Ansiedade e reciprocidade: a Igreja Universal do Reino de Deus além das fronteiras

Resumos

A mensagem da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), organização transnacional centralizada, é sombria e nada otimista, com influência limitada, embora real, da teologia da prosperidade. Enfatiza as forças diabólicas e encoraja os seguidores a desconfiarem dos outros e até mesmo de suas próprias motivações ao orar, suplicar e doar. Nas performances rituais, os pastores alertam os seguidores para não esperarem nada em troca. O ritual é descrito como “disruptivo”. O texto compara a tratamento dado pela Igreja aos cultos de possessão no Brasil, Moçambique e África do Sul. A cura e o exorcismo são considerados no contexto das relações de reciprocidade, com exemplos de “psicoterapia popular” observados na televisão no Brasil. A pesquisa se desenvolveu em vários países.

Palavras-chave:
Neopentecostalismo; Pentecostalismo global; ritual evangélico; Igreja Universal do Reino de Deus; exorcismo.

Abstract: The message of the Universal Church of the Kingdom of God (UCKG), a centralized transnational organization, is gloomy and not at all optimistic, with limited, though real, influence from prosperity theology. It emphasizes diabolical forces and encourages followers to be suspicious of others and even their own motivations when praying, supplicating, and giving. In ritual performances, pastors warn followers not to expect anything in return. Rituals are described as "disruptive." The text compares the Church's treatment of possession cults in Brazil, Mozambique and South Africa. Healing and exorcism are considered in the context of relationships of reciprocity, with examples of "popular psychotherapy" observed on television in Brazil. The research was carried out in several countries.

Keyword:
Neo-Pentecostalism; global Pentecostalism; evangelical ritual; Universal Church of the Kingdom of God; exorcism.

Introdução ¹

Os dados em que se baseiam este artigo foram coletados desde 2019 em estabelecimentos pertencentes à Igreja Universal nas seguintes cidades: Londres, Rio de Janeiro, São Paulo, Santos, Buenos Aires, Santiago do Chile, Oaxaca, Cancún, Tel Aviv, Groningen¸ Amsterdã, Vancouver, Toronto, Bruxelas, Paris e Brooklyn (Nova York). A localidade que mais frequentei é a sede do Reino Unido, no antigo Rainbow Theatre, em Finsbury Park, no norte de Londres, que a igreja comprou em 1995 por 2,25 milhões de libras esterlinas (4,45 milhões de dólares em dinheiro de hoje)² e restaurou com custos elevados. Minhas conversas foram principalmente com pastores e assistentes (obreiros). Só muito ocasionalmente podiam ser descritas como entrevistas previamente acordadas com anotações e por vezes eram muito curtas porque, com algumas exceções, os meus interlocutores não gostavam de discutir muito mais do que generalidades, preferindo me ver como um seguidor em potencial. Costumo dizer aos pastores que estou fazendo pesquisa, mas durante muito tempo, no Rainbow Theatre, não declarei meu interesse até que finalmente consegui uma entrevista com o bispo, que dirige a igreja no Reino Unido. Na minha última visita, uma obreira perguntou “Como vai o seu livro?”.

Meu trabalho não inclui entrevistas com seguidores, exceto conversas passageiras, por isso estou criando um retrato dos fiéis da igreja construído pelo discurso dos pastores. Não é meu propósito dizer que muitos ou a maioria dos fiéis são atormentados pelos duplos vínculos e pelas forças do mal que figuram com destaque na minha descrição do discurso pastoral. Meu propósito é antes descrever o corpo de ideias que permeiam o discurso da igreja. Deveria ficar claro que há muito mais a ser dito sobre a sua relação financeira com eles, sobre os muitos grupos em que são convidados a participar, como jovens, idosos, mulheres e homens, sobre os envolvimentos políticos da Igreja no Brasil etc.

O assunto do artigo é a Iurd mundial. Seu site mostra endereços em 124 países.³ Eu a trato como uma instituição única porque ela opera um sistema centralizado no qual os pastores brasileiros excedem em número todas as outras nacionalidades, os temas dos cultos diários são padronizados e os procedimentos rituais são sincronizados. Os pastores e suas esposas em todos os países participam de um discurso semanal às quintas-feiras de seu fundador e líder, Edir Macedo, pelo Zoom. Aos pastores é exigido serem casados, e são “orientados” a não ter filhos.⁴ Eles adotam um estilo de oratória consistente e altamente requintado, que é uma das “marcas registradas” da Igreja... As muitas semelhanças que ligam os pastores e o estilo de culto em todo o mundo mostram que a liderança exerce uma supervisão detalhada e garante a unidade, a lealdade e a uniformidade de práticas por meio de vários mecanismos, incluindo a transferência de pastores num curto espaço de tempo, de região para região e de país para país. O império da Record TV, cujo proprietário é Macedo, ampliou seu alcance para transmissões em espanhol e inglês de suas novelas bíblicas, e a igreja opera um canal por assinatura, o UniverVideo, bem como canais no YouTube em português, inglês e outros idiomas. Não sabemos quase nada sobre a gestão financeira dos consideráveis recursos da igreja, exceto o que está no bem documentado livro do jornalista investigativo Gilberto Nascimento (Nascimento 2019).

Considerações metodológicas

Nos anos 1990 e no início dos anos 2000, a Iurd era associada nas mentes da inteligência secular - como aparece nas páginas da Folha de São Paulo por exemplo - com o Evangelho da Prosperidade, com cura instantânea e com apelos insistentes por dinheiro por parte dos seus seguidores pressionados. Ricardo Mariano, em uma de suas muitas publicações sobre o tema, descreveu as igrejas neopentecostais em geral da seguinte forma:

Daí seus cultos basearem-se na oferta especializada de serviços mágico-religiosos, de cunho terapêutico e taumatúrgico, centrados em promessas de concessão divina de prosperidade material, cura física e emocional e de resolução de problemas familiares, afetivos, amorosos e de sociabilidade (Mariano 2004:124).

E ele descreve também como o crente da Iurd

se torna, nos termos de Edir Macedo, sócio de Deus e, somente nessa posição privilegiada, pode passar a desfrutar das bênçãos e promessas divinas. De sua parte, os pastores não só incentivam tal arriscada demonstração de fé como garantem que os desafios são investimentos de alto retorno. De modo que tais crenças sobre dízimos e ofertas, invariavelmente, encerram cálculos utilitários, tanto da parte de quem paga quanto da de quem recebe e administra os recursos. Na condição de dizimistas e ofertantes, os fiéis almejam adquirir e exercer o direito de cobrar do próprio Deus o pronto cumprimento de Suas promessas bíblicas: vida saudável, próspera, feliz e vitoriosa (Mariano 2004:129).

Nessa perspectiva, não havia espaço para o ritual, o simbolismo nem para as incertezas daqueles que buscavam pelo Espírito. Nem havia lugar para uma visão profundamente pessimista da natureza humana e sua vulnerabilidade às maquinações de poderes do mal como denunciadas pelos pastores tal qual nos escritos de Macedo. Os avisos dos pastores de que não adiantam orações e doações motivadas por recompensa material vieram mais tarde. Da mesma forma, uma contribuição de 2014 de Jacqueline Moraes Teixeira, sobre o Godllywood,⁵ enfatizou a dimensão performática da mensagem transmitida principalmente on-line pela filha de Macedo, Christiane Cardoso, educando as mulheres de forma altamente convencional e disciplinada de se apresentarem ao mundo, mas hoje a mensagem tornou-se mais complexa (Teixeira 2014).

Para alguns observadores mais recentes, a igreja é neoliberal e antifeminista, apesar da ideia do empoderamento feminino que Christiane e educadores Godllywoodianos gostam de defender (Marchesi, Rosa & Resende 2021). Esses autores citam Macedo dizendo que “o homem” sofre da maldição de sua própria designação, já no livro de Gênesis, como o provedor, e a tarefa da mulher é apoiá-lo enquanto também, como parceira frágil e submissa, o olha como seu protetor e ora por ele quando ele cai em tentação.

Caso o cônjuge seja ‘endiabrado’: se for mulherengo; bêbado; perverso; malcriado? (...) De que modo conviver com tal situação? Você diz para si mesma que vai à igreja, ora pelo marido e parece que quanto mais ora, pior ele fica” (Macedo 2012: 49-50) O bispo, então, dá as instruções de como a mulher deve agir: “A posição da mulher é a mesma da Igreja: submissa; dócil; bondosa; cheia de amor e alegria; esperando por seu marido assim como a Igreja espera pelo Senhor Jesus (Marchesi, Rosa & Resende 2021:111-112) .

E parafraseando a Maria das Dores Campos Machado (Machado 2005), os autores concluem:

O arranjo familiar que emerge tem como fulcro, paradoxalmente, a mulher simultaneamente submissa e agente da salvação da família. A mulher deve apresentar-se como esposa dócil e submissa ao marido, mas tem papel fundamental em engendrar a prosperidade do seu lar ...os homens tendem mais à conversão religiosa quando se sentem ameaçados em sua masculinidade. Encontram nos átrios religiosos o reconforto e consolidação do papel social patriarcal que se assenta sobre a métrica do protagonismo masculino... na racionalidade iurdiana, a mulher é colocada na condição importante, porém subordinada, da função de servir ao marido e à família, cabendo-lhe a responsabilidade do êxito familiar, entendido principalmente como prosperidade econômica e indissolubilidade do matrimônio (Marchesi, Rosa e Resende:111-112).

O artigo afirma que a Igreja Universal defende uma divisão de trabalho na qual o homem lidera e a mulher tem um papel submisso a ponto de negar seus próprios desejos sexuais,⁶ e os autores encontram um exemplo em que Macedo diz, publicamente e em tom de desaprovação, que se uma mulher tem doutorado e encontra um parceiro com um nível de qualificação mais baixo, então ele não seria o cabeça, e se ela fosse o cabeça ela não estaria servindo a vontade de Deus. Para os autores, essa é a combinação de neoliberalismo e valores da família tradicional destinada a contrariar a autonomia das mulheres (Marchesi, Rosa & Resende 2021:115). Não tenho dúvida da autenticidade dessas citações, retiradas da Revista Fórum, mas elas não levam em conta as ambiguidades que figuram em muitos escritos e pronunciamentos de Macedo, de sua filha Christiane e seu genro Renato Cardoso, e pelos pastores da igreja, que são discutidos neste artigo. Essas ambiguidades são visíveis no livro Matrimônio Blindado de autoria de Cristiane e Renato Cardoso, em que o casal dá muita atenção à fragilidade masculina, à crise da masculinidade e aos desafios que ela apresenta às mulheres, mesmo afirmando que são feministas que “querem destruir a família” e que o homem deve ser capaz de cumprir o seu papel como cabeça.⁷ Uma vez que não estão envolvidos na produção de um corpo sistemático de pensamento, não é fácil captar a filosofia “iurdiana” dos seus textos e esses autores têm razão em olhar para os aspectos performativos das múltiplas atividades da igreja on-line, em salas de oração, em prisões, hospitais etc.

Também podemos nos inspirar em Patricia Birman, que já nos anos 1990 mostrou os insights que vêm à tona quando a questão do gênero é abordada incorporando as vidas dos fiéis da igreja no seu encontro com o sobrenatural. Suas observações vieram de áreas do Rio de Janeiro onde a vida familiar estava sujeita à grave vulnerabilidade socioeconômica e interferência do tráfico, e sua abordagem é relevante. Nessas circunstâncias ela descobriu que

Em primeiro lugar emerge a figura da mulher que nitidamente é construída em termos religiosos como uma figura de mediação; em segundo lugar, percebemos que essa mediação propicia formas de relação com a igreja e suas práticas que buscam conciliar um estatuto de não crente com benefícios advindos de práticas rituais diversas. O trabalho de mediação feminina não é de forma alguma inócuo do ponto de vista do sentido das práticas religiosas no mundo evangélico: provoca alterações no seu modelo. (Birman 1996b:207).

Depois que mães e esposas que frequentam a igreja regularmente passam pelo ritual de libertação, as mulheres permanecem como figuras de mediação, permitindo que os homens de sua família vivam como o que os economistas chamam de free riders, confiando em suas mães e esposas para controlar seus demônios quando necessário. A autoridade materna na família conduz rituais como ungir seus filhos rebeldes quando eles se metem em problemas e, dessa forma

buscam compatibilizar com a esfera religiosa aqueles que se encontram possuídos por entes malignos. O objetivo da atividade ritual de salvar traz essa dimensão relativa à concepção do Mal em presença - esse circula e antes de tudo é preciso se dispor a amarrá-lo, vale dizer, exercer um controle ritual que se confunde com o papel da mulher na família. (Birman 1996b:216).

Muita coisa mudou desde os anos 1990, principalmente no relacionamento entre o tráfico e as igrejas evangélicas, como mostrou Christina Vital da Cunha (Vital da Cunha 2015; ver também Paes Manso 2023), mas cito o artigo de Birman porque a minha abordagem tenta ter em conta o conteúdo sobrenatural da vida das pessoas que frequentam a Iurd. Isso é difícil porque descobri que os obstáculos para entrevistar seguidores são quase intransponíveis. Por exemplo, não fui convidado para entrar em suas casas e não observei sua vida doméstica da mesma forma que Patricia Birman, e ela não teve muitos emuladores desde então. Recentemente, porém, nossa compreensão da igreja e da vida de seus seguidores foi enriquecida por Alana Souza, com base em vários anos de envolvimento com a igreja em Recife e no persistente relacionamento de longo prazo com pastores, obreiras e fiéis (Souza 2021).

Parto da premissa de que muitas pessoas que frequentam os cultos da Igreja Universal estão em busca de uma experiência que as transporte para um mundo onde o sobrenatural substituirá as trocas que regulam a vida cotidiana, e, por isso, meu tema é o caminho incerto trilhado pelos pastores e seguidores entre o sobrenatural e o material. Este artigo descreve como a igreja, por meio da oratória de seus pastores, procura criar entre seus seguidores um estado de ansiedade diante das forças do mal que atuam em suas vidas, e um relacionamento de dois gumes com o Deus inescrutável e imprevisível.

O ritual do batismo, o Espírito Santo e o double bind (duplo vínculo)

Receber o Espírito Santo é uma aspiração permanente que nunca pode ser totalmente realizada. Os seguidores imploram para que o Espírito Santo desça sobre eles; aspiram ser batizados no Espírito Santo, mas esse batismo é apenas um momento em uma jornada que nunca pode ser completamente concluída. O batismo por imersão em um rio ou piscina pode selar a filiação de uma pessoa à igreja, mas não indica conclusão, e não significa batismo no Espírito, no sentido “completo”.

Um pastor brasileiro em Nazaré, Israel, onde seus potenciais fiéis não são judeus, mas cristãos árabes, me disse em abril de 2022 que às vezes as pessoas são batizadas rapidamente - pouco depois de começarem a frequentar. Então, eles as levam para uma piscina, um rio, qualquer lugar, e as batizam. Uma preparação prolongada não é um pré-requisito, mas também não garante a verdadeira presença do Espírito naquela pessoa. Ele disse que é na “aura” exalada por uma pessoa que a presença do Espírito pode ser observada. No entanto, ele também aconselhou discrição: não é “algo sobre o qual se fala” (Entrevista, 22 de abril de 2022).

Outro pastor brasileiro, agora da igreja da Fulton Street, no Brooklyn, Nova York, usou palavras quase idênticas, dizendo que quando vivemos nossas vidas, testemunhamos não pelo que dizemos, mas ao mostrar nosso eu interior, por uma luz que brilha de dentro. Uma pessoa morre e nasce de novo; ela abandona sua antiga vida (Culto, 28 de setembro de 2022). Para redescrever a presença do Espírito em termos mais tangíveis, o pastor de Nazaré contou sua própria história como exemplo: ele se livrou de suas casas no Brasil e em Israel (possivelmente doando os recursos para a igreja), deixou de lado a vida frívola e os maus hábitos, dedicando-se a Deus e à igreja, e no fim abandonou seu emprego.⁸ Não há ritual ou sinal que, de maneira definitiva, e muito menos objetiva, marque uma pessoa com a presença do Espírito.

No entanto, uma reunião de Grupo de Oração que participei em Londres me fez questionar se é realmente tão indescritível, pois, nessa ocasião, a obreira nos deu tarefas para fazer, “exceto aqueles que têm o Espírito Santo”, como se fosse uma categoria burocrática. Em outra ocasião, perguntei à mesma obreira uma pergunta típica do meu modo de pensar excessivamente literal, secularista e empírico: “qual é a diferença entre ser ‘batizado no Espírito’ e ‘receber o Espírito’?” Embora interlocutores teologicamente inclinados pudessem responder nos termos em que a pergunta foi formulada, para essa pessoa deve ter parecido absurdo: ou seja, eu estava pedindo a ela para definir o indefinível ou descrever um estado de espírito ou da alma como se fosse um item a ser retirado de uma prateleira. Alana Souza relata uma troca estranhamente semelhante em Recife:

Descobrir entre os meus interlocutores como eles sabiam que tinham recebido o Espírito Santo foi inicialmente difícil por causa de um erro metodológico, agora claro, que eu cometia, então perguntei-lhes ‘Como se sente uma pessoa quando recebe o Espírito Santo?’ A maioria me disse que não sentia nada e que não tinha explicação, apenas sabia (Souza 2021:301).

Durante as reuniões de oração, os congregantes imploram ao Espírito Santo, às vezes em voz alta, para descer sobre eles: ninguém está pensando “bem, eu tenho o Espírito Santo, então agora não preciso mais orar por isso”. A pregação não se refere à posse do Espírito Santo como um estado permanente nesta vida. Isso nunca é certo: nos dizem que, para salvar nossas almas, devemos nos envolver em uma transformação completa de nós mesmos neste mundo, mas também que não há “garantia”. Nesta vida, devemos constantemente vigiar nosso comportamento e nos proteger contra o diabo, para quem as pessoas que receberam o Espírito são um alvo valioso. O Espírito marca uma ruptura em nossas vidas, abrindo um novo começo, mas sabemos que nossas lutas pessoais não cessam, e podemos regredir. Nunca podemos realmente saber.

A ideia também é flexível: o Espírito pode descer independentemente das ações de uma pessoa.⁹

“As pessoas que Deus escolhe não são aquelas com diploma: elas podem até ter um passado criminal e nunca ter imaginado que o Espírito Santo iria escolhê-las.” (Culto, Finsbury Park, Londres, 12 de agosto de 2021)

Os pastores podem aludir a uma relação de troca, mas com uma reviravolta: somos exortados a realizar atos de arrependimento, como os doze dias do Jejum de Daniel, durante o qual devemos abandonar prazeres superficiais e comer de forma frugal, mas não devemos cair na ilusão de que esses sacrifícios trarão a bênção do Espírito Santo, de que, de alguma forma, jejuando, iremos “merecê-la” (Culto, Finsbury Park, Londres, 12 de agosto de 2021). Pelo contrário, estamos pedindo para nos beneficiar de uma troca desigual na qual

Eu só posso oferecer minha vida destruída, mas em troca quero receber o Espírito Santo que mudará minha vida para sempre... Se o Espírito Santo estiver dentro de você, você superará o mundo. O pecado que o controlava não o controla mais. Então, nada é impossível... Imagine o criador de todo o universo dentro de você. Uma vez que você recebe o Espírito Santo, você tem o poder do criador do Céu. (Rainbow Theatre, Finbury Park, 3 abr. 2022, tradução livre).

Entretanto, não há espaço para condescendência: oração e vigília são exigências permanentes. A igreja sobrecarrega seus seguidores com tarefas tanto espirituais quanto práticas: eles estão sob constante pressão: cuidar de suas próprias falhas e ficar atentos às armadilhas armadas pelas forças do mal, pagar os dízimos que são sua obrigação e dar mais além disso para arrecadar fundos, visitar os doentes, visitar hospitais e prisões, ir a pontos onde é comum ocorrer suicídio e desencorajar pessoas que querem se matar, distribuir a publicação gratuita da igreja City News (também publicada em Londres em espanhol e no Brasil como Folha Universal)… Para o núcleo de fiéis, o pertencimento não é uma questão de uma vez por semana, e os pastores e assistentes trazem as pessoas para o núcleo, encorajando-as a tornarem-se obreiros ou a assumirem responsabilidades - por exemplo, separar legumes para a cozinha comunitária semanal.

Espera-se que você realize muito desse trabalho em apoio à igreja, mas você nunca pode ter certeza e, na verdade, nem deveria pensar que isso lhe trará o batismo no Espírito Santo.

Prosperidade e o Espírito Santo: outro double bind

A retórica dá com uma mão e retira com a outra: os pastores pedem doações, mas colocam dúvidas sobre as motivações das pessoas. Prosperidade, eles dizem, é uma ilusão, ainda assim cada segunda feira os cultos são dedicados a resolver problemas financeiros. Em vídeos mostrados no Rainbow Theatre durante alguns cultos, a experiência de renascimento das pessoas parece ser cuidadosamente roteirizada para transmitir uma mensagem ambígua sobre a conexão entre sucesso nos negócios e posse do Espírito Santo, ou conversão. Vídeos exibidos durante alguns cultos retratam pessoas - frequentemente casais - que percebem que seu estilo de vida confortável esconde um “vazio” profundo. Eles doam todas as suas posses, presumivelmente para a igreja, e se dedicam ao seu trabalho. Mais tarde, eles surgem como uma família feliz, novamente vivendo em circunstâncias muito confortáveis.

Em Cancún (México), em junho de 2023, assisti a um vídeo em que um jovem empresário conta como, após um longo período de fracasso, esperava e rezava por um contrato de talvez 30 mil pesos. Em vez disso, ele teve sorte e conseguiu um de 60 mil, e então fez uma doação para a igreja. Não uma simples doação: ele vendeu tudo, até bens pessoais como seu aparelho de televisão. Depois disso o negócio realmente decolou e agora ele tinha um contrato de 13 milhões. Um dos pastores me contou que conhecia pessoalmente o empresário desde quando ele serviu na capital, Cidade do México.

Esses vídeos transmitem uma mensagem relativamente cautelosa em comparação com relatos da África do Sul, nos quais pastores incentivam as pessoas a pensar que podem alcançar algo semelhante a uma sorte miraculosa fazendo doações cada vez maiores (Van Wyk 2014). Na década de 1990, quando comecei a visitar igrejas da Iurd em Salvador, na Bahia, também ouvi promessas desse tipo, mas nos últimos anos muito menos. Naquela época, um dos lemas mais frequentemente ouvidos na igreja era “É só dando que se recebe” - um ditado que teve origem com São Francisco.

Os fiéis são convidados a orar e trabalhar para a sua estabilidade financeira, ouvem histórias de pessoas que só encontraram paz e estabilidade depois de doar suas posses. No entanto, também são informados de que, se o motivo de sua doação for receber algo em troca, não receberão nada. Os próprios pastores, que são modelos a serem seguidos, não têm bens; eles não recebem um salário, mas uma “ajuda” e vivem em acomodações fornecidas pela igreja. Isso não configura uma série de situações contraditórias?

Rituais de reciprocidade

Enquanto a obscuridade e a nebulosidade caracterizam os rituais cerimoniais de igrejas, como a Católica, que são herdeiras de tradições antigas, de xamãs, de pais e mães de santo em seus terreiros, ou mesmo as invocações que se ouvem em uma aula de ioga, na Igreja Universal, que se orgulha da rejeição da teologia e dos rituais pesados que ela interpreta, o simbolismo é reduzido a sua expressão mínima, direta e explícita. Em outros contextos, como centros de turismo religioso ou peregrinação, itens como um lenço ou um pequeno cálice de plástico seriam vendidos como bugigangas, lembranças ou souvenires, enquanto na Igreja Universal eles são distribuídos na expectativa de que os fiéis retornem, tendo, por exemplo, respondido a um questionário por escrito (como “o que está preocupando você esta semana?') ou realizado um ritual, como espalhar água benta pela casa. Estabelece-se uma relação de reciprocidade, baseada no sentimento de culpa que vem com os presentes gratuitos. A Igreja não faz a distinção católica entre bugigangas e objetos consagrados.

Além do jejum e da contribuição material, os seguidores tomam pequenas medidas de baixo custo para remover forças potencialmente prejudiciais por meio de uma relação de reciprocidade simbólica contínua com a igreja. Em um exemplo observado em Londres, Nova York e São Paulo, eles levam para casa uma rosa após o serviço de libertação na sexta-feira. Durante a semana, a rosa deve ser mantida em um local simbolicamente relevante na casa - como embaixo da cama do casal se o problema for a suspeita de infidelidade do parceiro. Na sexta-feira seguinte, elas são trazidas de volta e depositadas no chão em frente ao altar, e os pastores as levam para serem queimadas. Em Londres, a queima ocorre no telhado do prédio, assistida simultaneamente na tela acima do pódio na igreja. Na catedral João Diaz, em São Paulo, a queima acontece na garagem.

As cerimônias nas igrejas católicas e nos terreiros requerem um pouco de gasto ostensivo. Para celebrar a Sagrada Comunhão o padre deve estar com suas vestimentas ornamentadas e usar objetos consagrados.¹⁰ Batizados exigem que as pessoas se vistam adequadamente e paguem taxas, e as cerimônias do candomblé requerem gastos sabidamente elevados, como em elaboradas vestes das filhas de santo. Em contraste com esses procedimentos elaborados e tradicionais, uma palavra para descrever as variações da IURD em símbolos antigos poderia ser simplificação. Ou seja, gestos e procedimentos são inventados e descartados, sem uma pré-história, e são dotados de poderes instrumentais de curta duração. A ideia pode ser capturada na imagem de fiéis chegando para uma cerimônia na igreja com uma simples garrafa plástica mundana e simples de água e um pão, representando os elementos essenciais da vida. Edlaine Gomes, assim como a falecida Clara Mafra e suas colegas, observaram que é muito comum ver pessoas saindo de um serviço com “pontos de contato” como sal marinho, água de rosas ou uma pulseira. Elas se referiram aos Estatutos da Igreja, que fazem disposições específicas para “pessoas imaturas na fé”, implicitamente, aquelas que mais precisam conhecer a mensagem cristã, ... as que precisam de "pontos de contato”... para despertarem fé suficiente (Gomes 2011; Mafra, Swatowiski & Sampaio 2012:86).¹¹ Um obreiro com quem conversei em uma igreja em Recife, em 2011, usou a palavra “isca” quando eu ingenuamente perguntei o que tais dispositivos poderiam significar, uma palavra derivada da pesca que significa que eles eram projetados para atrair pessoas para a igreja. Em Londres, membros da congregação levam a imagem de um cálice decorado intitulado “Cálice da Salvação” com uma citação do Salmo 116 e um lembrete de uma reunião em uma data posterior, juntamente com um pequeno dedal de plástico. No Brasil, observei pessoas saindo da igreja com objetos como sacos plásticos de “água abençoada”, para serem espalhados nas salas de suas casas a fim de dissipar espíritos prejudiciais.

Uma rara exceção a essa qualidade simplificada dos rituais da Universal é a celebração da Santa Ceia durante as cerimônias dominicais conduzidas em todo o mundo: no Rainbow Theatre, os obreiros distribuem um dedal de suco de uva e um pedaço de pão a todos os presentes; nós os seguramos reverentemente em nossas mãos por alguns minutos enquanto o pastor relembra as palavras de Jesus na Última Ceia: “Este é o meu corpo, dado por vós; fazei isto em memória de mim... Este cálice é a nova aliança no meu sangue, que é derramado por vós” (Lucas 22:19-20). Isso é incomum devido à formalidade e regularidade do procedimento.

A igreja dedica considerável engenhosidade para criar laços de reciprocidade por meio dos “pontos de contato”. Em Oaxaca, uma cidade colonial e capital do estado mexicano do mesmo nome, onde um pastor brasileiro na casa dos trinta anos lidera uma igreja muito animada em mais um cinema desativado, os fiéis receberam folhetos impressos em cores com instruções muito precisas.¹² Grampeado ao folheto havia um saco plástico contendo um lenço de papel dobrado. As instruções eram recitar o Pai Nosso todos os dias e trazer o pequeno saco plástico de volta para a igreja no domingo seguinte “para tratamiento del cielo” (para tratamento celestial). O papel absorvente foi explicado por uma citação do Livro do Apocalipse 7:17: “E Deus enxugará dos seus olhos toda lágrima”.¹³ Foi pedido aos fiéis que “trouxessem uma barra de sabão à igreja para ser abençoada e que lavassem seu sofrimento todos os dias no chuveiro e trouxessem esse sabão de volta para a igreja”.¹⁴

Em uma variação do mesmo tema, em Londres, durante uma cerimônia, em julho de 2021, os membros da congregação receberam um lenço para levar para casa e foram instruídos a voltar uma semana depois. Eles voltariam “mais limpos” - mais limpos perante Deus, enquanto limpavam pensamentos ruins e ressentimentos persistentes.

Esses dispositivos servem tanto para chamar a atenção para os benefícios da frequência à igreja, seja tanto proporcionando alívio do sofrimento ou oferecendo um caminho para a realização de sonhos acalentados (de amor, riqueza, saúde etc.) quanto para estimular a reciprocidade. Exemplos incluem o Jejum de Daniel e campanhas de arrecadação de fundos como a Campanha Anual de Israel (que arrecada para a Igreja, não para Israel). Para fortalecer sua capacidade de resistir a forças ocultas malignas, as pessoas devem aprofundar sua relação de reciprocidade com a igreja, seja simbolicamente, trazendo uma rosa ou uma bugiganga que lhes foi oferecida, ou escrevendo seus pensamentos em um caderno.

Diante do iminente Jejum de Daniel (que dura 14 dias), em dezembro de 2021, as pessoas no Rainbow Theatre foram informadas de que

Satanás encontrou uma forma de nos distrair (notavelmente através da internet); o Jejum de Daniel é para ‘purificar-se’. Isso não significa apenas ouvir música cristã; significa fazer um esforço. A decisão é sua”.

Os efeitos sobre os seguidores de serem insistentemente informados de que suas vidas estão ameaçadas por forças malignas são, sem dúvida, variáveis. Mas o propósito dessas mensagens e a pressão para retribuir devem instilar um senso de ameaça sobrenatural de fontes demoníacas e uma esperança concomitante de que, ao fortalecer as relações de reciprocidade com a igreja, esse perigo pode ser impedido.

O anseio pelo Espírito Santo e o medo de ameaças diabólicas à paz da vida e da família não são suficientes para criar laços duradouros entre uma igreja e seus seguidores. Assim como para o pesquisador curioso, é difícil para os pastores obterem uma visão das respostas íntimas dos ouvintes às suas advertências apocalípticas. Então, precisamente porque não há uma forma confiável de saber se as pessoas que frequentam as cerimônias realmente recebem o Espírito Santo ou se levam uma vida de virtude imaculada, eles concentram suas energias em oferecer àqueles que entram pela porta uma relação de reciprocidade na esperança de que se tornem contribuidores regulares (dizimistas ou firmes) e que seu compromisso de tempo evolua de uma mera participação para uma presença regular e envolvimento ativo. Nisso, a Igreja Universal parece ter quebrado muitas convenções, pelo menos aos olhos dos comentaristas de fora do público pentecostal. Ao contrário de outras igrejas, onde doações e coletas são tratadas discretamente, eles nunca fizeram pretensão de discrição - na verdade, seus líderes parecem ter feito questão, desde muito cedo, de fazer um espetáculo do dízimo - ou seja, de pedir contribuições de forma barulhenta e insistente, às vezes em reuniões ao ar livre em estádios de futebol. Isso provocou choque na classe média educada e na mídia mainstream no Brasil, incluindo a TV Globo, mas a Iurd não para de prosperar, desafiando as convenções da respeitabilidade religiosa, e no Brasil o espetáculo foi imitado por outras igrejas, como a quase falida Igreja Mundial do Poder de Deus, de Valdemiro Santiago, e a Igreja Internacional da Graça de Deus, de RR Soares - ambas fundadas por ex-sócios próximos de Edir Macedo.

A convocação para doações é um ritual em toda cerimônia, por menor que seja a congregação: os obreiros se alinham em formação na frente do altar segurando sacos de veludo vermelho abertos para receber dinheiro em espécie e máquinas para doações com cartão. Apenas uma vez, em um local pequeno em Amsterdã, observei que o pastor não fez o apelo, deixando um saco à frente para contribuições espontâneas (embora eu não saiba se isso era sua prática padrão).¹⁵

Por mais insistentes que sejam os apelos para contribuições, o double bind também está presente: os pastores semeiam a semente da autodúvida na mente dos ouvintes, dizendo-lhes que doar só tem valor se feito com 100% de sinceridade. E ainda assim, que não haja dúvida: o dízimo é o “10% mais sagrado” de sua renda, com prioridade sobre as despesas domésticas, mensalidades escolares e impostos. Não está claro se ou como esses 10% são monitorados. Os obreiros educadamente pedem às pessoas que vão à igreja seus nomes e números de contato, mas eu mesmo não fui solicitado a declarar minha renda. Na Igreja Universal em Londres, somos convidados a colocar nossa contribuição em um envelope que inclui um formulário que permite à igreja, como uma instituição de caridade reconhecida, cobrar de volta o imposto pago pela contribuinte sobre a renda correspondente. Isso aumenta o valor das doações de contribuintes para instituições de caridade (sem fins lucrativos) registradas em 25%. A maioria dos adultos parece se levantar, caminhar à frente e contribuir.

Os pastores frequentemente se esforçam para vincular o apelo às doações aos temas de suas pregações, por mais tênues que sejam as conexões. Por exemplo, em uma cerimônia baseada em um trecho do Livro de Jó, o pastor disse: “porque Jó temia Deus, ele evitou fazer algo ruim” e continuou: “Nosso dízimo é um símbolo do nosso temor a Deus.” E então, exemplificando mais uma vez o duplo vínculo e advertindo contra expectativas de reciprocidade de Deus, ele também disse que “dar o dízimo na expectativa da bênção de Deus é como se casar com alguém por seu dinheiro”.¹⁶

E ainda assim gostam de citar uma passagem do livro do profeta Malaquias 3:10:

“Tragam o dízimo completo para o depósito do templo, para que haja alimento em minha casa. Ponham-me à prova”, diz o Senhor dos Exércitos, “e vejam se não vou abrir as comportas dos céus e derramar sobre vocês tantas bênçãos que nem terão onde guardá-las” (Malaquias 3:10).

Ilana van Wyk refere-se ao mesmo trecho frequentemente citado na Igreja em Durban (Sudafrica) muitos anos antes (Van Wyk 2014:219). Em sua experiência, “os pastores da UCKG¹⁷... tratavam dízimos e sacrifícios como contratos de vínculo com Deus que não apenas eram poderosos, mas previsíveis em seus resultados. Tais afirmações eram baseadas em uma compreensão de Deus que era fundamentalmente transacional. Como os pastores deixaram claro, a relação entre Deus e o homem sempre foi de dar e receber” (Van Wyk 2014:200). Isso foi na primeira década do século; pela segunda década, pelo menos na Europa e nas Américas, os pastores estavam minando essa miragem de troca com o duplo vínculo: se você dá com a expectativa de receber, não é válido. E então, desenvolvendo o tema da sinceridade, eles acrescentam uma reviravolta adicional: você não pode confiar nem na sua própria sinceridade até receber os benefícios em troca - ou não.

Ritual disruptivo

Pastores e bispos da Igreja Universal em todo o mundo seguem um estilo padronizado de pregação: suas vozes sobem e descem em tom e volume como se estivessem repreendendo seus ouvintes com uma dicção contundente. Sua oratória é tão padrão que pode ser considerada um ritual em si. A pregação pentecostal em geral é conhecida por seu volume elevado e até mesmo pelo moralismo combativo, mas o estilo da Igreja Universal é distinto à sua maneira, mais exigente de respeito do que afeto - compensado por momentos ocasionais de familiaridade e humor. No entanto, fora dos serviços, pastores e obreiros são muito acessíveis, aparentemente prontos para dedicar tanto tempo quanto seus fiéis solicitarem.

Procedimentos simbólicos, como a distribuição de um pequeno cálice de plástico ou um lenço para levar para casa e depois devolver, ou a rosa que trazemos e depois levamos para casa e trazemos de volta novamente, estão em constante mudança. Os seguidores são apresentados a novos procedimentos e novas dimensões para a presença do sobrenatural em suas vidas. Até mesmo as músicas (hinos) não são repetidas de uma cerimônia para outra, então suas letras são projetadas em uma tela ou indicadas pelo pregador. Talvez seja por isso que o canto não tem a qualidade entusiástica e edificante habitualmente associada a reuniões evangélicas. A prática de mudança frequente nos rituais contrasta com os ritos católicos e anglicanos, ou ritos judeus ortodoxos, que são realizados diariamente, semanalmente ou anualmente de forma mecânica ou automática, deixando questões de significado e substância para teólogos profissionais em instituições especializadas afastadas da vida cotidiana da instituição. Edir Macedo já foi citado dizendo que a teologia é uma invenção do diabo destinada a semear confusão nas mentes dos fiéis, e seus pastores frequentemente se referem às rotinas tediosas e formalistas dos serviços em outras igrejas. Nas palavras de um bispo, “o diabo usa a religião para nos desviar e fazer acreditar que podemos ser salvos ou receber o Espírito Santo ao realizar todo tipo de ritual como os 613 mandamentos ou acender velas ou recitar o terço”. Quando mencionei que passei uma semana em um mosteiro e o quanto apreciei os rituais, o canto dos monges e a atmosfera, a resposta foi incisiva: “há todo tipo de sujeira por trás dessas aparências” (Tel Aviv, 17 de fevereiro de 2022).¹⁸

No “ritual ritualizado da igreja”, o significado “verdadeiro” ou original de gestos e palavras se perde. Como Maurice Bloch observou, praticantes, como xamãs, reagem com incredulidade quando perguntados sobre o que tal procedimento “significa” (Bloch 2004). Eles realmente não sabem o que a própria pergunta poderia “significar”. Em contraste, os pastores da Igreja Universal explicam seu simbolismo aos fiéis. Essa concretização, retirando a aura de mistério do simbolismo, diferencia a igreja do que seus pastores às vezes chamam com desprezo de “religião”, com seu aparato de pessoas plenas de aprendizado, mas intocadas pelo Espírito Santo.

Essa “religião” é desprezada porque atrai seguidores para a irracionalidade e o sentimentalismo, afastando-se da “fé inteligente”. Como escreve Alana Souza: “A principal característica da fé inteligente defendida pela Igreja Universal é que ela não seria baseada em sentimentos ou emoções. A fé deve ser baseada na Bíblia e em seus ensinamentos e crenças, que não devem ser sentidos”. Ao lado do pedido às vezes frenético e coletivo do Espírito Santo, a mensagem é surpreendentemente austera. Através dos diferentes meios de comunicação da IURD, é possível encontrar a fé inteligente definida como obediência aos mandamentos de Deus sem “sentimentalismo” e seguindo o que é “prometido pela palavra”.¹⁹ Souza cita a resposta sucinta de Edir Macedo quando perguntado se ele “sente” o Espírito Santo: “Eu não estou sentindo nada. Não sinto a presença de Deus. Tenho certeza da presença de Deus porque acredito” (Souza 2021:300-301).

Parece que, por “emoção”, eles se referem, em primeiro lugar, à performance ritual prescrita, conforme observado nas tradições religiosas hegemônicas ou mainstream, e por inteligência e racionalidade, eles se referem à escritura intocada por elaboração erudita ou teológica, bem como ao autoexame racional dos indivíduos. Em segundo lugar, os pastores denunciam a “religião” por enganar as pessoas emocionalmente, explorando seus sentimentos, e negam que a IURD pregue religião. Na verdade, a palavra “religião” não é usada pelos pastores para descrever o que ensinam. Quando perguntados sobre o que estudam em sua preparação para servir no altar, invariavelmente dizem que estudam apenas a Escritura Sagrada. Eles nem mesmo afirmam estudar as obras de Edir Macedo. O que eles querem dizer com isso permanece um mistério: não me foi revelado um método, e não vi um manual de estudo bíblico. A igreja recentemente produziu um aplicativo²⁰ habilmente projetado que contém o texto bíblico escrito e falado e o livro de leituras diárias de Macedo, O Pão Nosso para 365 Dias (Macedo 2015). O livro fornece uma leitura de 250 palavras para cada dia do ano, encabeçada por uma citação bíblica e acompanhada por uma exortação moral na parte inferior da página. É projetado para uso pessoal pelos fiéis, embora possa ser usado para estudo na igreja ou em seus grupos.

Quando os pastores e líderes da igreja criticam a “religião” por apelar às emoções, eles querem dizer que ela se baseia na repetição rotineira de fórmulas vazias - em outras palavras, no ritual. No entanto, apesar da denúncia de “emoção” e “religião”, a participação nas cerimônias da Igreja Universal parece afetar emocionalmente as pessoas, como evidenciado nas expressões de aflição ou desespero coletivo quando os fiéis apelam para que o Espírito Santo desça sobre eles. Um dos propósitos da retórica pastoral parece querer provocar um senso de ansiedade e até desestabilizar seus seguidores, em contraste com a conduta mais rotineira do ritual nas igrejas católicas e protestantes mainstream ou “históricas”, onde tende a proporcionar mais conforto aos fiéis.

Uma característica do ritual nessas igrejas é a repetição: elas procedem com deliberação respeitosa por meio de palavras e movimentos prescritos, enfatizando sua regularidade por meio das fases da liturgia e do dia, semana e estações do ano. Na Iurd, ao contrário, o ritual evita esse tipo de repetição reverencial. Pode-se dizer que eles evitam “ritualizar o ritual”. Eles provocam os ouvintes a questionar se suas ações realmente refletem seus sentimentos internos, se estão sendo sinceros e honestos consigo mesmos. Na hora da doação, dizem-lhes para não doar se estiverem fazendo isso apenas por um sentido de obrigação. Eles provocam os ouvintes sobre o tema da sinceridade. Se a oração for excessivamente ritualizada, perde a sinceridade e a reflexão. Mas quase todos doam.

Descrevo esses padrões rituais como disruptivos de maneira semelhante ao uso da palavra “interrupção” por Joel Robbins (Robbins 2020). Eles contrastam com a vida ritual repetitiva que embala as pessoas na “zona de conforto” da regularidade: é a regularidade que incentiva as pessoas a pensar que, ao “seguir os movimentos”, cumpriram “seu lado de um acordo” ou suas obrigações com Deus.

O caráter disruptivo dessa performance ritual também se afasta dos conceitos de ritual em escritos como os de Maurice Bloch e Dan Sperber (Bloch 2004; Sperber 1975, 1996), para quem o ritual é definido por seu caráter formal, pela repetição de procedimentos e sua opacidade. Na Igreja Universal, no entanto, pregadores podem rasgar o véu de opacidade formado por palavras, movimentos e gestos ritualizados e misteriosos e confrontar a substância, apelando para códigos morais nativos ou intuitivos e sentimentos correspondentes de culpa. Uma exceção é a Santa Ceia descrita anteriormente e outra é a “Novena de Limpeza Espiritual”,²¹ que, conforme anunciado em Londres em maio de 2022, se estende por nove sextas-feiras. O membro recebe um livreto e, a cada sexta-feira ao longo de 9 semanas (daí o nome “Novena”), traz uma página do livreto na qual escreveu seu “propósito” ou resolução. O livreto é precedido por um breve texto que fala das cidades bíblicas cheias de pecado de Sodoma e Gomorra, localizadas perto do Mar Morto. O Mar Morto fornece o sal para o “Vale do Sal” - um lençol branco colocado no chão em frente ao altar. A cada sexta-feira, durante essas nove semanas, os membros da congregação passam por um arco branco provisório e depois seguem ao longo do lençol iluminado dos dois lados por lâmpadinhas de decoração colocadas no chão e acompanhados por obreiros. A maioria das pessoas entrega sua resolução a um dos assistentes ou a deixa no lençol. No livreto há uma página para cada semana com um tema, começando com Limpeza Física e seguida por Mente, Emocional, Financeira, Familiar, Profissional, Vida Amorosa, Social e Espiritual. Após nove semanas, outros exercícios acontecerão.

Cura: gerenciando a ambiguidade

Nas sociedades contemporâneas, parece haver uma compensação entre a formalidade do ritual e sua interpretação literal. Um anglicano ou católico tradicional, ou um judeu ortodoxo, realizam inúmeros rituais, alguns dos quais são preces para que algo aconteça; no entanto, essas são realmente expressões de uma esperança ou um desejo, por exemplo, por recuperação de uma doença ou por aprovação em um exame. Eles seguem uma fórmula prescrita; na igreja ou sinagoga, são uma expressão de apoio da congregação para os indivíduos envolvidos. Geralmente, não se espera que tenham um efeito prático, embora ainda possam alimentar a possibilidade remota de que uma intervenção divina possa ocorrer. Em contraste, em igrejas pentecostais e na neopentecostal Iurd, rituais de cura e exorcismos, que não seguem fórmulas ou procedimentos praticados durante séculos, são realizados de maneira mais ruidosa, frequente e entusiasmada - embora os pastores ainda tomem cuidado para matizar tais reivindicações. A lógica subjacente é a mesma: se funcionar, devemos agradecer a Deus (não ao pastor ou ao padre), e se não funcionar, podemos concluir que Deus não quis que fosse assim - Edir Macedo, após o anúncio do resultado das eleições em 2022, divulgou um vídeo consolador para seus seguidores dizendo que não era o desenlace que eles queriam e pelo qual oravam, mas era a vontade de Deus.²² Assim como o double bind, a promessa de cura não pode ser contestada.

Por exemplo, obreiros movimentam-se pela congregação, segurando a cabeça das pessoas para baixo enquanto proferem uma breve oração para que sejam libertas de todo mal e doenças, e depois liberam os demônios em um gesto repentino, gritando “Sai! Sai!”. Exorcismos mais elaborados também são realizados às vezes durante as cerimônias de sexta-feira, día da libertação, em uma ou duas pessoas - geralmente mulheres - que se apresentam ou são chamadas para a frente da igreja. Essas pessoas são seguradas enquanto o pastor convoca os demônios para libertá-las, a pessoa possuída se contorce, grunhe, geme e grita, até que, no fim, o procedimento cessa, a pessoa se acalma e volta ao seu lugar.

A cura esteve presente desde a fundação da Igreja Universal: em seu primeiro texto autobiográfico, Orixás, caboclos e guias: deuses ou demônios?, Macedo escreveu que, como Jesus, ele deveria se dedicar a curar os doentes e expulsar espíritos malignos (Macedo 1988). Hoje, talvez mais fora do Brasil do que no próprio Brasil, a igreja tem o cuidado de não afirmar que suas atividades de cura substituem o tratamento médico profissional: o site do Centro de Ajuda do Rainbow Theatre em Londres afirma que “o Centro de Ajuda da UCKG não afirma curar as pessoas, mas acredita que Deus pode curar através do poder da fé”.²³

Quando as pessoas descem do palco após esse ritual prolongado, terminando com um gesto resumido de cura do pastor, muitas vezes são questionadas se o procedimento teve o efeito desejado: podemos admitir que, concordando com as expectativas da assembleia, “realmente acreditam” que foram curadas? Quando o pastor pergunta: “Você se sente melhor agora?”, dificilmente podem dizer “não”, se apenas porque, ao negar, pareceriam se colocar à margem da coletividade. Se foram voluntarias para se apresentar para a cura resumida, devem estar preparadas para reconhecer sua eficácia. Mas os elementos em questão são principalmente psicológicos e não visíveis: não há relatos de pessoas jogando fora suas muletas e gritando “Aleluia! Deus seja louvado!”.

Essa não é uma relação instrumental de curto prazo: essas pessoas não entraram na igreja apenas para obter uma “solução rápida”. Foi-me dito pelo obreiro em Recife - o mesmo que falou sobre dispositivos como “isca” - que eles pararam de distribuir sacolas plásticas de “água do Rio Jordão” porque as pessoas as levavam para casa e nunca mais voltavam: estavam procurando uma “solução rápida” (minhas palavras). Esses momentos de cura fazem parte de uma relação que abrange uma comunidade de fiéis, entidades sobrenaturais, o pastor e a igreja. Como frequentadores regulares, estão acostumados a respeitar a autoridade de um pastor, independentemente dos efeitos práticos.

Entretanto do ponto de vista da igreja, sempre há o risco de free riding. Isso se reflete na frustração de um pastor brasileiro, o Pastor Paulo, em Cancún, México. Paulo reclamou comigo que as pessoas vêm à igreja em busca de uma solução, por exemplo, para suas dificuldades financeiras, e depois que resolvem o problema, nunca mais retornam. Esse era o mesmo pastor que conhecia o empresário bem-sucedido ou afortunado na Cidade do México mencionado anteriormente e ele estava contrastando os aproveitadores com a lealdade desse empresário.²⁴

É esperado, pelo menos nos códigos profissionais corriqueiros, que um médico seja independente de qualquer envolvimento pessoal em nossas vidas. Por outro lado, a cura oferecida por um pastor é inserida em uma teia de relacionamentos que vinculam seus seguidores uns aos outros e a uma igreja, entre os quais está o relacionamento ansioso com o Espírito Santo. E, como esse relacionamento, a cura é cercada por incertezas. Poucas pessoas saberão, ou mesmo afirmarão saber com certeza, se o procedimento misterioso de cura as fez se recuperar, e se não se recuperaram, eles, ou seus parentes enlutados, concluirão que, embora algo tenha dado errado dessa vez, em outra ocasião a cura do pastor pode funcionar, como na interpretação de Sperber da couvade (Sperber 1996:55). De qualquer forma, não causa danos físicos e não tem custo, pelo menos a curto prazo; a longo prazo, a igreja deve esperar que o procedimento antecipe um relacionamento de longo prazo e os dízimos correspondentes.

O pastor em Nazaré mencionado no início deste texto forneceu outra ilustração das ambiguidades envolvidas em histórias de cura. Ele me disse que ele e sua esposa têm um filho autista que agora é adolescente. Ele disse que o filho tem tomado Ritalina (um medicamento geralmente receitado para o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade ou TDAH), mas evoluiu gradativamente de um caso agudo para um de menor gravidade - ele sabia tudo sobre o “espectro”. Ele sugeriu o papel do Espírito na melhoria da condição da criança, mas não insistiu nisso, e disse ainda que o cuidado inteligente dos pais foi importante. Ele não mencionou profissionais médicos, mas presumivelmente eles também foram consultados.

Por outro lado, o bispo que ridicularizou o mosteiro como “tanta sujeira”, me contou sobre a recuperação de sua cunhada que foi levada ao hospital em São Paulo após um derrame. Na época, ele estava fora do Brasil. O cirurgião havia dito que poderia operar para remover o coágulo, mas que ela ficaria paralisada pelo resto da vida. Então, o bispo ligou para seu irmão e disse a ele para interromper a operação e começar uma corrente de oração. Três dias depois, o médico abriu o cérebro dela e não encontrou nenhum coágulo... Meu interlocutor não ofereceu uma explicação como tal: ele apenas levantou as sobrancelhas como se dissesse “entendeu?”. Sua cunhada, por sua vez, pode nunca ter tido um tumor no cérebro: mesmo que o esboço dos eventos estivesse correto, como todas as histórias de cura, essa foi uma narrativa ex post facto. Se ela tivesse morrido ou permanecido doente, a história não teria sido contada.

Em outro exemplo de ambiguidade gerenciada, ele me contou sobre um homem que superou severos problemas psicológicos e de vício. Nesse caso, a descrição foi em termos de uma determinação em se libertar de psiquiatras, terapeutas, drogas e metadona. Orientado pelo bispo, ele havia convencido seu médico a reduzir gradualmente a metadona ao longo de um mês - deve ter sido extremamente doloroso, mas funcionou. Agora, ele tinha um emprego como segurança em um hospital e também trabalhava com o bispo na administração da igreja. Várias vezes, quando visitei a igreja, ele estava lá. Em consonância com as frequentes alusões dos pastores à importância da razão, da sabedoria e da inteligência, ele tomava cuidado para não dizer que sua melhoria se devia às suas orações e que havia superado seus vícios, sua dependência dos medicamentos e os demônios subjacentes a eles pela aplicação da razão e graças ao apoio do bispo.

Em ambientes mais impessoais, pastores e obreiros explicam a finalidade dos dispositivos que distribuem, lembrando-nos que, por si só, os dispositivos “não funcionam”:

À porta da igreja em Lanus, um bairro histórico de classe trabalhadora em Buenos Aires, em 7 de fevereiro de 2023, uma terça-feira, quando o tema é questões de saúde,²⁵ um assistente me ofereceu um cotonete com óleo para ungir as partes do meu corpo que estavam me causando dor. Ela disse que eu poderia ir ao banheiro se quisesse e fazer isso lá. Mas ao mesmo tempo, ela teve o cuidado de me lembrar que não é o óleo que cura - mas sim Deus.

Depois, entrei na igreja onde o pastor falava sobre cura. Ele começou com “a cura da alma”. “Quando Jesus retornar, apenas aqueles que tiverem ‘curado a alma’ serão salvos - infelizmente os demais não serão.” Então, antes de falar sobre a cura do corpo, ele nos alertou que uma verdadeira purificação interna ou cura da alma é mais importante. Novamente - não há garantia e devemos olhar para nossas consciências.

Recentemente nunca ouvi pastores afirmarem que câncer ou doenças cardíacas podem ser curados por métodos espirituais, enquanto recordo ter ouvido tais afirmações nos anos 1990. No Brasil, outras igrejas, como a Igreja Mundial do Poder de Deus, são mais ousadas em suas alegações de cura espiritual, o que poderia ser passível de punição no Brasil sob leis contra charlatanismo e curandeirismo se as autoridades as aplicassem de maneira consistente.²⁶

O principal investimento da IURD hoje é no apoio a pessoas que sofrem do que poderia ser chamado de males da vida moderna - males para os quais os remédios biomédicos são incertos e cujos tratamentos dependem do envolvimento ativo do paciente. Pastores recitam longas listas, incluindo depressão, pensamentos suicidas, insônia, ansiedade e ódio de si próprio. Em uma de suas publicações, Macedo lista os seguintes principais “Sintomas de possessão demoníaca”: “Dores de cabeça constantes, insônia, medo, desejo de suicídio, nervosismo, vícios, dores não diagnosticadas, inveja e depressão” (Macedo 2014:58-65).

Além da medicação, a resposta da psiquiatria convencional à depressão e à ansiedade, por vezes desencadeadas ou exacerbadas por problemas financeiros e conflitos familiares, geralmente se apresenta na forma de terapia em grupo ou terapia cognitivo-comportamental: tratamentos que o paciente pode considerar prolongado, caro e com resultados incertos. Não é incomum que os próprios psiquiatras recomendem que pessoas alcoólatras ou toxicodependentes participem do Alcoólicos Anónimos ou Narcóticos Anónimos, cujos métodos têm uma afinidade amplamente reconhecida com a conversão pentecostal. Ao lado desses tipos de remédios, as ofertas da igreja podem parecer bastante vantajosa - exceto, é claro, que os praticantes/pastores carecem de certificação profissional, e os pacientes não estão protegidos contra abusos. A lógica da igreja deve residir na expectativa de que aqueles sofredores que se envolvem com seus pastores e obreiros serão levados por um senso de obrigação a contribuir com dinheiro e com seu tempo à obra da igreja, mesmo que seja apenas para evitar sentimentos de culpa que surgiriam a partir de uma recusa à reciprocidade. Os perigos surgem quando essa reciprocidade se transforma em um relacionamento de dependência ou subserviência excessiva, como é ouvido nas alegações de dissidentes que deixam a igreja e a denunciam de fora.²⁷

O caso do homem que se livrou da dependência de drogas levanta a questão de se o caminho da psicoterapia popular não é também um caminho para um envolvimento próximo com a igreja e seu pessoal, e pode não ser por acaso que os pastores, na IURD e em outras igrejas pentecostais, frequentemente falam de seu próprio passado problemático, às vezes com relatos sórdidos de dependência, violência ou simples frivolidade. Devido ao seu caráter estereotipado - ou seja, histórias repetidas que seguem um padrão comum de drogas, álcool, violência doméstica, pais opressores e separação dos pais - tenho tendido a duvidar da autenticidade dessas respostas confessionais à pergunta sobre o que os trouxe para se juntar a uma igreja, mas talvez meu ceticismo não seja justificado. Ou seja, talvez ao proclamar ruidosamente seu acolhimento a eles, por exemplo, a igreja realmente acabe com uma representação desproporcional de ex-dependentes entre seus pastores.²⁸

Sinceridade e as forças do mal

Sem o Espírito Santo, “você está enganada”. Durante o jejum de duas semanas conhecido como o “Jejum de Daniel”, apenas jejuar não é o ponto principal: um assistente explica a um Grupo de Oração que o jejum não quer dizer deixar de comer, mas sim abandonar atividades frívolas por duas semanas. Mas se for só isso, será apenas aparência superficial. Deve-se também focar na melhoria moral da própria vida. Essa admoestação de olhar por trás do gesto para examinar a motivação reaparece nos apelos por doações, frequentemente acompanhados da ressalva de que estas não devem ser motivadas por um sentido de obrigação: pastores fazem apelos insistentes para o dízimo regular e doações “extras”, ao mesmo tempo que admoestam seus ouvintes a não doarem à igreja a menos que o façam com as intenções mais puras. Deve-se doar com o coração, com verdadeira sinceridade, e se esse sentimento estiver ausente, então deve-se abster e não doar apenas por um senso de dever. Mais uma vez, o ouvinte fica se perguntando como ter certeza de sua própria sinceridade, assim como não tem certeza de possuir o Espírito Santo.

Isso novamente nos leva ao double bind. os pregadores podem ser parafraseados assim:

Mais do que ter fé, temos que praticar a fé: você pode fazer todas as coisas certas - pode orar, pode ajoelhar-se diante de Deus, mas isso não é o ponto: você tem que sacrificar. E mesmo assim, se você não vir os resultados, você não está realmente sacrificando. Jesus disse: “Dai, e ser-vos-á dado” (Lucas 6:38), mas tem que ser 100%. Mesmo que você dê 99%, ainda receberá zero.

Essa é a reviravolta: o teste da sinceridade de suas orações e do alcance do seu sacrifício reside em se eles foram respondidos.²⁹ Você não deve orar esperando uma recompensa ou retorno, no entanto, o teste da sinceridade está nesse próprio retorno. A “lógica” é a mesma que ouvi do pastor em Cancún, que reclamava dos aproveitadores que não retornavam depois de alcançarem seu objetivo.

Podemos pensar nesse padrão de buscar além das aparências, de descartar formalidades e gestos programados em busca de sentimentos subjacentes como hábitos de fala: a descrição de uma performance ritualística gera uma pergunta sobre sua autenticidade; uma doação convida a questionar a motivação do doador; e uma declaração de amor pode esconder toda sorte de perfídia. Pastores semeiam nas mentes de seus fiéis a desconfiança pelos outros. Dizem que, apesar de uma aparência de paz e amor, seu casamento pode ser ameaçado por espíritos malignos, especialmente pela infidelidade conjugal, ou que um vizinho cuidadoso que parece tão gentil com seus filhos está, na verdade, preparando-os para algo sinistro.

Bispo Zagarinho, falando na catedral João Diaz, em São Paulo, em fevereiro de 2023, enumerou os mesmos sintomas de possessão demoníaca mencionados por Macedo em seu livro citado anteriormente, dizendo que “a depressão é a maldição do século”, antes de oferecer palavras de consolo:

… mas Deus promete converter a maldição em bênção.

Confrontando os cultos e seus espíritos

Apesar das múltiplas similitudes observadas entre os cultos e os ritos celebrados em vários países das Américas e na Europa, diferenças emergem na administração pelos pastores das forças do mal que para a Igreja Universal são potentes causas da miséria e sobretudo de transtornos psicológicos. Uma diferença marcante entre os cultos que observei pessoalmente no Brasil e em outros lugares (México, EUA, Israel e Inglaterra) é que os espíritos dos cultos locais não fazem uma aparição ostensiva nesses outros países. Isso me surpreende, pois em Londres, a congregação na sua maioria é originária da África Ocidental (incluindo Congo e Angola) ou descende de imigrantes desses países. Também sabemos que milhões de africanos ocidentais pertencem a igrejas pentecostais cujos membros estão profundamente cientes da presença de forças invisíveis ou ocultas em suas próprias vidas e nas vidas de suas redes de parentesco (Geschiere 1995; Meyer 1995, 1998a, 1998b, 1999). No entanto, na África do Sul e em Moçambique, como no Brasil, a igreja desenvolveu uma estratégia para afastar seus fiéis dos sistemas locais de crença, envolvendo um grau de ambivalência e até mesmo entrelaçamento com o conceito do mal enunciado pela igreja e das forças que o trazem para nossas vidas.

No Brasil, a representação pela Igreja Universal de um mundo ameaçador e das ameaças a um indivíduo por forças diabólicas que podem possuí-lo e controlar sua vontade baseia-se em grande parte nos cultos brasileiros, especialmente o candomblé, como já descrito em 1996, novamente por Patricia Birman, que se refere a essa ambivalência com a frase “movimento mais complexo”:

A forma básica de mediação estabelecida por esse pentecostalismo com os cultos de possessão é aquela fornecida pela atividade de exorcismo e por vários ritos complementares de purificação e limpeza corporal. Através desses ritos se estabelece uma relação de combate a tais cultos, vistos como adversários, e com os seres sobrenaturais que são provenientes dessa mesma fonte, os espíritos e orixás, identificados como seres diabólicos. Esse combate, contudo, não deve nos enganar: não se trata de uma negação pura e simples dos entes e ritos de um outro sistema, mas sim de um movimento mais complexo que envolve mecanismos de natureza ritual sobretudo (Birman 1996a:94).

Os pastores por vezes identificam os espíritos protetores de uma pessoa e usam os nomes dos espíritos, invertendo o procedimento do candomblé ao voltar-se contra os espíritos e denunciá-los como forças traiçoeiras que levam aqueles que os habitam à miséria e perdição, a pensamentos suicidas e relacionamentos tóxicos. Como os adeptos dos cultos, os pastores da Igreja Universal representam o mundo como um espaço competitivo impregnado de ciúmes, onde os indivíduos precisam do apoio de poderes superiores para combater os feitiços lançados por seus inimigos ou rivais. Enquanto nos cultos entidades sobrenaturais são convocadas para habitar os corpos dos médiuns, os pregadores da Igreja Universal exigem veementemente que elas se manifestem para expulsá-las (Boyer 1996:258).

A etnografia de Ilana van Wyk sobre a Igreja Universal em Durban (África do Sul), realizada entre 2005 e 2010, retrata os pastores “conectando-se” a um sistema de crenças (bastante diferente dos cultos brasileiros) no qual maldições e bruxaria são uma fonte constante de medo e desconfiança, exercendo uma influência tóxica sobre os relacionamentos familiares. Nesse livro os pastores da Iurd se referem ao dinheiro “limpo” que os fiéis podem esperar “receber de volta” se doarem grandes quantidades para a igreja, em contraste com o dinheiro poluído que pode vir de outras fontes, incluindo de parentes próximos. Assim como no Brasil, eles integram as ideias da igreja sobre influências demoníacas na vida das pessoas ao quadro das ideias indígenas Zulu sobre fortuna e infortúnio, os perigos de substâncias poluentes penetrando o corpo e a bruxaria perpetrada por adivinhos e membros da família (Van Wyk 2014:130). O contexto local ofereceu um solo fértil para essa retórica pastoral que semeia a desconfiança de forças do mal ameaçando as pessoas.

No Brasil, a relação da igreja com os cultos é mais ambivalente. Seus pregadores denunciam as entidades dos cultos pelo mal que fazem àqueles que habitam, mas estudos de caso mostram como eles podem valorizar as habilidades e a experiência de ex-adeptos que se tornam membros, pelos quais a relação entre os cultos e a igreja não pode ser comparada a uma ruptura ou incompatibilidade. Para Patricia Birman os “antigos filhos de santo e atuais adeptos da Igreja” constroem uma “ponte” que facilita a circulação de informações que dizem respeito a “situações de perigo, identificadas com a presença de forcas malignas” (Birman 1996a).

Quando pastores ou obreiros me contam sobre seu envolvimento passado nos cultos, parece que estão destacando a profundidade da transformação que experimentaram: como etnógrafo, ouço (ou quero ouvir) que deixaram tudo isso para trás. Mas talvez eu esteja errado ou sendo ingênuo. Ou seja, talvez estejam transmitindo a mensagem implícita de que retêm suas faculdades como médiuns e ainda estão se comunicando com, ou são habitados por, suas entidades governantes, como sugere Birman, assim como Véronique Boyer (Boyer 1998)? Talvez a mensagem seja mais perturbadora do que inicialmente presumi. O mesmo raciocínio poderia se aplicar aos pastores que se orgulham de seu passado como traficantes de drogas: à luz de uma literatura que documentou a sobreposição obscura que às vezes existe entre o tráfico e igrejas evangélicas no Brasil e na América Central, pode-se questionar se a ruptura foi tão definitiva quanto eles afirmam ainda se eu não tenho conhecimento pessoal de tais envolvimentos (Brenneman 2012; O'Neill 2019; Vital da Cunha 2015).

Na interpretação de Birman, o exorcismo não encerra a possessão: tanto nos cultos quanto na igreja, são necessários esforços constantes para “prender” os demônios por muito tempo, talvez para sempre. Edlaine Gomes discorda, afirmando que, uma vez que as pessoas tenham passado por certos estágios de indução e sido batizadas por imersão total (batizado nas águas), considera-se que são capazes de resistir às forças demoníacas e estão qualificadas para ascender na hierarquia da igreja (Gomes 2011:90). De qualquer forma, nos anos desde que esses autores conduziram suas pesquisas, a igreja pode ter alterado sua abordagem em relação aos espíritos “africanos”. Minha impressão é que agora os pastores prestam mais atenção à nossa própria vulnerabilidade psicológica e moral.

Assim, aonde quer que vão na África, os pastores confrontam os espíritos e os interpelam, chamando-os pelos nomes. Ou eles lhes dão nomes retirados do panteão do candomblé. Assim, em Moçambique, onde a Igreja Universal tem centenas de estabelecimentos, os pastores resgatam mulheres educadas, empreendedoras, na procura de ascensão social, de espíritos que eles acreditam condená-las a uma vida de solteira, imitando e zombando os curandeiros locais e violando tabus profundamente enraizados. Em um caso, Linda van de Kamp descreve um pastor que, desafiando interditos locais contra manifestações públicas de afeto, dá um beijo apaixonado em sua esposa na igreja para “demonstrar as deficiências dos costumes locais” (Van de Kamp 2016:65). “Os pastores estão trazendo sua noção de África de volta à África para exorcizar os espíritos malignos da cultura africana” - pois dizem que a África está cheia de espíritos malignos que são a origem dos espíritos que arruínam as vidas dos brasileiros também. (Claro, para os praticantes dos cultos no Brasil, suas origens africanas são uma bênção, não uma maldição [Capone 1999]). A ambiguidade de sua abordagem dos cultos no Brasil desaparece em Moçambique, onde todas as complexidades de vidas assombradas e atormentadas por espíritos ancestrais são fundidas em uma única guerra de confronto direto (Van de Kamp 2016:65-67, 110). A abordagem como enfrentamento pode parecer simplista, mas não há dúvida de seu impacto nas populações locais e seu efeito desmoralizador sobre as lideranças dos cultos, que ecoaria os efeitos do pentecostalismo no próprio Brasil, com vários casos judiciais que alegam perseguição religiosa das igrejas evangélicas contra os cultos.³⁰ A mesma intolerância se repete na Guatemala, em Gana, na Nigéria e na África do Sul (Garrard 2021; Meyer 1998a; Vital da Cunha 2015). Além da experiência propriamente religiosa, para Linda Van de Kamp a influência dos pastores moçambicanos sobre aquelas mulheres as leva a adquirir “agência”, a enfrentar o mundo sozinhas, apoiadas no jejum, na oração e no dízimo, mas agindo sobre seu entorno com base em posições “individualizadas” e protegendo seus corpos com uma “armadura espiritual”, enquanto “incorporam os conflitos em sua sociedade” (Van de Kamp 2016:127-130).

Existem debates sobre o tema entre pentecostais na África, quando teólogos aparentemente afetados pela “culpa do homem branco” enfrentam criticas de teólogos negros hostis aos espíritos “africanos”. Assim, Allan Anderson, teólogo e proeminente estudioso do pentecostalismo, descendente, como ele diz, de quatro gerações de missionários brancos, rejeita, em sua compreensível ansiedade para se livrar do fardo dessa herança, as categorizações binárias veiculadas pelos missionários pentecostais europeus: após descrever numerosos incidentes de possessão observados por ele e outros, nos quais as pessoas “se comportam estranhamente”, às vezes pulando e gritando, ou apenas se acalmando após sessões de libertação que duram várias horas, ele rejeita a ideia de que os espíritos africanos são agentes que só introduzem o mal na vida das pessoas. Anderson reclama “tanto um diálogo quanto um confronto entre a nova fé cristã “poderosa” e as antigas crenças em espíritos e ancestrais” (Anderson 2006). A Iurd, vindo de fora, mas sem carregar a farda da culpa colonial, luta com desenvoltura contra os espíritos “africanos”.

Em Londres, onde uma alta proporção dos seguidores é de origem da África Ocidental, cultos de possessão e seus espíritos não são mencionados, enquanto em Moçambique, pastores brasileiros não aceitam uma abordagem conciliatória: na luta contra os demônios da África, eles têm uma vantagem, pois não são europeus. Consequentemente, quando um pastor é transferido, por exemplo, da África do Sul de volta para o Brasil ou para Londres, ele precisa mudar sua abordagem. Enquanto em Moçambique e na África do Sul as forças do mal se manifestam em pessoas próximas, sobretudo familiares que procuram influenciar fortemente a vida de cada um, no Brasil e em Londres os demônios penetram a pessoalidade e os pensamentos e devem ser combatidos por performances de exorcismo. Mas também, no Brasil e em outros países, se trata de um combate moral acompanhado por um chamado mais mundano ao autocontrole e à prossecução de um projeto de vida - o que os pastores chamam frequentemente de “reconstrução do eu”, frase que também se refere ao “nascer de novo”.

Conclusão

A Igreja Universal convida seus fiéis a buscar um estado de perfeição unido ao Espírito Santo, ou seja, com Deus. No entanto, os pastores que proclamam a recepção do Espírito como aspiração máxima dizem que não existe certeza absoluta de que alcançarão essa condição e que, mesmo uma vez alcançada, não terão proteção contra as forças diabólicas que ameaçam destruí-los.

Calvino traçou uma armadilha parecida. Nas palavras de Charles Taylor, semelhantes às de Max Weber antes dele,

A vida espiritual puritana movia-se entre uma Cila e um Caríbdis. Por um lado, era necessário ter confiança na própria salvação. Muitas dúvidas ansiosas equivaliam a um afastamento do presente de Deus e poderiam até ser um sinal de que não se estava salvo. Mas, ao mesmo tempo, uma confiança completamente inabalável mostrava que... era o pecador, que merecia ricamente a condenação eterna e só era alvo disso pela Graça gratuita de Deus... (Taylor 2007:83, tradução livre).

Na Igreja Universal, a carga de ansiedade é ligeiramente diferente porque os pastores apontam o dedo para as nossas próprias consciências: quando oramos, quando doamos, somos realmente sinceros? São as nossas doações verdadeiramente desinteressadas? Quando somos batizados nas águas, iremos realmente receber o Espírito Santo?

Gestos e ações realizados com boas intenções podem muito bem ser falsos; a sinceridade da minha própria oração está sujeita a dúvidas constantes; minhas doações para a igreja podem ser indignas ou carecer de sentido se eu for tentado a esperar um retorno. No entanto, os pastores também eventualmente nos encorajam a esperar um retorno - e às vezes nos dizem que, se a oração falhar, temos que aceitar que ela não foi totalmente sincera.

De acordo com Taylor, os calvinistas (no modelo original) essencialmente têm as coisas de ambas as maneiras também: aqueles que ele chama de “pessoas bem-sucedidas e bem-comportadas em nossa sociedade/classe social bem-ordenada” (o que outros poderiam chamar de “os escolhidos”) têm confiança de que o universo está se desdobrando como deveria e suas declarações de que são “pecadores indefesos” são (como muitas orações) expressões formuladas rotineiramente.

Na Iurd, não há ritual para dissipar nossas dúvidas. Em vez disso, existem rituais para superar problemas emocionais, afastar as forças do mal ou ajudar a superar doenças. Os sinais de possessão demoníaca - que esses rituais podem, esperançosamente, dissipar se realizados corretamente - são pelo menos nove, sendo os “mais comuns”, no livro de Edir Macedo Somos todos Filhos de Deus?, os que chamei anteriormente de males da vida moderna: depressão, pensamentos suicidas, dores de cabeça persistentes, vícios, dores não diagnosticadas, e assim por diante (Macedo 2014:56-67).

Quando os pastores falam das forças do mal, eles se referem ao dano que podem causar em nossas vidas presentes. Quando falam da “sinceridade de 100%” sem a qual a oração não serve para nada, estão aludindo vagamente à salvação. Mas ao abordar os problemas que enfrentamos em nossas vidas quotidianas, em nossos casamentos, em nossa vida financeira ou em nossa saúde mental, eles são mais específicos sobre as maneiras como nossos apelos ao sobrenatural podem ajudar. No entanto, são cautelosos: quando falam da intervenção positiva do sobrenatural, cuidam de adicionar sua frase padrão: “Deus ajuda, mas você tem que fazer sua parte.”

Todos podem se oferecer livremente para o batismo: não há uma entrada marcada. Isso pode ocorrer em um rio, uma piscina ou outro local. A ansiedade dos seguidores surge da responsabilidade que recai sobre a pessoa que está sendo batizada: não há garantia de que o procedimento “funcionará”, porque tudo depende de sua vida interior. A pessoa está por conta própria: pode ser consolada, mas não encontrará a salvação apenas pelo procedimento.

Contrasta com o Dia do Perdão Judaico (Yom Kippur), quando o perdão que se segue a uma sequência de um dia de confissão e arrependimento, marcado pela recitação do ritual do bode expiatório (Levítico 16), é selado ao pôr do sol. O ritual resolve a questão entre homens e mulheres e Deus: “Neste dia, será feita expiação por você para purificá-lo de todos os seus pecados; você estará limpo diante do Senhor” (Levítico 16:30). E, a partir de então, homens e mulheres continuam com suas vidas até o próximo Dia do Perdão.

Paralelamente, a Iurd instituiu inúmeros procedimentos que estabelecem uma relação de reciprocidade, tanto simbólica quanto material, com os fiéis. Os pastores nos convidam a colaborar com eles para alcançar coisas boas em nossas vidas diárias e afastar as forças ocultas que nos fazem mal: uma rosa levada para casa da igreja para se proteger contra rivais no amor; uma barra de sabão para limpar coisas impuras no banho diário; nossas esperanças e medos escritos em um pedaço de papel entregue para queimar.

Assim, a igreja cria um vínculo com os seguidores. Isso é alcançado adicionando métodos de captação de recursos que quebram tabus às contribuições regulares ou dízimos, que são uma variação de práticas padrão em outras igrejas. Esses métodos são diferentes porque as pessoas são informadas de que não precisam doar e não devem doar por culpa ou na expectativa de algum tipo de retorno (espiritual ou material), mesmo enquanto lhes dizem o contrário, ou seja, quanto mais derem, maior a chance de recompensa material, e é claro, em uma reviravolta adicional, que não há garantia de que Deus os recompensará.

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  » https://www.uckg.org/uckg-worldwide-addresses/

• 1
  Sou grato ao Leverhulme Trust por financiar pesquisas no Brasil, no Chile e na Argentina em 2023, à Véronique Boyer e Manoela Carpenedo, pelo tempo dedicado à leitura e por seus comentários, à Patricia Birman, e ao Piet van Boxel, por seus conselhos especializados. Também sou grato ao Lucas Bártolo pela sua paciência, e aos avaliadores pelos comentários extremamente úteis.
• 2
  MCKIE, John. (1995), “Media mogul's church buys historic Rainbow rock venue”. The Independent, 26 out. 1995. Disponível em: https://www.independent.co.uk/news/uk/media-mogul-s-church-buys-historic-rainbow-rock-venue-1579485.html. Acesso em 14/01/2024
• 3
  Site: The Universal Church of the Kingdom of God (UCKG). Disponível em: https://www.uckg.org/uckg-worldwide-addresses/.
• 4
  A palavra “orientados” é de um bispo entrevistado em fevereiro 2023 em São Paulo.
• 5
  Godllywood é o nome e a marca de um conjunto de iniciativas voltadas para o empoderamento das mulheres. Essas iniciativas abrangem desde uma presença ativa no Instagram e Facebook, liderada por Christiane Cardoso, filha de Edir Macedo, com um milhão de seguidoras, até grupos de mulheres organizadas em cada templo ao redor do mundo. A atividade central das seguidoras envolve o cumprimento, em pares, de desafios e tarefas em diferentes dimensões da vida quotidiana. Embora a Igreja considere Godllywood um movimento, a ênfase está mais no desempenho pessoal e no compromisso de levantar a bandeira da “Santidade ao Senhor” do que na ação coletiva.
• 6
  Em uma newsletter de 24 de fevereiro de 2010 e em outros canais de comunicação, Macedo escreveu em elogio à intimidade sexual e sua contribuição para um casamento feliz, citando São Paulo e o Livro de Provérbios como apoio (Macedo 2010). Sua filha e o marido também abordam o assunto em seu livro Matrimônio Blindado, mas, é claro, eles alertam contra o sexo prematuro durante o namoro fora do casamento. Em um blog em inglês intitulado Discipline in 21 Ways, Cristiane Cardoso escreve sobre o “caminho piedoso para namorar”: o “tipo mundano de namoro é assim... você se encontra, você quer se mudar para a casa do namorado... você tem relações íntimas... e, se não der certo, você segue em frente, enquanto o jeito cristão é se casar... fazer com que essa outra pessoa seja feliz deve ser o foco... pessoas cujo foco está em sua própria felicidade vão falhar porque é a maneira errada de entrar no relacionamento... você tem que se concentrar em fazer a outra pessoa feliz”.
• 7
  Entrevista com Bispo Leandro Zagarinho, São Paulo, 20 de janeiro de 2023.
• 8
  Ele veio para Israel como jogador de futebol profissional e depois permaneceu como olheiro de futebol. Durante esse tempo, ele já era membro da igreja.
• 9
  O ponto é ilustrado pela incredulidade de pessoas que não conseguiam entender a popularidade de Donald Trump, um homem sem nenhuma pretensão de viver uma vida cristã, entre os evangélicos nos Estados Unidos. Mas o evangélico está completamente disposto a acreditar que um indivíduo pode servir como instrumento da vontade divina independentemente de seu comportamento ou de suas crenças.
• 10
  Estou ciente de que os seguidores da Teologia da Libertação tendem a minimizar essas formalidades.
• 11
  Elas então citam o Estatuto de forma mais extensa: “[...] nem todas as pessoas necessitam de “pontos de contato”, mas a maioria precisa, razão pela qual realizamos nas reuniões as correntes e distribuímos gratuitamente coisas ligadas à Palavra de Deus direta ou indiretamente, literal ou simbolicamente, para trazer às pessoas uma confiança, pelo menos um fio de esperança, de fé, e assim levá-las a serem abençoadas” (Estatuto s/d:66-67 apud Mafra, Swatowiski & Sampaio 2012:86).
• 12
  Observações de uma visita em setembro de 2021.
• 13
  Uma citação de Isaías 25:8.
• 14
  Fulton Street Brooklyn, abril de 2021.
• 15
  Visita em maio de 2023.
• 16
  Rainbow Theatre, 21 de novembro de 2021.
• 17
  Universal Church of the Kingdom of God, a versão em inglês da Iurd.
• 18
  A tradição judaica fala de 613 mandamentos contidos no Pentateuco, e acender velas na véspera do Shabat é um ritual semanal, mesmo em famílias moderadamente praticantes.
• 19
  BISPO MACEDO. (2020), “Fé sem sentimentos”. Folha Universal, 8 de dezembro de 2020. Disponível em: http://www.universal.org/bispo-macedo/post/fe-sem-sentimentos/. Acesso em 15/01/2024.
• 20
  Bíblia Fiel Comentada. Disponível em: https://www.bibliafielcomentada.com/#biblia-fiel. Acesso em 15 janeiro 2024.
• 21
  Novena é um termo católico que se refere a um ciclo de oração de nove dias.
• 22
  PODER 360 (2022), “Edir Macedo diz que Lula foi eleito por Deus e fala em perdão...”. Poder 360, 3 de novembro de 2022. Disponível em:.https://www.poder360.com.br/eleicoes/edir-macedo-diz-que-lula-foi-eleito-por-deus-e-fala-em-perdao/ Acesso em 15/01/2024.
• 23
  Este alerta tem origem no chocante caso de Victoria Climbié, uma criança torturada e assassinada em 2003 pela sua tia-avó, que estava superficialmente envolvida na Igreja, levando a um inquérito público sobre o desempenho dos serviços sociais locais, e também a um exame pelos Comissários de Caridade (Charity Commissioners) do Reino Unido sobre se a igreja contribuiu para o abuso da criança ao alegar praticar a cura. Os Comissários de Caridade absolveram a Igreja dessas acusações. Ver UCKG HelpCentre. Exorcism and healing. Disponível em: https://www.uckg.org/press/exorcism-and-healing/ Acesso em: 16 de abril 2024 Macedo processou Fernando Haddad após este tê-lo chamado de “charlatão fundamentalista” durante a campanha eleitoral de 2018. Embora o caso de Macedo tenha sido inicialmente bem-sucedido, o veredicto foi anulado por um tribunal superior. Fonte: STOCHERO, Tahiane. (2020), “TJ de SP absolve Haddad de indenizar Edir Macedo por chamar bispo de 'charlatão'”. G1 SP, 6 nov. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/11/06/tj-de-sp-absolve-haddad-de-indenizar-edir-macedo-por-chamar-bispo-de-charlatao.ghtml. Acesso em 15/01/2024
• 24
  Cancún, 26 de junho de 2023.
• 25
  Todos os dias da semana, em todas as igrejas da IURD no mundo, tem um tema: Domingo Santo Culto; Segunda-feira Congresso para o Sucesso (temas financeiros); Terça-feira Dia da Cura; Quarta-Feira Escola da Fé; Quinta-Feira Terapia do Amor; Sexta-Feira Corrente da Libertação Espiritual; Sábado Jejum Coletivo para pessoas com problemas sem solução.
• 26
  De acordo com o site de O Globo de 5 de janeiro de 2021, um juiz orientou duas vezes o SUS a se pronunciar sobre a eficácia de um remédio para curar COVID com “sementes de feijão” oferecido por Valdemiro, mas a ordem não foi cumprida: “Para o MPF, houve prática abusiva da liberdade religiosa.” Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/01/05/justica-determina-pela-2a-vez-que-ministerio-da-saude-informe-se-feijao-do-pastor-valdemiro-santiago-cura-covid-19.ghtml. Acesso em: 15/01/2024.
• 27
  Veja a conta do Instagram @leavinguniversal operada por um grupo de jovens que deixaram a igreja do Reino Unido em profunda desilusão. Não considero as suas histórias pouco convincentes, até porque, ao contrário dos pastores dissidentes, eles não têm interesse em “fazer carreira” a partir da sua dissidência. Para um pastor dissidente, no Brasil veja a conta do Instagram de Davi Vieira (@falecomdavi.vieira) e uma entrevista com ele no canal do YouTube Prof. Daniel Gontijo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sDytTgBNSWo.
• 28
  É sugerido que as igrejas pentecostais acolhem ex-viciados porque eles podem fazer uso das mesmas habilidades que impulsionam o tráfico de drogas - o hustling (mais generosamente conhecido como o dom da palavra) - e porque eles podem se tornar dependentes sobre da igreja (Hansen 2018).
• 29
  Finsbury Park, dezembro de 2020.
• 30
  “O número de denúncias de intolerância religiosa no Brasil aumentou 106% em apenas um ano. Passou de 583, em 2021, para 1,2 mil, em 2022, uma média de três por dia. O Estado recordista foi São Paulo (270 denúncias), seguido por Rio de Janeiro (219), Bahia (172), Minas Gerais (94) e Rio Grande do Sul (51).”. Fonte: BERNARDO, André. (2023), “’Liberdade religiosa ainda não é realidade': os duros relatos de ataques por intolerância no Brasil.”. BBC News Brasil, 29 de janeiro de 2023. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64393722. Acesso em 16/01/2024.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  23 Fev 2024
• Data do Fascículo
  Sep-Dec 2023

Histórico

• Recebido
  16 Nov 2022
• Aceito
  22 Nov 2023