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“Em nome de Deus”: hipóteses sobre o fenômeno da iconoclastia religiosa no Brasil contemporâneo

“In the name of God”: hypotheses about the characteristics of religious iconoclasm in contemporary Brazil

Resumos

O artigo procura apresentar um panorama do fenômeno da iconoclastia religiosa no Brasil contemporâneo, bem como subsídios para seu entendimento. As reflexões propostas baseiam-se majoritariamente em fontes como notícias publicadas na imprensa e na bibliografia sobre a iconoclastia ligada às artes. A partir disso, discutimos ataques iconoclastas contra símbolos da fé católica, bem como a mais antiga onda iconoclasta que visa a imagens sacras, monumentos e locais de culto afro-brasileiros. Ao final, procuramos elencar hipóteses a respeito das motivações que estariam por trás destes atos que atentam contra o direito constitucional de liberdade religiosa no Brasil.

Palavras-chave:
Iconoclastia; Imagens sacras; Catolicismo; Religiões afro-brasileiras; Intolerância religiosa


The paper proposes a survey of the phenomenon of religious iconoclasm in contemporary Brazil, as well as subsidies for its understanding. Our reflections are based mostly on sources such as news published in the press, and on the bibliography on iconoclasm related to the visual arts. Based on these references, we discuss iconoclastic attacks against symbols of Catholic faith, as well as the oldest iconoclastic wave targeting Afro-Brazilian sacred images, monuments, and places of worship. We finish the paper presenting some hypotheses about the motivations behind these iconoclastic acts, which directly confront the constitutional right to religious freedom in Brazil.

Keywords:
Iconoclasm; Sacred images; Catholicism; Afro-Brazilian religions; Religious intolerance.


O cenário é de destruição: em um breve período, várias igrejas foram invadidas, depredadas, saqueadas e tiveram seus objetos de culto destruídos, chamando a atenção de clérigos, governantes e da população em geral. Poderíamos estar descrevendo o cenário dos ataques iconoclastas ocorridos na Europa do século XVI, durante o cisma que dividiu o Cristianismo entre católicos e protestantes. Estamos, porém, nos referindo ao estado brasileiro de Alagoas nos dias atuais. Desde o segundo semestre de 2022, testemunha-se um aumento significativo de ataques a igrejas católicas nesse estado. Segundo os dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, 32 casos de violações motivadas por razões religiosas foram registrados em Alagoas somente no ano de 2022 (Tribuna Hoje 2023TRIBUNA HOJE. (2023), “Em menos de 24 horas, Maceió registra mais um vandalismo contra igreja católica”. Tribuna Hoje , 24 mar. 2023. Disponível em: Disponível em: https://tribunahoje.com/noticias/cidades/2023/03/24/118201-em-menos-de-24-horas-maceio-registra-mais-um-vandalismo-contra-igreja-catolica Acesso em: 20/04/2023.
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). Essas violações parecem ter culminado no cenário de destruição intensa verificado entre os meses de fevereiro e março de 2023. No que diz respeito aos impactos que esses ataques causaram na arte sacra católica da região, destacamos a destruição de imagens como as de Padre Cícero e da Imaculada Conceição, que ficavam na fachada da Igreja Matriz de São José, no bairro do Trapiche da Barra, em Maceió (Bezerra 2023BEZERRA, Jamylle. (2023), “Vândalos destroem imagens sacras de igreja em Maceió”. Gazeta Web, 06 mar. 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.gazetaweb.com/noticias/maceio/vandalos-destroem-imagens-sacras-de-igreja-em-maceio/ Acesso em: 20/04/2023.
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), bem como de uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, que foi quebrada em uma capela em devoção à santa, no bairro de Fernão Velho, também em Maceió (Maia 2023MAIA, Lucas. (2023), “Alagoas registrou quatro casos de intolerância religiosa em dois meses”. Tribuna Hoje, 23 mar. 2023. Disponível em: Disponível em: https://tribunahoje.com/noticias/cidades/2023/03/23/118127-alagoas-registrou-quatro-casos-de-intolerancia-religiosa-em-dois-meses Acesso em: 20/04/2023.
https://tribunahoje.com/noticias/cidades...
).

O que os recentes eventos ocorridos em Alagoas podem nos dizer sobre a expansão e as transformações do fenômeno da iconoclastia religiosa no Brasil contemporâneo? Sabemos, por exemplo, que o Brasil foi marcado historicamente por uma realidade de racismo e intolerância religiosa que, com frequência, motivou ataques direcionados a imagens, monumentos e locais de culto das chamadas religiões afro-brasileiras. Nos últimos anos, porém, testemunha-se não só a reiteração e mesmo o aumento dos ataques a essas denominações religiosas historicamente discriminadas, mas também um incremento significativo dos ataques direcionados a igrejas e imagens ligadas ao Catolicismo, religião ainda hegemônica no país.

O presente artigo procura apresentar um quadro geral da iconoclastia religiosa no Brasil contemporâneo, bem como subsídios para seu entendimento. Na história das artes e do patrimônio, a iconoclastia - termo derivado do grego εικών (transl. eikon, “ícone”) e κλαστειν, (transl. klastein, “quebrar”) - é um fenômeno relativamente bem estudado, especialmente com relação aos contextos do Império Romano sediado na antiga Constantinopla (comumente referido como “Bizantino”), e da Europa Ocidental moderna e contemporânea (Warnke 1973WARNKE, Martin (ed.). (1973), Bildersturm. Die Zerstörung des Kunstwerks. München: Carl Hanser Verlag.; Bredekamp 1975BREDEKAMP, Horst. (1975), Kunst als Medium sozialer Konflikte. Bilderkämpfe von der Spätantike bis zur Hussitenrevolution. Frankfurt: Suhrkamp.; Freedberg 1989FREEDBERG, David. (1989), The Power of Images. Studies in the History and Theory of Response. Chicago; London: University of Chicago Press.; Gamboni 1997GAMBONI, Dario. (1997), The Destruction of Art. Iconoclasm and Vandalism since the French Revolution. London; New Haven: Reaktion Books.; Latour & Weibel 2002LATOUR, Bruno & WEIBEL, Peter (ed.). (2002), Iconoclash. Beyond the Image Wars in Science, Religion, and Art. Karlsruhe; Cambridge; London: MIT Press.; Mcclanan & Johnson 2006MCCLANAN, Anne L. & JOHNSON, Jeffiey (ed.). (2006), Negating the Image. Case Studies in Iconoclasm. Williston: Routledge.; Gamboni 2011GAMBONI, Dario. (2011), “Bildersturm”. In: U. Fleckner , M. Warnke & H. Ziegler (ed.). Handbuch der politischen Ikonographie. Munich: C. H. Beck.). Acreditamos, porém, que os entendimentos formulados para a iconoclastia no chamado Velho Mundo nos permitem compreender apenas parcialmente sua versão religiosa no Brasil dos dias atuais: aqui e agora, o fenômeno se encontra estreitamente entrelaçado a desdobramentos históricos específicos, que atualizam processos de longa duração - como o colonialismo e o racismo, que estruturam a sociedade brasileira -, e a desenvolvimentos políticos mais recentes - em especial, a afirmação de tendências autoritárias, que encontram grande difusão em determinadas igrejas e denominações cristãs francamente hostis às imagens.

Procurando demonstrar tal tese, o artigo se divide em três momentos principais. Primeiramente, recenseamos uma série de ataques iconoclastas contra símbolos da fé católica; em seguida, discutimos a mais antiga onda iconoclasta que visa a imagens sacras, monumentos e locais de culto afro-brasileiros; por fim, enumeramos aquelas que julgamos serem as principais motivações que estão por trás dos atos iconoclastas discutidos.

Entendemos as obras tratadas nesse artigo como objetos multifuncionais - ou seja, como peças que são, ao mesmo tempo, religiosas, artísticas e utilitárias. Apesar do conceito de “imagem-objeto,” proposto pelo medievalista Jérome Baschet, ter sido cunhado para analisar imagens cristãs na Europa medieval, julgamos legítimo utilizá-lo para entender melhor as funções de outros modelos de imagens. Baschet frisa o “alto grau de funcionalidade” das imagens cristãs medievais, assim como de “toda arte que se inscreve em um universo essencialmente religioso” (Baschet 1996BASCHET, Jérôme. (1996), “Introduction: L'Image-Objet”. In: J.-C. Schmitt & J. Baschet. L'image. Fonctions et usages des images dans l'Occident médiéval. Paris: Le Léopard d'Or.:08). É nesse sentido que compreendemos as obras aqui citadas: como imagens estéticas e funcionais que ganham sentido a partir de seus diversos usos em práticas religiosas e sociais. Cremos que nossa discussão pode, dessa maneira, indicar uma forma específica de lidar com as imagens religiosas e dialogar - de maneira tensionada - com os demais artigos do dossiê “Religiões e (contra)monumentos”, que ocupa as atuais páginas de Religião & Sociedade.

Iconoclastia contra imagens católicas

O episódio conhecido como “Chute na Santa” [Figura 1] pode ser considerado como inaugural no que diz respeito ao crescente fenômeno de destruição de imagens católicas por representantes de outras denominações cristãs no Brasil contemporâneo. Usualmente, essas denominações são agrupadas sob o rótulo genérico de “evangélicas”, que aqui vamos utilizar sempre entre aspas. Essa cautela é necessária porque, segundo o Censo de 2010, o termo “evangélico” pode designar, no Brasil, mais de 20 denominações religiosas diferentes: adventista, batista, luterana, presbiteriana, etc. (IBGE 2010). A maioria destas não parece estar conectada diretamente aos atos iconoclastas que discutiremos, sendo, portanto, necessário identificar, da maneira mais precisa possível, a denominação e/ou igreja envolvida em cada caso discutido.

No dia 12 de outubro de 1995, no programa "O Despertar da Fé", transmitido pela rede de televisão RecordTV, o então pastor da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) Sérgio Von Helder atacou, ao vivo, uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. Nas imagens em vídeo, vemos Von Helder desferir chutes em uma estátua representando a santa, enquanto proferia uma série de ofensas no que diz respeito à sua suposta inutilidade, além de criticar o valor econômico envolvido na comercialização de imagens católicas. Dentre outras coisas, Von Helder dizia:

[...] nós estamos mostrando às pessoas que isso aqui não funciona, isso aqui não é santo coisa nenhuma [...] 500 reais - 5 salários-mínimos - custa no supermercado essa imagem, e tem gente que compra! Agora, se você quiser uma santa mais barata, você encontra até por 100 [...]. Será que Deus, o Criador do universo, pode ser comparado a um boneco desse, tão feio, tão horrível, tão desgraçado? (Alessandro R. Andrade 2016ALESSANDRO R. ANDRADE. (2016), “DIA 12/10/1995 o Chute na santa - um chute no estomago”. YouTube, 12 out. 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QiNJ8mQU6g8&t=60s Acesso em: 25/04/2023.
https://www.youtube.com/watch?v=QiNJ8mQU...
).

Figura 1
O “Chute na Santa”, fotograma do programa "O Despertar da Fé", 12 out. 1995.

Esse ataque a uma imagem representativa do Catolicismo causou grande repercussão midiática, a instauração de um processo criminal e a transferência do pastor para os Estados Unidos (UOL 2022UOL(2022), “BISPO que chutou Nossa Senhora em 1995 hoje ataca Lula e acusa o STF”. UOL, 12 out. 2022. Disponível em: Disponível em: https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/10/12/com-acusacoes-ao-tse-bispo-que-chutou-nossa-senhora-ataca-lula-nas-redes.htm Acesso em: 25/04/2023.
https://noticias.uol.com.br/eleicoes/202...
).

Em certa medida, a ação de Von Helder tinha precedentes em um modelo de performance iconoclasta que foi comum durante o cisma que, na Europa do século XVI, dividiu a Igreja Cristã entre o Catolicismo e algumas vertentes do chamado Protestantismo. Questões teológicas como o debate sobre a transubstanciação, questionamentos sobre o celibato eclesiástico, a condenação da venda de indulgências e do culto às imagens, somadas a questões políticas e econômicas, tornaram o ambiente favorável para uma divisão no seio do Cristianismo e a criação do Protestantismo (Delumeau 1989DELUMEAU, Jean. (1989), Nascimento e afirmação da Reforma. São Paulo: Ed. Pioneira. ; Lindberg 2002LINDBERG, Carter. (2002), As Reformas na Europa. São Leopoldo/RS: Ed. Sinodal.; MacCulloch 2003MACCULLOCH, Diarmaid. (2003), The Reformation: A History. New York: Penguin). Figura de grande destaque nesse processo foi Martinho Lutero que, em 1517, afixou suas “95 teses” na porta da Abadia de Wittenberg, na Alemanha - um documento frequentemente citado como deflagrador dos movimentos reformistas.

Assim como Von Helder séculos mais tarde, Lutero criticava a chamada “idolatria” - ou seja, a veneração supersticiosa de imagens - e condenava o alto custo da decoração das igrejas católicas. No entanto, no que diz respeito à produção propriamente dita de imagens, Lutero se mostrava tolerante: ele reconhecia o poder pedagógico da arte e permitia em suas igrejas pinturas de conhecidas passagens bíblicas que tinham o objetivo didático de facilitar o acesso dos fiéis às escrituras sagradas. Além disso, ele nunca estimulou a iconoclastia, tendo, inclusive, se posicionado contra os ataques ocorridos em Wittenberg no ano de 1522, quando estava exilado.

O surto iconoclasta de 1522 foi um movimento majoritariamente espontâneo e popular, mas, em certa medida, também foi estimulado pelo teor dos sermões e do tratado sobre a necessidade de remoção das imagens feitos por Andreas Karstadt, teólogo responsável por conduzir as reformas em Wittenberg durante o exílio de Lutero. Como lembra Sergiusz Michalski (1993MICHALSKI, Sergiusz. (1993), The Reformation and the Visual Arts. The Protestant image question in Western and Eastern Europe. Londres; Nova York: Routledge.:17):

Os eventos iconoclastas na paroquia de Wittenberg foram atos espontâneos da população, e apesar da rápida intervenção das autoridades da cidade, vários excessos foram cometidos. Tudo aconteceu com “tumulto e violência”. Por isso, a condenação de Lutero foi categórica: acontecimentos desse tipo perturbam a ordem da comunidade dos fiéis: “Eu declaro que vocês erraram… já que essas ações não foram feitas corretamente. Vocês irão dizer que foi consistente com a Bíblia, e eu concordo com isso, mas onde está a ordem? Pois isso foi feito de forma criminosa, totalmente sem ordem, ofendendo ao próximo”.

Foi sobretudo sob a égide do chamado Calvinismo que os ataques iconoclastas atingiram grandes proporções em regiões das atuais França, Bélgica e Holanda, culminando, em 1566, no evento conhecido como “Beeldenstorm” - termo que podemos traduzir literalmente como “chuva de estátuas” [Figura 2]. Calvino se opunha à criação de imagens de Deus e das coisas sagradas, baseando-se na interdição veterotestamentária do Segundo Mandamento, que analisaremos mais adiante. Além disso, assim como outros reformadores, ele denunciava o modelo de culto supersticioso geralmente dedicado às imagens católicas e as licenças tomadas pelos artistas nas representações sacras. Nas palavras do próprio Calvino (2004CALVINO, João. (2004), “Porque não é lícito atribuir a Deus qualquer figura visível”. In: J. Lichtenstein (ed.). A Pintura: Textos essenciais, vol. 2: A teologia da imagem e o estatuto da pintura. São Paulo: Ed. 34.:58):

Segundo a Escritura [...] Deus se opõe aos ídolos [...] Deus basta a si mesmo. Entretanto, como uma brutal estupidez leva as gentes a desejar imagens visíveis para figurar Deus e eles de fato são feitas - de madeira, pedra, ouro, prata ou qualquer matéria corruptível -, devemos adotar esta máxima: todas e quantas vezes se representa Deus numa imagem, corrompe-se a sua glória com falsidade e mesquinhez.

Figura 2
Frans Holgenberg (1535-1590), Beeldenstorm, 1566. Gravura em metal.

De modo geral, após a Reforma Protestante, a produção da arte sacra e o culto às imagens tornaram-se proibidos nas regiões europeias protestantes, respaldados por um modelo de pensamento teórico que, por vezes, estimulou ações práticas de iconoclastia. Das “95 teses” de Lutero até a contemporaneidade, o que entendemos por Protestantismo passou por transformações e se desenvolveu ao redor do globo através de muitíssimas vertentes e denominações diferentes. Ainda assim, um dos elos que interliga a maioria das denominações protestantes segue sendo a recusa do culto às imagens. Essa recusa aparece contemporaneamente como uma espécie de sombra que, como observamos através do caso do “Chute na Santa” e dos recentes eventos em Alagoas, atua como uma primeira motivação para a destruição das imagens cultuadas por outras religiões.

Apesar de não estarmos propriamente diante de uma “chuva de estátuas” como no norte europeu do século XVI, uma rápida pesquisa em plataformas de busca online como o Google nos dá indícios de que ataques às imagens católicas vem aumentando no Brasil, ao menos desde 2014. Alguns dos casos de iconoclastia verificados nesta última década podem servir de exemplo para desvendarmos a pertença religiosa de parcela desses novos iconoclastas e suas motivações.

Em junho de 2014, por exemplo, um jovem de dezoito anos invadiu a Igreja Matriz de Nossa Senhora e São José, na cidade mineira de Montes Claros, destruiu sete imagens e, após o ocorrido, se abrigou em uma sede da IURD, onde foi encontrado pela polícia (Caetano 2014CAETANO, Carolina. (2014), “Intolerância em Montes Claros. Jovem invade igreja católica e destrói imagens de santos em Minas”. O Tempo, 11 jun. 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.otempo.com.br/cidades/jovem-invade-igreja-catolica-e-destroi-imagens-de-santos-em-minas-1.862273 Acesso em: 10/05/2023.
https://www.otempo.com.br/cidades/jovem-...
). No mês seguinte, outro jovem foi preso na cidade de Sacramento, também em Minas Gerais, após destruir cerca de dez imagens na Matriz de Nossa Senhora do Patrocínio do Santíssimo Sacramento. Segundo a polícia, o rapaz de vinte anos dizia ser “evangélico” e “não gostar de imagens de barro [sic]” (Lameira 2014LAMEIRA,Gustavo. (2014), “Em Sacramento. Evangélico invade igreja católica e destrói imagens de santos e anjos”. O Tempo , 16 jul. 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.otempo.com.br/cidades/evangelico-invade-igreja-catolica-e-destroi-imagens-de-santos-e-anjos-1.884366 Acesso em: 10/05/2023.
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). Em janeiro de 2016, foi a vez de um adolescente de apenas treze anos, também frequentador da IURD, destruir duas imagens na Catedral de Santo Antônio, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Segundo o próprio iconoclasta, sua motivação teria sido o fato de que a “bíblia repudia a adoração de imagens” (Estado de Minas 2016ESTADO DE MINAS. “Menino de 13 anos quebra imagens santas na Baixada Fluminense”. Estado de Minas, 27 jan. 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2016/01/27/interna_nacional,728837/menino-de-13-anos-quebra-imagens-santas-na-baixada-fluminense.shtml Acesso em: 10/05/2023.
https://www.em.com.br/app/noticia/nacion...
). A partir dessas ações, percebemos como o estímulo à obediência fiel e literal às sagradas escrituras cristãs atua como motivação explícita para ações iconoclastas, principalmente quando performadas por pessoas mais jovens.

Desde o “Chute na Santa”, a Igreja Universal do Reino de Deus frequentemente se pronuncia afirmando que, apesar de condenar o culto às imagens, não estimula suas destruições através de atos violentos e intolerantes. Em uma entrevista, o bispo Edir Macedo - um dos fundadores e atual líder da IURD, bem como proprietário do Grupo Record de telecomunicações - chegou a citar o episódio envolvendo Von Helder como um “chute no estômago” (Alessandro R. Andrade 2016ALESSANDRO R. ANDRADE. (2016), “DIA 12/10/1995 o Chute na santa - um chute no estomago”. YouTube, 12 out. 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QiNJ8mQU6g8&t=60s Acesso em: 25/04/2023.
https://www.youtube.com/watch?v=QiNJ8mQU...
). Macedo disse, ainda, que, apesar de não concordar com as práticas de outras religiões envolvendo imagens, ele as respeita e condena qualquer ato de iconoclastia.

Mas os três casos citados acima parecem indicar um padrão no processo de assimilação da proibição veterotestamentária, que tem se materializado nas mãos de jovens fiéis através de ações iconoclastas. Questionamo-nos, portanto, em que medida os líderes das igrejas às quais esses jovens estão ligados são isentos de responsabilidade quanto à forma como seus discursos são assimilados e repercutem na prática. Os veículos de comunicação oficiais das igrejas - como, notadamente, o site da IURD - reforçam constantemente que a produção e o culto das imagens estão ligados à prática da “idolatria”, inclusive associando - de modo insustentável, do ponto de vista da história da arte - a tradição da arte católica a “vícios”, como faz o bispo Macedo no seguinte texto:

Ora, todo mundo sabe perfeitamente que as pessoas que trabalham com qualquer tipo de arte dependem de inspirações, e estas muitas vezes são criadas através dos variados tipos de tóxicos. Veja, por exemplo, Miguel Ângelo foi um tremendo beberrão; quando pintou os tetos da Igreja Romana, estava totalmente embriagado (Macedo 2018MACEDO, Edir. (2018), “Símbolos do Espírito Santo”. Portal Universal, 31 jan. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.universal.org/noticias/post/simbolos-do-espirito-santo/ Acesso em: 15/06/2023.
https://www.universal.org/noticias/post/...
).

O fenômeno assume outra dimensão quando levamos em conta ações iconoclastas similares performadas pelos próprios líderes religiosos, como se verificou em dois casos mais recentes. O primeiro, ocorrido em janeiro de 2017, foi documentado em redes sociais e veículos de comunicação por meio de um vídeo no qual uma pastora chamada Zélia, da Igreja Nova Aliança de Botucatu, no estado de São Paulo, destruía com marteladas uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. Simultaneamente, os fiéis oravam à sua volta, proferindo um coro de “glórias”, “aleluias” e mensagens como:

[...] quebra toda obra contrária. Ó glória. [...] Essa obra, Senhor, que foi feita pelas mãos do inimigo Senhor, agora está sendo quebrada Senhor meu Deus e meu pai, em nome de Jesus. Que o seu nome, Senhor, vai ser honrado e glorificado. [...] Toda honra e toda Glória seja dada a ti Senhor. [...] Está quebrada em nome de Jesus. Aleluia (Leia Notícias 2017LEIA NOTÍCIAS. (2017), “Vídeo de Pastora quebrando imagem de Nossa Senhora em Botucatu causa polêmica”. YouTube, 11 jan. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=U7nbDhbLacs Acesso em: 15/06/2023.
https://www.youtube.com/watch?v=U7nbDhbL...
).

Em entrevista para um veículo de comunicação local, a pastora afirmou estar arrependida pela filmagem e sua divulgação, mas não pelo ato em si. Ela o justificava afirmando ter quebrado a imagem “em nome de Jesus”, e, com uma Bíblia nas mãos, evocava livremente as escrituras, ao dizer:

Como seguidora da palavra eu tenho que honrar a palavra do meu Deus. [...] E ele diz no livro, né?! [...] Que nós não devemos fazer para nós nem imagens de fundição e nem adorá-las. Então eu não adoro [...]. [...] eu prego que eu não adoro a idolatria (Agência 14 news 2017AGÊNCIA 14 NEWS. (2017), “Pastora que quebrou imagem de santa pede desculpas”. YouTube, 12 jan. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=anIFxPzpOg8 Acesso em: 22/01/2022.
https://www.youtube.com/watch?v=anIFxPzp...
).

O segundo caso ocorreu em abril de 2021, quando um pastor chamado Miguel Moreira destruiu uma imagem de Nossa Senhora Aparecida no município paranaense de Santo Antônio da Platina. No vídeo que documenta o ato, o pastor quebra e depois ateia fogo na imagem, enquanto profere as seguintes palavras:

Isto aqui não é benção na casa de ninguém [...] queimamos no nome de Jesus este espírito que estava destruindo a família deste irmão que estava sofrendo, o espírito das trevas, o espírito da maldição. Nós não aceitamos, está queimado, destruído no nome de Jesus (Redação RIC 2021REDAÇÃO RIC. (2021), “Pastor quebra imagem de Nossa Senhora em ritual e queima cacos”. RIC, 2 abr. 2021. Disponível em: Disponível em: https://ricmais.com.br/seguranca/pastor-quebra-imagem-de-nossa-senhora-em-ritual-e-queima-cacos Acesso em: 22/01/2022.
https://ricmais.com.br/seguranca/pastor-...
).

Além desses casos paradigmáticos, levantamos reportagens noticiando outros ataques iconoclastas, performados entre os anos de 2017 e 2023 no Brasil por pessoas adultas frequentadoras de igrejas “evangélicas”, que diziam agir “em nome de Jesus”, “em nome de Deus”, e/ou seguir “a Palavra”. Para finalizar o relato sobre essa série de destruições de imagens católicas ocorridas na última década, citamos o ataque a uma imagem pública de Nossa Senhora Aparecida ocorrido em maio de 2022 em Praia Grande, litoral de São Paulo. Em um vídeo divulgado por diversos meios de comunicação à época, vemos um homem adulto destruindo, com uma espécie de bastão, uma grande imagem de Nossa Senhora Aparecida que estava instalada em uma praça da cidade. Quando abordado pelos policiais, o homem reiterou a motivação acima destacada e disse ter destruído a imagem “a mando de Deus” (D'Almeida 2022D'ALMEIDA, Thiago. (2022), “Homem flagrado quebrando imagem de Nossa Senhora Aparecida em SP afirma ter agido 'a mando de Deus'; VÍDEO”. G1, 05 mai. 2022. Disponível em: Disponível em: https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2022/05/05/homem-flagrado-quebrando-imagem-de-nossa-senhora-aparecida-em-sp-afirma-ter-agido-a-mando-de-deus-video.ghtml Acesso em: 22/01/2022.
https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/no...
).

Iconoclastia contra monumentos, imagens e locais de culto afro-brasileiros

A destruição de grandes imagens católicas, localizadas em lugares públicos, pode parecer uma novidade entre os iconoclastas cristãos no Brasil. Mas o fato é que, há décadas, aqueles que realizam essas práticas não demonstram pudor com relação a imagens públicas de religiosidades não hegemônicas, como as de matrizes africanas. A oposição de religiosos cristãos a monumentos e obras de arte públicas que dialogam de forma mais ou menos explícita com o imaginário das religiões afro-brasileiras tem longa data, e encontra-se bem documentada na imprensa e na bibliografia especializada e, em vários casos, redundou na destruição das obras. Gostaríamos aqui de lembrar dois exemplos nos quais a agência de “evangélicos” foi explícita.

O primeiro envolve uma escultura intitulada Exu dos Ventos, criada em 1992 pelo artista baiano Mario Cravo Junior (Cravo Neto 1998CRAVO NETO, Mario (ed.). (1998), Espaço Cravo. Parque Metropolitano do Pituaçu. Salvador: Conder. :28-29; Castrioto 2010CASTRIOTO, Monica Maria Linhares. (2010), Artes de Exu. intervenções artísticas e representações Afro-Brasileiras no Rio de Janeiro: Tridente de NI e Exu dos Ventos. Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado em Artes, UERJ.:53-94). Em seu aspecto original, essa obra tinha aproximadamente 10 metros de altura, feita de aço cortain pintado em preto e vermelho; possuía uma base estável, em forma de tripé, e suas partes superiores eram móveis e giravam com o vento. Em seu título, formas e cores, a obra explicitamente fazia referência às religiões afro-brasileiras na figura de Exu, o orixá mensageiro do povo iorubá. No final dos anos 1990, a empresa LAMSA, então administradora da Linha Amarela, no Rio de Janeiro, comprou Exu dos Ventos. A sua instalação na Ilha do Fundão foi oficialmente anunciada no início de 2000, e provocou grande polêmica entre membros da comunidade carioca: jornais então notificaram a forte oposição de religiosos cristãos contra a divindade evocada pela obra de Cravo Junior. O Dia, por exemplo, “public[ou] em sua primeira página ‘Xô, Exu!’ sob a foto dos pastores com as mãos levantadas em oração e bíblia em punho” (Castrioto 2010:70). A escultura não durou intacta por muito tempo, pois, em maio de 2005, suas partes superiores móveis foram derrubadas. As explicações para esse incidente divergem, mas a historiadora de arte Mônica Castrioto (2010:81) recolheu relatos de informantes segundo os quais “Exu dos Ventos teria sido danificado por vandalismo [sic]. Disseram que traficantes da Favela da Maré - talvez simpatizantes das Igrejas Neopentecostais, teriam arrancado a parte superior da escultura a tiros”. Posteriormente, como registram fotos de 2009 (Gonçalves 2009GONÇALVES, Ogã Jaçanã. (2009), “Exú dos Ventos”. Jeje Mahin 100% Vodunsi (Comunidade Orkut), 18 mar. 2009.), a base restante do monumento foi alvo de pichações com inscrições como “O IDOLO VAI + DEUS FICA”, e referências a passagens dos Evangelhos - nomeadamente Marcos 13 e Mateus 24, que alertam contra a transitoriedade das obras humanas e a vinda de falsos profetas. Tais pichações remetiam diretamente aos religiosos que se opuseram desde o início à realocação da escultura no Rio.

O segundo exemplo é a intervenção urbana Tridente feita pelo artista carioca Alexandre Vogler na cidade de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, em agosto de 2006 (Vogler 2007VOGLER, Alexandre. (2007), “Ensaio de artista: Fé em Deus/Fé em Diabo”. Concinnitas , ano 8, vol. 1, nº 10:133-142.; Castrioto 2010CASTRIOTO, Monica Maria Linhares. (2010), Artes de Exu. intervenções artísticas e representações Afro-Brasileiras no Rio de Janeiro: Tridente de NI e Exu dos Ventos. Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado em Artes, UERJ.:21-52). Essa obra consistia no gigantesco desenho de um tridente, feito com cal, na encosta da chamada Serra do Vulcão, atrás de um cruzeiro que era então uma importante referência visual no centro de Nova Iguaçu e arredores. Por sua estrutura geométrica e pelo aspecto do material com o qual foi realizado, Tridente evocava diretamente os pontos riscados relativos aos Exus, usados especialmente na Umbanda (Pontos riscados 2011PONTOS Riscados e Cantados: 3333. (2011), Rio de Janeiro: Pallas, vol. 1.:61-70). Assim que foi concluído, Tridente recebeu violentas críticas das comunidades cristãs em Nova Iguaçu, que o interpretaram como uma ofensa grave, criticaram a tolerância das autoridades com relação à execução da obra e exigiram seu apagamento. Ainda em meados de agosto, um protesto com dezenas de pastores e padres foi promovido na encosta da Serra do Vulcão, na tentativa de expulsar o “mal” que ali supostamente teria se instalado (Lessa 2006LESSA, Helvio. (2006), “Religiosos contra tridente”. O Dia , 17 ago. 2006:12.:12). Nos dias seguintes, uma equipe da Prefeitura de Nova Iguaçu tentou, sem êxito, apagar Tridente; então, outras linhas foram desenhadas sobre a obra de Vogler, visando a tornar irreconhecível a sua forma original; finalmente, uma chuva torrencial caiu sobre a cidade, apagando definitivamente a obra (Meia Hora 2006MEIA HORA. (2006), “CHUVA apaga tridente”. Meia Hora, 22 ago. 2006:13.:13). Este evento foi interpretado por parte da população cristã de Nova Iguaçu como um sinal de intervenção divina, respondendo suas orações e obliterando completamente a obra.

Todavia, antes dos conhecidos atos de repúdio a Exu dos Ventos e Tridente, a agência de religiosos “evangélicos” contra cerimônias públicas e/ou símbolos religiosos afro-brasileiros já era frequente e notória. Em meados dos anos 2000, por exemplo, Roger Sansi (2005SANSI, Roger. Fetiches e Monumentos. (2005), “Arte pública, iconoclastia e agência no caso dos ‘orixás’ do Dique de Tororó”. Religião & Sociedade , vol. 25, nº 2:62-81. ) comentou detalhadamente, nas páginas de Religião & Sociedade, sobre os atos iconoclastas direcionados ao monumento aos Orixás do Dique do Tororó, em Salvador, obra do artista Tati Moreno. Aproximadamente na mesma época, Vagner Gonçalves da Silva (2007SILVA, Vagner Gonçalves da (ed.). (2007), Intolerância Religiosa: Impactos do Neopentecostalismo no Campo Religioso Afro-Brasileiro . São Paulo: EDUSP .:14-15) lembrou de uma série de investidas menos conhecidas, como: a quebra de imagens e queima de roupas de santos por religiosos neopentecostais durante uma festa de erês (entidades infantis) na quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro, em 1988; o apagamento de uma figura de Ogum (orixá iorubano da guerra, do ferro, da agricultura e da tecnologia) que havia em uma escola no bairro de Stella Maris, em Salvador, em 2005; ou as reiteradas tentativas de depredação da estátua de Iemanjá (orixá das águas salgadas) na já citada cidade de Praia Grande.

Além disso, desde ao menos meados dos anos 2010, parece ser detectável uma intensificação dos ataques a imagens e locais de culto ligados às religiões afro-brasileiras. Essa é uma tendência que ressignifica a antiga tradição de ataques contra locais de culto dessas religiões, outrora promovida principalmente pelas forças de repressão policiais (Maggie 1992MAGGIE, Yvonne. (1992), Medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional.; Valle 2020VALLE,Arthur. (2020), “Mapeando o sagrado: arte sacra e locais de culto afro-brasileiros em notícias sobre repressão policial no Rio de Janeiro, 1890-1941”.Revista de História da Arte e da Cultura, vol. 1, nº 2:5-29.). Diferente dos casos citados abaixo, tal repressão - que foi relativamente sistemática em todo Brasil, especialmente durante as primeiras décadas da República - não tinha motivações religiosas, e por vezes resultou no confisco e preservação de objetos sacros afro-brasileiros, como evidencia a bem estudada coleção que pertenceu ao Museu da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (Maggie 1992; Conduru 2008CONDURU, Roberto. (2008), Relicário multicor. A Coleção de cultos afro-brasileiros do Museu da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Centro Cultural Municipal José Bonifácio.; Corrêa 2014CORRÊA, Alexandre Fernandes. (2014), “Um Museu Mefistofélico: museologização da magia negra no primeiro tombamento etnográfico no Brasil”. Textos escolhidos de cultura e arte populares, vol.11, nº 1:33-51.; Alves 2021ALVES, Luiz Gustavo Guimarães Aguiar. (2021), “Liberte Nosso Sagrado”: as disputas de uma reparação histórica. Niterói: Dissertação de Mestrado em História, UFF. ; Valle 2023VALLE, Arthur. (2023), “Is Afro-Brazilian Sacred Art Modern Art? Revising the Collection of Afro-Brazilian Sacred Objects of the Civil Police Museum of the State of Rio de Janeiro”.International Journal of Arts Theory & History, vol. 18, nº 1:107-127.; Abreu 2023ABREU, Clara Habib de Salles. (2023), “Deslocamento e destruição: notas sobre as relações entre transferência de objetos, iconoclastia e repatriação”.MODOS: Revista de História da Arte, vol. 7, nº 3: 201-231. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/mod/article/view/8673320
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
). Relembraremos aqui apenas alguns dos ataques mais recentes ocorridos no Rio de Janeiro, que foram acompanhados por documentação fotográfica e/ou vídeos.

Em 4 de fevereiro de 2015, o terreiro de umbanda “A caminho da Paz”, localizado no bairro do Cachambi, Zona Norte do Rio, foi invadido e teve suas imagens quebradas a pauladas; fotos publicadas por jornais cariocas, por exemplo, mostram os restos partidos de imagens de uma Preta Velha e de Pai Cipriano, jogados no chão (Almeida 2015ALMEIDA, Helio. (2015), “Terreiro de Umbanda é invadido e tem estátuas destruídas no Cachambi”. O Dia, 5 fev. 2015. Disponível em Disponível em https://extra.globo.com/casos-de-policia/centro-de-umbanda-no-cachambi-alvo-de-depredacao-ato-de-maldade-diz-dirigente-15239467.html Acesso em: 01/01/2017.
https://extra.globo.com/casos-de-policia...
; Torres 2015TORRES, Ana Carolina. (2015), “Centro de Umbanda no Cachambi é alvo de depredação”. Extra, 5 fev. 2015. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/centro-de-umbanda-no-cachambi-alvo-de-depredacao-ato-de-maldade-diz-dirigente-15239467.html . Acesso em: 01/03/2019.
https://extra.globo.com/casos-de-policia...
). Em 18 de agosto de 2016, o terreiro de candomblé Kwe Cejá Danlomin Lojiqueji, localizado em Nova Iguaçu, foi invadido e incendiado [Figura 3]; assentamentos dedicados a Omulu (orixá da varíola e das doenças contagiosas), bem como esculturas, foram quebrados, como exemplifica uma imagem de uma negra com turbante, que parece ter sido decapitada (Villanova 2016VILLANOVA, Márcia. (2016), “Terreiro de candomblé é alvo de vandalismo em Nova Iguaçu”. Extra, 18 ago. 2016. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/terreiro-de-candomble-alvo-de-vandalismo-em-nova-iguacu-19950089.html Acesso em: 01/03/2019.
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). Na madrugada de quatro de novembro de 2016, o terreiro de candomblé “Casa de Oxóssi”, localizado em Teresópolis, Região Serrana do Rio de Janeiro, foi alvo de um ataque: “quebraram imagens e todos os vidros de todas as janelas. Roubaram coisas, comida, fizeram tudo. Foi um ato criminoso”, informou então a dirigente do templo, acrescentando que outros terreiros da região já haviam sido depredados de modo semelhante (Sousa 2016SOUSA, Thaís. (2016), “Centro espírita é depredado em Teresópolis e mãe de santo acredita em intolerância: 'Foi criminoso'”. Extra, 4 nov. 2016. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/centro-espirita-depredado-em-teresopolis-mae-de-santo-acredita-em-intolerancia-foi-criminoso-20413210.html Acesso em: 01/03/2019.
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).

Nesses três casos, é impossível precisar, devido à falta de provas, quem foram os autores dos atos de iconoclastia, ou afirmar categoricamente que ela tivesse uma fundamentação religiosa. Simultaneamente, porém, os dirigentes dos três terreiros caracterizaram os ataques como intolerância religiosa. Inclusive, no ataque ao terreiro Kwe Cejá Danlomin Lojiqueji, a recusa do responsável pela 52ª Delegacia de Polícia local em tipificar o caso como crime de intolerância religiosa foi criticada pelo babalaô e interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa Ivanir dos Santos, que afirmou: “Não é invasão de domicílio. Ali é um centro religioso. No mínimo deveria ser tipificado como profanação de imagem” (Sobreira 2016SOBREIRA, Gabriel. (2016), “Centro religioso é incendiado e tem imagens destruídas em Nova Iguaçu”. O Dia , 18 ago. 2016. Disponível em: Disponível em: https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2016-08-18/centro-religioso-e-incendiado-e-tem-imagens-destruidas-em-nova-iguacu.html Acesso em: 01/03/2019.
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).

Figura 3:
Interior do terreiro de candomblé Kwe Cejá Danlomin Lojiqueji, em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, antes e depois do ataque iconoclasta de 18 de agosto de 2016

A questão da autoria dos atos iconoclastas contra religiões afro-brasileiras ganha contornos mais definidos quando analisamos dois ataques perpetrados em setembro de 2017, quando a tensão religiosa na Baixada Fluminense se acirrou de forma assustadora. Em vídeos divulgados em rede sociais, vemos sacerdotes afro-brasileiros sendo obrigados a destruir seus próprios objetos sacros sob a ameaça de traficantes de drogas armados (Coelho 2017COELHO, André. (2017), “Criminosos obrigam mãe de santo a destruir próprio terreiro em Nova Iguaçu”. CBN, 13 set. 2017. Disponível em: Disponível em: https://cbn.globoradio.globo.com/editorias/policia/2017/09/13/CRIMINOSOS-OBRIGAM-MAE-DE-SANTO-A-DESTRUIR-PROPRIO-TERREIRO-EM-NOVA-IGUACU.htm Acesso: 01/03/2019.
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). Em um dos vídeos, vemos uma ialorixá - posteriormente identificada como Carmen Flores, a Mãe Carmen de Oxum (Bustamante 2017BUSTAMANTE, Luisa. (2017), “’Em nome de Jesus’, bandidos destroem terreiro no Rio”. Veja, 8 out. 2017. Disponível em: Disponível em: https://veja.abril.com.br/brasil/em-nome-de-jesus-bandidos-destroem-terreiro-no-rio/ Acesso em: 01/03/2019.
https://veja.abril.com.br/brasil/em-nome...
) - sendo forçada a quebrar assentamentos e imagens de seu terreiro; no outro vídeo, um sacerdote rompe diversos fios de contas com suas próprias mãos, enquanto um traficante o ameaça com um bastão de beisebol, onde está escrita, por perversa ironia, a palavra “diálogo” (Coelho 2017). No áudio de fundo de ambos os vídeos, os criminosos invocam o nome de Jesus Cristo e qualificam como demoníacas as religiosidades das vítimas ameaçadas.

Novamente, poderíamos perguntar se, e em que medida, os líderes de igrejas “evangélicas” tem responsabilidade com relação à iconoclastia explícita nos exemplos acima apresentados. No caso da Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo, se encontra fartamente documentada uma relação entre o discurso de pastores e uma atitude francamente negativa com relação a religiões afro-brasileiras. O já referido bispo Edir Macedo, por exemplo, foi o autor de Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou demônios? (Macedo 1998MACEDO, Bispo Edir ;. (1998), Orixás, Caboclos & Guias? Anjos ou demônios? Rio de Janeiro: Universal.), um verdadeiro best-seller primeiramente publicado em 1997, e que desde então teve muitas edições e vendeu milhões de exemplares (Santos 2010SANTOS, Valdelice Conceição dos. (2010), O discurso de Edir Macedo no livro Orixás, Caboclos e Guias. Deuses ou Demônios?: impactos e impasses no cenário religioso brasileiro. São Bernardo do Campo: Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo.). Esse livro é caracterizado por um discurso que explicitamente demoniza as religiões afro-brasileiras e que alcançou massiva repercussão na sociedade, de modo mais amplo (Mariano 2007MARIANO, Ricardo. (2007), “Pentecostais em ação: A demonização dos cultos afro-brasileiros”. In: V. G. da Silva (ed.). Intolerância Religiosa: Impactos do Neopentecostalismo no Campo Religioso Afro-Brasileiro . São Paulo: EDUSP , 2007.). Especialmente a partir dos anos 1990, se tornaram infamemente célebres as chamadas “Sessões de Descarrego” da IURD (Hanashiro Umeki 2013HANASHIRO UMEKI, Walker. (2013), A Igreja Universal do Reino de Deus e a Teatralização da sua Batalha Espiritual: uma construção etnográfica da “Sessão Espiritual do Descarrego ”. Guarulhos: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, UNIFESP.), cultos espetacularmente encenados, muitas vezes televisionados, nos quais os pastores dessa igreja reiteradamente identificavam os supostos demônios ocultos dentro dos corpos de membros da audiência com os Exus e as Pomba-Giras afro-brasileiros. Ainda hoje, uma busca por termos como “candomblé” no site oficial da IURD retorna diversos textos nos quais essa denominação se encontra estreitamente associada a ideias como “mal”, “estragos”, “magia negra”, “pacto com o diabo”, “relacionamentos conturbados”, “drogas”, “depressão” etc.

Possíveis motivações

Entender as motivações por trás do fenômeno da destruição de imagens religiosas e locais de culto no Brasil contemporâneo não é tarefa simples. Como vimos, por vezes não sabemos quem foram os agentes dos ataques; e, quando sabemos, nem sempre é claro o que os move. Nas ocasiões em que os iconoclastas explicitam suas motivações, é recorrente a justificativa de que o fizeram “em nome de Deus”, “em nome de Jesus”, e/ou por seguirem as sagradas escrituras cristãs - retórica que nos mostra que uma interpretação literal delas ainda impacta as ações daqueles que destroem. A hipótese de uma obediência ao aniconismo presente nas escrituras, no entanto, não nos isenta de refletir sobre outras possíveis motivações. Em seguida, consideraremos também o medo de uma possível agência maléfica das imagens atacadas, especialmente quando consideramos que algumas denominações “evangélicas” mantém práticas similares às de religiões afro-brasileiras no que diz respeito aos fenômenos de incorporação. Discutiremos também a hipótese de um projeto de poder político agenciado pelos líderes das igrejas, que pode se manifestar na disputa por territórios e pelo mercado religioso, e que utiliza a iconoclastia como uma de suas armas de batalha. Obviamente, essas diferentes motivações não são excludentes; ao contrário, elas parecem se manifestar simultaneamente, em diferentes combinações, em casos específicos.

Aniconismo

Para analisar a primeira das motivações dos novos iconoclastas, precisamos retornar ao princípio - não tão novo - do aniconismo, presente originalmente no Velho Testamento. Quando a pastora Zélia, em Botucatu, se referiu à sua obediência à “Palavra” para justificar sua ação iconoclasta, ela estava se referindo diretamente ao Segundo Mandamento recebido por Moisés, e relatado no Livro do Êxodo (20:1-6). A partir da sua relação com a narrativa da construção e destruição do Bezerro de Ouro, é legítimo pensar no Segundo Mandamento como uma espécie de estímulo para os ataques iconoclastas da tradição judaico-cristã. Segundo a narrativa, após um longo tempo conduzindo seu povo no deserto, depois de libertá-lo da escravidão no Egito, Moisés foi convocado ao Monte Sinai para selar a tão prometida aliança com o Deus único. Os hebreus, impacientes e descrentes com as promessas de Moisés, clamaram que Arão, sacerdote que os acompanhava na jornada, construísse um novo ídolo para que eles adorassem, mimetizando assim as práticas com as quais estavam habituados no Egito. Desse modo, Arão recolheu ouro das pessoas e mandou construir um bezerro. Enquanto isso, no alto do monte, Moisés recebia as leis de Deus, cuja segunda visava a, justamente, proibir o que o povo estava fazendo naquele momento: a construção e a adoração de falsos ídolos. De acordo com uma tradução recente do Segundo Mandamento:

Não terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti imagem esculpida de nada que se assemelhe ao que existe lá em cima nos céus, ou embaixo na terra, ou nas águas que estão debaixo da terra. Não te prostrarás diante desses deuses e não os servirás, porque eu, Iahweh teu Deus, sou um Deus ciumento, que puno a iniquidade dos pais sobre os filhos até a terceira e a quarta geração dos que me odeiam, mas que também ajo com amor até a milésima geração para com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos (Bíblia de Jerusalém 2019aBÍBLIA DE JERUSALÉM. (2019a), Êxodo 20:1-6. In: Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus.:130).

Deus, em sua onisciência, tomou conhecimento da traição dos hebreus e prometeu castigá-los com a morte, mas Moisés intercedeu por seu povo e clamou por misericórdia. Simultaneamente, porém, não deixou os idólatras passarem incólumes: ele desceu da montanha e, em um ataque de fúria, quebrou as Tábuas da Lei, destruiu o Bezerro de Ouro e puniu os idólatras, deixando uma lição bem clara.

Apesar do Velho Testamento condenar a criação e a veneração das imagens, sabemos que o Cristianismo se desenvolveu como uma religião essencialmente visual, uma vez que muitos dos primeiros cristãos eram cidadãos romanos convertidos, acostumados com a presença de imagens antropomórficas em seus ritos. Além disso, a crença na encarnação de Cristo como a própria imagem e semelhança de Deus e os escritos do Novo Testamento forneceram o arcabouço teológico necessário para justificar a presença de imagens na religião cristã - prática que é mantida até a atualidade pelo Catolicismo. Não obstante isso, o Velho Testamento foi e ainda é sempre citado para justificar a recusa do culto às imagens, ou suas destruições, como aconteceu nos surtos iconoclastas no Império dito “Bizantino”, na Reforma Protestante e, atualmente, no Brasil.

Poder da imagem

Como vimos, o aniconismo é a motivação mais explícita no discurso dos novos iconoclastas, mas outros presumíveis motores para seus atos necessitam ser considerados. Um deles tem a ver com a discussão acerca da suposta eficiência - ou ineficiência - da imagem cultuada, ou seja, de sua agência efetiva na vida dos fiéis. Em sua reflexão sobre os ataques aos orixás do Dique do Tororó, Sansi (2005SANSI, Roger. Fetiches e Monumentos. (2005), “Arte pública, iconoclastia e agência no caso dos ‘orixás’ do Dique de Tororó”. Religião & Sociedade , vol. 25, nº 2:62-81. :69) já se questionava se os atos iconoclastas estimulados pela IURD seriam “somente rituais simbólicos ou efetivos, isto é, se o ato de destruir tem apenas uma finalidade didática e psicológica para o convertido ou, pelo contrário, realmente se acredita no poder mágico das imagens e dos objetos”. Ele acrescentava que “essa intenção didática ou psicológica é difícil de ver em atos iconoclastas dos fiéis da Igreja, como a limpeza dos terreiros, que é realizada com uma violência ritualmente eficaz, visando destruir diabos reais que se encontrem lá, que não parecem ser apenas projeções psicológicas” (Sansi 2005:69). Nesse sentido, o autor já aventava a possibilidade de uma crença no que chamamos aqui de “poder da imagem”, assunto que gostaríamos de refletir.

Enquanto Sérgio von Helder, da IURD, dizia estar demonstrando que a imagem de Nossa Senhora Aparecida não “funciona[va]”, o pastor Miguel Moreira - que qualificou a imagem que destruía como “espírito das trevas” - acreditava que ela estava destruindo a família do seu proprietário e trazendo dor e sofrimento para aqueles que a cultuavam. No geral, os pastores parecem não entrar em acordo sobre se as imagens têm ou não poder de agir na vida dos fiéis: às vezes, as destroem por medo delas provocarem o mal; outras vezes, as destroem aparentemente sem medo de que, em uma espécie de retaliação, possam gerar qualquer dano.

O desacordo dos pastores sobre a eficiência da imagem parece evocar a dúvida instaurada por Abraão em seu pai, como relatada em uma antiga história de tradição judaica presente no chamado Gênesis Rabbah, uma coletânea de comentários exegéticos sobre o Livro de Gênesis (Freedman & Simon 1961FREEDMAN, H. &SIMON,Maurice. (ed.). (1961), Midrash Rabbah. Translated into English with Notes, Glossary and Indices. London: The Soncino Press.:310-311). Segundo essa narrativa, Terá, pai de Abraão, era um artesão que fabricava imagens de culto. Em certa ocasião, Terá viajou e deixou seu filho responsável pelo estabelecimento no qual ele vendia tais imagens. Durante sua ausência, uma mulher teria chegado ao estabelecimento e pedido para Abraão colocar um prato de comida como oferenda aos ídolos. Em resposta, Abraão pegou um bastão, colocou nas mãos de uma das imagens e quebrou todas as outras. Diante da cena que encontrou ao retornar, Terá questionou o filho sobre o que acontecera. Abraão disse então ao pai que, ao oferecer o alimento, as estátuas teriam brigado para saber quem comeria primeiro, e a maior delas pegou o bastão e destruiu todas as outras. Terá, percebendo que o filho zombava dele, afirmou que as estátuas não poderiam ter feito aquilo. Abraão, por seu turno, lhe disse que ouvisse as palavras que ele mesmo tinha acabado de proferir, usando a situação como uma espécie de lição para provar ao pai a ineficiência daqueles ídolos e que eles não deveriam ser produzidos ou cultuados.

Essa narrativa sobreviveu em diferentes versões. Ela pode ser encontrada, inclusive, no referido site da IURD, em uma atualização que enfatiza ainda mais a fúria iconoclasta de Abraão. Segundo essa versão, assinada pelo bispo Macedo,

O pai de Abrão, diz a tradição judaica, era mercador de imagens, era santeiro, vendia as imagens dos deuses caldeus. Um dia, o pai de Abrão teve que sair e o deixou tomando conta da loja de imagens. Abrão, revoltado com aquilo, pois o pai não cria em um Único Deus como ele cria, pegou uma marreta e rompeu todas as estátuas, mas deixou inteira a maior de todas, uma de tamanho natural, colocou a marreta nos braços dela e ficou esperando pelo pai. Quando ele chegou, viu aquela destruição, tudo quebrado. Olhou para a estátua maior com a marreta nos braços e perguntou ao filho o que havia acontecido. Abrão disse que a imagem grande havia feito o estrago e quebrado tudo, e o pai respondeu como ela podia ter feito aquilo se ela não tinha vida, era apenas uma estátua! Abrão respondeu que se ela era apenas uma estátua e não tinha vida, por que o pai cria nela? (Macedo 2015MACEDO, Bispo Edir;. (2015), “Santa Ignorância”. Portal Universal , 28 out. 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.universal.org/bispo-macedo/post/santa-ignorancia/ Acesso em: 16/06/2023.
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).

Von Helder parece respaldado pela autoridade de Abraão ao dizer não acreditar no poder da imagem e mesmo assim destruí-la com um objetivo aparentemente pedagógico. Por outro lado, na perspectiva do pastor Miguel Moreira, imagem e espírito se confundem, e é necessário destruir a imagem imbuída de poder para evitar a continuidade do mal que ela causava na vida do fiel. Em ambos os casos, no entanto, a questão da eficiência da imagem é utilizada como justificativa para as suas destruições. De acordo com David Freedberg, a crença de que a imagem tem poder e, de certa forma, incorpora uma agência semelhante à dos seres vivos, está no cerne dos processos iconoclastas:

Repetidamente, censura e iconoclastia comprovam a ameaça que parece advir do pensamento de que há vida - um corpo vivo - em uma imagem feita de matéria morta. Sua habilidade de se tornar viva - ou de ser vivificada - parece inescapável. Subjacente a todos estes atos é o esforço para silenciar a imagem, para deixar claro que ela não está viva e não voltará a falar, ver ou agir (Freedberg 2021FREEDBERG, David. (2021), “O medo da arte: como a censura se torna iconoclastia”. Concinnitas, vol. 22, nº 42:23-52.:31).

De maneira similar, Horst Bredekamp teoriza acerca de uma espécie da substituição entre corpo e imagem que parece, por vezes, se manifestar nas crenças dos iconoclastas. Segundo esse autor,

Na substituição, os corpos são tratados como imagens e as imagens como corpos. [...] A recíproca substituição de corpo por imagem encontra-se na origem de processos que vão desde a ilustração do sagrado e da natureza, passando pelo iconoclasmo, até as questões icônicas da política e do direito e, ainda, à guerra das imagens. Na sua vertente tanto produtiva quanto destrutiva, estes processos são mais atuais do que nunca (Bredekamp 2015BREDEKAMP, Horst. (2015), Teoria do acto icónico. Lisboa: KKYM.:131).

Mesmo quando o poder da imagem é, à primeira vista, negado através do discurso, como fez Von Helder, o destaque dado à sua destruição parece causar o esgarçamento do caráter meramente pedagógico da ação e até mesmo atestar a eficiência daquela imagem, explicitando, assim, uma contradição intrínseca aos processos iconoclastas. Ainda segundo Bredekamp, a iconoclastia

[...] reforça o que recusa e rejeita: afirma que as imagens são inanimadas, mas, ao aniquilá-las como se de criminosos, traidores ou hereges se tratassem, reconhece-lhes a vida, ainda que para logo de seguida a suprimir. Avaliado pelo grau da sua atividade perante a imagem, o iconoclasta revela estar mais influenciado por ela do que aquele que venera as imagens (Bredekamp 2015BREDEKAMP, Horst. (2015), Teoria do acto icónico. Lisboa: KKYM.: 157).

Para reforçar essa hipótese, é necessário levar em conta o processo pelo qual algumas denominações “evangélicas” contemporâneas, como as neopentecostais, assimilam e performam práticas “místicas”, como a cura através dos dons do Espírito Santo e o exorcismo de demônios. Segundo Ricardo Mariano,

Ao combater a umbanda, o candomblé, o espiritismo e o catolicismo, até que ponto as igrejas neopentecostais, sobretudo a IURD [...] não são influenciadas e trazem para o interior de seus cultos e doutrinas elementos da crença, da lógica e da visão de mundo das religiões inimigas? Não é necessária a realização de observações sistemáticas anos a fio para perceber que é significativa a influência que sofrem. Isto pode ser visto, desde logo, no fato de que a eficácia da experiência religiosa do adversário acaba sendo legitimada, assumida como real (Mariano 1995MARIANO, Ricardo. (1995), Neopentecostalismo: os pentecostais estão mudando. São Paulo: Dissertação de Mestrado em Sociologia, USP.:117).

Ao literalmente incorporar entidades e práticas espirituais de outras religiosidades dentro de sua própria estrutura ritual, denominações como as neopentecostais estabelecem um conflituoso diálogo com as religiões que perseguem, uma tendência que Ronaldo de Almeida qualificou como um “sincretismo às avessas” (Almeida 2007ALMEIDA, Ronaldo de. (2007), “Dez Anos do ‘Chute na Santa’: A Intolerância com a diferença”. In: V. G. da Silva(ed.).Intolerância Religiosa: Impactos do Neopentecostalismo no Campo Religioso Afro-Brasileiro. São Paulo: EDUSP.:178). Essas apropriações permitem que muitos “evangélicos” acreditem, de fato, na incorporação de espíritos (seja em corpos ou imagens) e na sua consequente agência no mundo material. Tal sincretismo nos ajuda a melhor compreender, portanto, como a crença no poder das imagens pode funcionar como motivação para a iconoclastia.

Controle territorial

A “substituição entre corpo e imagem”, aventada por Bredekamp, nos incita a refletir - ainda que brevemente - sobre uma terceira motivação iconoclasta. Com efeito, em casos extremos, não só as imagens são destruídas, mas os próprios religiosos são agredidos ou obrigados a abandonar seus locais de culto, sob a pressão daqueles que os hostilizam. Isso é particularmente evidente em casos nos quais religiosos afro-brasileiros foram vítimas: exemplos são a citada Mãe Carmen de Oxum, que se refugiou na Suíça após o ataque a seu terreiro, ou as dezenas de pais e mães de santo expulsos de localidades em bairros da Zona Norte do Rio de Janeiro, como Pavuna e Ilha do Governador, geralmente por mando de traficantes convertidos a denominações “evangélicas” e cujas ações têm sido registradas desde os anos 2000 (Soares 2013SOARES, Rafael . (2013), “Crime e preconceito: mães e filhos de santo são expulsos de favelas por traficantes evangélicos”. Extra, 7 set. 2013. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/crime-preconceito-maes-filhos-de-santo-sao-expulsos-de-favelas-por-traficantes-evangelicos-9868829.html Acesso em: 01/03/2019.
https://extra.globo.com/casos-de-policia...
). Investigadoras como Cristina Vital da Cunha (2015CUNHA, Cristina Vital da. (2015), Oração de Traficante. Uma Etnografia. Rio de Janeiro: Garamond.) analisaram como, já nessa década, se desenvolveram alianças entre líderes “evangélicos” e traficantes em diferentes comunidades do Rio, como o chamado Complexo do Acari.

A realidade que descrevemos é bem distinta da que ocorria nas décadas finais do século XX, como observou a própria Vital da Cunha (2015CUNHA, Cristina Vital da. (2015), Oração de Traficante. Uma Etnografia. Rio de Janeiro: Garamond.). Um testemunho disso é um documento publicado em Religião & Sociedade em 1990 (Lins & Silva, 1990LINS, Paulo & SILVA, Maria de Lourdes da. (1990), “Bandidos e Evangélicos: Extremos que se Tocam.” Religião & Sociedade, vol. 15, nº 1:166-173.): este nos informa que, na Cidade de Deus, os “bandidos” - termo utilizado pelos autores - nutriam certa consideração pelas religiosidades de vertente “espírita” e frequentavam terreiros em busca de aconselhamento e proteção. Este mesmo documento infere, inclusive, uma baixa taxa de conversão dos “bandidos” à fé “evangélica” - fenômeno que cresceu exponencialmente nas últimas duas décadas.

O recente documentário Fé e Fúria (Pimentel 2019PIMENTEL, Marcos (dir.). (2019), Fé e fúria. Brasil: Embaúba Filmes.), dirigido por Marcos Pimentel e filmado entre 2016 e 2018, eloquentemente descreve isso. Um de seus entrevistados é um pastor chamado Paulomar, que então dirigia a Igreja Jesus é o General, localizada em Acari. Este pastor lembra como os traficantes apoiaram a fé cristã em busca de legitimidade, promovendo, inclusive, uma radical alteração na cultura visual da comunidade. O religioso assim recorda: “[O traficante] Mandou quebrar as casinhas, onde tinha estátua, e mandou pintar no muro - já desde 2000, 2001 - ‘Jesus é o dono do lugar,’ e começou a proferir, na verdade, o Evangelho” [Figura 4]. Se referindo a grafites com inscrições como “Deus é o dono do lugar”, o pastor Paulomar acrescenta: “Hoje em dia [i.e., 2016-2018], os traficantes, eles apoiam. Tanto apoiam como foi eles que patrocinaram esses grafites. E a comunidade adora: a comunidade ganhou cor, ganhou luz.”

Figura 4:
Fotograma do documentário Fé e Fúria (Pimentel 2019PIMENTEL, Marcos (dir.). (2019), Fé e fúria. Brasil: Embaúba Filmes.).

Essa tendência nos permite retomar a discussão do referido Segundo Mandamento, desta feita interpretando a passagem bíblica como uma espécie de legislação territorial. Para o historiador da arte William John Thomas Mitchell (2015MITCHELL, William J. T. (2015), Image science: iconology, visual culture, and media aesthetics. Chicago; London: The University of Chicago Press.:pos.1369-1372), “o mandato contra a criação de imagens e a ordem para destruir imagens esculpidas é, na verdade, um esforço para ditar o controle exclusivo de um território”. Mitchell acrescenta como essa interpretação autenticamente militante do Segundo Mandamento é apresentada em uma passagem do Livro de Números (33:52-53):

Quando tiverdes atravessado o Jordão, em direção à terra de Canaã, expulsareis de diante de vós os habitantes da terra. Destruireis as suas imagens esculpidas, todas as suas estátuas de metal fundido, e demolireis todos os seus lugares altos. Tomareis posse da terra e nela habitareis, pois vos dei esta terra para a possuirdes (Bíblia de Jerusalém 2019bBÍBLIA DE JERUSALÉM. (2019b), Números 33:52-53. In: Bíblia de Jerusalém . São Paulo: Paulus .:252).

Aqui, podemos entender que o Segundo Mandamento deixa de significar exclusivamente a proibição da produção de imagens para se tornar um imperativo que legitima “limpar” o mundo das imagens e dos “moradores da terra” que as produziram, e para os quais elas são importantes signos de identidade e de pertencimento ao local.

Planos de poder político

Acima, fizemos rápida referência às apropriações feitas por denominações neopentecostais com relação a elementos das religiões afro-brasileiras. O sincretismo que funciona como uma espécie de base comum entre essas religiosidades, possibilita que o Neopentecostalismo dispute, com vantagem, fiéis no chamado mercado religioso (Oliveira & Balbinotto Neto 2014OLIVEIRA, Lívio Luiz Soares de & BALBINOTTO NETO, Giácomo. (2014), "A Teoria do Mercado Religioso: Evidências Empíricas na Literatura". REVER, ano 14, n. 1: 221-256.). Como seria previsível, tal disputa também se espelha no campo político, como ficou explícito, e.g., nas eleições municipais do Rio de Janeiro de 2016, nas quais “[eram] vários os candidatos ao legislativo e executivo municipais que representa[vam] interesses de alguns segmentos neopentecostais, transformando a disputa eleitoral em um terreno privilegiado de competição do mercado da fé” (Sousa & Barbosa 2016SOUSA, Fernando &BARBOSA,Gabriel. (2016), “Intolerância religiosa, democracia e eleições municipais”. Casa Fluminense, 15 set. 2016. Disponível em: Acesso em: Disponível em: Acesso em: https://casafluminense.org.br/intolerancia-religiosa-democracia-e-eleicoes-municipais/ Acesso em: 16/06/2023.
https://casafluminense.org.br/intoleranc...
). Tendo raízes ainda nos anos 1960 (Capler 2021CAPLER, Rodolfo. (2021), “A bancada evangélica e seu projeto de poder”. Veja, 28 jul. 2021. Disponível em: Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/matheus-leitao/a-bancada-evangelica-e-seu-projeto-de-poder Acesso em: 16/06/2023.
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), essa tendência se perpetua, e uma de suas consequências é a enorme desigualdade na representação política das diversas denominações religiosas, que, por sua vez, espelha as mais amplas desigualdades da sociedade brasileira, frequentemente expressas em modalidades variadas de intolerância.

A violência explícita nos atos de iconoclastia é um exemplo disso, e nos leva à última motivação iconoclasta que gostaríamos de abordar. Desde finais do século XX, a violência partiu de grupos religiosos majoritários: segundo o Censo de 2010, “evangélicos de missão” representavam o segundo maior contingente de fiéis, enquanto denominações “evangélicas de origem pentecostal”, como a IURD, eram o terceiro maior contingente (IBGE 2010IBGE. (2010), "Censo Demográfico. SOBRE - Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência". IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9662-censo-demografico-2010.html?edicao=9749&t=sobre. Acesso em: 20/04/2023.
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). Como procuramos mostrar, a iconoclastia, a princípio, parecia restrita a símbolos das minorias religiosas afro-brasileiras; mais recentemente, porém, os ataques se estenderam a símbolos do Catolicismo hegemônico, o que indicia que as ambições de certos grupos “evangélicos” parecem ter se expandido significativamente.

Tal expansão necessitaria ser precisamente historicizada, o que não cabe nos limites do presente artigo. Mas aqui desejamos apresentar ao menos alguns elementos nesse sentido. Vale lembrar, por exemplo, que, segundo o teólogo Rodolfo Capler (2021CAPLER, Rodolfo. (2021), “A bancada evangélica e seu projeto de poder”. Veja, 28 jul. 2021. Disponível em: Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/matheus-leitao/a-bancada-evangelica-e-seu-projeto-de-poder Acesso em: 16/06/2023.
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), a hoje bem estabelecida ideia de uma “bancada evangélica” já se afirmava nos anos 1990, década em que

[...] a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) formulou um plano político estruturado fazendo uma interface entre a Igreja e a Política por meio da aquisição (1989) da Rede Record de Televisão e de sua utilização como ponte de comunicação com as massas. Por meio dos programas da TV Record os pastores midiáticos representantes da IURD e de outros grupos pentecostais e neopentecostais (como Silas Malafaia), começaram a abordar mais fortemente pautas políticas.

Ainda segundo Capler, esse processo se intensificou no começo dos anos 2000. Aparentemente não por acaso, foi exatamente nesse momento que Edir Macedo publicou um explícito “plano de poder” cristão (Macedo 2000MACEDO, Edir. (2000), Plano de poder. Deus, os cristãos e a política. [s.l]: Thomas Nelson.), e que foi fundada a chamada Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional. Dessa frente, fizeram parte nomes como os pastor e bispo Marcelo Crivella, sobrinho de Macedo e prefeito do Rio de Janeiro entre 2017-2021; o ex-Deputado Federal Eduardo Cunha, figura central do impeachment/golpe que afastou da presidência Dilma Roussef em 2015CUNHA, Cristina Vital da. (2015), Oração de Traficante. Uma Etnografia. Rio de Janeiro: Garamond.; ou Bia Kicis e Eduardo Bolsonaro, importantes líderes políticos do chamado Bolsonarismo.

Com efeito, a própria eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro, em finais de 2018, pode ser vinculada, em boa medida, ao “plano de poder” aqui rapidamente esboçado. Obviamente, o ex-presidente foi apoiado por outros poderosos setores da sociedade brasileira - sendo o principal deles, provavelmente, o setor militar (Leirner 2020LEIRNER, Piero. (2020), O Brasil no Espectro de uma Guerra Híbrida: Militares, Operações Psicológicas e Política em uma Perspectiva Etnográfica. São Paulo: Alameda Editorial.). Na época, porém, Bolsonaro recebeu apoio explícito e importante de pastores como José Wellington Bezerra, presidente da Assembleia de Deus; Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo; e do já muito referido Edir Macedo (Abbud 2019ABBUD, Bruno. (2019), “Como Bolsonaro se tornou o candidato dos evangélicos”. Época, 8 out. 2018. Disponível em: Disponível em: https://oglobo.globo.com/epoca/como-bolsonaro-se-tornou-candidato-dos-evangelicos-23126650 Acesso em: 01/03/2019.
https://oglobo.globo.com/epoca/como-bols...
). Anos antes, o ex-Presidente havia sido batizado no Rio Jordão, em Israel, pelo Pastor Everaldo da Assembleia de Deus, que era então presidente nacional do Partido Social Cristão (PSC), ao qual Bolsonaro foi filiado (Extra 2016EXTRA. (2016), “Enquanto votação do impeachment acontecia, Bolsonaro era batizado em Israel”. Extra, 12 mai. 2016. Disponível em: Disponível em: https://extra.globo.com/noticias/brasil/enquanto-votacao-do-impeachment-acontecia-bolsonaro-era-batizado-em-israel-19287802.html Acesso em: 01/03/2019.
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). Com esse espetacular gesto, Bolsonaro afirmava sua conexão com o campo “evangélico” brasileiro, o qual, durante seu mandato, foi favorecido por diversos atos oficiais (Wiziack 2022WIZIACK, Julio. (2022), “Bolsonaro beneficia evangélicos e aliados com sanção de lei para TV paga”. Folha de São Paulo, 25 set. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/09/bolsonaro-beneficia-aliados-com-sancao-de-lei-para-tv-paga.shtml Acesso em: 16/06/2023.
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/20...
). Se Bolsonaro não propriamente vilipendiou outras denominações durante seu mandato, seu apoio explícito aos “evangélicos” pode, não obstante, ter sido interpretado como um incentivo para as ambições de poder dessa parcela de religiosos. Nessa perspectiva, os violentos atos de iconoclastia que discutimos poderiam ser interpretados como tentativas de afirmar tais ambições, nos planos concreto e simbólico.

Considerações finais

À guisa de conclusão, reiteramos nossa constatação de que existem camadas de motivações diferentes, porém complementares, que parecem explicar os ataques iconoclastas performados contemporaneamente por fiéis ou representantes de denominações “evangélicas”. Na base do fenômeno, parece-nos evidente a diligente obediência ao Segundo Mandamento, que estaria na origem de ações de destruição performadas por fiéis mais jovens ou por pastores, que interpretam a narrativa do Bezerro de Ouro como um estímulo à iconoclastia. Ainda na base, percebemos um processo de confusão entre “espírito” agente e imagem inanimada, o que reforçaria a crença no poder da imagem e o medo de sua suposta agência maléfica na vida dos fiéis. O desejo contraditório de confirmar a ineficiência ou impedir a eficiência da imagem também geraria, portanto, processos iconoclastas. Por outro lado, se pensarmos nas estratégias da alta cúpula das denominações “evangélicas”, não podemos deixar de suspeitar que os processos de disputa por fiéis, mercados e territórios se vincula a planos de poder políticos mais amplos, que podem se manifestar através do apoio tácito, e mesmo do estímulo, a ações iconoclastas.

Por fim, gostaríamos de frisar o quanto a crescente onda de iconoclastia que aqui procuramos apresentar constitui uma ameaça a um direito democrático básico, o da liberdade de crença religiosa. Este direito é afirmado pelo Art. 5º, VI-VIII, da Constituição de 1988, que garante, entre outras coisas, a proteção aos locais de culto e às suas liturgias (Brasil 2012BRASIL. (2012), Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nos 1/1992 a 68/2011, pelo Decreto Legislativo nº 186/2008 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/1994. Brasília: Edições Câmara.:13). Ele é afirmado, ainda, pelo Código Penal e por outras leis, que punem práticas de intolerância religiosa (Silva Jr. 2007SILVA JR., Hédio. (2007), “Notas sobre Sistema Jurídico e Intolerância Religiosa no Brasil”. In: V. G. da Silva (ed.). Intolerância Religiosa: Impactos do Neopentecostalismo no Campo Religioso Afro-Brasileiro . São Paulo: EDUSP .:312-314). Todavia, o cumprimento dessa legislação é muito insuficiente, esbarrando na omissão ou na explícita má vontade das autoridades responsáveis - como bem ilustra o caso do ataque ao terreiro Kwe Cejá Danlomin Lojiqueji, que não foi registrado como um ato de intolerância apesar de todas as evidências nesse sentido. Na contramão dessa omissão, cremos que cumpre desenvolver estudos que evidenciem, analisem e denunciem a iconoclastia religiosa. De um modo mais amplo, o desenvolvimento desses estudos é potencialmente valioso para refletirmos criticamente sobre os desdobramentos políticos no Brasil recente, marcados pelo recrudescimento de diversas formas de fundamentalismo e pela desenfreada expressão de preconceitos de todos os gêneros.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2023
  • Aceito
    21 Nov 2023
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