Acessibilidade / Reportar erro

A arte de profanar monumentos da nação

The art of desecrating the nation's monuments

Resumos

Este ensaio visual analisa o episódio da censura da obra “1 Bolsominion”, do artista André Parente, que motivou o cancelamento da exposição Desmonumento no Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, em julho de 2023. São apresentados os argumentos dos personagens envolvidos, assim como as características da obra em questão e de outras que compõem a exposição. O interesse do artista pela conjuntura sociopolítica do Brasil desde junho de 2013, passando pelos momentos críticos do impeachment da presidenta Dilma Rousseff e culminando na gestão de Bolsonaro, formam a paisagem crítica do conjunto de trabalhos de Desmonumento. Examino o gesto criativo de desfiguração de símbolos nacionais realizado por Parente como detonador de uma força socialmente transgressora e sagrada, com efeitos para a construção da memória da nação.

Palavras-chave:
Desmonumento; desfiguração; arte; sagrado; política


This visual essay analyzes the episode of censorship of the artwork “1 Bolsominion”, by André Parente, which led to the cancellation of the exhibition Desmonumento at the Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, in July 2023. The arguments of the characters involved are presented, as well as the characteristics of the artwork in question and others that make up the exhibition. The artist's interest in Brazil's sociopolitical situation since June 2013, through the critical moments of President Dilma Rousseff's impeachment and culminating in Bolsonaro's administration, form the critical landscape of Desmonumento's set of works. I examine the creative gesture of defacing national symbols carried out by Parente as a detonator of a socially transgressive and sacred force, with effects on the construction of the nation's memory.

Keywords:
Desmonumento ; defacing; art; sacred; politics.


Em junho de 2023, a exposição Desmonumento, do artista André Parente, no Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MACRS), sofreu uma reviravolta. A poucas semanas da inauguração, planejada desde novembro 2022, a direção solicitou uma reunião com a curadoria para discutir uma das obras. Na ocasião, Adriana Boff, diretora do MACRS, pediu ao curador Munir Klamt, que assinava a exposição com Ana Maio e Laura Cattani, para rever a exibição de “1 Bolsominion”. A obra é uma moeda em metal que traz, em uma face, Jair Bolsonaro, ex-presidente da República, e, na outra, Carlos Brilhante Ustra, conhecido torturador da ditadura militar brasileira. A face de Bolsonaro com a boca escancarada e os olhos esbugalhados é encimada pela frase em latim Ipsa Conteret Caput Tuum, cuja tradução mais popular é “Ela esmagará a cabeça da serpente”, seguidamente usada por religiosos no combate aos supostos perigos do comunismo. Na outra face, Ustra aparece com a legenda “1 Bolsominion Brazil 2020” e três estrelas.

Em entrevista, os curadores afirmaram que a posição da direção do museu era a de que “como poderia ser problemática, esta obra não poderia ser exposta” (Martins 2023MARTINS, Maura. (2023), “Artista e curadores alegam sofrer censura em exposição no MACRS”. Escotilha, 6 de nov. de 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.escotilha.com.br/artes-visuais/cancelamento-desmonumento-macrs-andre-parente-censura . Acesso em: 14/11/23
https://www.escotilha.com.br/artes-visua...
). “1 Bolsominion”, de 2019, faz parte de uma série de moedas desenvolvida por André ParentePARENTE, André. (2023a), “Moedas: apresentação”. A. Parente (org.). Desmonumento (Portfólio da exposição).. A primeira, “1 Irreal”, de 2016, traz em uma face o perfil do então presidente Michel Temer - empossado após o golpe que co-orquestrou contra a presidenta Dilma Rousseff, de quem era vice-presidente - com a inscrição Temeritatem, cujos sentidos orbitam em torno de “temeridade”, e da qual a artista e poeta Katia Maciel extrai a ideia de uma maldição, “conhecida por ter dado fim a um paraíso agora perdido chamado Brasil” (Maciel 2023MACIEL, Katia. (2023), “Os cinco lados da moeda”. In: A. Parente (org.). Desmonumento (Portfólio da Exposição).). No outro lado dessa moeda, figura o perfil de Eduardo Cunha, político que engendrou o impeachment de Dilma quando presidia a Câmara dos Deputados, e que carrega inúmeras marcas religiosas em sua trajetória política, tendo proferido a frase “Que Deus tenha piedade dessa nação” em seu voto contra a presidenta. É com o perfil de Cunha que o valor da moeda é apresentado: “1 Irreal” ladeado de quatro estrelas.

Depois de “1 Bolsominion”, Parente criou em 2022 a moeda “2 Conjes”, com as faces do ex-juiz e atual senador Sergio Moro, encimada pela inscrição In Fux we trust, numa referência ao apoio do ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, às condições duvidosas de realização da Operação Lava Jato; e do ex-procurador da República e ex-deputado com mandato cassado, Deltan Dallagnol, que atuava em parceria espúria com Moro no caso dos processos envolvendo investigados da operação, segundo revelaram diálogos vazados pela imprensa em 2019, no episódio que ficou conhecido como Vaza Jato.

Desde as jornadas de junho de 2013, o contexto sociopolítico brasileiro se tornou um grande tema na obra de André Parente. Além das moedas, o artista produziu a série Bandalhas (2017-2022), na qual recriava a estrutura formal geométrica da bandeira do Brasil com frases “proferidas por políticos brasileiros que agridem os princípios democráticos”. (Parente 2023b) Expressões retiradas de conversas e reuniões entre políticos - “Com o Supremo, com tudo”, “Tem que manter isso, viu!”, “É só uma gripezinha”, “Passando a boiada”, entre outras - foram bordadas mimetizando as linhas do retângulo, losango, círculo e o lema da bandeira do Brasil, em réplicas de tecido amarelo, verde, azul e preto. Algumas delas se tornaram cartazes colados nos muros do Rio de Janeiro, ao estilo lambe-lambe, como parte das ativações do Coletivo Tupinambá Lambido, criado em 2016 por artistas e representantes do setor da cultura organizados em reação ao sucateamento do Ministério da Cultura sob o governo Temer (Burocco 2019BUROCCO, Laura. (2019), “Atrocidades Maravilhosas e Tupinambá Lambido: ocupações imagéticas na cidade do Rio de Janeiro entre Afeto, Política e Arte”. PÓS: Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG, vol. 9, nº18: 172-197. Disponível em Disponível em https://eba.ufmg.br/revistapos . Acesso em: 02/12/23.
https://eba.ufmg.br/revistapos...
).

Além das pautas que explicitam o crescente desmonte do Estado brasileiro e das políticas públicas, principalmente das áreas de cultura, educação, saúde e meio ambiente, André Parente se debruçou sobre o tópico da memória em “Desmonumento” (2022), obra que dá nome à exposição, e é constituída de uma série de fotografias em tamanho de cartões postais retratando monumentos de colonizadores, escravagistas e bandeirantes do Rio Grande do Sul. Ao longo de cada dia da exposição, as imagens são submetidas a um processo de escurecimento que ao final leva ao seu desaparecimento.

A exposição Desmonumento é composta ainda de outras obras, como livros-objetos e videoinstalações. Por mais explícitas em abordar os problemas políticos do país que sejam algumas delas, há uma especificidade das moedas em relação ao conjunto, que joga luz sobre os motivos que levaram à sua contestação por parte da direção do MACRS, como ficará nítido na dinâmica dos argumentos em jogo.

A posição oficial do museu foi publicizada através de uma carta divulgada pela imprensa, segundo a qual a diretoria lamentava o que chamou de decisão unilateral dos curadores e do artista de cancelar a exposição, numa referência ao fato de que estes entenderam que a remoção das moedas descaracterizava o conjunto, e optaram por retirar o projeto.1 1 A declaração do MACRS sobre o cancelamento da exposição, bem como a carta dos curadores ao Comitê de Acervo e Curadoria do MACRS e à Secretária de Cultura do Estado do Rio Grande do Sul informando a retirada do projeto, a carta de aceite emitida pelo MACRS em 2022 e uma entrevista com os curadores e o artista estão disponíveis em matéria assinada por Juremir Machado (2023). Em relação à obra, a carta afirma que o intuito da direção teria sido garantir sua proteção, considerando sua “condição frágil”, e, ao mesmo tempo, colaborar para uma maior “uniformidade do conjunto”, já que a obra era a única que “personalizava figuras públicas da esfera política”.

Na compreensão de André Parente o argumento da “proteção” não se sustenta, já que ele se colocou à disposição para repor as moedas indefinidamente, caso fosse necessário. Para ele, a questão central seria a de que “a maioria dos trabalhos tem cunho conceitual. Já nas moedas, os rostos cunhados são de leitura muito direta, e isso causa um certo temor”.2 2 Parente em entrevista a Maura Martins (2023). Para o artista e curadores, estava em jogo um excessivo temor de ferir a sensibilidade de uma parcela do espectro político gaúcho. Ao mesmo tempo, estes foram acusados pela diretoria e curadoria do MACRS de “cavar uma situação para ficarem conhecidos nacionalmente por um eventual escândalo de censura”,3 3 Artista e curadores em entrevista a Juremir Machado (2023). na mesma linha do que ocorreu com a exposição Queermuseu - cartografias da diferença na arte brasileira. Exibida no Centro Cultural Santander de Porto Alegre, entre agosto e setembro de 2017, Queermuseu foi cancelada um mês antes do previsto após a divulgação de uma campanha virtual e presencial, condenando diversas de suas obras por ofensa ao sentimento religioso dos cristãos, pedofilia e zoofilia.

Com o intervalo de seis anos entre as duas exposições, é difícil afirmar que os ânimos políticos teriam arrefecido a ponto de não haver risco de uma articulação de grupos reacionários para atacar Desmonumento. Mas a busca por um nome alternativo a censura, para o uso do “perigo de contestação” como critério para seleção e exclusão de obras de arte em um equipamento cultural, é um trabalho árduo.

O ponto central aqui é que a ação do MACRS não possui um efeito unívoco. A censura pode operar no mundo das artes de um modo ambivalente, impedindo a recepção e circulação de um trabalho e ao mesmo tempo valorizando seu potencial de ruptura com padrões estéticos e socioculturais. Isto porque a proibição frequentemente funciona como um dispositivo que aciona o desejo de revelação, lógica refinada por Bataille (1987BATAILLE, Georges. (1987) [1957], O Erotismo. Porto Alegre: L&PM.), para quem o tabu se complementa com a sua transgressão. Daí que uma obra proibida desperte mais e mais interesse em ser vista, discutida e, hoje em dia, replicada, como já analisei anteriormente (Oliveira 2016OLIVEIRA, Paola Lins de. (2016), Arte e religião em controvérsia. Relações entre censura, arte erótica e objetos religiosos. Rio de Janeiro: Mar de ideias.).

Seguindo a trilha de Bataille, Taussig (1998TAUSSIG, Michael. (1998), “Transgression”. In: M. Taylor (org.), Critical Terms for Religious Studies. Chicago: The University of Chicago Press.) propôs que o jogo interdito-transgressão, enquanto uma dinâmica de forças ao mesmo tempo repulsiva e atraente que nos afeta coletivamente, constitui, na modernidade, a experiência mais significativa do sagrado. Um sagrado que se forma pela “via negativa”, sacrílego, associado ao segredo, ao que não deve ser revelado, mas anseia intensamente pela revelação. Esse dispositivo é interessante para pensar não apenas a censura ou a proibição de toda sorte de formas expressivas, como também a constituição das obras de André Parente em controvérsia no episódio do MACRS.

Em Defacement (1999), traduzível por desfiguração,4 4 A obra ainda não possui tradução em português, mas a revista Sociologia e Antropologia, vol. 13, nº 3, 2023, publicou uma tradução do seu primeiro capítulo com uma introdução do autor à versão brasileira. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sant/a/CtmWpPvFSZJytsZQRKZwPxh/. Acesso em: 15/12/23. Taussig defende que as bandeiras, assim como o dinheiro e os monumentos públicos são objetos sociais que ocupam um lugar sagrado no mundo secular. Mas seu interesse não é só denunciar a sacralização da nação e do capital como alicerces das sociedades capitalistas modernas. Mais importante é identificar o modo como o sagrado surge em situações de crise da integridade desses objetos sociais, e o seu caráter contagioso. A crise principal que o autor analisa é a desfiguração. Ou seja, a ruptura da unidade da imagem de face, da aparência significativa do objeto. Isso acontece seja derrubando uma estátua, queimando uma bandeira ou alterando uma nota de dinheiro. “Uma imagem nunca está mais viva do que quando alguém tenta matá-la”, afirma Taussig.5 5 Palestra proferida na mesa “Monuments, Monumentality, Monumentalization”, com W.J.T. Mitchell no âmbito de encontros do ciclo Discussions in Contemporary Culture, no Dia Art Foundation, em 6 de dez. de 2014. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=caGhHQT9WYY&t=7474s. Acesso em: 17/07/23.

É pelo ataque aos símbolos, imagens, coisas que tanto apreciamos, que o sagrado desperta. Desfiguradas, essas coisas preciosas deixam de ser símbolos e ganham vida, tornando-se extensões sensíveis do que representavam. A desfiguração é um gatilho que libera uma descarga, produzindo ondas de outras desfigurações. Essa reflexão oferece ferramentas úteis para destrinchar o momento histórico atual de intensificação da contestação de monumentos públicos em vários contextos urbanos (Meneguello & Bentivoglio 2022MENEGUELLO, Cristina & BENTIVOGLIO, Julio. (2022), Corpos e Pedras: Estátuas, Monumentalidade e História. Vitória: Editora Milfontes. ), despertados pelo episódio do assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos, em maio de 2020, e que teve a derrubada da estátua de Edward Colston, traficante de pessoas escravizadas, no mesmo mês em Bristol, na Inglaterra, como um dos eventos de maior repercussão global.6 6 No Brasil, foi a estátua de Borba Gato em São Paulo, incendiada em 24 de julho de 2021 pelo grupo Revolução periférica, que se tornou alvo visível e replicado.

Taussig (1999TAUSSIG, Michael. (1999), Defacement - Public Secrecy and the Labor of the Negative. Stanford/California: Stanford University Press.) chama a atenção para um ponto fundamental: em se tratando desses estimados objetos sociais, quando há intervenção, nunca há controle sobre se ela será interpretada como um gesto artístico ou um gesto iconoclasta. Esse princípio da ambiguidade das imagens em disputa cultural (Latour 2008LATOUR, Bruno. (2008), “O que é Iconoclash? Ou há um mundo além das guerras de imagens”. Horizontes Antropológicos, vol. 14, nº 29: 111-150. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ha/v14n29/a06v14n29.pdf . Acesso em: 20/08/09.
http://www.scielo.br/pdf/ha/v14n29/a06v1...
) é importante para refletir sobre as manipulações artísticas envolvendo símbolos da nação como as moedas, as bandeiras e os monumentos, trabalhados por André Parente.

As moedas do artista atualizam uma trama de sentidos que aprofundam os significados mais evidentes de valor, circunscritos, na leitura mercantil capitalista, ao universo do uso e troca. Mesmo aí, é possível abrir uma brecha desestabilizando a percepção que reduz o complexo da moeda à racionalidade utilitária. Brown (1959BROWN, Norman O. (1959), Life Against Death: The Psychoanalytical Meaning of History. Middletown: Wesleyan University Press.), em sintonia com a filosofia do dinheiro de Simmel, reconhece que a ideia de valor da moeda é inseparável do simbolismo, que por sua vez não é a marca da racionalidade, mas do sagrado, que resta preservado no tipo ideal da economia moderna.7 7 Agradeço a Edilson Pereira por esta referência e pela intermediação com o artista. Não à toa, Simmel (2009SIMMEL, Georg. (2009), Psicologia do dinheiro e outros ensaios. Lisboa: Texto e Grafia.) propõe pensar o dinheiro como deus da modernidade, por sua onipresença, centralidade, capacidade de reconciliar diferenças e superar a multiplicidade de valores, além de unificar sentidos que se tornam “certezas supremas” (Leal 2011LEAL, Natacha Simei (2011), “Simmel e o dinheiro: primeiros ensaios”. Resenha. Revista Mediações, vol. 16, nº 1: 349-353. ).

Em um gesto de desfiguração conceitual, Parente recria, deformando, valorosos objetos da nação. A série de moedas ao mesmo tempo em que mantém seus sentidos sagrados, tanto do ponto de vista dos ideais nacionais quanto do capitalismo, distorce a própria ideia de valor, seja ele monetário, poético ou existencial. Ela denuncia, pragueja, amaldiçoa a realidade, mostrando suas dimensões violentas, irreais e distópicas. Se na apropriação do senso comum as moedas são lançadas na possibilidade da sorte ou azar, aqui o destino está traçado: azar ou azar. Excerto de uma história a contrapelo do Brasil contemporâneo, a coleção de moedas do artista se opõe à história oficial escrita a força pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, materializada em sua própria moeda-medalha “dos três i”, que traz impressa sua face séria, rodeada das expressões “Clube Bolsonaro” e “incomível, imbrochável e imorrível”, separadas por estrelas.8 8 André Parente cita a moeda de Bolsonaro em sua entrevista concedida a Maura Martins. Destaque-se que, de acordo com a Folha de S. Paulo, o ex-presidente presenteou o jogador Neymar com um exemplar em novembro de 2023 (Azevedo 2023). Nesta aproximação entre moedas, a Eva citada em “1 Bolsominion” emerge como um antídoto a uma serpente venenosa que se considera imbrochável. Contra o Clube Bolsonaro, a aposta em Eva neutraliza a potência de uma virilidade agressiva, atormentada e autoritária.

Como elaborado pelo artista, moedas são ativos, assim como muitas obras de arte no mercado: ambas circulam (Parente 2023PARENTE, André (2023b), “Bandalhas”. In: A. Parente. (org.) Desmonumento (Portfólio da exposição).a). Os monumentos, por outro lado, são reconhecidos por sua fixidez, mas ultimamente temos visto o seu potencial de circulação aumentar em concomitância à sua contestação: não apenas são derrubados e lançados às águas, escondidos em depósitos municipais ou disciplinados em museus, mas também se infiltram no universo virtual por meio de múltiplos registros mais ou menos simpáticos a sua dessacralização pública.

Em seus efeitos sociais semelhantes, tais materialidades desempenham um papel de revelação da disputada dinâmica de esquecimento e rememoração que constitui o processo contínuo de construção da memória cultural. Uma memória que fala sobre as diferentes densidades do passado, do presente e do futuro. Algo cujo sentido de urgência é captado nas palavras de Souza a respeito da obra de Parente: “revisitar os escombros, percorrer algumas ruínas para minimamente entender o mecanismo da destruição é talvez a única chance que ainda poderemos ter de algum futuro”.9 9 Trecho de Memória dos Vulcões, texto inédito de Edson Luiz André de Souza que comporia a exposição Desmonumento. Agradeço ao artista André Parente por ter permitido a consulta ao seu conteúdo. Recolher as moedas, remendar as bandeiras, refazer os cartões postais é recriar as pistas de uma memória ainda por vir, construindo desvios do fim do mundo, que não para de se aproximar e devorar o futuro.

Figura 1
1 Bolsominion, 2019. André Parente. Metal prateado e dourado.

Figura 2
1 Irreal, 2016. André Parente. Metal prateado e dourado.

Figura 3
2 Conjes, 2022. André Parente. Metal prateado e dourado.

Figura 4
Bandalhas, 2017-2022. André Parente. Bandeira em tecido bordado.

Figura 5
É só uma gripezinha, 2020. André Parente. Bandeira em tecido bordado.

Figura 6
Com o Supremo com tudo, 1ª Ação do Tupinambá Lambido, 2017. André Parente. Cartaz lambe-lambe.

Figura 7
Desmonumento, 2022. André Parente. Fotografia.

Bibliografia

  • BATAILLE, Georges. (1987) [1957], O Erotismo Porto Alegre: L&PM.
  • BROWN, Norman O. (1959), Life Against Death: The Psychoanalytical Meaning of History Middletown: Wesleyan University Press.
  • BUROCCO, Laura. (2019), “Atrocidades Maravilhosas e Tupinambá Lambido: ocupações imagéticas na cidade do Rio de Janeiro entre Afeto, Política e Arte”. PÓS: Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG, vol. 9, nº18: 172-197. Disponível em Disponível em https://eba.ufmg.br/revistapos Acesso em: 02/12/23.
    » https://eba.ufmg.br/revistapos
  • LATOUR, Bruno. (2008), “O que é Iconoclash? Ou há um mundo além das guerras de imagens”. Horizontes Antropológicos, vol. 14, nº 29: 111-150. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ha/v14n29/a06v14n29.pdf Acesso em: 20/08/09.
    » http://www.scielo.br/pdf/ha/v14n29/a06v14n29.pdf
  • LEAL, Natacha Simei (2011), “Simmel e o dinheiro: primeiros ensaios”. Resenha. Revista Mediações, vol. 16, nº 1: 349-353.
  • MACIEL, Katia. (2023), “Os cinco lados da moeda”. In: A. Parente (org.). Desmonumento (Portfólio da Exposição).
  • MENEGUELLO, Cristina & BENTIVOGLIO, Julio. (2022), Corpos e Pedras: Estátuas, Monumentalidade e História Vitória: Editora Milfontes.
  • OLIVEIRA, Paola Lins de. (2016), Arte e religião em controvérsia. Relações entre censura, arte erótica e objetos religiosos Rio de Janeiro: Mar de ideias.
  • PARENTE, André. (2023a), “Moedas: apresentação”. A. Parente (org.). Desmonumento (Portfólio da exposição).
  • PARENTE, André (2023b), “Bandalhas”. In: A. Parente. (org.) Desmonumento (Portfólio da exposição).
  • SIMMEL, Georg. (2009), Psicologia do dinheiro e outros ensaios Lisboa: Texto e Grafia.
  • TAUSSIG, Michael. (1998), “Transgression”. In: M. Taylor (org.), Critical Terms for Religious Studies Chicago: The University of Chicago Press.
  • TAUSSIG, Michael. (1999), Defacement - Public Secrecy and the Labor of the Negative Stanford/California: Stanford University Press.
  • AZEVEDO, Victoria. (2023), “Bolsonaro entrega medalha a Neymar de ‘imbrochável’, ‘imorrível’ e ‘incomível’”. Folha de S. Paulo, 3 dez. de 2023. Disponível em Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2023/12/bolsonaro-entrega-medalha-a-neymar-de-imbrochavel-imorrivel-e-incomivel.shtml Acesso em: 10/12/23.
    » https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2023/12/bolsonaro-entrega-medalha-a-neymar-de-imbrochavel-imorrivel-e-incomivel.shtml
  • MACHADO, Juremir. (2023), “Exposição de André Parente cancelada no MACRS: artista e curadores alegam censura”. Matinal Jornalismo, 30 de out. 2023. Disponível em Disponível em https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/exposicao-de-andre-parente-cancelada-no-macrs-artista-e-curadores-alegam-censura/ Acesso em: 14/11/23.
    » https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/exposicao-de-andre-parente-cancelada-no-macrs-artista-e-curadores-alegam-censura/
  • MARTINS, Maura. (2023), “Artista e curadores alegam sofrer censura em exposição no MACRS”. Escotilha, 6 de nov. de 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.escotilha.com.br/artes-visuais/cancelamento-desmonumento-macrs-andre-parente-censura Acesso em: 14/11/23
    » https://www.escotilha.com.br/artes-visuais/cancelamento-desmonumento-macrs-andre-parente-censura
  • DIA ART FUNDATION. (2014), Discussions in Contemporary Culture - W.J.T. Mitchell and Michael Taussig, 6 dez. 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=caGhHQT9WYY&t=7474s Acesso em: 17/07/23
    » https://www.youtube.com/watch?v=caGhHQT9WYY&t=7474s
  • 1
    A declaração do MACRS sobre o cancelamento da exposição, bem como a carta dos curadores ao Comitê de Acervo e Curadoria do MACRS e à Secretária de Cultura do Estado do Rio Grande do Sul informando a retirada do projeto, a carta de aceite emitida pelo MACRS em 2022 e uma entrevista com os curadores e o artista estão disponíveis em matéria assinada por Juremir Machado (2023MACHADO, Juremir. (2023), “Exposição de André Parente cancelada no MACRS: artista e curadores alegam censura”. Matinal Jornalismo, 30 de out. 2023. Disponível em Disponível em https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/exposicao-de-andre-parente-cancelada-no-macrs-artista-e-curadores-alegam-censura/ . Acesso em: 14/11/23.
    https://www.matinaljornalismo.com.br/mat...
    ).
  • 2
    Parente em entrevista a Maura Martins (2023).
  • 3
    Artista e curadores em entrevista a Juremir Machado (2023).
  • 4
    A obra ainda não possui tradução em português, mas a revista Sociologia e Antropologia, vol. 13, nº 3, 2023, publicou uma tradução do seu primeiro capítulo com uma introdução do autor à versão brasileira. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sant/a/CtmWpPvFSZJytsZQRKZwPxh/. Acesso em: 15/12/23.
  • 5
    Palestra proferida na mesa “Monuments, Monumentality, Monumentalization”, com W.J.T. Mitchell no âmbito de encontros do ciclo Discussions in Contemporary Culture, no Dia Art FoundationDIA ART FUNDATION. (2014), Discussions in Contemporary Culture - W.J.T. Mitchell and Michael Taussig, 6 dez. 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=caGhHQT9WYY&t=7474s . Acesso em: 17/07/23
    https://www.youtube.com/watch?v=caGhHQT9...
    , em 6 de dez. de 2014. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=caGhHQT9WYY&t=7474s. Acesso em: 17/07/23.
  • 6
    No Brasil, foi a estátua de Borba Gato em São Paulo, incendiada em 24 de julho de 2021 pelo grupo Revolução periférica, que se tornou alvo visível e replicado.
  • 7
    Agradeço a Edilson Pereira por esta referência e pela intermediação com o artista.
  • 8
    André Parente cita a moeda de Bolsonaro em sua entrevista concedida a Maura Martins. Destaque-se que, de acordo com a Folha de S. Paulo, o ex-presidente presenteou o jogador Neymar com um exemplar em novembro de 2023 (Azevedo 2023AZEVEDO, Victoria. (2023), “Bolsonaro entrega medalha a Neymar de ‘imbrochável’, ‘imorrível’ e ‘incomível’”. Folha de S. Paulo, 3 dez. de 2023. Disponível em Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2023/12/bolsonaro-entrega-medalha-a-neymar-de-imbrochavel-imorrivel-e-incomivel.shtml . Acesso em: 10/12/23.
    https://www1.folha.uol.com.br/colunas/pa...
    ).
  • 9
    Trecho de Memória dos Vulcões, texto inédito de Edson Luiz André de Souza que comporia a exposição Desmonumento. Agradeço ao artista André Parente por ter permitido a consulta ao seu conteúdo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2023
  • Aceito
    22 Dez 2023
Instituto de Estudos da Religião ISER - Av. Presidente Vargas, 502 / 16º andar – Centro., CEP 20071-000 Rio de Janeiro / RJ, Tel: (21) 2558-3764 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: religiaoesociedade@iser.org.br