, do deserto. É uma prova que Deus dá, mas vai passar. A gente tem que aguentar” (Tábita. Informação verbal).

Tendo em consideração as categorias alocadas por Tábita, “aguentar” e “prova”, pontuamos a escolha do termo insegurança alimentar para marcar não apenas seu aspecto semântico ligado às políticas públicas, nesses casos relacionados à impossibilidade de acesso regular à alimentação, mas também destacamos o sentido existencial de insegurança, em uma aproximação a Das (2015DAS, Veena. (2015), Affliction: Health, Disease, Poverty. New York: Fordham University Press.:2-3) em sua conceituação sobre aflição. Em outros termos, ao aproximarmos a insegurança quanto ao provento regular à comida e à alimentação, destacamos a dimensão subjetiva da experiência.

Das evoca aflição ao abordar experiências de adoecimento em favelas de Delhi. Nesse sentido, a aflição do adoecimento é crônica, como um veneno - utilizando aqui uma metáfora cara a autora -, que se dissolve no andar da vida, ensejando relações na experiência cotidiana de populações em situação de vulnerabilidade.

Dessa feita, aflição se relaciona à eclosão de “quasi eventos” (Das 2015DAS, Veena. (2015), Affliction: Health, Disease, Poverty. New York: Fordham University Press.); estes seriam irrupções do cotidiano, mas que não são causadas por eventos críticos como tragédias ou catástrofes. São irrupções dolorosas, porém contínuas, capazes não de fragmentarem o ordinário, mas de envenená-lo. Diante da magnitude da questão a que se relaciona o termo aflição, se questiona Das:

Pode a aflição carregar os pesos da vida vivida, em que mesmo aqueles que conseguiram superar uma doença grave ou cuidaram de um familiar doente ou moribundo ficaram com a sensação de que tai experiências haviam obscurecido seu mundo, ou a palavra perdeu um pouco de sua qualidade benigna? (Das 2015DAS, Veena. (2015), Affliction: Health, Disease, Poverty. New York: Fordham University Press.:3-4. Tradução nossa)

Se a aflição é o sentimento cotidiano daqueles que devem reabitar o mundo da exceção constante, pontuamos, em consonância, que a aflição da doença ou da insegurança alimentar se imiscui na experiência cotidiana. No caso da pastora Tábita, uma experiência composta pela aprendizagem ao transformar em comida palatável os alimentos que restaram do “sacolão”, conviver com a vontade de comer um alimento inacessível como o frango assado ou a negociação do jejum de televisão em troca do “pão de cada dia”. A fome, reiteramos aqui, múltipla em sentidos, é extraída também da maleabilidade da experiência, ao mesmo tempo, previsível e imprevisível do cotidiano (Das 1997; 2020; 2020).

Viver pela fé: jejum e espera cristã

Diante de tal relação de imprevisibilidade e de previsibilidade ante a privação que marca a experiência cotidiana de Tábita, pontuamos que o jejum possível praticado pelas integrantes da igreja e aquele ofertado pela própria religiosa ao renunciar a audiência televisiva, coloca em questão um sentido de aspiração relacionado às interações do contexto da favela, marcada pelo sofrimento social (Das 2020aDAS, Veena. (2020a), Vida e palavras: a violência e sua descida ao ordinário. São Paulo: Editora Unifesp.) pela violência cotidiana, pelo encarceramento de moradores e pela insegurança alimentar, em um território de predomínio absoluto das expressões religiosas pentecostais.

Como mencionado, os pentecostais da favela vivem suas privações enquanto tais. Isso implica converter a privação em uma temporalidade que comporta o jejum como uma renúncia e na atenção vigilante em uma relação de comunicação com o divino. Em última instância, uma relação de ação e de espera pela providência divina.

Sobre a temática da espera, Janela e Bandak (2018) pontuam que, entre moradores de favela e outros territórios de precariedade, a espera - por comida, educação ou por cuidado - é um estado comum e ensejador de incertezas, uma “tirania da emergência”, em que a possibilidade de ação a longo prazo é impedida:

Estudos de moradores de favelas urbanas em grandes partes do mundo oferecem outra janela para a precariedade e incerteza geradas por estruturas formas impostas de espera espacial e temporal, especialmente no “Sul Global”, onde as reformas econômicas neoliberais levaram a vastas “populações flutuantes” forçado a esperar por comida, educação, cuidados de saúde ou abrigo. Crises habitacionais em cidades de como Mumbai mostram que a “tirania da emergência” impede que eles efetivamente construam ativos de longo prazo. (Janeja & Bandak 2018JANEJA, Manpreet K.; BANDAK, Andreas. (2018), Ethnographies of Waiting: Doubt, Hope and Uncertainty. Londres: Bloomsbury.:07)

Atraindo a temática da espera sobre a discussão da temporalidade cristã, autores como Agamben argumentam que o cristianismo, ao formular a figuração do apocalipse, institui uma temporalidade transitória entre o tempo do agora e a espera escatológica. No dizeres de Janeja & Bandak (2018JANEJA, Manpreet K.; BANDAK, Andreas. (2018), Ethnographies of Waiting: Doubt, Hope and Uncertainty. Londres: Bloomsbury.), instaura-se um tempo secular entrelaçado com o kairos, o tempo do divino.

Por tal concepção existencial, as múltiplas temporalidades cristãs caberiam desde o sentido imediato do pão de cada dia até a temporalidade do apocalipse (Janeja & Bandak 2018JANEJA, Manpreet K.; BANDAK, Andreas. (2018), Ethnographies of Waiting: Doubt, Hope and Uncertainty. Londres: Bloomsbury.).

Bruno Reinhardt (2017REINHARDT, Bruno. (2017), “Temporalidade, ética e contingência na pós-colônia africana: esperando por Deus em Gana”. Ilha Revista de Antropologia, vol. 19, n 175-212.), refletindo especificamente sobre a pentecostalidade, aduz que, em um aparente paradoxo, a espera cristã não é estável, mas aberta a constantes ajustes:

A espera da fé é uma autoprojeção em um futuro desejado, cuja atualização, apesar de inteiramente dependente da vontade de Outro, provê o horizonte normativo sob o qual o sujeito cristão pensa, sente e age sobre o presente. Sob essa ótica, a espera cristã não é estacionária. Ela é um padrão afetivo complexo de movimento, paradoxalmente atualizado em sua própria não atualização ou adiamento [...] É óbvio que, enquanto uma mistura de graça transcendente e habilidade imanente, evento e processo, “agora” e “não ainda”, a espera cristã entra na vida cotidiana e se relaciona com uma multiplicidade de outras esperas: expectativas morais e materiais concernentes à boa vida nos futuros próximos e de médio prazo. (Reinhardt 2017REINHARDT, Bruno. (2017), “Temporalidade, ética e contingência na pós-colônia africana: esperando por Deus em Gana”. Ilha Revista de Antropologia, vol. 19, n 175-212.:178)

Ainda em consonância com Reinhardt (2017REINHARDT, Bruno. (2017), “Temporalidade, ética e contingência na pós-colônia africana: esperando por Deus em Gana”. Ilha Revista de Antropologia, vol. 19, n 175-212.), argumentamos que a “dinâmica” espera cristã, aqui expressa pela renúncia do jejum, se mistura na vida cotidiana, conformando uma forma de aspiração e de política de um ordinário (Das 2020 DAS, Veena. (2020b), Textures of the Ordinary: Doing Anthropology after Wittgenstein. New York: Fordham University Press , [Table of Contents].a) que comporta a transcendência expressa no sobrenatural pentecostal. Em outras palavras, o jejum pentecostal, em suas temporalidades, é também ação e exercício processual de atenção (Ingold 2010INGOLD, Timothy. (2010), “Da transmissão de representações à educação da atenção”. Educação, vol. 33, nº 1.) à transcendência.

Nesses ajustes constantes, o jejum pentecostal coloca-se, também, em uma temporalidade singular. No entremeio da espera escatológica pelo apocalipse, a renúncia à alimentação e à atenção à transcendência exigidas no jejum tensionam a espera pela providência divina no imediato possível da vida cristã.

Retomamos a fala da religiosa Tábita apresentada na seção anterior quando se referia à experiência da privação de comida: “São esses os momentos de prova, do deserto É uma prova que Deus dá, mas vai passar. A gente tem que aguentar” (Tábita. Informação verbal).

Destacamos que as categorias “prova” e “deserto” aludidas por Tábita revelam um caráter transitório. Expressando uma concepção cosmogônica e teleológica, a narrativa tem o sofrimento como cerne: o homem peca, Deus dá a prova (sofrimento), o crente se arrepende e luta. Deus concede a vitória. Por mais dolorosa que seja a prova, há uma expectativa de superação.

Vivendo como pentecostal, Tábita e as varoas de sua igreja encontram sentido e recursos na relação com o divino como forma de tornar habitável (Das 1997; 2012; 2020) o cotidiano da insegurança ante a privação de comida. Como uma possibilidade de espera ativa cristã, o jejum possível - e suas implicações na educação da atenção à transcendência - é um dos meios de prover o “pão de cada dia”, de quebrar as correntes da prosperidade e de reatualização da figuração do maná bíblico.

Considerações finais

No artigo, abordamos o jejum praticado pelas integrantes de uma pequena igreja pentecostal localizada em uma favela de Campos dos Goytacazes. Argumentamos que o jejum, como mediação para com a transcendência, revela uma possibilidade de aspiração em um contexto marcado pela vulnerabilidade das condições de vida (Das 2020b DAS, Veena. (2020b), Textures of the Ordinary: Doing Anthropology after Wittgenstein. New York: Fordham University Press , [Table of Contents].) e pela insegurança alimentar.

Presente nos relatos bíblicos e em toda a História do cristianismo, o jejum manteve a dimensão sacrificial. Na pentecostalidade apresentada no texto, o jejum implica em temporalidade e intencionalidade. O sacrifício da abstenção de comida se faz em nome de um “propósito”. Como possibilidade de contato com a transcendência, também argumentamos que o tempo do jejum é uma forma de “educação da atenção” (Ingold 2010INGOLD, Timothy. (2010), “Da transmissão de representações à educação da atenção”. Educação, vol. 33, nº 1.; Mafra 2012MAFRA, Clara. (2012), Como o Espírito Santo educa a atenção. Cultura, percepção e ambiente: diálogos com Tim Ingold. São Paulo: Terceiro Nome.). Uma especificidade cognitiva ensejada pela “mortificação da carne”.

No caso da interlocutora, impossibilitada de renunciar ao consumo de carne vermelha, recorreu à abstenção da audiência televisiva cotidiana, em uma expressão de que a espera cristã pela providência divina não é estática, mas ativa.

Na favela Corredor das Cores, o sentido de sobrenatural ultrapassa os muros dos templos religiosos, conformando um cotidiano aberto ao ceticismo não apenas pela ameaça constante da violência, mas também pelas múltiplas possibilidades das relações pentecostais para com a transcendência. Na favela, o sobrenatural pentecostal está misturado nas relações cotidianas.

Em termos amplos, o jejum possível - não o jejum de carne, mas a abstenção de televisão - entregue a Deus na igreja da pastora Tábita revela a multiplicidade de aspirações dentro da figuração bíblica e da imaginação pentecostal experienciada na pequena igreja das varoas. Relacionando comida e religião, o jejum pentecostal revela muito mais do que a abstinência voluntária da alimentação.

Envenenado pela privação, o cotidiano da Corredor das Cores se abre à aspiração representada pelas expressões pentecostais. Se a insegurança alimentar também se refere à aflição ante a insegurança pela providência do pão de cada dia, o jejum praticado na igreja pentecostal guarda uma promessa de futuro. A renúncia ofertada a Deus na igreja guarda em si um propósito. Nessa relação com o divino, aquele que jejua não o faz sem o anseio da reciprocidade ante a transcendência.

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  • ROBBINS, Joel. (2011), “Transcendência e Antropologia do Cristianismo: linguagem, mudança e individualismo”. Religião & Sociedade , vol. 31, nº 1: 11-31.
  • SCHUTZ, Alfred. (1979), “Bases da fenomenologia”. In: H. Wagner (org.). Fenomenologia e relações sociais Rio de Janeiro: Zahar Editores.
  • BÍBLIA. (1969) Português, A Bíblia sagrada Tradução de João Ferreira de Almeida. Edição revista e corrigida. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica do Brasil, 5570 pp.
  • TÁBITA. Entrevista com Réia Sílvia Gonçalves Pereira. Campos do Goytacazes. 2018 a 2021.
  • VALLADARES, Licia do Prado. (2000), “A gênese da favela carioca. A produção anterior às ciências sociais”. Revista brasileira de ciências sociais , vol. 15: 05-34.
  • VALLADARES, Licia do Prado. (2015), “A invenção da favela: do mito de origem à favela.com”. In: L. P. Valladares. A invenção da favela: do mito de origem à favela.com São Paulo: Editora FGV.
  • 1
    Este artigo é produto do projeto de pesquisa “Ações pentecostais nos conjuntos habitacionais das periferias de Campos dos Goytacazes-RJ: sociabilidades religiosas nos espaços de moradias” financiado com a Bolsa de Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Agradecemos às imprescindíveis contribuições da professora Cecília Mariz.
  • 2
    Nome fictício.
  • 3
    Consideramos insegurança alimentar com base em Panigassi et al. (2008PANIGASSI, Giseli et al. (2008), “Insegurança alimentar como indicador de iniquidade: análise de inquérito populacional”. Cadernos de saúde pública, nº 24: 2376-2384.), para os quais, a iniquidade na segurança alimentar constitui-se em diferenças de acesso aos alimentos e à alimentação saudável, condições essas socialmente produzidas e que impactam negativamente no bem-estar e na qualidade de vida das famílias e de seus membros. Nesse sentido, a insegurança alimentar reflete a negação aos direitos elementares da pessoa, como os de estar vivo e sem doença, estar bem nutrido, assim como de ter garantido o seu direito ao respeito próprio e o de ser respeitado como cidadão (2008:237).
  • 4
    Observamos, porém, que embora as varoas da igreja sejam mulheres que praticam jejum, este não é uma prática exclusivamente feminina. Nos pentecostalismos, homens e mulheres jejuam.
  • 5
    A explicação de Tábita sobre o jejum parece se associar à interpretação de Mauss & Hubert (2005) sobre o sacrifício. Os clássicos autores argumentam que os sacrifícios oferecidos às divindades seriam possibilidades de troca entre o profano e o sagrado. A vítima sacrificada, em um terceiro polo, seria o mediador de tal relação. No cristianismo, tal relação se conforma em sua maior amplitude. O Deus cristão torna-se, ao mesmo tempo, divindade e vítima sacrificial. Porém, diante da imolação de Jesus, o fator sacrificial é excluído da teologia cristã. Pontuamos que o jejum praticado entre as varoas na igreja presidida pela pastora Tábita evoca outro sentido de sacrifício, em uma relação de troca em que seus próprios corpos são sacrificados por meio da renúncia à alimentação.
  • 6
    Bundles of individual and particular wants, which are tied up between more general norms, presumptions and axioms about the good life, and life more generally” (Appadurai 2004:67).
  • 7
    Ao refletir sobre as aspirações dos moradores das favelas de Deli, Veena Das (2012), ponderando que os pobres não podem ser definidos ou reduzidos às necessidades da sobrevivência, argumentou que as aspirações das populações das favelas estavam ligadas à relação entre espacialidades e temporalidades.
  • 8
    Programa do governo brasileiro que garante o pagamento de quantia mensal.
  • 9
    Expressão êmica para se referir à cesta básica recebida em doações.
  • 10
    Expressão êmica para definir cesta básica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Set 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    01 Dez 2021
  • Aceito
    04 Jul 2022
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