Acessibilidade / Reportar erro

Mãe Preta: uma santa fora da igreja

Black Mother: a saint outside the church

Resumos

Em 1954, ao final das celebrações do aniversário de 400 anos da cidade de São Paulo, foi inaugurado o monumento à Mãe Preta. A obra foi instalada ao lado da Igreja do Rosário dos Homens Pretos, em uma localidade referencial para a identidade negra. Na década de 1980, depois de anos recebendo oferendas, o poder público reconheceu a legitimidade dessas práticas religiosas e tomou providências com vistas à preservação do monumento. Este artigo reflete sobre como a figura da Mãe Preta funciona popularmente como uma santa fora da igreja e sobre os problemas que as práticas religiosas causam à sua preservação patrimonial.

Palavras-chave:
Mãe Preta; IV Centenário da cidade de São Paulo; Religiosidade popular; Memória; Patrimônio


In 1954, at the end of the celebrations of the 400th anniversary of the city of São Paulo, the monument to Mãe Preta was inaugurated. The work was installed next to the Rosário dos Homens Pretos church, in a location that is a reference point for black identity. In the 1980s, after years of receiving offerings, the government recognized the legitimacy religious practices and took steps to preserve the monument. This article reflects on how the figure of Mãe Preta popularly functions as a saint outside the church and on the problems that religious practices cause to its heritage preservation.

Keywords:
Black Mother; IV Centenary of the city of São Paulo; Popular religiosity, Memory; Heritage


Na escravidão do amor, a criar filhos alheios Rasgou, qual pelicano, as maternais entranhas, E deu a pátria, em holocausto, os seios (Ciro Costa). 1 1 Uma sintética biografia do autor, bem como a transcrição do poema completo estão disponíveis em ANTONIO MIRANDA. (s.d.), “Ciro Costa”. Antonio Miranda. Poesias dos Brasil. Disponível em: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/sao_paulo/ciro_costa.html. Acesso em 12/06/2023.

Figura 1:
Monumento à Mãe Preta. Largo do Paissandu.

Apesar do tema da mulher negra mãe de filho negro e mãe substituta de filho branco antes, durante ou depois da Proclamação da República, ser estudado há algum tempo (Freyre 2001FREYRE, Gilberto. (2001 [1933]), Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro: Editora Record. [1933]; Deiab 2006DEIAB, Rafaela de Andrade. (2006), A mãe preta na literatura brasileira: a ambiguidade como construção social (1880-1950). São Paulo: Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, USP.; Segato 2006SEGATO, Rita Laura. (2006), “O Édipo brasileiro: a dupla negação de gênero e raça”. In: SÉRIE ANTROPOLOGIA, 400. Brasília.; Quintas 2009QUINTAS, Georgia. (2009), “Amas-de-leite e suas representações visuais: símbolos socioculturais e narrativos da vida privada do Nordeste patriarcal-escravocrata na imagem fotográfica”. RBSE - Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, vol. 8, nº22: 11-44.; Machado 2012MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. (2012), “Entre dois Beneditos: histórias de amas de leite no ocaso da escravidão”. In: G. Xavier et al (orgs.). Mulheres negras no Brasil escravista e do Pós-emancipação . São Paulo: Selo Negro .; Kotsoukos 2012KOTSOUKOS, Sandra. (2012), “À vovó Vitorina, com afeto. Rio de Janeiro, cerca de 1870”. In: G. Xavier et al (orgs.). Mulheres negras no Brasil escravista e do Pós-emancipação. São Paulo: Selo Negro.; Machado & Ariza 2019MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo & ARIZA, Marília Bueno de Araújo. (2018), “Escravas e libertas na cidade: experiências de trabalho, maternidade e emancipação na cidade de São Paulo (1870-1888)”. In: A. Barone & F. Rios (orgs.). Negros nas cidades brasileiras (1850-1950). São Paulo: Intermeios; Fapesp.; Cerqueira e Vitória 2020, entre outros), o monumento à Mãe Preta de filho branco, construído no meio do século XX em São Paulo, parece ter despertado menor interesse acadêmico na última década (Lopes 2007LOPES, Maria Aparecia de Oliveira. (2007b), “As representações sociais da mãe negra na cidade de São Paulo”. Patrimônio e Memória. UNESP - FCLAs - CEDAP, vol. 3, nº 2: 124-146.a, 2007b; Alberto 2017ALBERTO, Paulina. (2017 [2011]), Termos de inclusão - intelectuais negros brasileiros no século XX. Campinas, Editora UNICAMP.; Silva 2018SILVA, Zélia Lopes da. (2018), “Identidades negras inscritas nas ruas de São Paulo no século XX”. Patrimônio e Memória , vol. 14, nº 2: 5-30.; Domingues 2018DOMINGUES, Petrônio. (2018), “Esta “magnânima volição”: a federação dos homens de cor”. História (São Paulo) vol. 37: 1-29., Stumpf & Vellozo 2019; Muaze 2019MUAZE, Mariana. (2019), “Da Ama de Leite à Mãe Preta: Arte, Literatura, História e Memória”. In: M. C. Batalha & V. M. da Rocha (orgs.). Vozes em Diálogo: Literatura, História e Pós-colonialidade. Rio de Janeiro: Dialogarts,). Nesse sentido, a pesquisa da historiadora Maria Aparecida de Oliveira Lopes destaca-se como estudo pioneiro. A autora analisou as condições de produção, consolidação e contestação de datas comemorativas da memória negra e o processo que levou da criação de uma data especial à construção do monumento à Mãe Preta. Lopes observou as transformações de sentido pelo qual a estátua passou entre as décadas de 1920 e 1970. Especialmente a partir dos anos 1960, a estátua ganhou um apelo religioso vigente ainda hoje, mesmo que de forma residual se comparado a como foi no passado próximo. Alvo de devoção e fé, o constante depositar de oferendas aos pés da estátua chamou a atenção do poder público que, preocupado com sua preservação, tentou disciplinar tais práticas, sem muito sucesso.

A estátua da Mãe Preta (fig. 1) é um monumento instalado no Largo do Paissandu, no centro de São Paulo a poucos metros do meio fio por onde passam pessoas, carros, motos, ônibus, carroceiros de materiais recicláveis. A via liga a zona central à periferia a norte e a leste da cidade. O objeto artístico está posicionado entre quatro linhas de ônibus que circundam a praça relativamente arborizada, de frente para a Galeria do Rock e de costas para um cinema que há muitos anos exibe filmes pornográficos (Rosa et al 2008ROSA, Alexandre Juliete et al. (2008), “Cinemas pornôs da cidade de São Paulo”. Ponto Urbe Revista do núcleo de antropologia urbana da USP, nº 3: 1-11.). A obra foi criada pelo escultor Júlio Guerra,2 2 Júlio Guerra foi um escultor paulistano que nasceu em Santo Amaro, quando esta localidade era ainda separada da capital paulista em 1912. Formou-se na Escola de Belas Artes de São Paulo em meados da década de 1930 e, na década de 1940, foi assistente de Victor Brecheret. É autor de uma série de obras conhecidas na cidade entre as quais a polêmica estátua do Borba Gato de 1963. Morreu em Santo Amaro em 2001. que venceu o concurso para a realização do monumento promovido pela prefeitura de São Paulo na gestão do prefeito Jânio Quadros (1953-1955). Aos pés da estátua se recolhem moradores de rua, vendedores de coisas usadas, parte delas encontradas no rico lixo da região central e adjacências, trocadas, compradas ou furtadas. Ali se pode encontrar brinquedos, roupas de segunda mão, cosméticos e alimentos com prazo de validade a expirar ou vencidos, bateria, cabos de celulares e aparelhos celulares, alguns obsoletos.3 3 Trata-se de um comércio que se desloca em função da presença repressiva da polícia que, quando chega, dispersa a aglomeração e confisca aquilo que tem valor aparente, como os celulares. Nesse tipo de comércio podem ser encontradas, entre outros, velhas fotografias, baralhos eróticos, objetos decorativos e utensílios domésticos. O local reúne ainda usuários e vendedores de drogas “ilícitas” e bebidas alcoólicas do mesmo modo que trabalhadoras do sexo posicionadas ao lado da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, também localizada no largo. O propósito desta caracterização é mostrar que, apesar das transformações na paisagem material e humana, o monumento continua no mesmo lugar. Não é o objetivo deste artigo discutir os problemas de deterioração urbana facilmente verificáveis no próprio monumento.

No entorno da praça há alguns exemplares da moderna arquitetura paulistana. Essas construções são contemporâneas à valorização da região do Centro Novo a partir de meados da década de 1940, que viu surgir um circuito de cinemas de luxo conhecido por Cinelândia. A rede de cinemas era composta, entre outros, pelo Cine Marrocos em estilo mourisco atrás do Teatro Municipal, o Cine Art Palácio de frente para o Largo do Paissandu, o Cine Olido (hoje Galeria Olido e Centro de Memória do Circo, ambos pertencentes à Secretaria Municipal de Cultura), e os Cines Metro, Marabá, Ipiranga e Paris na avenida Ipiranga. À exceção da Sala Olido gerida pela SMC e do Cine Marabá da PlayArt, os outros cinemas ou estão fechados ou funcionam como lugares de “pegação” (Rosa et al 2008ROSA, Alexandre Juliete et al. (2008), “Cinemas pornôs da cidade de São Paulo”. Ponto Urbe Revista do núcleo de antropologia urbana da USP, nº 3: 1-11.). A expressão caracteriza um tipo específico de ambiente presente em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro que, em uma caracterização bastante genérica, é formada por pessoas de orientação sexual diversa interessadas em encontros sexuais fortuitos.

No circuito da Cinelândia, o traje social era obrigatório para aceder às suas dependências e pessoas negras não eram, em geral, bem recebidas (Simões 1990SIMÕES, Inimá Ferreira. (1990), Salas de cinema de São Paulo. Pesquisa realizada pela Equipe Técnica de Cinema, da Divisão de Pesquisa do Centro Cultural São Paulo. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura /Secretaria de Estado da Cultura.; Almeida 1997ALMEIDA, Heloisa Buarque de. (1997), “Quando o Metro era um palácio: salas de cinema e modernização em São Paulo, Cadernos de Campo, Ano VI - nº 5 e 6: 87-116.), o mesmo acontecia em restaurantes boates, bares, parques, barbearias (Fernandes & Bastide 2008 [1955]BASTIDE, Roger & FERNANDES, Florestan. (2008 [1955]), Brancos e negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre aspectos da formação, manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulistana. São Paulo: Global; Pereira 2011 [1967]PEREIRA, João Baptista Borges. (2001), Cor, profissão e mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.; Leite & Silva 1992LEITE, José Correia & SILVA, José (CUTI). (1992), ... E disse o velho militante José Correia Leite. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura.). No entanto, a população negra estava ali antes mesmo de o circuito cultural ser criado. Enquanto a Cinelândia teve vida curta, a área segue sendo ainda hoje uma referência importante especialmente para a comunidade negra católica que se reúne na Igreja do Rosário.

Em 1904 foi construída no largo a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos porque a antiga igreja dos pretos, construída ainda no século XVIII, fora demolida no processo de modernização da zona central da cidade em expansão, cujos agentes de poder disputavam localidades antes desvalorizadas (Santos 2023). A velha igreja deu lugar ao edifício da Bolsa de Mercadorias e Futuros, atual Praça Antônio Prado. Em função da igreja, o Paissandu se tornou “território negro” de grande relevância (Rolnik 1989ROLNIK, Raquel. (1989), “Territórios negros nas cidades brasileiras (Etnicidade e cidade em São Paulo e no Rio de Janeiro), Estudos Afro-Asiáticos, nº 17, p.p. 29-41, Rio de Janeiro.; Ribeiro 2016RIBEIRO, Fábia Barbosa. (2016), “Vivências negras na cidade de São Paulo: entre territórios de exclusão e sociabilidade”. Projeto História, São Paulo, nº 57: 108-138. ; Santos 2022). No entorno do edifício já funcionaram algumas associações negras como o grupo Mariama que reuniu, a partir de 1995, principalmente mulheres negras idosas (Bispo 2019BISPO, Alexandre Araujo. (2019), Percursos da memória e da integração social: o arquivo pessoal de Nery e Alice Rezende, Mulheres Negras em São Paulo - 1948-1967. São Paulo: Tese de doutorado em Antropologia Social, USP.:59). Nas páginas dos jornais da imprensa negra paulistanaAcervo Imprensa Negra USP. na primeira metade do século XX, vez ou outra, a igreja aparece como palco da Festa de São Benedito ainda hoje realizada.4 4 Cf. O Clarim d’Alvorada, 27 de Julho de 1927. Disponível em: https://biton.uspnet.usp.br/imprensanegra/index.php/o-clarim-da-alvorada/o-clarim-da-alvorada-17071927/ Consultado em 23 de outubro de 2023. Nessas ocasiões, como deve ter ocorrido no passado, a imagem do santo negro, vestida especialmente para a festividade, é exibida no largo, sobre um andor cheio de flores acompanhada de cânticos e rezas. Apesar de, nesse momento festivo, a procissão acontecer no largo, observei in loco que não há qualquer relação entre os participantes do rito e a estátua da Mãe Preta, ainda que ambos segurem no colo bebês brancos.

A proximidade entre o monumento e a igreja ajuda a explicar por que essa relação de contiguidade espacial com o sagrado institucional representado pelo edifício, ainda hoje desperte um sentimento religioso difuso em alguém (quem seriam essas pessoas?) que não precisa ou não quer subir os degraus, atravessar a porta para pedir intercessão aos santos institucionalizados. A velha negra está na rua, disponível a quem possa interessar e aceita flores, velas, às vezes cigarro e, sobretudo noutros tempos, bilhetes com pedidos e mais “coisas” que necessitaria um paciente trabalho etnográfico de observação sistemática para qualificar. Isso tudo ocorre apesar de existirem no interior da igreja santos e santas oficiais já preparados para receber pedidos e agradecimentos, mas jamais cigarro: S. Benedito, Sta Efigênia (em homenagem à qual existe uma igreja a poucos metros dali) e Santa Bakita. Essas duas santas, cujos trajes permitem ver apenas os rostos e as mãos, são o oposto da Mãe Preta, que se apresenta descalça, colo e seios à mostra em momento de amamentação, equilibrando-se sobre o próprio corpo volumoso e forte, o olhar algo melancólico que não repousa sobre a criança. As santas protegidas sob o teto da igreja não foram mães como foram as amas de leite do período colonial e imperial encarregadas de cuidar dos filhos da família patriarcal, como sublinha Nei Lopes (2011LOPES, Nei. (2011), Enciclopédia da Diáspora africana. São Paulo: Selo Negro .:419). A Mãe Preta aproxima-se mais daqueles santos populares adorados pelo povo anônimo. À revelia da igreja esses santos seguem sendo cultuados fora dela. Um caso exemplar nesse sentido é o da Escrava Anastácia, cuja efígie se restringe basicamente ao pescoço e rosto, parcialmente coberto por instrumento de tortura. Seu rosto criado ainda no século XIX passou por apropriações culturais a partir dos anos 1970, quando, em função do seu martírio e dos sentidos de seu drama humano, ganhou ares sagrados atualizados pelo debate racial do período. Atualmente a “santa” ganha vida nova como arte contemporânea na poética do artista carioca Yhuri Cruz (Pereira no preloPEREIRA, Edilson. (No prelo), “Da escravidão à liberdade: a imagem de Anastácia entre arte contemporânea, política e religião”.).

A valorização religiosa da Escrava Anastácia é, curiosamente, contemporânea à valorização religiosa da estátua da Mãe Preta em São Paulo. Nesse sentido, guardadas as distâncias, elas compartilham certas capacidades milagrosas. Heroica para os militantes negros que atuaram nos primeiros cinquenta anos do século XX, tornada objeto de efeméride, a Mãe Preta é diferente de outro ícone da luta negra, Zumbi dos Palmares, cuja representação monumental está presente no espaço de público de grandes cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. Ela figura enquanto símbolo da abnegação afetiva entre as elites e a possibilidade de acesso pleno à cidadania entre ativistas negros (Muaze 2019MUAZE, Mariana. (2019), “Da Ama de Leite à Mãe Preta: Arte, Literatura, História e Memória”. In: M. C. Batalha & V. M. da Rocha (orgs.). Vozes em Diálogo: Literatura, História e Pós-colonialidade. Rio de Janeiro: Dialogarts,:99; Domingues 2019:17). Nesse sentido, materializa o discurso da integração entre brancos e negros. Zumbi é o guerreiro armado que representa a luta dos negros não contra quaisquer brancos, mas contra os opressores, o escravizador representado pelos donos da terra, do dinheiro e dos braços negros.5 5 Somente em 2016, a capital paulista erigiu um monumento em homenagem ao líder de Palmares. O artista Jofe (José Maria dos Santos) ganhou o concurso para a realização da estátua instalada na frente da Bolsa de Mercadorias e Futuros onde existiu a antiga igreja do Rosário dos Homens Pretos relativamente próximo ao largo do Paissandu.

Uma “mulher símbolo” para a grandeza de São Paulo e do Brasil

A história recente do negro é uma história de domésticas. Oswaldo de Camargo 6 6 Citado por Silva (2013:263).

No contexto das comemorações do IV Centenário da cidade em 1954, o escultor Júlio Guerra7 7 Atualmente o artista é mais conhecido por ter feito, na década de 1960, o monumento ao Borba Gato. Essa escultura polêmica é alvo de questionamentos por parte de diferentes grupos sociais desde o momento em que a estátua foi construída em 1963 (Waldman 2018). venceu, sob o pseudônimo de Ibirapuera, “um concurso de maquetes para a execução de um monumento dedicado à ‘Mãe Preta’” (Silva 2013SILVA, Mario Augusto da. (2013), A descoberta do insólito: literatura negra e literatura periférica no Brasil (1960-2000). Rio de Janeiro, Aeroplano.:263). Financiado pela prefeitura, o monumento era uma homenagem dos paulistas à histórica personagem negra, base de produção e reprodução social da velha ordem escravocrata. Embora a comunidade negra tenha demandado na documentação trocada com a Comissão do IV Centenário a construção do monumento, pessoas do meio negro que há muito desejavam sua construção não foram consultadas, a escolha do vencedor coube a um júri formado pelo presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), o prefeito Jânio Quadros e três membros indicados pelo presidente da Câmara (Silva 2013:263). Veremos, mais adiante, uma crítica ao monumento feita por um de seus principais e mais antigos defensores, o jornalista José Correia Leite (1900-1989).

À frente do grupo que solicitou o monumento à prefeitura estava o “presidente da Comissão de Festejos para ereção do Monumento à Mãe Preta”8 8 Fonte: Fundo IV Centenário do Arquivo Municipal de São Paulo. São Paulo, 30 de dezembro de 1954. Caixa 59 - Processo nº4740-54 Fls 16. , Frederico Penteado, do Clube 220, entidade que reunia pessoas negras da classe trabalhadora, sendo grande parte delas mulheres.9 9 O clube estava sediado no Edifício América (hoje edifício Martinelli) à rua São Bento, 405 - 17ºandar sala 1725. Cf. Fundo IV Centenário. Arquivo Municipal de São Paulo, Caixa 59-Processo nº4740-54. O objetivo do grupo com o monumento era simbolizar materialmente o que entendiam ser o heroísmo do negro na construção da nação e o engrandecimento da capital paulista (Lopes 2007LOPES, Maria Aparecia de Oliveira. (2007b), “As representações sociais da mãe negra na cidade de São Paulo”. Patrimônio e Memória. UNESP - FCLAs - CEDAP, vol. 3, nº 2: 124-146.b; Silva 2018SILVA, Zélia Lopes da. (2018), “Identidades negras inscritas nas ruas de São Paulo no século XX”. Patrimônio e Memória , vol. 14, nº 2: 5-30.: 22-23). A personagem, como foi gravado na base frontal do monumento, criou “filhos alheios” e deu “os seios” em holocausto pela pátria. O verso do advogado e poeta paulista de Limeira Ciro Costa (1879-1937), escrito na década de 1930, cabia perfeitamente ao monumento porque representava a dívida de gratidão compulsória dos brancos para com a mãe escrava que os criou. No poema, Costa reconhecia o sofrimento e, ao mesmo tempo, o caráter civilizador da mãe preta, o que, para o movimento negro, importava muito.10 10 O poeta era um velho conhecido do meio negro paulista. Em 1917, o escritor recitou seu poema “Pai João” no salão da Federação dos Homens de Cor, foi bastante aplaudido e, algum tempo depois, lhe foi oferecido um banquete. Cf. Domingues (2018:5). Os militantes negros estavam há décadas preocupados com o problema da integração social desse segmento racial à sociedade brasileira (Bispo, 2019BISPO, Alexandre Araujo. (2019), Percursos da memória e da integração social: o arquivo pessoal de Nery e Alice Rezende, Mulheres Negras em São Paulo - 1948-1967. São Paulo: Tese de doutorado em Antropologia Social, USP.). O tom conciliador do pedido de apoio de Abdias Nascimento (1914-2011) à Comissão do IV Centenário para a realização da 1ª Mostra de Arte Negra, no sentido de esta também compor as celebrações dos 400 anos da cidade, é revelador da busca do meio negro à época por participação plena na nacionalidade brasileira:

Os brasileiros de côr não querem perder essa única oportunidade de reafirmar sua total e definitiva integração na nacionalidade, valendo, essa 1ª Mostra, como a mais decisiva demonstração do espírito de harmonia de raças e de cores que presidiu a formação brasileira (Abdias Nascimento 30 dez. 1954).11 11 Fonte: Fundo IV Centenário do Arquivo Municipal de São Paulo. São Paulo, 30 de dezembro de 1954. Caixa 59-Processo nº4740-54 Fls 16.

Fundida em bronze, a estátua repousa sobre um pedestal de granito cinza lavrado de 2,98m x 1,80m x 1,34m.12 12 A obra só foi cadastrada pelo Departamento de Patrimônio Histórico em 1984. Cf Mãe Preta - Pasta 04A.003/STLP Na base estão gravados o poema de Costa e desenhos como a arquitetura e paisagem do ambiente dos solares, um tronco de castigos, uma sinhá tricotando, uma ama de leite amamentando um bebê e um escravizado que carrega uma liteira. Homenageava-se em materiais resistentes aquela que educou, ensinando as primeiras palavras (cultura) e nutriu (natureza) a classe senhorial brasileira (Deiab 2006DEIAB, Rafaela de Andrade. (2006), A mãe preta na literatura brasileira: a ambiguidade como construção social (1880-1950). São Paulo: Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, USP.:10), daí a importância, relativamente unânime também entre os brancos, de homenageá-la publicamente (Leite & Silva 1992LEITE, José Correia & SILVA, José (CUTI). (1992), ... E disse o velho militante José Correia Leite. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura.; Lopes 2007LOPES, Maria Aparecia de Oliveira. (2007b), “As representações sociais da mãe negra na cidade de São Paulo”. Patrimônio e Memória. UNESP - FCLAs - CEDAP, vol. 3, nº 2: 124-146.a, 2007b). Para Zélia Lopes da Silva, o mérito da mãe preta estava em ter desempenhado um trabalho fundamental para a cidade e para o país (Silva 2018:6). Conforme indicou o jornalista Oswaldo de Camargo refletindo retrospectivamente sobre a importância dessa figura nacional até a década de 1950: “A mãe negra, além disso, tinha o respaldo dos grandes autores, de poetas que cantavam sempre a mãe negra” (Lopes 2007a:99). O Clube 220 nas tratativas com a prefeitura a definiu como “Mulher Símbolo”13 13 Fonte: Fundo IV Centenário do Arquivo Municipal de São Paulo. Caixa 59-Processo 47040-54, Fls 16. da identidade negra. Neste sentido ela era digna de celebração cívica aos moldes da cultura republicana que emergiu no pós-abolição e que, na década de 1950, procurou afirmar a cidade de São Paulo como a imagem acabada do desenvolvimento nacional. Como mostraram Lopes (2007a, 2007b) e Silvio Luís Lofego (2004LOFEGO, Silvio Luís. (2004), IV Centenário da cidade de São Paulo: a construção do passado e do futuro nas comemorações de 1954. São Paulo: Anablume. ), no contexto das celebrações do quadringentésimo aniversário, a história dos negros poderia ter sido completamente esquecida na cidade cujo imigrante, especialmente o italiano, tomara a dianteira.14 14 Cf. Carta assinada por Frederico Penteado Júnior, presidente do Clube 220, endereçada a Guilherme de Almeida, presidente da Comissão do IV Centenário. Fundo IV Centenário do Arquivo Municipal de São Paulo. São Paulo, 30 de dezembro de 1954. Caixa 59-Processo nº4740-54 Fls 16. Para Silva, a estátua resolveu as “querelas quanto à exclusão dos pretos da memória de São Paulo e de suas realizações centenárias” (Silva 2018:22).

Da parte do meio negro ativista, a ideia de um monumento vinha sendo almejada havia quase três décadas e o IV Centenário se apresentou como um momento definitivo e definidor para afirmar também o Largo do Paissandu como um lugar de memória para a população negra (Nora 2012NORA, Pierre. (2012), “Entre memória e história: a problemática dos lugares”. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós- Graduados de História, vol. 10. Disponível em: Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/12101 . Acesso em: 23 de novembro de 2023.
https://revistas.pucsp.br/index.php/revp...
; Lopes 2007LOPES, Maria Aparecia de Oliveira. (2007b), “As representações sociais da mãe negra na cidade de São Paulo”. Patrimônio e Memória. UNESP - FCLAs - CEDAP, vol. 3, nº 2: 124-146.a, 2007b). Desde que a igreja foi transportada para lá, mesmo que sob protesto dos moradores locais que acreditavam, no início do século XX, que a presença negra desvalorizaria o local (Lopes 2007b, Bispo 2011BISPO, Alexandre Araujo. (2011). “Mãe Preta: memórias e monumentos negros”. Revista Omenelick 2º Ato, s.p. Disponível em: Disponível em: http://www.omenelick2ato.com/historia-e-memoria/734 Acesso em 09/01/2024.
http://www.omenelick2ato.com/historia-e-...
), a área se tornara um espaço de recordação a unir um grupo (Assmann 2011ASSMAN, Alleida. (2011), Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2011.). Antes, porém, de surgir o desejo de um monumento à identidade negra paulistana para a nação, militantes negros como Vicente Ferreira, José Correia Leite e Jayme Aguiar batalharam pela aprovação junto às autoridades políticas do Dia da Mãe Preta.

De um dia da Mãe Preta ao monumento à Mãe Preta

Figura 2:
Mãe Negra e 13 de Maio, efemérides negras na capa do jornal O Clarim da Alvorada, 13 de Maio de 1927.

Quase três décadas antes do monumento à Mãe Preta começar a ser desejado, os ativistas da imprensa negra paulistana conseguiram aprovar uma data, 28 de setembro, para celebrar o Dia da Mãe Preta (Alberto 2017ALBERTO, Paulina. (2017 [2011]), Termos de inclusão - intelectuais negros brasileiros no século XX. Campinas, Editora UNICAMP.:128-134). Em 13 de maio de 1927, ocasião em que se comemorava a abolição da escravidão de 1888, o jornal O Clarim da Alvorada, criado em 1924 por José Correia Leite e Jayme de Aguiar, publicou na capa uma homenagem à Mãe Preta defendendo que a ela fosse dedicado o mesmo dia da promulgação da Lei do Ventre Livre de 1871 (fig. 2) .15 15 Esse interesse pelo tema da maternidade negra não é exclusivo do meio negro letrado. Entre 1910 e 1950 artistas visuais brancos e negros interessam-se pelo assunto, entre os quais em ordem cronológica Lucílio Albuquerque, 1912; o fotógrafo italiano Vincenzo Pastore, década de 1910; Lasar Segall e Tarsila do Amaral nos anos 1920; Portinari, Benedito José Tobias, Lucy Citi Ferreira na década de 1930; Di Cavalcanti, Pedro Bruno, Wilson Tibério nos anos 1940 e Enrico Caruso na década de 1950. Uma pequena mostra de algumas dessas imagens pode ser encontrada em Bispo, Berth & Kaçula (2022:66-73). Entre os anos 1970 e 2023 diferentes artistas contemporâneos tem retomado o tema da mãe preta entre os quais Maria Auxiliadora da Silva, Rosana Paulino, Renata Felinto, Eliana Amorim, Ana Musidora, Alexandre Ignácio Alvez, Soberana Ziza, Elson Júnior, Sidney Amaral, Walter Firmo, Tiago Santana, Lucimélia Romão, Thiago Gualberto, Robinho Santana, Alexandre Alexandrino, Aline Motta, Isabel Löfgren & Patricia Gouvêa entre outros. O fato de a expressão “Mãe Preta” ser colocada acima de outra tão importante para aquela geração, o 13 de Maio, ajuda a rastrear como essa figura feminina alegórica vai ganhando consistência, força e capacidade de simbolizar positivamente a identidade negra paulista e a nação brasileira. Afinal, a mãe preta foi um fenômeno social que ocorreu em toda extensão do país. Dois anos depois, em 28 de setembro de 1929, o mesmo jornal celebrou o resultado de uma campanha iniciada um ano antes: “Hoje é o dia da Mãe-Preta: Symbolo de Redempção e de Penitencia! Ao embalo de seu cântico de saudade se construiu a nossa nacionalidade!” (Leite & Silva 1992:42). A chamada articula objetivamente a mãe preta à construção da nação e com isso faz aparecer, de certo modo, o negro em geral como partícipe e fator definidor da civilização brasileira, por exemplo, porque era um trabalhador dedicado (Querino 2000QUERINO, Raimundo. (2000 [1954]) “O africano como colonizador”. In: Negro de Corpo e Alma. AGUILAR. N. (org.). Fundação Bienal de São Paulo. São Paulo: Associação Brasil 500 Anos Artes Visuais.). Outro aspecto desta chamada é o tom religioso católico usado para qualificar a Mãe Preta localizada entre os termos “redenção” e “penitência”. Entende-se o uso, pois o catolicismo era como um idioma utilizado pela imprensa negra para divulgar o nome de famílias negras, seus ritos de casamento, batizado, primeira comunhão, a realização de celebrações aos santos negros ou as missas de sétimo dia em favor dos falecidos, todas práticas católicas. Como vem demonstrando a pesquisa historiográfica há algumas décadas (Slenes 1992SLENES, Robert. (1992), “Malungu, Ngoma vem! A África coberta e descoberta no Brasil”. Revista USP, nº 12: 48-67.; Wicembach 2018WICEMBACH. Maria Cristina Cortez. (2018), Práticas religiosas, errância e vida cotidiana no Brasil (finais do século XIX e inícios do XX). São Paulo: Intermeios.; Santos 2022SANTOS, Fabricio Forganes dos. (2022), As três igrejas dos Homens Pretos de São Paulo de Piratininga. São Paulo: Museu de Arte Sacra., entre outros) o catolicismo negro, tal como aparece no Brasil, se constituiu no longo processo de formação do chamado “mundo atlântico” (Thornton 2004THORNTON, John. (2004), A África e os africanos na formação do mundo atlântico (1400-1800). São Paulo: Campus/ Editora Elsevier.).

Desde 1928, os diretores do periódico organizaram uma campanha de valorização da Mãe Preta para que o povo de São Paulo e autoridades políticas como Washington Luís e Júlio Prestes, mas também a imprensa burguesa, aceitassem a data e reconhecessem o heroísmo do negro - condensado na mulher negra mãe - que tudo deu para o engrandecimento da nação sem nada receber em troca. A resposta das autoridades políticas foi positiva e o dia 28 de setembro tornou-se ponto facultativo celebrado até a década de 1950 (Andrews 1998ANDREWS, George. (1998), Negros e brancos em São Paulo (1888-1998). São Paulo: EDUSC.). Conforme observou Correia Leite, na ocasião, mesmo jornais da grande imprensa publicaram em primeira página: “Hoje é Dia da Mãe Negra” (Leite & Silva 1992:40).

Neste mesmo número de O Clarim da Alvorada, foi publicado também o poema Mãe-Preta do poeta negro Correa Júnior que, por seu teor, poderia estar gravado sob a base de pedra do monumento de Júlio Guerra:

“Na noite brasileira do teu corpo, Mãe-Preta! quanta dor silenciosa e immortal! ... Ella é que protegeu o Brasil pequenino... E ainda pairas, talvez, sobre o nosso destino como uma Santa Genoveva tropical!” (Leite e Silva, 1992LEITE, José Correia & SILVA, José (CUTI). (1992), ... E disse o velho militante José Correia Leite. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura.:42).

Nota-se que a ama de leite não apenas foi considerada “Symbolo de Redempção e de Penitencia!” como também, agora, era efetivamente comparada à santa virgem, padroeira da cidade de Paris, aproximando, assim, espiritualidade e cidade, embora faltasse à Mãe Preta a virgindade. Esse tipo de aproximação discursiva revela como, desde o início, a figura da mãe preta assume, para esses sujeitos, um apelo cívico e nacionalizante, pautado nos sofrimentos afetivos que ela experimentou. Alçá-la à condição de símbolo com apelo religioso próprio lembra o que Zélia L. Silva, baseando-se em Pierre Nora, chama de “homens e mulheres memória”. A expressão indica aqueles sujeitos que, por exibirem virtudes dignas de admiração e de reconhecimento pelo conjunto da coletividade, se tornam exemplos e referências aos demais membros do grupo (Silva 2018:6).

Em 1928, o articulista do jornal Progresso, David Rodolpho de Castro, ao associar a figura da Mãe Preta com a educação, algo importante para o meio negro urbano porque, segundo sua concepção, educar-se permitiria a elevação da raça contra as barreiras do preconceito de cor, afirmou:

Deixemos bem patente, claro nestas linhas que a mãe preta é a verdadeira mãe dos brasileiros. Não é nosso escopo ofender a susceptibilidade de quem quer que seja. Temos em mira única e exclusivamente a fusão de brancos e negros para a glorificação da mãe preta (Castro 1928).16 16 Fonte: Progresso, 19/08/1928. Disponível em: http://biton.uspnet.usp.br/imprensanegra/index.php/progresso/progresso-19081928/. Acesso em: 04 de novembro de 2023

Além de textos versando sobre o papel da Mãe Preta para o Brasil, jornais como o Clarim da Alvorada, acompanhando tendência de modernização na imprensa, passaram a divulgar também imagens representando a mãe negra. A importância dessas imagens é que elas também vão sustentando no meio negro as características visuais em torno de como seriam as amas de leite que poderiam ter servido, mais tarde, de referência ao monumento desejado, que, no entanto, só foi entregue no aniversário da cidade, sem ter como referência as imagens construídas pelo próprio meio negro ao longo dos anos.

Figura 3:
Mãe Negra, 1930.

Apesar de estar distante do realismo da figura 3, a estátua da Mãe repete os traços característicos como o colo e braços à mostra, o bebê nu ou seminu e o olhar distante que não se deposita sobre a criança. Lopes mostra como uma estampa de Jean Baptiste Debret foi alterada pelo jornal Alvorada em 1946, provavelmente por falta de imagens visuais mostrando mulheres negras em situações semelhantes. O editor não apenas retirou personagens da cena original como, no lugar de uma mulher indígena, colocou uma mulher negra (Lopes 2007b:132). A ilustração foi acompanhada de um texto interessantíssimo que inicia falando da nacionalidade brasileira e assume, na seção final, um tom grave e religioso. Esse aspecto sacro acabará por se incorporar aos usos sociais do futuro monumento, o que ajuda a explicar as práticas religiosas que ainda hoje envolvem esse objeto sensível à devoção de feitio católico e afro-brasileiro, como se verá mais adiante.

A figura que evocamos hoje nesta pequena consagração - a maior que lhe podemos dar, representa uma argamassa da formação histórica da nacionalidade brasileira, uma das suas maiores fontes inspiradoras do seu destino. Apesar de não haver ainda o povo brasileiro dado o testemunho público do reconhecimento à “Mãe Negra” - aquela que se eternizou no curbato de suas cantigas e na influência humilde de sua dolorosa procedência, nacionalmente falando - nós lhe reivindicamos toda a grandeza sentimental que é a razão poderosa de nossa maior afania. [...] Queremos e devemos erguê-la, por um monumento, do esquecimento injusto; e nós, os negros brasileiros, neste instante que passa, nesta hora aflitiva e de tanta incerteza, devemos elevar os nossos pensamentos e nossos olhos para bem alto, para que dessa veneração desçam sobre nós as bênçãos daquela a quem pedimos que ilumine o nosso caminho (grifo meu). 17 17 Fonte: Alvorada, 28 set. 1946.

O texto, como acontecera anos antes, mistura nacionalidade e religiosidade na caracterização que faz da Mãe Preta e exemplifica como, em momentos de aflição, solicitar os favores daquela que, pela descrição envolvente, lembra uma santa católica.

Com a oficialização da data comemorativa, o meio negro militante passou a idealizar um monumento concreto que ocuparia um lugar na cidade em processo de transformação material e simbólica na década de 1920 (Sevcenko 1992SEVCENKO, Nicolau. (2000 [1992]), Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras.; Padilha 2001PADILHA, Márcia. (2001), A cidade como espetáculo: publicidade e vida urbana na São Paulo dos anos 20. São Paulo: Annablume.). Apesar dessa empreitada ter se materializado em São Paulo, o desejo de um monumento teve seus primeiros defensores no Rio de Janeiro (Leite & Silva 1992LEITE, José Correia & SILVA, José (CUTI). (1992), ... E disse o velho militante José Correia Leite. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura.; Lopes 2007LOPES, Maria Aparecia de Oliveira. (2007b), “As representações sociais da mãe negra na cidade de São Paulo”. Patrimônio e Memória. UNESP - FCLAs - CEDAP, vol. 3, nº 2: 124-146.a:92-93; Alberto 2017ALBERTO, Paulina. (2017 [2011]), Termos de inclusão - intelectuais negros brasileiros no século XX. Campinas, Editora UNICAMP.: 105; Domingues 2018DOMINGUES, Petrônio. (2018), “Esta “magnânima volição”: a federação dos homens de cor”. História (São Paulo) vol. 37: 1-29.; Muaze 2019MUAZE, Mariana. (2019), “Da Ama de Leite à Mãe Preta: Arte, Literatura, História e Memória”. In: M. C. Batalha & V. M. da Rocha (orgs.). Vozes em Diálogo: Literatura, História e Pós-colonialidade. Rio de Janeiro: Dialogarts,:87, 94 e 98). Segundo Correia Leite, que estava à frente da campanha para a construção de um monumento em homenagem à raça negra simbolizado na figura da Mãe Preta na capital paulista, foi o carioca Dr. Cândido Campos, diretor do jornal A Notícia, quem tomou a dianteira do projeto. O monumento que seria erigido no Rio de Janeiro recebeu apoio da direção do jornal Chicago Defender, nos Estados Unidos, e do Diário do Porto, em Portugal. Comunicada em São Paulo pelo orador negro Vicente Ferreira, idealizador do Dia da Mãe Negra, o projeto despertou o desejo de pessoas como o próprio Correia Leite, mas a Revolução de 1930 atravessou o caminho. “Nessa época eu percebi que a Revolução de 30 tinha estagnado a ideia da inauguração do monumento à Mãe Negra” (Leite & Silva 1992:97; Lopes 2007a:92). Desde o início das negociações, o monumento contava com o financiamento do poder público que, por meio do sistema de partilha dos custos, previa o aporte de 200 contos do governo federal, enquanto a Câmara de São Paulo já tinha destinado 50 contos, cabendo aos outros estados entrar com a parcela restante. A articulação tinha um apelo nacional, um sentido unificador, porque projetava e retratava, como bem analisou Paulina Alberto, os homens negros e brancos como irmãos (Alberto 2011:105). O historiador Petrônio Domingues mostra que as tratativas para a construção do monumento tiveram início ainda com a Federação dos Homens de Cor (FHC), antes mesmo de 1926. Segundo ele, a federação tinha interesses divergentes aos do Dr. Cândido Campos. Para a FHC tratava-se de introduzir o debate racial na sociedade enquanto para Campos e as elites que ele representava, a Mãe Negra simbolizava a harmonia racial brasileira. Apesar da campanha ter arrecadado recursos, o monumento não se materializou (Domingues 2018:16-17).

Em 1930, contudo, apesar do ambiente conturbado da revolução, o meio negro conseguiu inaugurar, basicamente com recursos próprios e grande agitação cultural, o busto do abolicionista Luiz Gama (1830-1882), cujo centenário de nascimento seria comemorado naquele ano (Lopes 2007LOPES, Maria Aparecia de Oliveira. (2007b), “As representações sociais da mãe negra na cidade de São Paulo”. Patrimônio e Memória. UNESP - FCLAs - CEDAP, vol. 3, nº 2: 124-146.:100; Domingues 2016DOMINGUES, Petrônio. (2016), “A aurora de um grande feito: a herma a Luiz Gama”. Anos 90, Porto Alegre, vol. 23, nº 43: 389-416.; Stumpf & Vellozo 2018STUMPF, Lucia Klück & VELLOZO, Júlio César de Oliveira. (2018), “‘Um retumbante Orfeu de Carapinha’ no centro de São Paulo: a luta pela construção do monumento a Luiz Gama”. Estudos Avançados, vol. 32, nº 92: 167-191.).

Esses dois monumentos evocam vontades recorrentes de rememoração de personalidades negras entre a antiga militância negra paulista. Desde as primeiras décadas do século XX, os militantes tentavam inserir na memória coletiva a imagem do negro como sujeito participativo do processo de desenvolvimento da cidade e da nação (Lopes 2007LOPES, Maria Aparecia de Oliveira. (2007b), “As representações sociais da mãe negra na cidade de São Paulo”. Patrimônio e Memória. UNESP - FCLAs - CEDAP, vol. 3, nº 2: 124-146.a). Em seus discursos, eles acreditavam que o Estado devia prestar homenagens públicas aos antepassados negros de algum modo. Negociavam com a municipalidade porque evidentemente não tinham o mesmo poder financeiro que outras comunidades, como a italiana, que ofereceu, por exemplo, monumentos em homenagem aos compositores eruditos Giusepe Verdi e Carlos Gomes no Vale do Anhangabaú (Waldman & Maciel 2021WALDMAN, Thaís Chang & MACIEL, Diogo Barbosa. (2021), “A “febre estatuária” de São Paulo: os monumentos a Carlos Gomes e a Giuseppe Verdi”. In: F. A. Peixoto et al (orgs.). Artes, Saberes e Antropologia. Goiânia: Cegraf UFG.).

Finda a década de 1930, foi no período pós-Estado Novo (1937-1945), acompanhando a retomada de uma reabertura política que os jornais negros reaparecem (Ferrara 1986FERRARA, Miriam Nicolau. (1986), A imprensa negra paulista (1915-1963). São Paulo: FFLCH/USP, Antropologia 13.: 77) e a ideia de erigir um monumento à Mãe Preta volta à baila com força (Lopes 2007LOPES, Maria Aparecia de Oliveira. (2007b), “As representações sociais da mãe negra na cidade de São Paulo”. Patrimônio e Memória. UNESP - FCLAs - CEDAP, vol. 3, nº 2: 124-146.b:129). Como ocorreu desde a segunda metade da década de 1920, o empenho dos articulistas da imprensa negra paulistana foi lutar pela construção de um monumento em sua homenagem, metáfora da raça negra, em sentido mais amplo. Esse intento, como já se mostrou, foi sendo realizado por meio de textos de caráter histórico, poemas e imagens que ressaltavam a dedicação da mulher negra aos brancos, “seus verdadeiros filhos” (O Progresso, São Paulo, 19 de agosto de 1928O Progresso, 19 ago. 1928., reproduzido em Leite & Silva 1992LEITE, José Correia & SILVA, José (CUTI). (1992), ... E disse o velho militante José Correia Leite. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura.:87).

A retomada da construção do monumento era uma maneira de obrigar o Estado a pagar a “grande dívida brasileira” (fig. 3) como havia proposto, anos antes, o jornal O Clarim da Alvorada. Mesmo já existindo uma maquete do monumento exibida na matéria “Uma promessa que não se cumpriu” (fig. 4), o jornal Alvorada (antigo O Clarim da Alvorada) lamentou o fato de, após tantos anos de esforço, a obra não ter sido erguida, apresentando em texto algumas etapas que vinham sendo elaboradas para construí-la. Uma explicação para o fato é encontrada nas memórias de Correia Leite, o qual assinala que, desde que se cogitou a ideia de um monumento, houve quem reagiu em sentido contrário à sua construção:

Houve protestos de brasileiros que não concordavam com esse monumento em homenagem à raça negra. Havia nisso muitos descendentes de imigrantes. Um deles, o Dr. Alfredo Ellis Júnior, autor de um livro sobre a imigração estrangeira em São Paulo, negava qualquer importância do negro no processo de progresso do Estado (Leite & Silva 1992LEITE, José Correia & SILVA, José (CUTI). (1992), ... E disse o velho militante José Correia Leite. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura.: 98).

Figura 4:
Projeto do monumento à Mãe Preta, autoria de Yolando Malozzi, apresentado no jornal Alvorada em 1947.

Pela maquete divulgada no jornal, o monumento à Mãe Preta, de autoria de Yolando Mallozzi,18 18 Escultor brasileiro de ascendência italiana. Nasceu em Atibaia em 1901. Estudou no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Autor, entre outras obras, da herma de Luiz Gama. Morreu em 1968. Fonte: WIKIPÉDIA (s.d.), “Yolando Mallozzi”. Wikipédia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Yolando_Mallozzi. Acesso em 18/10/2023 mesmo escultor que fez a herma de Luiz Gama, era, de longe, mais complexo do que a obra sintética e menos custosa aprovada pela Comissão de Festejos do IV Centenário a partir do decreto nº2.342, de 19 de dezembro de 1953. O concurso, encerrado em 13 de maio de 1954, deu por vencedora a maquete de Júlio Guerra,19 19 Pelo menos desde 2004, o Museu Afro Brasil Emanoel Araújo em São Paulo tem uma cópia assinada da maquete. Recentemente encontrei na internet um site de leilões que também oferecia cópias da peça e, finalmente, soube de uma cópia na coleção particular de José Neinstein, no estado da Virgínia, Estados Unidos. segundo o parecer da comissão, por sua “simplicidade e expressão”.20 20 Cf. Departamento de Patrimônio Histórico de São Paulo. Pasta Mãe Negra. De acordo com o jornal Correio Paulistano: “Nada de alegorias difíceis, nada de deformações, nada de cópia servil e estéril do natural. Manteve-se Júlio Guerra no realismo que sempre inspirou sua obra”.21 21 Correio Paulistano, 22 de janeiro de 1955. Departamento de Patrimônio Histórico. Pasta Mãe Preta 04A.003/STLP. Essa solução era, portanto, distinta do monumento divulgado pelo jornal Alvorada. Previa-se, originalmente, que “a imagem dela ficaria no pedestal e em volta vinham figuras do processo de luta e trabalho do negro na formação do Brasil” (Leite & Silva 1992LEITE, José Correia & SILVA, José (CUTI). (1992), ... E disse o velho militante José Correia Leite. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura.:40). Frente a esse desejo do meio negro de fazer uma alegoria semelhante a outros grandes monumentos nacionais, é possível entender a frustração de Correia Leite com o resultado de feitio modernista na qual a Mãe Preta era apresentada sozinha, desamparada, mal vestida e cuidando de filho alheio. Para Leite:

Se fosse uma branca não permitiriam que um artista fizesse uma figura deformada como aquela. (...) Por que fazer uma negra descomunal, quando todo mundo sabe que uma negra daquela não entraria na casa grande para dar de mamá pra um filho do senhor, com aquele pé grande...? Eles cuidavam muito bem das mucamas. Precisava ser muito bonita, muito limpa, muito direitinha. Por que fazer uma negra descomunal daquela? Isso é ignorância da história. Foi uma pena que o projeto do Rio de Janeiro tenha sido prejudicado, pois se tratava de um monumento (Leite & Silva 1992LEITE, José Correia & SILVA, José (CUTI). (1992), ... E disse o velho militante José Correia Leite. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura.:99).

Essas observações do jornalista militante, que não considerava a obra de Guerra um monumento, levam a pensar: se realizado, o outro monumento seria capaz de gerar a separação entre o aspecto religioso e o aspecto cívico de valorização do trabalho e das lutas negras na história do país? Isto é, fosse a mãe negra apenas parte de uma alegoria maior ela seria tratada como uma santa fora da igreja? Seria fácil identificá-la ou confundi-la com uma figura religiosa, uma Preta Velha, como de fato acontece quando, sob seus pés de bronze, se colocam cigarros? Em função dos sentidos que as flores assumem em celebrações como o Dia das Mães, podemos afirmar que as flores depositadas aos pés da estátua reforçam a noção de maternidade? Qual o sentido que elas têm ao aparecer sob os pés enormes da figura?

De toda forma, no contexto do IV Centenário, a imagem da mãe preta, além de se constituir em um monumento, contra a leitura crítica de Leite, também foi usada como elemento publicitário. Nesse sentido, é importante registrar que, à semelhança de símbolos como o bandeirante, o indígena e o jesuíta, também a iminência da construção de um monumento em homenagem à Mãe Preta foi explorada comercialmente naquele momento, antes mesmo de o monumento ser entregue à cidade (fig. 5). O pintor brasileiro de ascendência italiana Vicente Caruso (1912-1986) 22 22 Oriundo de uma família de artistas, Vicente Caruso nasceu em 1912 em São Carlos e morreu em São Paulo em 1986. É autor de uma famosa representação de Cristo e nacionalizou o tema das pin-ups norte-americanas. aproveitou o ensejo para apresentar uma imagem reveladora do imaginário social compartilhado por negros e brancos sobre a mãe preta. Na cena ela é linda, jovem, sedutora e, apesar de representar uma situação de “maternidade transferida” (Gomes Costa 2002GOMES COSTA, Suely: (2002), “Proteção social, maternidade transferida e lutas pela saúde reprodutiva”. Revista de Estudos Feministas, n° 2: 301-323.:305; Segato 2006SEGATO, Rita Laura. (2006), “O Édipo brasileiro: a dupla negação de gênero e raça”. In: SÉRIE ANTROPOLOGIA, 400. Brasília.), é, na realidade, a verdadeira mãe dos brancos, como alguns articulistas da imprensa negra já alertavam desde a década de 1920, apelando para que esse fato histórico fosse reconhecido e valorizado. Passados quase cinco décadas dos primeiros elogios à Mãe Preta pela imprensa negra, é a mesma opinião que, curiosamente, reaparece em texto de Lélia Gonzales (1983GONZALES, Lélia. (1983), “Racismo e Sexismo na cultura brasileira”. Ciências Sociais Hoje. Rio de Janeiro: Dados, vol. 2.), para quem a Mãe Preta é mãe por que amamenta, dá banho, limpa cocô, põe para dormir, enquanto a branca é só a legitima esposa (Gonzales 1983:233). A complexa representação de Caruso, que mostra o amor entre a jovem mãe negra sorridente e a criança branca que a deseja, em certa medida é também uma personificação da democracia e harmonia racial em circulação na década de 1950. A mãe preta nesta imagem é, em síntese, uma valoração da escravidão negra que oculta, na beleza da composição plástica, a realidade da escravidão brasileira que submeteu a escrava negra à cruel servidão: a escravidão do amor (Deiab 2006DEIAB, Rafaela de Andrade. (2006), A mãe preta na literatura brasileira: a ambiguidade como construção social (1880-1950). São Paulo: Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, USP.:137).

Figura 5:
Página de calendário comemorativo do IV Centenário da cidade de São Paulo, 1954.

Em 13 de maio de 1969, em pleno governo militar, e talvez refletindo o ponto alto da associação entre a Mãe Negra, a religiosidade popular e a libertação da escravidão, mas também os usos da estátua para fins de propaganda política (Lopes 2007LOPES, Maria Aparecia de Oliveira. (2007b), “As representações sociais da mãe negra na cidade de São Paulo”. Patrimônio e Memória. UNESP - FCLAs - CEDAP, vol. 3, nº 2: 124-146.a:126), uma multidão de pessoas, predominantemente homens, se reuniu em torno da estátua, depositando flores aos seus pés (fig. 6).23 23 À época o prefeito da cidade era Faria Lima. Um ano antes, a General Eletric S.A “colaborou” com a prefeitura oferecendo o sistema de iluminação do monumento. Cf. Departamento de Patrimônio Histórico do Município de São Paulo. Pasta Mãe Preta 04A.003/STLP. Para o escritor e jornalista negro Oswaldo de Camargo, a partir da década de 1970, o monumento já não comportava mais o mesmo significado que teve para as gerações anteriores, quando era oficialmente celebrado o 28 de setembro e atraía até presidentes da República (Lopes 2007aLOPES, Maria Aparecia de Oliveira. (2007a), História e memória do negro em São Paulo: efemérides, símbolos e identidade (1945-1978). Assis: Tese de doutorado em História, Unesp.: 135-136). Apesar da adesão de alguns, em 1975, convidado para as celebrações, o presidente Ernesto Geisel não apenas “rejeitou secamente” o convite como “denunciou que a exaltação à mãe preta era uma discriminação racial. Ele acusou a Associação dos Homens de Cor que o havia convidado, de praticar racismo às avessas” (Lopes 2007a:126). Contudo, o símbolo da maternidade negra civilizadora atraia, acomodava, cada vez mais, adeptos de religiões afro-brasileiras e talvez um sem- número de devotos avulsos.

Figura 6:
Comemoração do 13 de maio em 1969 diante do monumento à Mãe Preta no Largo do Paissandu.

Proteger a Mãe Preta das “velas para os antepassados negros”

Restou lá o símbolo da mãe negra, que uma parte nem sabe o que representa mais. Acha até feio, maltratada, suja. E em torno do monumento anda cheio de mendigo, perdeu todo o charme, e eu duvido que um presidente da República, qualquer representante apareça lá, não significa mais nada. (Osvaldo de Camargo). 24 24 Fonte: Lopes (2007:134-135).

Lopes identifica processos de apropriação social do monumento à Mãe Preta por adeptos das religiões afro-brasileiras a partir dos anos 1960. De acordo com a autora, praticantes da Umbanda e do Candomblé ampliaram as possibilidades de uso devocional da estátua associando-a tanto ao 13 de Maio quanto ao 28 de setembro.25 25 É interessante registrar que a Umbanda passou por um processo de institucionalização na década de 1950 (Negrão 1996) ao passo que o Candomblé trazido do Nordeste estava se introduzindo na década de 1960 (Cf. Prandi 1991 [2021]; Silva 2022 [1995]). Em ambos os casos a ocasião das celebrações à Mãe Preta pode ter funcionado como uma oportunidade de publicização dos referidos ritos no sentido de recrutar novos adeptos. A autora afirma que “Na década de 1960, o Clube 220, auxiliado por alguns cultos de candomblé de São Paulo, começou a comemorar o Dia da Mãe Preta em 13 de maio, com festividades realizadas no local da estátua” (Lopes 2007a:126). Apesar da expressão “cultos de candomblé” necessitar correção para casas ou terreiros de candomblé, que parece mais preciso, fica evidente que a partir daí a estátua ganha novas camadas de sentido que aparecem nas oferendas depositadas a seus pés. Para Stumpf e Vellozo a estátua torna-se um “ícone devotivo capaz de integrar rituais sincréticos a quem se ofertam flores, velas, comidas (Stumpf & Vellozo 2018:185, grifo meu). Como se verá adiante, essas práticas provocarão o poder público a agir com vistas à preservação do monumento ao mesmo tempo que respeitando as crenças populares.

É importante assinalar que a atração de religiosos afro-brasileiros para um monumento da memória negra não é exclusividade da Mãe Preta. Outros monumentos exercem a mesma atração a exemplo da cabeça de Zumbi, na Praça Onze, no Rio de Janeiro (Soares 1999SOARES, Mariza de Carvalho. (1999), “Nos atalhos da memória - Monumento a Zumbi”. In: P. Knauss (org.). Cidade vaidosa: imagens urbanas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Sette Letras. ; Nei Lopes 2011LOPES, Nei. (2011), Enciclopédia da Diáspora africana. São Paulo: Selo Negro .:461; Conduru 2013CONDURU, Roberto. (2013), “Zumbido alegórico - o monumento no Rio de Janeiro e outras representações de Zumbi dos Palmares”. In: R. Conduru. Pérolas negras - primeiros fios: experiências artísticas e culturais nos fluxos entre África e Brasil. Rio de Janeiro: EdUERJ. ) ou mesmo o sítio histórico do Cais do Valongo. Neste último caso, como expressão de apropriação social do lugar de memória, religiosos começaram a realizar a lavagem do terreno (Vassallo & Cicalo, 2015VASSALLO, Simone & CICALO, André. (2015). “Por onde os africanos chegaram: O Cais do Valongo e a institucionalização da memória do tráfico negreiro na região portuária do Rio de Janeiro”. Horizontes Antropológicos, ano 21, nº 43: 239-271.:250, 256 e 257). No caso da Mãe Preta, embora tenha havido eventos coletivos religiosos organizados em torno da estátua, em algum momento isso parou de acontecer. O que hoje ocorre, ao contrário do que afirma Zélia L. da Silva (2018SILVA, Zélia Lopes da. (2018), “Identidades negras inscritas nas ruas de São Paulo no século XX”. Patrimônio e Memória , vol. 14, nº 2: 5-30.:25), para quem a Mãe Preta ainda é celebrada, é algo residual, individualizado e discreto, comprovado sobretudo com a questão da parafina, que é fonte dos problemas de conservação do monumento (fig. 7).

Figura 7:
Parafina escorrida da base do monumento até o chão e resíduos carboníferos.

Pelo modo como são descritos em alguns dos relatórios técnicos do Departamento de Patrimônio Histórico elaborados em 1984, 1988 e 1999, o problema do uso coletivo de velas e outras oferendas cresceu tanto que exigiu intervenções, como a construção de um velário, suporte para outras oferendas e a colocação de grades com o objetivo de proteger o monumento, seja de manifestações religiosas, seja de moradores de rua.

As tentativas de intervenção parecem ter se iniciado em novembro de 1984, ano em que a Mãe Preta foi cadastrada no DPH pela funcionária Cecília de Moura Leite Ribeiro. Foi só em 1986 que Ribeiro enviou um memorando ao gabinete do prefeito Jânio Quadros (1986-1988), que novamente estava à frente da prefeitura, recomendando, entre outras ações, limpar a base do pedestal de granito que sustenta a estátua e construir “um suporte para velas um pouco afastado da obra, para protegê-la”.26 26 Simultaneamente a essas preocupações, que redundariam no tombamento da obra apenas vinte anos depois, o escultor Júlio Guerra autoriza, em 1984, a implantação de uma cópia da obra nas mesmas dimensões no Largo de São Benedito, na cidade de Campinas, interior de São Paulo. Cf. Departamento de Patrimônio Histórico. Pasta Mãe Preta 04A.003.0/STLP. Quatro anos se passam e, em 1988, ano em que se celebrou e debateu o centenário da abolição da escravatura, Jânio Quadros, responsável por autorizar o concurso que entregou o monumento à cidade, exigiu que a Subprefeitura Regional da Sé construísse um “local para queima de velas, para proteger a obra”, pois a população tinha o “costume de acender velas em volta do monumento para os antepassados negros.”27 27 Fonte: Departamento de Patrimônio Histórico. Pasta Mãe Preta. 04A.003.0/STLP

Em 1999, a “Seção Laboratório de Restauro - Bens Culturais em Logradouros Públicos” realizou um diagnóstico acerca das condições de conservação da escultura. Seu estado geral de conservação foi considerado regular entre as noções técnicas de “excelente” e “péssimo”, mas encontraram os seguintes problemas:

A peça de bronze se encontra em melhor estado que o pedestal de granito, este apresentando desgastes na base e placas que descolaram em duas faces. Os rejuntes do pedestal necessitam novo restauro. São marcantes os sinais de resíduos carboníferos (fogueiras, velas) junto das laterais do pedestal. A escultura é lavada a cada 15 dias e na presente vistoria ela havia acabado de sofrer uma lavagem com jato de água. Mesmo assim algumas sujidades de pombos e (...) de terra dura continuam visíveis. O local é dedicado a oferendas religiosas de todo tipo, atividades que o gradil existente não tem conseguido conter. Foram construídos dois receptáculos para disposição das oferendas, ambos em estado precário. Alguns vazios no granito foram preenchidos com cimento e areia. A placa de bronze com a assinatura do autor encontra-se desbotada, sem dois parafusos (rosetas) de fixação.28 28 Fonte: Departamento de Patrimônio Histórico. Ficha de Vistoria/Diagnóstico do Estado de Conservação. Pasta Mãe Preta. 04A.003.0/STLP

Interessa destacar no texto acima alguns pontos, o primeiro deles é sobre o “novo restauro” indicador de que, em outras ocasiões, mesmo antes de ser tombado em 2004, o monumento recebeu cuidados técnicos. O segundo ponto é a referência a “oferendas religiosas de todo tipo”. Infelizmente a avaliação é genérica por não qualificar de quais tipos, o que me leva a pensar que se oferecia à imagem mais do que cigarros, flores, bilhetes em papel, vela, comida, e que a existência de um gradil, como indicado no texto, não era barreira de proteção suficiente frente à diversidade de coisas ali depositadas. Finalmente, sabemos que, em função do uso religioso intenso por praticantes de cultos afro-brasileiros e católicos, o poder público com razão criou “receptáculos” adequados para as oferendas, mas que naquela ocasião também estavam deteriorados. Atualmente essa intensidade do uso religioso da obra parece algo do passado, quando a estátua talvez lembrasse os cruzeiros localizados nos cemitérios públicos, para onde se dirige uma série de atividades religiosas sincréticas. A forma arquitetônica dos cruzeiros ajuda a regular o uso desse espaço importante para os adeptos das religiões afro-brasileiras de modo que suas práticas não se espalhem por todo o cemitério, todavia, essa delimitação não impede que outros locais também sejam utilizados.

Considerações finais ou uma santa aos pés da sagrada Mãe Preta

Figura 8:
Oferenda de imagem de gesso quebrada e prato branco aos pés da Mãe Preta.

O pedido do tombamento do monumento à Mãe Preta foi feito pelos membros da Irmandade do Rosário dos Homens Pretos que cuidavam da estátua como podiam, lavando-a, por exemplo à revelia da prefeitura.29 29 Lopes indica que o interesse da irmandade pela estátua ou pelas celebrações à Mãe Preta incomodava alguns de seus membros, como Mário Ribeiro Costa, que criticava a apropriação política da efeméride (Lopes 2007 a:110, 111 e 132). Em 2004, após o Conpresp reconhecer seu valor cultural para a cidade, o monumento foi tombado. Atualmente, é como se a obra não estivesse tombada, pois parece ter se dissolvido completamente qualquer forma de cuidado preservacionista prescrito pelo órgão público responsável.

Dentro do contexto de busca pela preservação do monumento, em 2001 a auxiliar de serviços Maria dos Santos Barbosa escreveu uma carta para o DPH, identificando-se não apenas como “membro da comunidade negra”, mas, “sobretudo como brasileira”. Maria solicitou, preocupada, que o órgão restaurasse a imagem do bebê branco no colo da estátua. Com o tempo, segundo diagnóstico pessoal da mulher, o bebê foi ficando com a “coloração negra”. Em sua opinião, “no decorrer do tempo aquela criança foi pintada de negro, contrariando a pintura original que era branca”. Se o bebê fosse negro “não se justificaria a homenagem à Mãe Negra”. Ela conclui: “É com este intuito que renovo o meu pedido para que se restaure a escultura, mantendo sua pintura original”.30 30 Fonte: Departamento de Patrimônio Histórico. Pasta Mãe Preta. 04A.003.0/STLP O pedido algo inusitado é revelador de como um objeto de arte pública, cuja pretensão é fazer lembrar um passado esquecido, pode ser interpretado por quem com ele convive e o utiliza. Merece destaque no pedido a ideia de que o bebê foi branco um dia e ficou negro, contrariando a história do Brasil. Embora a solicitação pareça absurda, pois não há registros de que, em algum momento o bebê tenha tido outra cor que não de bronze escuro, a preocupação de Maria liga-se, talvez, à tentativa de conter as próprias transformações de sentido que um monumento sofre. As recomendações desta petição revelam ainda que a memória pessoal de Maria reúne elementos reais - o filho branco da Mãe Preta da diáspora africana no Brasil -, mas também mistura e (re)cria uma cor imaginária. Talvez ela tenha feito uma analogia entre o menino Jesus no colo de São Benedito, cuja imagem se encontra no interior da Igreja dos Pretos com altar próprio, com a estátua da “santa” Mãe dos brancos, fora da igreja. Maria teria confundido o que está dentro com o que está fora? Não sabemos.

Com os novos usos religiosos afrocentrados, a Mãe Preta foi cada vez mais se configurando em um monumento ativo, disparador de devoção, esperança e crença espiritual. Quando foi entregue à cidade, os sentidos cívicos e religiosos estavam justapostos. Houve, inclusive, uma missa campal na entrega do monumento em 23 de janeiro de 1955. Naquela ocasião a mãe negra funcionava como uma figura integradora da nação e sua presença material juntava negros e brancos, autoridades políticas e religiosas e o povo crente na grandeza e no progresso de São Paulo. Espécie de santa fora da igreja, a devoção à estátua pode receber até imagens de santos oficiais como registrei em 2011. Agora, quando se aproximam os 20 anos de seu tombamento, falta nova ação efetiva do DPH para cuidar desse bem cultural, documento público da luta empreendida pelo meio negro paulistano para disputar o espaço da cidade com sua memória própria. Escrito em 1990, um relatório técnico do DPH concluiu: “acreditamos que teremos que conviver com este comportamento de crença e hábitos da população ainda por muito tempo” (grifo meu).31 31 Fonte: Departamento de Patrimônio Histórico. Mãe Preta. Pasta Doc. 04A.003.0/STLP

Bibliografia

  • ALBERTO, Paulina. (2017 [2011]), Termos de inclusão - intelectuais negros brasileiros no século XX Campinas, Editora UNICAMP.
  • ALMEIDA, Heloisa Buarque de. (1997), “Quando o Metro era um palácio: salas de cinema e modernização em São Paulo, Cadernos de Campo, Ano VI - nº 5 e 6: 87-116.
  • ANDREWS, George. (1998), Negros e brancos em São Paulo (1888-1998) São Paulo: EDUSC.
  • ASSMAN, Alleida. (2011), Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2011.
  • BASTIDE, Roger & FERNANDES, Florestan. (2008 [1955]), Brancos e negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre aspectos da formação, manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulistana São Paulo: Global
  • BISPO, Alexandre Araujo; BERTH, Joice & KAÇULA, Tadeu (2022). Margens de 22: Presenças Populares Catálogo da exposição. São Paulo: Sesc São Paulo.
  • BISPO, Alexandre Araujo. (2019), Percursos da memória e da integração social: o arquivo pessoal de Nery e Alice Rezende, Mulheres Negras em São Paulo - 1948-1967 São Paulo: Tese de doutorado em Antropologia Social, USP.
  • BISPO, Alexandre Araujo. (2011). “Mãe Preta: memórias e monumentos negros”. Revista Omenelick 2º Ato, s.p. Disponível em: Disponível em: http://www.omenelick2ato.com/historia-e-memoria/734 Acesso em 09/01/2024.
    » http://www.omenelick2ato.com/historia-e-memoria/734
  • CONDURU, Roberto. (2013), “Zumbido alegórico - o monumento no Rio de Janeiro e outras representações de Zumbi dos Palmares”. In: R. Conduru. Pérolas negras - primeiros fios: experiências artísticas e culturais nos fluxos entre África e Brasil Rio de Janeiro: EdUERJ.
  • DEIAB, Rafaela de Andrade. (2006), A mãe preta na literatura brasileira: a ambiguidade como construção social (1880-1950) São Paulo: Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, USP.
  • DOMINGUES, Petrônio. (2018), “Esta “magnânima volição”: a federação dos homens de cor”. História (São Paulo) vol. 37: 1-29.
  • DOMINGUES, Petrônio. (2016), “A aurora de um grande feito: a herma a Luiz Gama”. Anos 90, Porto Alegre, vol. 23, nº 43: 389-416.
  • FERRARA, Miriam Nicolau. (1986), A imprensa negra paulista (1915-1963) São Paulo: FFLCH/USP, Antropologia 13.
  • FREYRE, Gilberto. (2001 [1933]), Casa Grande & Senzala Rio de Janeiro: Editora Record.
  • GOMES COSTA, Suely: (2002), “Proteção social, maternidade transferida e lutas pela saúde reprodutiva”. Revista de Estudos Feministas, n° 2: 301-323.
  • GONZALES, Lélia. (1983), “Racismo e Sexismo na cultura brasileira”. Ciências Sociais Hoje Rio de Janeiro: Dados, vol. 2.
  • KOTSOUKOS, Sandra. (2012), “À vovó Vitorina, com afeto. Rio de Janeiro, cerca de 1870”. In: G. Xavier et al (orgs.). Mulheres negras no Brasil escravista e do Pós-emancipação São Paulo: Selo Negro.
  • LOFEGO, Silvio Luís. (2004), IV Centenário da cidade de São Paulo: a construção do passado e do futuro nas comemorações de 1954 São Paulo: Anablume.
  • LOPES, Maria Aparecia de Oliveira. (2007a), História e memória do negro em São Paulo: efemérides, símbolos e identidade (1945-1978). Assis: Tese de doutorado em História, Unesp.
  • LOPES, Maria Aparecia de Oliveira. (2007b), “As representações sociais da mãe negra na cidade de São Paulo”. Patrimônio e Memória UNESP - FCLAs - CEDAP, vol. 3, nº 2: 124-146.
  • LOPES, Nei. (2011), Enciclopédia da Diáspora africana São Paulo: Selo Negro .
  • MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo & ARIZA, Marília Bueno de Araújo. (2018), “Escravas e libertas na cidade: experiências de trabalho, maternidade e emancipação na cidade de São Paulo (1870-1888)”. In: A. Barone & F. Rios (orgs.). Negros nas cidades brasileiras (1850-1950) São Paulo: Intermeios; Fapesp.
  • MACHADO, Maria Helena Pereira Toledo. (2012), “Entre dois Beneditos: histórias de amas de leite no ocaso da escravidão”. In: G. Xavier et al (orgs.). Mulheres negras no Brasil escravista e do Pós-emancipação . São Paulo: Selo Negro .
  • MOURA, Clóvis & FERRARA, Miriam Nicolau. (2002), Imprensa Negra. Estudo crítico de Clóvis Moura. Legendas de Miriam N. Ferrara Edição Fac-Similar. São Paulo: Imprensa Oficial de São Paulo, Sindicato dos Jornalistas de São Paulo.
  • MUAZE, Mariana. (2019), “Da Ama de Leite à Mãe Preta: Arte, Literatura, História e Memória”. In: M. C. Batalha & V. M. da Rocha (orgs.). Vozes em Diálogo: Literatura, História e Pós-colonialidade. Rio de Janeiro: Dialogarts,
  • NEGRÃO, Lísias Nogueira. (1996), Entre a cruz e a encruzilhada: formação e campo umbandista em São Paulo São Paulo: EDUSP.
  • NORA, Pierre. (2012), “Entre memória e história: a problemática dos lugares”. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós- Graduados de História, vol. 10. Disponível em: Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/12101 Acesso em: 23 de novembro de 2023.
    » https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/12101
  • PADILHA, Márcia. (2001), A cidade como espetáculo: publicidade e vida urbana na São Paulo dos anos 20 São Paulo: Annablume.
  • PEREIRA, Edilson. (No prelo), “Da escravidão à liberdade: a imagem de Anastácia entre arte contemporânea, política e religião”.
  • PEREIRA, João Baptista Borges. (2001), Cor, profissão e mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.
  • PRANDI, Reginaldo. (2022 [1991]), Os Candomblés de São Paulo: a velha magia na metrópole São Paulo: Nova Editora HUCITEC, Editora da Universidade de São Paulo.
  • QUERINO, Raimundo. (2000 [1954]) “O africano como colonizador”. In: Negro de Corpo e Alma. AGUILAR. N. (org.). Fundação Bienal de São Paulo. São Paulo: Associação Brasil 500 Anos Artes Visuais.
  • QUINTAS, Georgia. (2009), “Amas-de-leite e suas representações visuais: símbolos socioculturais e narrativos da vida privada do Nordeste patriarcal-escravocrata na imagem fotográfica”. RBSE - Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, vol. 8, nº22: 11-44.
  • RIBEIRO, Fábia Barbosa. (2016), “Vivências negras na cidade de São Paulo: entre territórios de exclusão e sociabilidade”. Projeto História, São Paulo, nº 57: 108-138.
  • ROLNIK, Raquel. (1989), “Territórios negros nas cidades brasileiras (Etnicidade e cidade em São Paulo e no Rio de Janeiro), Estudos Afro-Asiáticos, nº 17, p.p. 29-41, Rio de Janeiro.
  • ROSA, Alexandre Juliete et al. (2008), “Cinemas pornôs da cidade de São Paulo”. Ponto Urbe Revista do núcleo de antropologia urbana da USP, nº 3: 1-11.
  • SANTOS, Fabricio Forganes dos. (2022), As três igrejas dos Homens Pretos de São Paulo de Piratininga São Paulo: Museu de Arte Sacra.
  • SEGATO, Rita Laura. (2006), “O Édipo brasileiro: a dupla negação de gênero e raça”. In: SÉRIE ANTROPOLOGIA, 400. Brasília.
  • SLENES, Robert. (1992), “Malungu, Ngoma vem! A África coberta e descoberta no Brasil”. Revista USP, nº 12: 48-67.
  • SEVCENKO, Nicolau. (2000 [1992]), Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20 São Paulo: Companhia das Letras.
  • LEITE, José Correia & SILVA, José (CUTI). (1992), ... E disse o velho militante José Correia Leite São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura.
  • SILVA, Mario Augusto da. (2013), A descoberta do insólito: literatura negra e literatura periférica no Brasil (1960-2000) Rio de Janeiro, Aeroplano.
  • SILVA, Vagner Gonçalves da. (2022 [1995]), Orixás da Metrópole Petrópolis: Vozes.
  • SILVA, Zélia Lopes da. (2018), “Identidades negras inscritas nas ruas de São Paulo no século XX”. Patrimônio e Memória , vol. 14, nº 2: 5-30.
  • SIMÕES, Inimá Ferreira. (1990), Salas de cinema de São Paulo. Pesquisa realizada pela Equipe Técnica de Cinema, da Divisão de Pesquisa do Centro Cultural São Paulo. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura /Secretaria de Estado da Cultura.
  • SOARES, Mariza de Carvalho. (1999), “Nos atalhos da memória - Monumento a Zumbi”. In: P. Knauss (org.). Cidade vaidosa: imagens urbanas do Rio de Janeiro Rio de Janeiro: Sette Letras.
  • STUMPF, Lucia Klück & VELLOZO, Júlio César de Oliveira. (2018), “‘Um retumbante Orfeu de Carapinha’ no centro de São Paulo: a luta pela construção do monumento a Luiz Gama”. Estudos Avançados, vol. 32, nº 92: 167-191.
  • THORNTON, John. (2004), A África e os africanos na formação do mundo atlântico (1400-1800) São Paulo: Campus/ Editora Elsevier.
  • VASSALLO, Simone & CICALO, André. (2015). “Por onde os africanos chegaram: O Cais do Valongo e a institucionalização da memória do tráfico negreiro na região portuária do Rio de Janeiro”. Horizontes Antropológicos, ano 21, nº 43: 239-271.
  • WALDMAN, Thaís Chang & MACIEL, Diogo Barbosa. (2021), “A “febre estatuária” de São Paulo: os monumentos a Carlos Gomes e a Giuseppe Verdi”. In: F. A. Peixoto et al (orgs.). Artes, Saberes e Antropologia Goiânia: Cegraf UFG.
  • WALDMAN, Thaís Chang. (2018), Entre batismos e degolas: (des)caminhos bandeirantes em São Paulo São Paulo: Tese de doutorado em Antropologia Social, USP.
  • WICEMBACH. Maria Cristina Cortez. (2018), Práticas religiosas, errância e vida cotidiana no Brasil (finais do século XIX e inícios do XX) São Paulo: Intermeios.
  • Arquivo Municipal de São Paulo - Fundo IV Centenário.
  • Departamento de Patrimônio Histórico - DPH - Pasta Mãe Preta.
  • Coleção Nery Rezende - Museu Paulista da USP.
  • Acervo Imprensa Negra USP.
  • Alvorada, 28 set. 1946.
  • Alvorada , set. 1947
  • Correio Paulistano, 22 jan. 1955
  • O Clarim d’Alvorada , 13 mai. 1927
  • O Clarim d’Alvorada , 27 de jul. 1927.
  • O Progresso, 19 ago. 1928.
  • 1
    Uma sintética biografia do autor, bem como a transcrição do poema completo estão disponíveis em ANTONIO MIRANDA. (s.d.), “Ciro Costa”. Antonio Miranda. Poesias dos Brasil. Disponível em: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/sao_paulo/ciro_costa.html. Acesso em 12/06/2023.
  • 2
    Júlio Guerra foi um escultor paulistano que nasceu em Santo Amaro, quando esta localidade era ainda separada da capital paulista em 1912. Formou-se na Escola de Belas Artes de São Paulo em meados da década de 1930 e, na década de 1940, foi assistente de Victor Brecheret. É autor de uma série de obras conhecidas na cidade entre as quais a polêmica estátua do Borba Gato de 1963. Morreu em Santo Amaro em 2001.
  • 3
    Trata-se de um comércio que se desloca em função da presença repressiva da polícia que, quando chega, dispersa a aglomeração e confisca aquilo que tem valor aparente, como os celulares. Nesse tipo de comércio podem ser encontradas, entre outros, velhas fotografias, baralhos eróticos, objetos decorativos e utensílios domésticos.
  • 4
    Cf. O Clarim d’Alvorada, 27 de Julho de 1927O Clarim d’Alvorada , 27 de jul. 1927.. Disponível em: https://biton.uspnet.usp.br/imprensanegra/index.php/o-clarim-da-alvorada/o-clarim-da-alvorada-17071927/ Consultado em 23 de outubro de 2023.
  • 5
    Somente em 2016, a capital paulista erigiu um monumento em homenagem ao líder de Palmares. O artista Jofe (José Maria dos Santos) ganhou o concurso para a realização da estátua instalada na frente da Bolsa de Mercadorias e Futuros onde existiu a antiga igreja do Rosário dos Homens Pretos relativamente próximo ao largo do Paissandu.
  • 6
    Citado por Silva (2013:263).
  • 7
    Atualmente o artista é mais conhecido por ter feito, na década de 1960, o monumento ao Borba Gato. Essa escultura polêmica é alvo de questionamentos por parte de diferentes grupos sociais desde o momento em que a estátua foi construída em 1963 (Waldman 2018WALDMAN, Thaís Chang. (2018), Entre batismos e degolas: (des)caminhos bandeirantes em São Paulo. São Paulo: Tese de doutorado em Antropologia Social, USP.).
  • 8
    Fonte: Fundo IV Centenário do Arquivo Municipal de São PauloArquivo Municipal de São Paulo - Fundo IV Centenário.. São Paulo, 30 de dezembro de 1954. Caixa 59 - Processo nº4740-54 Fls 16.
  • 9
    O clube estava sediado no Edifício América (hoje edifício Martinelli) à rua São Bento, 405 - 17ºandar sala 1725. Cf. Fundo IV Centenário. Arquivo Municipal de São Paulo, Caixa 59-Processo nº4740-54.
  • 10
    O poeta era um velho conhecido do meio negro paulista. Em 1917, o escritor recitou seu poema “Pai João” no salão da Federação dos Homens de Cor, foi bastante aplaudido e, algum tempo depois, lhe foi oferecido um banquete. Cf. Domingues (2018:5).
  • 11
    Fonte: Fundo IV Centenário do Arquivo Municipal de São Paulo. São Paulo, 30 de dezembro de 1954. Caixa 59-Processo nº4740-54 Fls 16.
  • 12
    A obra só foi cadastrada pelo Departamento de Patrimônio Histórico em 1984. Cf Mãe Preta - Pasta 04A.003/STLPDepartamento de Patrimônio Histórico - DPH - Pasta Mãe Preta.
  • 13
    Fonte: Fundo IV Centenário do Arquivo Municipal de São Paulo. Caixa 59-Processo 47040-54, Fls 16.
  • 14
    Cf. Carta assinada por Frederico Penteado Júnior, presidente do Clube 220, endereçada a Guilherme de Almeida, presidente da Comissão do IV Centenário. Fundo IV Centenário do Arquivo Municipal de São Paulo. São Paulo, 30 de dezembro de 1954. Caixa 59-Processo nº4740-54 Fls 16.
  • 15
    Esse interesse pelo tema da maternidade negra não é exclusivo do meio negro letrado. Entre 1910 e 1950 artistas visuais brancos e negros interessam-se pelo assunto, entre os quais em ordem cronológica Lucílio Albuquerque, 1912; o fotógrafo italiano Vincenzo Pastore, década de 1910; Lasar Segall e Tarsila do Amaral nos anos 1920; Portinari, Benedito José Tobias, Lucy Citi Ferreira na década de 1930; Di Cavalcanti, Pedro Bruno, Wilson Tibério nos anos 1940 e Enrico Caruso na década de 1950. Uma pequena mostra de algumas dessas imagens pode ser encontrada em Bispo, Berth & Kaçula (2022BISPO, Alexandre Araujo; BERTH, Joice & KAÇULA, Tadeu (2022). Margens de 22: Presenças Populares. Catálogo da exposição. São Paulo: Sesc São Paulo.:66-73). Entre os anos 1970 e 2023 diferentes artistas contemporâneos tem retomado o tema da mãe preta entre os quais Maria Auxiliadora da Silva, Rosana Paulino, Renata Felinto, Eliana Amorim, Ana Musidora, Alexandre Ignácio Alvez, Soberana Ziza, Elson Júnior, Sidney Amaral, Walter Firmo, Tiago Santana, Lucimélia Romão, Thiago Gualberto, Robinho Santana, Alexandre Alexandrino, Aline Motta, Isabel Löfgren & Patricia Gouvêa entre outros.
  • 16
    Fonte: Progresso, 19/08/1928. Disponível em: http://biton.uspnet.usp.br/imprensanegra/index.php/progresso/progresso-19081928/. Acesso em: 04 de novembro de 2023
  • 17
    Fonte: Alvorada, 28 set. 1946Alvorada, 28 set. 1946..
  • 18
    Escultor brasileiro de ascendência italiana. Nasceu em Atibaia em 1901. Estudou no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Autor, entre outras obras, da herma de Luiz Gama. Morreu em 1968. Fonte: WIKIPÉDIA (s.d.), “Yolando Mallozzi”. Wikipédia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Yolando_Mallozzi. Acesso em 18/10/2023
  • 19
    Pelo menos desde 2004, o Museu Afro Brasil Emanoel Araújo em São Paulo tem uma cópia assinada da maquete. Recentemente encontrei na internet um site de leilões que também oferecia cópias da peça e, finalmente, soube de uma cópia na coleção particular de José Neinstein, no estado da Virgínia, Estados Unidos.
  • 20
    Cf. Departamento de Patrimônio Histórico de São Paulo. Pasta Mãe Negra.
  • 21
    Correio Paulistano, 22 de janeiro de 1955Correio Paulistano, 22 jan. 1955. Departamento de Patrimônio Histórico. Pasta Mãe Preta 04A.003/STLP.
  • 22
    Oriundo de uma família de artistas, Vicente Caruso nasceu em 1912 em São Carlos e morreu em São Paulo em 1986. É autor de uma famosa representação de Cristo e nacionalizou o tema das pin-ups norte-americanas.
  • 23
    À época o prefeito da cidade era Faria Lima. Um ano antes, a General Eletric S.A “colaborou” com a prefeitura oferecendo o sistema de iluminação do monumento. Cf. Departamento de Patrimônio Histórico do Município de São Paulo. Pasta Mãe Preta 04A.003/STLP.
  • 24
    Fonte: Lopes (2007:134-135).
  • 25
    É interessante registrar que a Umbanda passou por um processo de institucionalização na década de 1950 (Negrão 1996NEGRÃO, Lísias Nogueira. (1996), Entre a cruz e a encruzilhada: formação e campo umbandista em São Paulo. São Paulo: EDUSP.) ao passo que o Candomblé trazido do Nordeste estava se introduzindo na década de 1960 (Cf. Prandi 1991 [2021]PRANDI, Reginaldo. (2022 [1991]), Os Candomblés de São Paulo: a velha magia na metrópole. São Paulo: Nova Editora HUCITEC, Editora da Universidade de São Paulo.; Silva 2022 [1995]SILVA, Vagner Gonçalves da. (2022 [1995]), Orixás da Metrópole. Petrópolis: Vozes.). Em ambos os casos a ocasião das celebrações à Mãe Preta pode ter funcionado como uma oportunidade de publicização dos referidos ritos no sentido de recrutar novos adeptos.
  • 26
    Simultaneamente a essas preocupações, que redundariam no tombamento da obra apenas vinte anos depois, o escultor Júlio Guerra autoriza, em 1984, a implantação de uma cópia da obra nas mesmas dimensões no Largo de São Benedito, na cidade de Campinas, interior de São Paulo. Cf. Departamento de Patrimônio Histórico. Pasta Mãe Preta 04A.003.0/STLP.
  • 27
    Fonte: Departamento de Patrimônio Histórico. Pasta Mãe Preta. 04A.003.0/STLP
  • 28
    Fonte: Departamento de Patrimônio Histórico. Ficha de Vistoria/Diagnóstico do Estado de Conservação. Pasta Mãe Preta. 04A.003.0/STLP
  • 29
    Lopes indica que o interesse da irmandade pela estátua ou pelas celebrações à Mãe Preta incomodava alguns de seus membros, como Mário Ribeiro Costa, que criticava a apropriação política da efeméride (Lopes 2007 a:110, 111 e 132).
  • 30
    Fonte: Departamento de Patrimônio Histórico. Pasta Mãe Preta. 04A.003.0/STLP
  • 31
    Fonte: Departamento de Patrimônio Histórico. Mãe Preta. Pasta Doc. 04A.003.0/STLP

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    17 Jul 2023
  • Aceito
    05 Dez 2023
Instituto de Estudos da Religião ISER - Av. Presidente Vargas, 502 / 16º andar – Centro., CEP 20071-000 Rio de Janeiro / RJ, Tel: (21) 2558-3764 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: religiaoesociedade@iser.org.br