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Espiritualidade como categoria resultante de interações (conflituosas) entre comunidades terapêuticas e Estado

Spirituality as a category resulting from (conflictual) interactions between therapeutic communities and the State

Resumos

Resumo: O objetivo do artigo é discutir como o Estado brasileiro tem buscado regulamentar práticas religiosas em comunidades terapêuticas (CTs) e como elas reagem a esse movimento. Para isso, analisamos as normativas nacionais que regulamentam as CTs no Brasil e realizamos estudo de caso sobre o estado de São Paulo. A metodologia baseia-se na triangulação de técnicas: revisão bibliográfica, análise documental e entrevistas. Nosso principal argumento é que a categoria espiritualidade é coconstruída a partir de interações e conflitos, se tratando de um encaixe institucional que, ao mesmo tempo em que permite a manutenção da religião como um dos tripés do tratamento proposto pelas CTs, também assegura a elas um caráter de pluralidade religiosa, abrindo espaço para o financiamento estatal.

Palavras chaves:
comunidades terapêuticas; espiritualidade; religião; políticas públicas; institucionalização.


Abstract: The article aims to analyze how the Brazilian state has sought to regulate religious practices in therapeutic communities (TCs) and how these organizations react to this process. For this, we analyzed the national regulations of TCs in Brazil and carried out a case study on the state of São Paulo. The methodology consists of a bibliographic review, document analysis, and interviews. Our main argument is that the spirituality category is co-constructed through interactions and conflicts, being an institutional fit that, while allowing the maintenance of religion as one of the tripods of the treatment proposed by TCs, also ensures them a character of religious plurality, opening space for state funding.

Keywords:
therapeutic communities; spirituality; religion; public policy; institutionalization.


Introdução

As comunidades terapêuticas (CTs) são organizações privadas, em sua maioria estabelecidas com apoio ou o suporte de instituições religiosas, cujo objetivo é oferecer acolhimento e tratamento - via internação - para pessoas com transtornos decorrentes do uso problemático de drogas (Pires 2018PIRES, Roberto Rocha Coelho. (2018), “Um campo organizacional de comunidades terapêuticas no Brasil? Dos processos de convergência e suas implicações às clivagens emergentes”. In: M. P. G. dos Santos. Comunidades terapêuticas: temas para reflexão. Rio de Janeiro: IPEA. :133-166.). Organizadas em residências coletivas temporárias, essas organizações utilizam um programa assistencial baseado no tripé disciplina, trabalho e espiritualidade, sendo que muitas dessas conjugam práticas espirituais e/ou religiosas com terapias psicológicas, reuniões de grupos de ajuda mútua e outras a depender dos recursos humanos e financeiros disponíveis em cada CT (Santos 2018SANTOS, Maria Paula Gomes dos. (2018), “Comunidades terapêuticas: temas para reflexão ”. Brasília: IPEA.). Ademais, 90% dessas organizações desenvolvem cotidianamente práticas de orações, cultos e atividades de leitura bíblica como parte de seu método de tratamento (Pires 2018).

Parte das CTs brasileiras são financiadas por recursos públicos.1 1 Daquelas que responderam à questão sobre financiamento na pesquisa do IPEA (Santos 2017), 24,1% recebem verbas do governo federal, 27,8% dos governos estaduais e 41,1% dos governos municipais. Uma das principais questões que surgem quando o tema é financiamento de CTs é se o financiamento público dessas organizações feriria a laicidade do Estado. O que pouco se discute é que, desde 2001, o Estado brasileiro vem desenvolvendo normativas para a regulamentação das CTs no país, o que tem aberto cada vez mais espaço para o financiamento público dessas organizações. Segundo pesquisa da Conectas e Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP),2 2 Dados do relatório “Financiamento público de comunidades terapêuticas brasileiras entre 2017 e 2020”, produzido em 2021, pela Conectas e Cebrap. o montante de investimento federal nas CTs entre 2017 e 2020 foi de 300 milhões e o repasse de governos e prefeituras de capitais chegou a 560 milhões.

A literatura tem demonstrado que há certa ambiguidade na definição das CTs, o que gera dificuldades de regulamentação desse setor por parte do Estado (Fiore; Rui 2021). Isso ocorre porque apesar de as CTs serem locais de acolhimento de pessoas em situações de vulnerabilidades que realizam uso de drogas e fazem parte da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), essas não são consideradas equipamentos da saúde e tampouco da assistência social (Conad 2015). Ademais, apesar de praticarem a espiritualidade como parte da forma de tratamento, também não são igrejas. Outras explicações para a complexidade do arcabouço regulatório das CTs são as diferentes visões sobre o “problema das drogas”; as disputas sobre os diferentes modelos de tratamento; as estratégias utilizadas pelas próprias CTs de escaparem das regulamentações da área de saúde; e o fato de que os esforços do Estado para regulamentar o trabalho dessas organizações iniciaram três décadas após o início de seu funcionamento (Resende 2021RESENDE, Noelle Coelho. (2021), “Marco normativo das comunidades terapêuticas no brasil: disputas de sentido e nós jurídicos”. In: T. Rui; M. Fiore (org.). Working Paper Series: comunidades terapêuticas no Brasil . Brooklyn: SSRC . :8-28.).

Nesse contexto desafiador para a regulamentação das CTs no Brasil, a espiritualidade surge como um dos temas de maior conflito entre CTs e Estado. É justamente nesse conflito que este artigo se debruça, já que seu principal objetivo é discutir como o Estado tem buscado regulamentar o uso de atividades de espiritualidade como parte do método de tratamento a usuários de drogas por CTs e como essas organizações reagem a isso.

A relação das CTs com o Estado, assim como a mobilização política de atores ligados a esse modelo para sua inserção nas políticas públicas, especialmente ao que se refere às disputas em torno da manutenção do uso da espiritualidade como forma de tratamento, é terreno ainda pouco explorado pela literatura (Barroso 2020BARROSO, Priscila. (2020), Comunidades terapêuticas como política de Estado: uma análise sobre a inclusão deste modelo de cuidado nas políticas sobre drogas no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tese de Doutorado em Antropologia Social,UFGRS.). É, portanto, com o preenchimento dessa lacuna que nosso trabalho busca contribuir. Para isso, nosso estudo se baseou em duas etapas.

Na primeira, analisamos o processo de construção das normativas que visam regulamentar as CTs no Brasil, principalmente ao que concerne às atividades de espiritualidade. Para isso, analisamos documentos3 3 São eles: Lei nº 11.343/2006; Decreto nº 5.912/2006, Decreto nº 7.179/2010; Projeto de Lei nº 7.663/2010, Carta Do Piauí; Portaria MS nº 3.088/2011; RDC nº 29/2011- Anvisa; Programa “Crack é Possível Vencer”; Lei nº 12.868/2013; Resolução CONAD nº 1/2015; PL nº 8.016/2014; PL nº 1.377/2015; Portaria nº 1.482/2016; Resolução nº 32/2017; Portaria Interministerial MJSP nº 2/2017; Resolução CONAD nº 01/2018; Portaria nº 3.449/2018; Lei nº 13.840/2019; Decreto nº 9.761/2019; Portaria MC nº 562/2019; Portaria MC nº 563/2019; Portaria MC nº 5644/2019; Nota Técnica MS nº 11/2019; Decreto nº 59.164/2013;. sobre regulamentação do trabalho das CTs em âmbito nacional, especialmente ao que concerne ao uso da espiritualidade como parte da metodologia de tratamento aos usuários de drogas. Também foram entrevistados 10 representantes de 6 federações de CTs que participaram do processo de construção das normativas nacionais que regulamentam essas organizações.4 4 Essas entrevistas foram realizadas no âmbito de pesquisa de doutorado de uma das autoras, aprovadas pelo Conselho de Ética em Pesquisa (CEP) da FFLCH-USP, parecer número 5.388.909 do ano 2022. Das federações investigadas, 3 são evangélicas, 1 é de origem católica e 2 não têm identificação religiosa. Nesta etapa, destacamos as interações e, especialmente, os conflitos entre federações de CTs e Estado em nível federal em torno do uso de práticas religiosas como parte do tratamento utilizado por essas organizações.

As federações de CTs são compostas por diferentes agrupamentos de adictos em recuperação que se mobilizam por associação na defesa desses aparatos institucionais no tratamento de usuários de drogas. Existem mais de 10 federações de CTs no Brasil, e sua divisão está fundamentada em certas crenças religiosas e/ou recorte geográfico. Ultimamente, essas federações têm se constituído como agentes importantes na interlocução com o Estado para o acesso de recursos públicos ao modelo de tratamento defendido.

Os representantes das federações de CTs de âmbito nacional que foram entrevistados para esta pesquisa constituem-se enquanto apoio e suporte de suas CTs filiadas, na busca por uma homogeneização de um trabalho pautado por critérios disponíveis na legislação brasileira. Ao mesmo tempo, buscam brechas legislativas para tensionarem suas práticas nas instituições a partir do viés religioso. A grande maioria das lideranças que constituem as federações de CTs são homens adictos em recuperação que passaram por tratamento nessas instituições, formaram-se em diferentes áreas do conhecimento, como Direito, Administração, Psicologia, Assistência Social, Enfermagem etc. Hoje, gratos pela sua mudança de vida decorrente desse modo de tratamento, mobilizam-se através das federações de CTs enquanto representações políticas na defesa desse modelo de tratamento para ampliar sua disponibilidade, com recursos públicos, a quem possa necessitar.

Já na segunda etapa da pesquisa, analisamos como se dá a regulamentação do uso da espiritualidade pelas CTs na fase de implementação do serviço público, também destacando os conflitos existentes entre CTs e Estado - dessa vez em nível estadual. Para isso, selecionamos o Programa Recomeço: uma vida sem drogas, do estado de São Paulo, que tem a Federação Esperança atuando diretamente na execução do programa. Portanto, analisamos as estratégias desenvolvidas pelo estado de São Paulo para regulamentar o uso da espiritualidade como parte do método de tratamento nas CTs financiadas pelo Programa Recomeço, no qual uma das federações de CTs - chamada aqui de Federação Esperança - colaboraram na gestão até 2022.

Para essa etapa foram realizadas 61 entrevistas com psicólogas (33) e assistentes sociais (28) de 40 CTs do Programa Recomeço, o que equivale a 62,5% dos serviços credenciados pelo governo do estado de São Paulo. Das 61 pessoas entrevistadas, 54 eram mulheres.

Das 40 CTs pesquisadas, 12 eram evangélicas, 12 católicas, 13 ecumênicas e 3 não tiveram seus vínculos religiosos identificados. O vínculo religioso das organizações foi identificado por meio de sua autodeclaração durante processo de fiscalização realizado pela Federação Esperança, gestora do Programa Recomeço.

A escolha das representantes das CTs entrevistadas se deu de forma intencional a depender do envolvimento dos entrevistados com o Programa Recomeço e de disponibilidade e interesse das participantes. Essas entrevistas foram realizadas em 2019 presencialmente a partir de roteiro semiestruturado,5 5 Essas entrevistas foram realizadas por meio de um projeto de pesquisa do Núcleo de Estudos da Burocracia da FGV-SP (NEB-FGV), sob a coordenação da Profa. Dra. Gabriela Lotta, a quem agradecemos imensamente. A pesquisa foi aprovada pelo CEP da FGV-SP, parecer número 48 de 2020. durante evento realizado pela Coordenação de Políticas sobre Drogas (COED) na Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social (SEDS) de São Paulo. Todas as psicólogas e assistentes sociais presentes, em sua maioria do sexo feminino, foram convidadas a participar de entrevistas individuais que tiveram em média duração de 30 minutos. O tempo de atuação dessas profissionais em CTs era de 4 anos e meio, com variações entre 1 mês e 25 anos.

Além das entrevistas com psicólogas e assistentes sociais de CTs, em 2020 e 2021, já em contexto de pandemia da Covid-19, foram realizadas entrevistas, on-line ou por telefone, com 2 representantes da COED (1 coordenador e 1 técnico responsável pelo Programa Recomeço) e 3 representantes da Federação Esperança (1 coordenador e 2 visitadores, responsáveis pela fiscalização das CTs financiadas pelo Programa paulista in loco). Sobre os entrevistados da Federação vinculada ao Programa, é importante ressaltar que, no momento das entrevistas, todos esses já haviam se desligado da organização.

Por fim, para a segunda etapa da pesquisa, também foram analisados documentos que regulamentam o Programa Recomeço no estado de São Paulo.6 6 São eles: Plano de Trabalho entre Federação Esperança e COED de 2017; Aditamento Plano de Trabalho entre Federação Esperança e COED de 2019; Marco referencial de atendimento e intervenção nos serviços de acolhimento ofertados em CTs em SP e Manual de instalação de CTs em SP de 2020.

Nesse sentido, a metodologia utilizada para este trabalho baseou-se na triangulação de técnicas: revisão bibliográfica sobre o assunto, análise documental de nível federal e estadual e entrevistas com representantes de federações de CTs que contribuíram com a construção das regulamentações nacionais, mas também atores envolvidos na implementação do Programa Recomeço do estado de São Paulo. Sendo assim, foram realizadas 66 entrevistas referentes ao Programa Recomeço e 10 referentes ao processo de construção das regulamentações em nível nacional, totalizando 76 entrevistas. Todas elas foram transcritas e analisadas através do software NVIVO. Ainda destacamos que o eixo temporal da análise se inicia em 2001 - com a promulgação da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) - nº 101, de 30 de maio de 2001, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), quando as federações de CTs se aproximaram de atores governamentais de modo a disputar seu espaço nas políticas públicas - até os dias atuais.

Neste texto, seguimos agenda de pesquisa proposta por autores (Asad 2010ASAD, Talal. (2010), “A construção da religião como uma categoria antropológica”. Cadernos de Campo, 19(19): 263-284.; Giumbelli 2011GIUMBELLI, Emerson. (2011), “A noção de crença e suas implicações para a modernidade: um diálogo imaginado entre Bruno Latour e Talal Asad”. Horizontes Antropológicos, 17: 327-356.; Bender; McRoberts 2012BENDER, Courtney; MCROBERTS, Omar. (2012), “Mapping a field: Why and how to study spirituality”. Social Science Research Council. Working. Papers: 1-27.; Veer 2013VEER, Peter Van Der. (2013), The modern spirit of Asia: the spiritual and the secular in China and in India. Princeton: Princeton University Press . ; Toniol 2018TONIOL, Rodrigo. (2018), Do espírito na saúde: oferta e uso de terapias alternativas/complementares nos serviços de saúde pública no Brasil. Porto Alegre: Editora LiberArs.; 2022) que defendem a espiritualidade como categoria que deve ser definida dentro de contextos sociais, históricos e políticos. Nosso principal argumento é que a categoria espiritualidade no contexto da política que regulamenta as CTs no Brasil foi acionada com base na interação e, especialmente, nos conflitos entre o Estado e essas organizações, gerando custos e benefícios para ambos os lados.

O caso de São Paulo deixa claro que, enquanto o Estado busca estratégias para tensionar o espaço da religião no âmbito das CTs, essas, especialmente as religiosas, resistem a fim de preservar o que definem como parte importante de suas identidades. Sendo assim, consideramos a espiritualidade, que é acionada tanto pelos atores representantes de CTs como aqueles vinculados ao Estado, enquanto categoria de duas vias. Ao mesmo tempo em que ela permite a manutenção das atividades religiosas como dimensão importante do tratamento proposto pelas CTs e de suas identidades - incorporando uma demanda histórica dessas organizações -, essa também assegura um caráter de pluralidade religiosa ao tratamento prestado por elas, abrindo espaço para o financiamento estatal.

Outro aspecto importante de nosso argumento é evidenciar por meio da análise do Programa Recomeço em São Paulo, através do qual se dá a gestão das CTs no Estado, como conflitos e disputas em torno de uma categoria já institucionalizada em política pública seguem ocorrendo também em sua fase de implementação no nível local, deixando claro que “nem tudo começa e termina em Brasília” (Bichir; Simoni; Pereira 2020BICHIR, Renata; SIMONI JUNIOR, Sergio; PEREIRA, Guilherme. (2020), “Sistemas Nacionais de Políticas Públicas e seus efeitos na implementação: o caso do Sistema Único de Assistência Social (SUAS)”. Revista Brasileira de Ciencias Sociais, vol. 35, nº 102: 01-23.:3).

Este artigo está dividido em quatro partes. Na primeira, apresentamos como se dá a presença do cristianismo no modelo de tratamento proposto pelas CTs no Brasil, assim como o principal marco teórico utilizado em nosso trabalho. Na segunda, discutimos sobre os acionamentos estratégicos da categoria espiritualidade em nível nacional, enquanto na terceira etapa analisamos as disputas dessa categoria em nível estadual no caso da implementação do Programa Recomeço em São Paulo. Por fim, na quarta e última etapa analisamos a espiritualidade enquanto categoria mediadora de conflitos tanto em nível nacional como no nível estadual.

A presença do cristianismo no modelo de comunidades terapêuticas brasileiras

As CTs brasileiras tiveram influência de movimentos norte-americanos cristãos, especialmente os de Oxford e Minnesota,7 7 Fundado pelo ministro evangélico luterano Frank Buchman, esse grupo de alcoolistas em recuperação seguiam princípios cristãos para deixar o vício. A partir dessa experiência, Bill Wilson, que era um dependente de álcool que havia passado pelo grupo de Oxford, se juntou com Bob Smith, outro dependente, e juntos, em 1935, criaram a irmandade Alcoólicos Anônimos. Essa proposta se transformou no modelo de Minnesota, cujo principal método de tratamento eram os doze passos (Barroso 2020). cuja base está no acompanhamento dos doze passos. Os doze passos consistem em ações como crer e entregar a vida a Deus, assim como a realização de orações para que Deus livre o adicto de seu vício. Esse histórico influenciou a identidade organizacional, assim como o programa assistencial das CTs brasileiras.

Segundo dados do IPEA (Santos 2017SANTOS, Maria Paula Gomes dos. (2017), Nota técnica - perfil das comunidades terapêuticas brasileiras.: Brasília: IPEA: Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia.), no que se refere à orientação religiosa das CTs no Brasil, 45% são evangélicas, 27% católicas, 9% vinculadas a outras religiões e apenas cerca de 19% delas declararam não possuir orientação religiosa. Ademais, 95,6% das CTs brasileiras afirmam utilizar a espiritualidade como método de tratamento e 90% delas afirmam realizar cotidianamente práticas de orações, cultos e atividades de leitura bíblica (Pires 2018PIRES, Roberto Rocha Coelho. (2018), “Um campo organizacional de comunidades terapêuticas no Brasil? Dos processos de convergência e suas implicações às clivagens emergentes”. In: M. P. G. dos Santos. Comunidades terapêuticas: temas para reflexão. Rio de Janeiro: IPEA. :133-166.). As CTs que declaram não possuir orientação religiosa desenvolvem atividades típicas de organizações e grupos religiosos, o que é um fenômeno que não está presente apenas nas CTs brasileiras. Bartkowski e Grettenberger (2018BARTKOWSKI, John. P.; GRETTENBERGER, Susan. E. (2018), The Arc of Faith-Based Initiatives: Religion’s Changing Role in Welfare Service Provision. Cham, Switzerland: Springer.), ao analisarem CTs norte-americanas, destacam diversas instituições seculares que se utilizavam de práticas religiosas - sendo elas atividades com uso da bíblia, orações para seres superiores, condutas ritualísticas voltadas ao sagrado - como formas de tratamento aos usuários de drogas.

Loeck (2021LOECK, Jardel Fischer. (2021), “Comunidades terapêuticas e a transformação moral dos indivíduos: entre o religioso-espiritual e o técnico-científico”. In: T. Rui; M. Fiore (org.). Working Paper Series: comunidades terapêuticas no Brasil . Brooklyn: SSRC . :45-63.) aponta para a sobreposição de práticas técnico-científicas - especialmente das áreas da saúde, assistência social e outras - e religiosas no âmbito das CTs brasileiras. Além das atividades religiosas mencionadas anteriormente, grande parte dessas organizações também desenvolvem atividades de psicoterapia em grupo (88,5%) e individual (84,6%) e atividades físicas (90,7%) (Santos 2017SANTOS, Maria Paula Gomes dos. (2017), Nota técnica - perfil das comunidades terapêuticas brasileiras.: Brasília: IPEA: Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia.). Dados recentes mostram que muitas das CTs brasileiras possuem equipes de trabalho que contam tanto com profissionais com formação universitária e técnica - especialmente nas áreas de psicologia, serviço social, medicina e enfermagem - e sacerdotes e missionários religiosos, sejam esses contratados ou voluntários (Loeck 2021). Ainda vale destacar que parte da equipe de trabalho de uma CT - sejam dirigentes, profissionais ou voluntários - também, em sua maioria, são adictos em recuperação que passaram por esse tipo de tratamento, cuja uma das bases é a espiritualidade, e visam dar continuidade ao modelo da forma como vivenciaram (Barroso 2020BARROSO, Priscila. (2020), Comunidades terapêuticas como política de Estado: uma análise sobre a inclusão deste modelo de cuidado nas políticas sobre drogas no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tese de Doutorado em Antropologia Social,UFGRS.).

Outro dado que reforça o argumento de vínculo estreito das CTs com igrejas e organizações religiosas é que, além do recebimento de recursos estatais, 63,5% das CTs brasileiras recebem doações financeiras dessas instituições (Santos 2017). Algumas CTs também dividem seu território com a atuação de cultos religiosos convidando - e em alguns casos, obrigando - os acolhidos a participarem de suas ações.

Dado a forte presença religiosa no tratamento proposto pelas CTs, assim como em sua identidade organizacional, e as tentativas do Estado brasileiro em regulamentar esse serviço, acreditamos que esse seja um caso propício para contribuirmos com a discussão sobre a regulamentação da presença religiosa nas políticas públicas no Brasil, especialmente no campo da saúde, que vem sendo desenvolvida por autores como Giumbelli (1997GIUMBELLI, Emerson. (1997), O cuidado dos mortos: uma história da condenação e legitimação do espiritismo. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional.; 2016GIUMBELLI, Emerson. (2016a), “Public policy and religious diversity: interreligious spaces in two hospitals in a Brazilian Capital City”. Latin American Perspectives, 43(3): 186-199.), Montero (1985MONTERO, Paula. (1985), “Da doença à desordem: a magia na umbanda”. Biblioteca de saúde e sociedade, 10.) e Toniol (2018TONIOL, Rodrigo. (2018), Do espírito na saúde: oferta e uso de terapias alternativas/complementares nos serviços de saúde pública no Brasil. Porto Alegre: Editora LiberArs.; 2022).

Concordamos com parte dessa literatura que evita traçar uma separação estrita entre Estado e sociedade (Giumbelli 2016GIUMBELLI, Emerson; SCOLA, Jorge. (2016), “Marcos Legislativos de Regulação do Religioso no Brasil: Estatuto da Igualdade Racial, Acordo Brasil-Vaticano e Lei Geral das Religiões”. Numen, 19(2).a; Giumbelli & Scola 2016), reconhecendo a permeabilidade que os próprios grupos religiosos possuem na produção de normativas que os regulam. Entretanto, também reconhecemos que o Estado não se trata de mera arena de disputa entre atores sociais ou mesmo de um subproduto de conflitos e interesses da sociedade. Por isso a novidade de nossa abordagem é trazer um arcabouço teórico que coloca luz também sobre a estrutura estatal, iluminando um lado do debate ainda pouco explorado pela literatura.

Fazemos isso com base na abordagem neoinstitucionalista, que, seguindo a tradição weberiana, tem como pressuposto de análise o Estado como ente autônomo em relação à sociedade civil. Entretanto, adotamos a perspectiva que reconhece os limites da abordagem weberiana, apontando a existência de permeabilidade entre sociedade civil e Estado. Um importante conceito desenvolvido em meio a esse debate é o de embedded autonomy (autonomia inserida), desenvolvido por Peter Evans (1995), que considera que a capacidade de coordenação do Estado depende de sua inserção social. Seguindo essa corrente teórica, nos juntamos a autores como Evans (1995) e Skocpol (1992SKOCPOL, Theda. (1992), Protecting Soldiers and Mothers: The Political Origins of Social Policy in the United States. S. l.: s. n..), que, apesar de reconhecerem a autonomia estatal, defendem a mútua constituição entre Estado e sociedade civil, afirmando que a capacidade de ação de atores sociais e instituições políticas são coproduzidas pelas disputas e interações entre eles (Carlos 2018CARLOS, Euzeneia. (2018), “A construção de encaixes institucionais e domínio de agência no movimento popular urbano: mecanismos e configurações”. In: A. G. Lavalle; E. Carlos; M. Dowbor; J. Szwako (org.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. online. Rio de Janeiro: Eduerj. :165-209.).

Assim, sob a perspectiva neoinstitucionalista histórica, o conceito de “encaixe institucional” (Skocpol 1992SKOCPOL, Theda. (1992), Protecting Soldiers and Mothers: The Political Origins of Social Policy in the United States. S. l.: s. n..) será fundamental em nossa análise. Esse conceito é definido como uma sedimentação institucional de processos históricos de interações socioestatais que ganham vida própria e por meio dos quais atores sociais utilizam-se das instituições políticas a seu favor, ampliando assim sua capacidade de agir (Lavalle; Carlos; Dowbor; Szwarko 2018LAVALLE, Adrian Gurza; CARLOS, Euzenia; DOWBOR, Monika; SZWAKO, José. (org.). (2018), Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. online. Rio de Janeiro: Eduerj. ). Essa abordagem será particularmente fecunda em nossa análise na medida em que veremos que a espiritualidade se trata de “um encaixe”, ou seja, uma categoria institucionalizada em política pública, resultante de interações (muitas vezes conflituosas) entre representantes de CTs - que são atores parte da sociedade civil - e Estado.

Acionamentos estratégicos da categoria espiritualidade: conflitos entre federações de CTs e Estado em nível federal

A primeira tentativa do Estado brasileiro de regulamentar as CTs atuantes em território nacional, inclusive o uso de práticas religiosas como forma de tratamento por essas organizações, foi em 2001 por meio da RDC nº 101, da Anvisa. O conteúdo dessa resolução foi negociado pelas federações de CTs existentes na época, pela Federação Esperança e outra de cunho evangélico, que passaram a incidir politicamente sobre o Estado, pois temiam o fechamento das CTs como consequência das discussões no âmbito da Lei de Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.2016/2001), promulgada em 2001. Essa lei visava redirecionar o modelo de saúde mental vigente na época, a fim de financiar serviços substitutivos ao modelo hospitalocêntrico e asilar, apoiados na redução de danos. Como as CTs dispõem de tratamento residencial por longo período em convivência com os pares e está focada na abstinência, seus representantes se viram intimidados com essa Lei. Assim, nesse período, as CTs buscaram reconhecimento e legitimidade do seu modelo pelo Estado para garantir seu trabalho na sociedade.

Como resultado da interação entre representantes de federações de CTs e do governo federal, a RDC nº 101/2001 estabeleceu que “a admissão da pessoa acolhida não deveria impor “condições de crenças religiosas ou ideológicas”, porém que as CTs deveriam “ofertar cuidados com o bem-estar físico e psíquico da pessoa, proporcionando um ambiente livre de substância psicoativa (SPA)8 8 SPA significa todas as classes de substâncias, lícitas e ilícitas, não implicando necessariamente em dependência química. Esse termo tem sido usado nas legislações brasileiras, mas nós optamos por utilizar a nomenclatura “drogas” relacionando mais diretamente com a noção de dependência química que nossos interlocutores acionam. e violência, resguardando o direito de o serviço estabelecer as atividades relativas à espiritualidade” (2001:9). Apesar de esta impor limites às práticas religiosas desenvolvidas no interior dessas organizações, afirmando que não se deve haver imposições de “crenças religiosas ou ideológicas”, o documento não apenas reconhece o oferecimento de atividades de espiritualidade como um serviço a ser ofertado pelas CTs, mas como um direito dessas organizações de prestarem esse tipo de serviço.

O uso da espiritualidade como forma de tratamento é de fato visto como um direito adquirido por boa parte dos representantes de federações de CTs entrevistados em nossa pesquisa. Esses atores frequentemente citam os parágrafos VI e VII do artigo 5º da Constituição Federal (1988BRASIL. Constituição (1988), Constituição da República Federativa do Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.), os quais preveem a liberdade de culto e a prestação de assistência religiosa em entidades civis e militares de internação coletiva.

Ademais, na RDC nº 101/2001, as atividades de espiritualidade são definidas como aquelas que visam “estimular o desenvolvimento interior (por ex.: yoga, meditação, prática de silêncio, cantos e outros textos filosóficos reflexivos)”, estabelecendo-as como opcionais aos residentes, “respeitando-se suas convicções e credos pessoais e oferecendo, em substituição, atividades alternativas” (2001:11). Apesar das CTs serem organizações que, em sua maioria possuem vínculos, origens e identidades religiosas, especialmente cristãs, a noção de espiritualidade presente nessa normativa busca se afastar de uma perspectiva estritamente religiosa e/ou cristã, o que também é verificado em outras pesquisas sobre o uso da categoria espiritualidade nas políticas públicas (Toniol 2017TONIOL, Rodrigo. (2017), “O que faz a espiritualidade?” Religião & Sociedade , vol. 37: 144-175.; De Paula 2020DE PAULA, Leandro. (2020), “A alma como problema público: espiritualidade e saúde no contexto dos EUA”. Religião & Sociedade, vol. 40: 95-120.; Sullivan 2014SULLIVAN, Winnifred Fallers. (2009), Prison religion: Faith-based reform and the constitution. Princeton: Princeton University Press.). Os exemplos de atividades de espiritualidade apresentados na RDC nº 101/2001 são yoga, meditação, leitura de textos filosóficos, algo diferente do que é de fato praticado pela grande maioria das CTs: leitura bíblica, cultos, missas e louvores. Há, portanto, uma tentativa de diferenciar a categoria espiritualidade de religiosidade ao apontar que a espiritualidade, além de não ter o formalismo presente nas religiões, seria algo de caráter muito mais individual.

Ela (a religião) exige um formalismo. Você vai à missa. Você confessa, existe um formalismo. Primeiro tem o louvor, depois tem a homilia e depois o sacramento. É um formalismo. Na espiritualidade não existe o formalismo (...) usa-se princípios cristãos e aí cada um com a sua religião. (Representante de Federação de CT, entrevista 2)

Apesar de a RDC nº 101/2001 ter recebido influência das duas federações de CTs existentes na época de sua elaboração, seu resultado não agradou essas organizações e tampouco suas filiadas. A nova normativa previa diversas condições relacionadas à estrutura física e de recursos humanos que as CTs deveriam cumprir enquanto prestadoras de serviços, que, segundo nossos interlocutores, não era possível a curto prazo. Então, as federações de CTs, que entre 2001 e 2011 cresceram em número e articulação, passaram a pressionar o governo federal para que a RDC nº 101/2001 fosse alterada.

A principal estratégia de coordenação do movimento de CTs foi a criação da Confederação Nacional de CTs (CONFENACT) em 2012. A CONFENACT, que reunia as principais federações de CTs do país9 9 Essa confederação foi formada pela união de 5 federações de CTs com maiores expressividades regionais e também que contavam com atores dispostos a buscar uma articulação nacional de maior visibilidade para o trabalho desenvolvido pelo modelo defendido das CTs no tratamento de usuários de drogas. lançou uma Carta de intenções denominada Carta de Piauí, cujo objetivo era propor uma alteração na RDC nº 101/2001 e reivindicar o reconhecimento das CTs como serviço público. Nesse documento, a espiritualidade foi apresentada como o primeiro eixo norteador do modelo de CTs, deixando clara sua importância para essas organizações.

O resultado desse processo foi a promulgação da RDC nº 29/2011, emitida pelo Ministério da Saúde (MS), que substituía a anterior. Essa resolução era mais vaga que a anterior quanto às exigências estruturais e de profissionalização, além de não fazer menção às atividades de espiritualidade. Por isso, em 2015, o Conselho Nacional de Álcool e Drogas (CONAD) - que contava com intensa participação das federações de CTs e de outros atores da sociedade civil contrários ao modelo dessas organizações como os Conselhos Nacionais de Psicologia (CNP) e Assistência Social (CNAS), além de representantes do Estado - aprovou o marco regulatório das CTs por meio da Resolução nº 01/2015.

Nessa resolução, o Estado brasileiro reconhece que a proposta de tratamento das CTs - descrita agora como programa de acolhimento - poderia incluir atividades de espiritualidade. No documento, as atividades de espiritualidade são definidas como aquelas que “buscam o autoconhecimento e o desenvolvimento interior, a partir da visão holística do ser humano, podendo ser parte do método de recuperação, objetivando o fortalecimento de valores fundamentais para a vida social e pessoal, assegurado nos incisos VI e VII do artigo 5º da Constituição” (2015:6). Aqui, há um esforço de distinguir atividades de espiritualidade de práticas estritamente religiosas como já acontecia na RDC nº101/2001.

De acordo com nossos entrevistados, a espiritualidade foi a maior razão de conflitos entre os atores envolvidos na construção do marco regulatório das CTs, publicado em 2015 pelo CONAD. Atores da sociedade civil atuantes no CONAD, como o CNP e o CNAS, assim como burocratas do MS eram majoritariamente contrários ao financiamento complementar das CTs pelo Estado e inclusão dessas organizações na RAPS.

Mas desde então este Ministério (Ministério da Saúde) foi formando pessoas numa lógica de exclusão (...) por causa da espiritualidade. A razão (em disputa) era porque recursos públicos eram investidos em CTs. Porque o estado (...) estava oferecendo um serviço religioso e não um serviço (...) técnico. (Representante de Federação de CT, entrevistado 4)

Os conflitos em torno da espiritualidade eram decorrentes da discussão sobre se o financiamento de CTs feriria a laicidade estatal. De acordo com nossos interlocutores, na visão de membros do CNP e burocratas do MS, o Estado não poderia financiar um serviço cujo um dos tripés está baseado em práticas religiosas. Já as federações de CTs argumentavam que um Estado laico não significa um Estado sem religião e que as atividades de espiritualidade devem ser permitidas, desde que respeitadas as liberdades religiosas e de crenças dos indivíduos.

Então a CT sendo um serviço dentro da rede (de atenção) psicossocial que tem a espiritualidade reconhecida como método de recuperação, é essencial para a população. Porque muitas vezes a gente diz o Estado é laico. Beleza é laico, mas o laico não significa ser ateu. O laico significa que ele respeita a crença religiosa das pessoas e também respeita a confissão religiosa das instituições. (Representante de Federação de CT, entrevistado 4)

O conflito existente entre as CTs, Estado e outros atores em torno da categoria espiritualidade é visível quando essas organizações buscam reconhecimento estatal com finalidade de acesso a financiamentos públicos, já que um dos desafios dessas organizações é sua sustentabilidade financeira. Entretanto, as práticas e vínculos religiosos dessas organizações no mínimo confundem a laicidade estatal, gerando resistência dentro e fora do Estado. Mesmo assim, as CTs não cogitam em abandonar um de seus tripés - cada vez mais pautado na espiritualidade em vez da religiosidade - em nome do financiamento estatal. Inclusive, em nossa pesquisa vimos que algumas delas optam por não receberem fundos estatais para que suas atividades religiosas não sejam limitadas pelo Estado (Brandão; Carvalho 2016BRANDÃO, Beatriz; CARVALHO, Jonatas. (2016), “Aqui não é uma comunidade terapêutica: entre a diversidade e normatividade em tratamentos com usuários abusivos de drogas”. Revista Teias, vol. 17, nº 45: 63-82.).

Conforme demonstrou Barroso (2021BARROSO, Priscila. (2021), “Estamos compartilhando experiências: consensos e dissensos na articulação política dos representantes de CTs no Brasil”. In: T. Rui; M. Fiore (org.). Working Paper Series: comunidades terapêuticas no Brasil. Brooklyn: SSRC. :86-106.) em sua pesquisa etnográfica, essa discussão é parte do debate entre federações de CTs que discutem até onde estão dispostas a “abandonar Deus” para receberem fundos governamentais. Em sua pesquisa de campo, a autora ouviu diversas falas em lives promovidas pelas federações de CTs e evidenciou que não há um consenso entre as federações do que significa exatamente a operacionalização da espiritualidade no tratamento dos adictos em recuperação. Nas lives, era evidenciado esse embate em torno da espiritualidade como: “o que significa Deus para você? Você tiraria a espiritualidade das CTs para receber financiamento público?” (...) Em relação a isso, a maior parte das federações dizem que não deixariam de lado a espiritualidade para receber verba estatal. Segundo eles, é preciso “ter coragem e não tirar a espiritualidade!” (Barroso 2021:98).

Sobre a defesa da maior parte das federações de CTs à espiritualidade -considerando suas diferenças e aproximações - a ponto de abdicar o financiamento público, acreditamos que ela se dá por duas razões principais.

A primeira se refere à dimensão do tratamento proposto por essas organizações, cujo um dos tripés é a espiritualidade. A justificativa é de que o ser humano é biopsicossocial e espiritual e por isso seu espírito também deve ser tratado. Essa ideia não surge no campo das CTs, mas é estrategicamente utilizada por elas.

De acordo com Toniol (2017TONIOL, Rodrigo. (2017), “O que faz a espiritualidade?” Religião & Sociedade , vol. 37: 144-175.; 2018; 2022), a partir dos anos 1980, a espiritualidade passa a ser um tópico pertinente às questões de saúde. Nesse período, pesquisadores da área de saúde começaram a se dedicar ao tema e a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a reconhecer a “dimensão espiritual” como um fator intrínseco à saúde humana, integrando-a ao programa de estratégia da saúde de seus Estados Membros. Segundo a resolução 37.13 (1984) da OMS, a organização:

Reconhece que a dimensão espiritual tem um papel importante na motivação das pessoas em todos os aspectos da vida (...); afirma em consequência que essas ideias enobrecedoras não somente estimulam atitudes saudáveis, mas também têm dado à saúde [...] uma dimensão espiritual adicional (...); convida todos seus Estados-membros a incluírem em suas políticas nacionais de saúde uma dimensão espiritual [...]. (WHA37.13, 15/05/1984. Apud Toniol 2022TONIOL, Rodrigo. (2022), Espiritualidade incorporada: pesquisas médicas, usos clínicos e políticas públicas na legitimação da espiritualidade como fator de saúde. Porto Alegre: Editora Zouk.:35)

Desde então, a categoria espiritualidade (como uma dimensão do ser humano) entra na área da saúde e passa a ser disputada por vários grupos frente ao Estado, religiosos e não religiosos (Toniol 2018TONIOL, Rodrigo. (2018), Do espírito na saúde: oferta e uso de terapias alternativas/complementares nos serviços de saúde pública no Brasil. Porto Alegre: Editora LiberArs.). No caso das CTs, soma-se a esse debate a compreensão de seus representantes sobre a busca dos usuários de drogas em preencherem um “vazio” interior. Esse vazio não se refere a algo físico, mas sim a um sofrimento no âmbito da dimensão espiritual, afetando diretamente a alma, que só cessaria com o uso de drogas, desenvolvendo a dependência química. Dessa forma, como o usuário em tratamento nas CTs deve ficar abstinente de drogas durante a convivência com os pares nas instituições, seria a espiritualidade - em suas diferentes práticas, religiosas ou não, promovidas no local - que preencheria esse “vazio” fazendo com que o acolhido não retornasse para o uso de drogas após sair das CTs.

Já a segunda razão que justifica a defesa da espiritualidade pelas federações é de caráter organizacional. A espiritualidade, que como vimos anteriormente se restringe majoritariamente a práticas de orações, cultos/missas e leitura bíblica, é um dos pilares fundamentais do modelo proposto pelas CTs juntamente com a convivência entre os pares e a disciplina. Assim, de acordo com nossos entrevistados, se qualquer um desses pilares for retirado, o modelo de CT se descaracteriza. Por isso a defesa da espiritualidade pelas CTs frente ao Estado e a outros atores da sociedade civil que fazem resistência a elas - como aqueles que enfocam a redução de danos -, significa uma defesa da identidade organizacional dessas instituições e, portanto, de sua própria sobrevivência, o que fica claro na fala a seguir.

Nós entendemos como CONFENACT que a espiritualidade faz parte do nosso método. O método de CT consiste no desenvolvimento da espiritualidade, nas atividades práticas, nas atividades de autocuidado (..) nas atividades recreativas e a convivência entre os pares. Então, esse é o modelo. A partir do momento que você tira uma perna dessa mesa do método, a mesa vai ficar sem uma perna e vai ficar balançando e pode cair essa mesa. Então, nós defendemos que a espiritualidade faz parte do método. Se não tem espiritualidade, se não tem convivência entre os pares, se não tem atividades práticas de autocuidado, atividades recreativas, de uma certa forma deixa de ser CT. (Representante de Federação de CT, entrevistado 6)

Sendo assim, argumentamos que nesse contexto de conflitos, a espiritualidade é construída como categoria que acomoda disputas em torno da laicidade do Estado, incorporando demandas das CTs como a manutenção de atividades religiosas, assim como interesses estatais como a possibilidade de terceirização do serviço de cuidado aos usuários de drogas e regulamentação, mesmo que limitada, das atividades religiosas das CTs. Para nossos entrevistados, a categoria espiritualidade “encaixou” porque é ampla o suficiente para acomodar diferentes interesses, conforme destacamos nas falas a seguir.

Então espiritualidade entra aí como um termo que é palatável para todo mundo. (Representante de Federação de CT, entrevistado 2)

(...) a espiritualidade é ampla e ela se encaixa conforme a necessidade e o desejo que cada pessoa acredita. (Representante de Federação de CT, entrevistado 4)

Nesta seção vimos os conflitos em torno do reconhecimento de práticas religiosas utilizadas pelas CTs como método de tratamento a usuários de drogas pelo Estado na fase de construção das normativas que regulamentam essas organizações a nível federal. Também demonstramos como a categoria espiritualidade surge para acomodar conflitos existentes entre as CTs, Estado e outros atores da sociedade civil envolvidos no tema, incorporando diferentes demandas e interesses. Na próxima seção mostraremos como essa categoria espiritualidade segue sendo alvo de conflitos entre CTs e Estado na fase de implementação da política pública em nível estadual.

Acionamentos estratégicos da categoria espiritualidade: conflitos em torno da espiritualidade na implementação do Programa Recomeço

O Programa Recomeço: uma vida sem drogas é um Programa do governo do estado de São Paulo estabelecido em 2013 pelo Decreto nº 59.164/2013, cujo principal objetivo é o financiamento de vagas em CTs por meio do custeio de despesas individuais dos usuários do serviço. Atualmente, o Programa é coordenado pela COED da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social do estado de São Paulo (SEDS).

O Programa surgiu como forma de enfrentamento ao aumento de usuários de drogas na região da cracolândia, no centro da capital paulistana. Enquanto o governo do estado lançava o Programa Recomeço, cuja uma das ações era o financiamento de internações em CTs, fomentando uma abordagem a partir da abstinência; o município inaugurava o Programa De Braços Abertos (DBA), cuja abordagem era ancorada na redução de danos. Inclusive, parte da literatura entende o DBA como uma resposta às políticas de internação em CTs fomentadas pelo Recomeço (Alves 2014ALVES, Ygor. (2014), “O programa de braços abertos da prefeitura paulistana: surgimento, consolidação e perspectivas”. In: M. Silva; T. Ramminger. (org.). Mais substâncias para o trabalho em saúde com usuários de drogas. Porto Alegre: Rede UNIDA.). Sendo assim, além das disputas no contexto nacional conforme demonstradas anteriormente, havia também disputas no ambiente subnacional entre governo municipal e estadual, assim como entre as CTs e atores que atuavam em defesa da redução de danos em São Paulo. Neste artigo não exploraremos essas interações, já que nosso objetivo aqui é iluminar as relações e conflitos em torno da espiritualidade entre CTs e Estado na fase de implementação do Programa Recomeço em nível estadual.

Atualmente, o Programa Recomeço disponibiliza 1.335 vagas em CTs por meio de 64 organizações localizadas em diversos municípios do estado (Benson; Flaire 2020BENSON, Thomas; FLAIRE, Rodrigo.(2020), A execução do Programa Recomeço e a relação entre Estado e terceiro setor em São Paulo. São Paulo: Dissertação de Mestrado em Gestão e Políticas Públicas, FGV.). Dessas vagas, 11,8% são destinadas ao público feminino e 88,2% ao masculino. O valor do repasse é de 1.350 reais por usuário, e o período de acolhimento máximo deve ser de 180 dias, podendo ser prorrogado por mais 90 (Thiago 2021THIAGO, Marina. (2021), Controle dos burocratas de nível de rua do Programa Recomeço: conformidade, resultado e aprendizagem. São Paulo: Dissertação de Mestrado em Gestão e Políticas Públicas, FGV.).

Desde 2013, a seleção das CTs do Programa Recomeço é feita pela Federação Esperança, por meio de editais de chamamento público. Além da seleção, essa Federação tem sido responsável pela gestão, monitoramento e fiscalização das CTs que fazem parte do Programa.

A Federação Esperança se constituiu no Brasil há mais de 30 anos no estado de São Paulo e com base de apoio católica. Ainda que tenham essas especificidades, ela tem filiado CTs de todas as partes do Brasil, com denominações religiosas diversas, promovendo assessoramento para regularização das instituições, cursos para profissionais que atuam na área e encabeça a representação política junto com outras federações frente ao poder público. No Estado de São Paulo, a Federação Esperança alcançou parcerias concretas junto ao poder público, atuando diretamente na gestão e fiscalização das CTs financiadas pelo Programa Recomeço até o fim de 2022, quando foi substituída por outra organização social. Cabe dizer que esse tipo de relação institucionalizada entre o Estado e uma federação de CT só aconteceu em SP, ainda que a Federação Esperança, por meio de suas representações regionais, tenha buscado propor o mesmo modelo em outros locais.

Sobre o processo de seleção das CTs que se vinculam ao Programa Recomeço, essas são selecionadas com base em critérios técnicos e legais, ambos eliminatórios. Em relação aos critérios técnicos, seus principais eixos são: equipe mínima, composta por 1 psicólogo (40h), 1 assistente social (30h) e 2 socioeducadores (40h); comprovação de capacidade para o desenvolvimento do Plano de Atendimento Singular (PAS)10 10 Segundo resolução do CONAD (2015), o PAS permite o monitoramento das ações de acolhimento individual e para controle e fiscalização do Estado. para cada acolhido, e; capacidade de desenvolvimento de planos de reinserção social, além da apresentação de um cronograma semanal de atividades.

O lugar da categoria espiritualidade nas normativas do Programa Recomeço

Em nossa análise das normativas que regulamentam o Programa Recomeço, identificamos que as atividades de espiritualidade são previstas desde o primeiro edital de chamamento público da Secretaria da Justiça e Cidadania (SJDC) (Edital SJDC nº 01/2013), assim como também aparecem nas normativas que regulamentam a atuação das CTs em São Paulo - como os Manuais para instalação e funcionamento de CTs em SP 2014 e 2020; e os termos de colaboração entre Federação Esperança e SEDS/COED 2016, 2017, 2019, 2022.

Em todos esses documentos, as atividades de espiritualidade são definidas como aquelas que promovem “a dimensão da pessoa humana que traduz a busca em alcançar a plenitude da sua relação com o seu bem-estar espiritual na forma como cada um concebe” (2013:74; 2014:61; 2020:25).

Como nos documentos federais analisados na seção anterior, as normativas que buscam regulamentar as CTs em São Paulo também buscam distinguir a espiritualidade de religião, reforçando assim o caráter individual da primeira. Essa diferenciação também aparece nas falas dos atores do Programa Recomeço, tanto por parte dos representantes de CTs como por parte dos representantes da COED. Assim, como os representantes de federações conforme vimos na seção anterior, esses atores definem espiritualidade como algo mais amplo, individual e menos institucionalizado do que a religião.

(...) religião eu vejo assim, está ligado a uma igreja, espiritualidade, é quando você fala do seu equilíbrio, vamos dizer assim que você está em paz (Entrevista 21, CT católica).

Espiritualidade não é religiosidade. Então, a gente tem que trabalhar o espiritual dessa pessoa, sem placa de santo ou missa. (Entrevista 10, CT evangélica)

Esses documentos preveem a espiritualidade como “recurso terapêutico” (Manual 2020:74) em CTs, e reconhecem a dependência química como “doença complexa, que atinge o corpo, a psique, as emoções, o convívio familiar e social e a espiritualidade” (Manual 2014:5). Além disso, essa visão também é compartilhada pelos profissionais de CTs envolvidos com o Programa Recomeço em São Paulo. Esses atores também justificam a centralidade da espiritualidade devido ao fato de o ser humano ser biopsicossocial e espiritual e o vício em drogas ser uma doença não somente física, mas também de natureza espiritual.

A CT trabalha a espiritualidade porque entende-se também que sendo um sujeito biopsicossocial e espiritual, tem essa importância da espiritualidade nesse entendimento do indivíduo se ver também, buscando também uma fé, uma crença, daquilo que ele possa ter de subsídio para conseguir permanecer limpo. Então a espiritualidade é muito importante nesse processo. (Entrevista 42, CT ecumênica)

Por fim, outro documento que prevê a regulamentação do Programa Recomeço em que a categoria espiritualidade aparece é o “instrumental de visita técnica” utilizado pela Federação Esperança para a fiscalização mensal das CTs. Nesse documento nos chamou atenção uma questão feita às CTs sobre sua orientação religiosa (2019:74). Ademais, o instrumento questiona se as CTs desenvolvem “atividades religiosas/espiritualidade”; se os acolhidos podem decidir sobre a participação (ou não) nas atividades religiosas; se são oferecidas atividades alternativas para aqueles que não desejam participar; e se as CTs permitem que os acolhidos participem de atividades religiosas de seu credo, mesmo que sejam diferentes das desenvolvidas dentro das organizações (Federação Esperança 2019:76).

Assim, como as resoluções em nível nacional, os marcos normativos do Programa Recomeço reconhecem e legitimam o uso da espiritualidade como forma de tratamento pelas CTs, assim como de suas identidades e vínculos religiosos. Por exemplo, a pergunta sobre a orientação religiosa das CTs presente no questionário de visita técnica, reflete a dimensão histórico-religiosa dessas organizações, assim como a tentativa do Estado de ter maior conhecimento e controle sobre essa dimensão, porém sem deslegitimá-la - o que poderia gerar entraves para o desenvolvimento do Programa.

As normativas analisadas mostram como a categoria espiritualidade também é absorvida em nível estadual no contexto de implementação do Programa Recomeço, o que não significa que não haja conflitos em torno dela. Na subseção a seguir trataremos sobre as estratégias da COED de limitar a centralidade da espiritualidade nas CTs, a busca de resistência por essas organizações para a manutenção de um dos tripés fundamentais de seu modelo, assim como os conflitos resultantes dessa interação.

Estratégias do estado de São Paulo de reduzir a centralidade da espiritualidade nas CTs e conflitos resultantes desse processo

Conforme demonstrado ao longo de nossa argumentação até aqui, há um conflito existente entre o modelo de tratamento praticado pelas CTs, cujo um dos tripés baseia-se em atividades religiosas e o propósito da laicidade estatal. Esse conflito também fica evidente na fase de implementação do Programa Recomeço, em que a categoria espiritualidade segue sendo uma via de mediação entre as CTs e o Estado, mas agora com outras disputas e acomodações.

De acordo com nossos interlocutores, apesar de o uso da espiritualidade mudar pouco as práticas religiosas desenvolvidas pelas CTs, ela abre espaço para que o Estado possa regulamentar o uso de práticas religiosas por essas organizações, assim como para desenvolver estratégias que visam a redução da centralidade da espiritualidade no tratamento proposto por elas.

Na visão dos representantes da COED, a espiritualidade pode existir de forma opcional, porém não pode ter preponderância sobre preceitos técnico-científicos como o tratamento físico, psicológico e social. Isso fica claro na fala de um dos técnicos do programa a seguir:

Então um grande problema nosso não é se a CT foi fundada por uma instituição religiosa ou não. Mas como eles querem que o (saber) religioso prepondere em cima do (saber) técnico. É isso que não pode. O técnico sempre vem à frente. Onde há uma religiosidade muito severa você não tem serviço técnico (...) onde tem trabalho técnico, a questão religiosa existe, mas ela não é tão forte. (Representante COED, entrevista 62)

Na tentativa de reduzir a centralidade da espiritualidade no tratamento proposto pelas CTs, justamente para buscar desenvolver as práticas de trabalho em CTs que enfoquem prioritariamente questões técnicas, a COED desenvolveu até 2020 (ano de realização das entrevistas) quatro estratégias principais.

A primeira consiste em profissionalizar as CTs por meio da exigência de profissionais especializados, que, nas palavras de um de nossos entrevistados, “ocupem o espaço que hoje é ocupado pela religião” (representante da COED, Entrevista 62). Para fazer parte do Programa Recomeço, a COED exige que as CTs contratem pelo menos um psicólogo, um assistente social e um educador social. Essa exigência não está presente nas normativas nacionais. A Resolução do CONAD nº 01/2015 apenas prevê que as CTs contem com pelo menos um profissional de ensino superior, bem como com um substituto da mesma qualificação (2015:3).

A segunda estratégia de enfrentamento utilizada pela COED, que é diretamente relacionada à primeira, é a exigência de que os acolhidos passem por atendimentos psicológicos individuais semanais, o que também não é previsto nas normativas nacionais. Nesse sentido, o intuito da COED é fazer com que os atendimentos psicológicos sejam tão ou mais frequentes do que as atividades de espiritualidade.

A terceira estratégia, também focada na profissionalização dessas organizações, é a substituição dos trabalhadores conhecidos como conselheiros ou monitores por educadores sociais. Os conselheiros/monitores são geralmente usuários de drogas em recuperação que foram acolhidos em CTs, e que após o término do tratamento passam a trabalhar nessas organizações, muitos deles como voluntários. De acordo com os representantes da COED entrevistados, muitos desses monitores se convertem à religião da CT durante seu tratamento e passam a atuar como uma espécie de missionários junto aos demais acolhidos (Resende 2021RESENDE, Noelle Coelho. (2021), “Marco normativo das comunidades terapêuticas no brasil: disputas de sentido e nós jurídicos”. In: T. Rui; M. Fiore (org.). Working Paper Series: comunidades terapêuticas no Brasil . Brooklyn: SSRC . :8-28.). Notando o importante papel desses monitores no reforço da cultura religiosa das CTs, a COED passou a exigir a substituição dessas pessoas por educadores sociais, que tenham no mínimo completado o Ensino Médio e passem por um curso de formação desenvolvido pela coordenação. Barroso (2020BARROSO, Priscila. (2020), Comunidades terapêuticas como política de Estado: uma análise sobre a inclusão deste modelo de cuidado nas políticas sobre drogas no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tese de Doutorado em Antropologia Social,UFGRS.) aponta que nesse curso é evidenciado o termo espiritualidade em vez de religiosidade, pois amplia a perspectiva de tratamento das CTs e torna mais estratégico para estabelecer relações com entes estatais. Ademais, a COED exige que essas pessoas sejam formalmente contratadas e não mais voluntárias, formalizando as relações de trabalho no âmbito das CTs vinculadas ao Programa Recomeço.

Por fim, a quarta estratégia desenvolvida pela COED para reduzir a centralidade da espiritualidade no tratamento proposto pelas CTs é a exigência que essas organizações proponham atividades alternativas para os acolhidos que não desejam participar das atividades de espiritualidade. Essa é a maior causa de resistência por parte de muitas federações de CTs (Brandão; Carvalho 2019), com exceção da Federação Esperança (Barroso 2021BARROSO, Priscila. (2021), “Estamos compartilhando experiências: consensos e dissensos na articulação política dos representantes de CTs no Brasil”. In: T. Rui; M. Fiore (org.). Working Paper Series: comunidades terapêuticas no Brasil. Brooklyn: SSRC. :86-106.) que percebe nessa estratégia uma forma de se adequar às normativas estatais e acessar recursos públicos.

As exigências da COED que visam limitar o uso da espiritualidade pelas CTs geram resistências por parte dessas organizações. Segundo os técnicos da COED, existe uma crença disseminada entre as CTs, especialmente entre aquelas que possuem vínculos religiosos, de que “a ciência irá retirar o espaço da crença” (Entrevista 62). Ademais, há entre essas organizações uma noção de que a relação com o Estado irá destruir suas identidades, o que também é apontado pela literatura internacional (Bielefeld; Cleveland 2013aBIELEFELD, Wolfgang; CLEVELAND, William Suhs. (2013a), “Faith-Based Organizations as Service Providers and Their Relationship to Government”. Nonprofit and Voluntary Sector Quarterly, vol. 42, nº 3: 468-494.). Nesse caso, conforme visto em seção anterior, a identidade está diretamente relacionada à centralidade do uso da espiritualidade como forma de tratamento e desenvolvimento de atividades religiosas como cultos, orações e momentos de leitura bíblica.

A resistência das CTs ao Estado e os conflitos em torno da espiritualidade no caso do Programa Recomeço, ficam evidentes tanto nas falas das profissionais de CTs entrevistadas quanto naquelas dos representantes da COED.

Eu vejo a CT (...) como se fosse uma cidadezinha do interior, onde um coronel (pastor dirigente) manda e chega agora um advogado da cidade grande (o Estado) que chega com ideias novas, com ideias revolucionárias e dá todo aquele conflito. (...) a CT em que eu trabalho também tem uma cultura do passado, de impor uma religião. E agora tem esse conflito que é muito saudável de trazer a cientificidade do Programa Recomeço. Isso está ajudando muito, mas causa muito conflito. (Entrevista 32, CT evangélica)

Então eu vou ocupando esses espaços (religiosos) e isso vai acontecendo assim, com conflitos (...) eles assustam (...), mas eu não sei se vocês sabem então, mas a resistência ao Estado não é fácil (...) Que o Estado quer destruir a identidade das comunidades. (Representante COED, entrevistado 62)

No conflito entre CTs do Programa Recomeço e COED, as organizações - especialmente aquelas mais religiosas - buscam estratégias para resistir às iniciativas do Estado que visam reduzir a centralidade das práticas religiosas no tratamento proposto pelas CTs. Uma das estratégias utilizadas é evitar levar demandas diretamente à COED, recorrendo especialmente à Federação Esperança como mediadora dessa relação. Ademais, em nossa pesquisa constatamos que as CTs - especialmente aquelas com vinculações religiosas - contam com o apoio e suporte de igrejas e redes religiosas, o que faz com que dependam menos do Estado, o que também é identificado pela literatura internacional (Schneider; Wittberg 2011). Sendo assim, essas CTs preferem contar com as igrejas, que muitas vezes fazem o papel do Estado no atendimento à população (Burity 2007BURITY, Joanildo. (2007), Organizações religiosas e ações sociais: entre as políticas públicas e a sociedade civil. Revista Anthropológicas, vol. 18, nº 2: 7-48.).

Espiritualidade enquanto mediação de conflitos

O principal resultado encontrado em nossa pesquisa se refere à adoção da categoria espiritualidade, como mediadora de conflitos tanto na fase de formulação da política pública em nível nacional como em sua implementação em nível estadual, no caso do Programa Recomeço do estado de São Paulo.

Nosso argumento é que a categoria espiritualidade foi acionada a partir da relação das CTs por meio de suas federações com o Estado, de modo a acomodar diferentes interesses por parte do Estado, das CTs e outros atores da sociedade civil.

Diferentemente de Winnifred Sullivan (2014), não estamos afirmando que espiritualidade se trata de categoria estática sempre pronta para dissimular a religião em uma formulação que abre as portas para o apoio estatal. Tampouco procuramos opor religião e espiritualidade, tal como a fórmula “espiritual, mas não religioso”. Apesar de os nossos resultados condizerem com os achados dessa autora, nos alinhamos a uma agenda de pesquisa proposta por autores como Veer (2013VEER, Peter Van Der. (2013), The modern spirit of Asia: the spiritual and the secular in China and in India. Princeton: Princeton University Press . ); Bender; McRoberts (2012BENDER, Courtney; MCROBERTS, Omar. (2012), “Mapping a field: Why and how to study spirituality”. Social Science Research Council. Working. Papers: 1-27.); Giumbelli (2011GIUMBELLI, Emerson. (2011), “A noção de crença e suas implicações para a modernidade: um diálogo imaginado entre Bruno Latour e Talal Asad”. Horizontes Antropológicos, 17: 327-356.); Giumbelli e Toniol (2020GIUMBELLI, Emerson; TONIOL, Rodrigo. (2020), “Espiritualidade em perspectiva: debates e aproximações do tema pelas ciências sociais”. Religião & Sociedade , vol. 40: 11-19.); e Toniol (2018; 2022), cujo objetivo não visa discutir a definição de espiritualidade, mas seu uso em prol de determinados interesses. Nesse sentido, nos interessa pouco a definição de espiritualidade, mas, sim, a política da espiritualidade (Veer 2013), ou seja, o modo por meio do qual essa categoria mobiliza atores e produz instituições (regras, normas - formais e informais). Sendo assim, como afirmado por Toniol, o que está em jogo aqui é a compreensão dos “usos da categoria espiritualidade situacionalmente a partir das configurações de poder e de conhecimento com as quais ela se articula cada vez que é anunciada” (Toniol 2018:24). Ou seja, como afirmou Jeniffer Hahn (2019HAHN, Jennifer Lois. (2019), “God As We Understood Him: Being Spiritual But Not Religious In Alcoholics Anonymous Past And Present”. Implicit Religion, 22(2).) nos interessa como a espiritualidade é “vivida” e como essa vivência no caso das CTs tem produzido política pública.

Em nossa pesquisa, vimos que o uso de práticas religiosas, como realização de cultos, orações e momentos de leitura bíblica como parte do tratamento proposto pelas CTs, foi um dos principais motivos de conflitos entre suas federações e Estado. Isso ocorreu porque, se por um lado, o financiamento desse modelo coloca em dúvida a laicidade estatal, fazendo com que o Estado seja cobrado por outros atores da sociedade civil, por outro, há uma necessidade de regulamentação dessas organizações que atuam no acolhimento a usuários de drogas, especialmente aqueles mais vulneráveis (Machado 2021MACHADO, Carly. (2021), “Preso do lado de fora: comunidades terapêuticas como zonas de exílio urbano”. In: T. Rui; M. Fiore (org.). Working Paper Series: comunidades terapêuticas no Brasil . Brooklyn: SSRC . :141-159.).

Apesar das críticas recebidas pelas CTs pelo uso de práticas religiosas como um dos métodos de tratamento, nossos dados revelam que abandonar essas práticas não é uma opção para essas organizações - mesmo que a Federação Esperança tenha algumas alternativas a isso -, pois esse se trata de um dos tripés que compõem a identidade do modelo de tratamento proposto pelas CTs brasileiras. Assim, a defesa das práticas religiosas é feita por meio do argumento de que o ser humano é biopsicossocial e espiritual, defendido pela OMS, o que dá certa legitimidade a essa argumentação frente ao Estado e a outros atores da sociedade civil contrários ao modelo de CT.

Diante desse conflito, a espiritualidade surge como uma espécie de categoria de mediação da relação - conflituosa) - entre Estado e CTs. Por isso não entendemos essa categoria como êmica, pois ela não estava presente no vocabulário e tampouco na vivência das CTs antes de sua relação com o Estado para a construção de normativas que as regulamentam. Pelo contrário, a espiritualidade surge como categoria no vocabulário das CTs a partir das negociações de suas federações com representantes estatais e outros atores da sociedade civil.

Nesse caso, a espiritualidade surge como uma categoria de duas vias capaz de mediar conflitos existentes entre CTs e Estado em torno da religião.

A primeira via se relaciona com o fato de a espiritualidade ser um mecanismo de diferenciação entre religião e desenvolvimento espiritual/individual, distanciando as CTs da pecha de serem organizações religiosas/proselitistas mesmo que suas práticas e vínculos religiosos mudem pouco. Isso abre espaço para que seu modelo seja legitimado pelo Estado e reconhecido como política pública. Essa via, portanto, garante os interesses das CTs.

Por outro lado, a segunda via dessa equação se refere aos interesses do Estado, que busca acomodar os desafios da laicidade estatal com seus interesses de terceirização de parte do serviço de cuidado à usuários de drogas e regulamentação das CTs. Nesse sentido, preenchemos as expectativas da agenda proposta por Toniol (2022TONIOL, Rodrigo. (2022), Espiritualidade incorporada: pesquisas médicas, usos clínicos e políticas públicas na legitimação da espiritualidade como fator de saúde. Porto Alegre: Editora Zouk.) sobre os usos da categoria espiritualidade no campo das CTs, pois com base nessa análise compreendemos como essa é utilizada para acomodar diferentes interesses, resultando em política pública.

É na compreensão da categoria espiritualidade como um produto das relações Estado e CTs que o neoinstitucionalismo histórico nos parece uma abordagem fértil. Consideramos que a categoria espiritualidade seja um “encaixe” nos termos de Skocpol (1992SKOCPOL, Theda. (1992), Protecting Soldiers and Mothers: The Political Origins of Social Policy in the United States. S. l.: s. n..), entre CTs e Estado, pois se trata de uma sedimentação institucional de um processo histórico de interação entre esses atores, que não apenas amplia a capacidade de atuação das CTs e as reconhece como serviço público, mas leva a discussão sobre religião nas políticas públicas para dentro do Estado.

Essa interação entre CTs e Estado, e a categoria espiritualidade como acomodação das interações e conflitos entre esses atores, deixa evidente o processo de mútua constituição entre atores sociais e Estado, na medida em que a capacidade de ação tanto das CTs como dos atores estatais são coproduzidas pelas disputas e interações entre eles (Carlos 2018CARLOS, Euzeneia. (2018), “A construção de encaixes institucionais e domínio de agência no movimento popular urbano: mecanismos e configurações”. In: A. G. Lavalle; E. Carlos; M. Dowbor; J. Szwako (org.). Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. online. Rio de Janeiro: Eduerj. :165-209.). Ademais, demonstramos nesse caso como a própria política pública é moldada com base em interação e conflitos entre CTs e Estado, o que ocorre tanto na fase de formulação da política em nível nacional, como de implementação no nível estadual no caso do Programa Recomeço.

A análise do Programa Recomeço aponta que as disputas em torno de uma categoria já institucionalizada em política pública seguem ocorrendo também em sua fase de implementação no nível local, nos indicando para um fenômeno que já havia sido indicado por Bichir, Simoni e Pereira de que “nem tudo começa e termina em Brasília” (2020BICHIR, Renata; SIMONI JUNIOR, Sergio; PEREIRA, Guilherme. (2020), “Sistemas Nacionais de Políticas Públicas e seus efeitos na implementação: o caso do Sistema Único de Assistência Social (SUAS)”. Revista Brasileira de Ciencias Sociais, vol. 35, nº 102: 01-23.:3).

No caso do Programa Recomeço, vimos que a espiritualidade segue sendo disputada entre COED - que busca diminuir a centralidade religiosa nas organizações que fazem parte do Programa - e CTs - que buscam manter suas identidades religiosas. Nesse caso, vimos como a categoria espiritualidade abre espaço para que o estado de São Paulo desenvolva estratégias a fim de limitar o espaço da religiosidade como método de tratamento utilizado pelas organizações, ao mesmo tempo em que permite que as CTs - especialmente aquelas que possuem vínculos religiosos - resistam a esse processo. Esses achados reforçam o que a literatura internacional já vem apontando, de que organizações com vínculos religiosos buscam maior flexibilidade para não terem sua identidade religiosa abalada (Bielefeld; Cleveland 2013bBIELEFELD, Wolfgang; CLEVELAND, William Suhs. (2013b). “Faith-based organizations as service providers and their relationship to government”. Nonprofit and Voluntary Sector Quarterly , vol. 42, nº 3: 468-494.).

Além disso, vimos que no caso do Programa Recomeço, o conflito em torno da espiritualidade é mediado pela Federação Esperança, que intermedia as expectativas e demandas das CTs perante o Estado. Esse papel pode ser considerado um novo tipo de institucionalização resultante entre as relações entre sociedade civil e Estado na implementação de políticas públicas, o qual ainda não foi explorado pela literatura. Apesar de não aprofundarmos sobre o papel dessa Federação como gestora do Programa Recomeço neste artigo, seu papel de mediação para que a política seja implementada nos aponta para uma nova agenda de pesquisa que pode contribuir com a literatura que se debruça sobre interações socioestatais. Pretendemos dar sequência a essa agenda de pesquisa aberta por este trabalho em futuros artigos.

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  • 1
    Daquelas que responderam à questão sobre financiamento na pesquisa do IPEA (Santos 2017), 24,1% recebem verbas do governo federal, 27,8% dos governos estaduais e 41,1% dos governos municipais.
  • 2
    Dados do relatório “Financiamento público de comunidades terapêuticas brasileiras entre 2017 e 2020”, produzido em 2021, pela Conectas e Cebrap.
  • 3
    São eles: Lei nº 11.343/2006; Decreto nº 5.912/2006, Decreto nº 7.179/2010; Projeto de Lei nº 7.663/2010, Carta Do Piauí; Portaria MS nº 3.088/2011; RDC nº 29/2011- Anvisa; Programa “Crack é Possível Vencer”; Lei nº 12.868/2013; Resolução CONAD nº 1/2015; PL nº 8.016/2014; PL nº 1.377/2015; Portaria nº 1.482/2016; Resolução nº 32/2017; Portaria Interministerial MJSP nº 2/2017; Resolução CONAD nº 01/2018; Portaria nº 3.449/2018; Lei nº 13.840/2019; Decreto nº 9.761/2019; Portaria MC nº 562/2019; Portaria MC nº 563/2019; Portaria MC nº 5644/2019; Nota Técnica MS nº 11/2019; Decreto nº 59.164/2013;.
  • 4
    Essas entrevistas foram realizadas no âmbito de pesquisa de doutorado de uma das autoras, aprovadas pelo Conselho de Ética em Pesquisa (CEP) da FFLCH-USP, parecer número 5.388.909 do ano 2022.
  • 5
    Essas entrevistas foram realizadas por meio de um projeto de pesquisa do Núcleo de Estudos da Burocracia da FGV-SP (NEB-FGV), sob a coordenação da Profa. Dra. Gabriela Lotta, a quem agradecemos imensamente. A pesquisa foi aprovada pelo CEP da FGV-SP, parecer número 48 de 2020.
  • 6
    São eles: Plano de Trabalho entre Federação Esperança e COED de 2017; Aditamento Plano de Trabalho entre Federação Esperança e COED de 2019; Marco referencial de atendimento e intervenção nos serviços de acolhimento ofertados em CTs em SP e Manual de instalação de CTs em SP de 2020.
  • 7
    Fundado pelo ministro evangélico luterano Frank Buchman, esse grupo de alcoolistas em recuperação seguiam princípios cristãos para deixar o vício. A partir dessa experiência, Bill Wilson, que era um dependente de álcool que havia passado pelo grupo de Oxford, se juntou com Bob Smith, outro dependente, e juntos, em 1935, criaram a irmandade Alcoólicos Anônimos. Essa proposta se transformou no modelo de Minnesota, cujo principal método de tratamento eram os doze passos (Barroso 2020).
  • 8
    SPA significa todas as classes de substâncias, lícitas e ilícitas, não implicando necessariamente em dependência química. Esse termo tem sido usado nas legislações brasileiras, mas nós optamos por utilizar a nomenclatura “drogas” relacionando mais diretamente com a noção de dependência química que nossos interlocutores acionam.
  • 9
    Essa confederação foi formada pela união de 5 federações de CTs com maiores expressividades regionais e também que contavam com atores dispostos a buscar uma articulação nacional de maior visibilidade para o trabalho desenvolvido pelo modelo defendido das CTs no tratamento de usuários de drogas.
  • 10
    Segundo resolução do CONAD (2015), o PAS permite o monitoramento das ações de acolhimento individual e para controle e fiscalização do Estado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2022
  • Aceito
    05 Abr 2023
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