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Efeito de enzimas hidrolíticas no comportamento reológico do óleo de palma cru

The effect of hidrolytic enzymes on the rheological behaviour of crude palm oil

Resumos

No processamento tradicional de extração de óleo de palma, uma quantidade substancial do produto é perdida na fibra - durante a etapa de prensagem do fruto - e na borra - durante a etapa de clarificação do óleo cru. A viscosidade deste constitui a principal dificuldade de separação do óleo dos demais componentes da mistura. A eficiência de recuperação do óleo é usualmente melhorada por adição de água, no tanque de clarificação. Neste trabalho avaliou-se os efeitos da diluição e do tratamento enzimático no comportamento reológico do óleo de palma cru. Estes dados são importantes para estimar a velocidade de separação do óleo nos tanques de clarificação e/ou nos decanters das usinas comerciais. O óleo cru utilizado neste estudo foi recolhido em uma unidade comercial sendo composto de 65% de água, 30% de óleo e 5% de sólidos. A hidrólise enzimática foi conduzida usando como agentes hidrolisantes uma enzima comercial (viscozyme) da Novo Nordisk e um preparado enzimático produzido no CTAA. Pode-se constatar que quanto mais diluída a amostra maior é a redução na viscosidade após a hidrólise enzimática. Para uma taxa de deformação fixa em 6s-1, o tratamento enzimático do óleo cru a 60°C reduziu a viscosidade do mesmo em cerca de 29% enquanto a adição de 20% de água em cerca de 35%. A combinação da diluição com 20% de água seguida de tratamento enzimático reduziu a viscosidade do óleo cru em cerca de 75%.

Óleo de palma; enzimas; reologia; clarificação


In conventional extraction of palm oil, a substantial loss of product occurs in the stages of the fruit pressing and clarification of the "crude" oil. The high viscosity of "crude" oil is the main factor that affects the separation of the oil from the other components in the mixture. This is usually overcome by the addition of water in the clarification stage. This work addresses the study of the influence of dilution and enzymatic treatments on the rheological behaviour of crude oil. Data obtained were found to be useful for determining the separation velocities in the clarification and centrifugation stages. The palm oil employed in this work was supplied by a commercial plant and had the following composition: water (65%), oil (30%) and solids (5%). This feed was enzymatically hydrolysed at 60°C using a commercial enzyme (viscozyme) and a laboratory enzyme preparation. For a fix shear rate of 6s-1, the enzymatic treatment decreased the viscosity in about 29 % while with the addition of 20% of water the viscosity reduction was 35%. The combined effect of enzymatic and dilution treatments leads to viscosity reduction of 75 % approximately.


EFEITO DE ENZIMAS HIDROLÍTICAS NO COMPORTAMENTO REOLÓGICO DO ÓLEO DE PALMA CRU1 1 Recebido para publicação em 04/03/96. Aceito para publicação em 13/01/98.

Suely P. FREITAS2 1 Recebido para publicação em 04/03/96. Aceito para publicação em 13/01/98. ;Fernando C. SILVA2 1 Recebido para publicação em 04/03/96. Aceito para publicação em 13/01/98. ; Regina C.A. LAGO2 1 Recebido para publicação em 04/03/96. Aceito para publicação em 13/01/98. & Sonia COURI2 1 Recebido para publicação em 04/03/96. Aceito para publicação em 13/01/98.

RESUMO

No processamento tradicional de extração de óleo de palma, uma quantidade substancial do produto é perdida na fibra - durante a etapa de prensagem do fruto - e na borra - durante a etapa de clarificação do óleo cru. A viscosidade deste constitui a principal dificuldade de separação do óleo dos demais componentes da mistura. A eficiência de recuperação do óleo é usualmente melhorada por adição de água, no tanque de clarificação. Neste trabalho avaliou-se os efeitos da diluição e do tratamento enzimático no comportamento reológico do óleo de palma cru. Estes dados são importantes para estimar a velocidade de separação do óleo nos tanques de clarificação e/ou nos decanters das usinas comerciais. O óleo cru utilizado neste estudo foi recolhido em uma unidade comercial sendo composto de 65% de água, 30% de óleo e 5% de sólidos. A hidrólise enzimática foi conduzida usando como agentes hidrolisantes uma enzima comercial (viscozyme) da Novo Nordisk e um preparado enzimático produzido no CTAA. Pode-se constatar que quanto mais diluída a amostra maior é a redução na viscosidade após a hidrólise enzimática. Para uma taxa de deformação fixa em 6s-1, o tratamento enzimático do óleo cru a 60°C reduziu a viscosidade do mesmo em cerca de 29% enquanto a adição de 20% de água em cerca de 35%. A combinação da diluição com 20% de água seguida de tratamento enzimático reduziu a viscosidade do óleo cru em cerca de 75%.

Palavras-chave: Óleo de palma, enzimas, reologia, clarificação.

SUMMARY

THE EFFECT OF HIDROLYTIC ENZYMES ON THE RHEOLOGICAL BEHAVIOUR OF CRUDE PALM OIL. In conventional extraction of palm oil, a substantial loss of product occurs in the stages of the fruit pressing and clarification of the "crude" oil. The high viscosity of "crude" oil is the main factor that affects the separation of the oil from the other components in the mixture. This is usually overcome by the addition of water in the clarification stage. This work addresses the study of the influence of dilution and enzymatic treatments on the rheological behaviour of crude oil. Data obtained were found to be useful for determining the separation velocities in the clarification and centrifugation stages. The palm oil employed in this work was supplied by a commercial plant and had the following composition: water (65%), oil (30%) and solids (5%). This feed was enzymatically hydrolysed at 60°C using a commercial enzyme (viscozyme) and a laboratory enzyme preparation. For a fix shear rate of 6s-1, the enzymatic treatment decreased the viscosity in about 29 % while with the addition of 20% of water the viscosity reduction was 35%. The combined effect of enzymatic and dilution treatments leads to viscosity reduction of 75 % approximately.

1 - INTRODUÇÃO

O Brasil produziu cerca de 70 mil toneladas de óleo de palma em 1994 mas pode alcançar, dado suas condições climáticas, 450 mil toneladas anuais (3).

O processo convencional de extração do óleo de palma é puramente mecânico e gera aproximadamente 5 m3 de efluente por tonelada de óleo produzido, com uma carga de DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio) de 25.000 mg/l. Para cada 100 toneladas de frutos processados obtém-se em média 30 toneladas de óleo. Cerca de 20% do óleo é descartado no rejeito do tanque de clarificação (borra) e cerca de 7% é perdido na fibra. Os efluentes não são tóxicos pois somente água é adicionada durante o processo de extração. O óleo de palma cru é processado em tanques de clarificação e/ou unidades de centrifugação. As propriedades físicas do óleo cru, densidade, diâmetro de partícula e viscosidade, são parâmetros relevantes que devem ser considerados no dimensionamento dos equipamentos de separação do óleo. A composição do óleo cru é, em média, 65% de óleo, 25% de água e 10% de fibras. Sendo assim, a viscosidade do óleo cru é muito elevada o que dificulta substancialmente a separação das fases. A presença das fibras acarreta um aumento significativo na viscosidade da emulsão óleo/água (5). Para reduzir a viscosidade e melhorar o transporte é necessário operar em temperaturas elevadas da ordem de 90°C e adicionar cerca de 40% de água ao processo.

A aplicação de enzimas celulolíticas e pectinolíticas foi analisada por Bouvier e Entressangles (2) como auxiliar no processo de extração do óleo de palma. Os melhores resultados foram obtidos com preparados enzimáticos contendo celulase, que reduziam as perdas de óleo na etapa de clarificação em cerca de 18%. Com base nas observações dos referidos autores, procurou-se avaliar os efeitos da diluição e do tratamento enzimático com celulase na viscosidade do óleo de palma cru.

2 - MATERIAL E MÉTODOS

Óleo cru. O óleo de palma cru, obtido após prensagem do fruto esterilizado, foi recolhido na unidade comercial da PALMASA situada em Castanhal-Pará. A umidade, teor de óleo e teor de fibras da mistura foram determinadas pelos métodos padrões da ASSOCIATION OF OFFICIAL ANALYTICAL CHEMISTS (1980).

Tratamento enzimático. Para o tratamento enzimático foram usados, como agentes hidrolisantes, um preparado comercial da Novo Nordisk (viscozyme) e um preparado enzimático obtido em escala de laboratório, por fermentação semi-sólida, tendo como agente o Aspergillus niger mutante 3T5B8 e como substrato farelo de soja e farelo de trigo 1:1 (4). A amostra foi incubada na temperatura de 60°C durante 60 minutos, sob agitação, em um reator imerso em banho termostático. A concentração do extrato enzimático foi 0,1% v/v em relação ao óleo cru.

O preparado enzimático viscozyme contendo celulase, B-glucanase, hemicelulase, arabinase e xylanase foi selecionado, em experimentos preliminares, entre outros produtos da Novo Nordisk (celuclast, ultra-SP-L e olivex) e é recomendado para melhorar a extração de componentes presentes em cereais e vegetais, na dosagem de 0,05 a 0,1%.

O preparado bruto obtido no CTAA contém celulase, hemicelulase, poligalacturonase e xylanase e tem apresentado bons resultados na extração, em escala de bancada, de óleos vegetais de frutos com polpa oleaginosa (pequi, pupunha, palma e abacate).

Medidas reológicas. Os dados reológicos do óleo cru foram medidos nas temperaturas de 50°C, 60°C e 80°C. Os percentuais de água adicionados foram 10%, 20%, 30% e 40%. Os dados reológicos das amostras diluídas foram determinados a 60°C, que é a temperatura de máxima atividade das enzimas utilizadas. Os experimentos foram realizados em reômetro de cilindros coaxiais (Contraves Rheomat 30). O sistema de medida usado foi o DIN45. A amostra foi submetida a uma rampa de taxa de deformação variando linearmente de 0-452 s-1, durante 4 minutos. Os dados obtidos, tensão de cisalhamento x taxa de deformação, foram ajustados por regressão linear. Os resultados de viscosidade x diluição foram ajustados pelo modelo de Richardson (6). O coeficiente de ajuste do modelo foi determinado aplicando-se análise de variança (ANOVA).

3 - RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Tabela 1 mostra a composição do óleo empregado.

T =
Kgn

A Tabela 2 apresenta os coeficientes de ajuste dos dados log T x log g, onde T é a tensão de cizalhamento e g é a taxa de deformação aplicada. A variação é linear indicando que a emulsão contendo óleo-água e fibras segue a lei de potência (Eq. 1). O valor do coeficiente angular n é sempre menor que 1, o que caracteriza o fluído como pseudoplástico.

Onde K é o índice de consistência.

3.1 - Avaliação dos extratos enzimáticos utilizados

A adição de enzimas a 60°C favoreceu a redução da viscosidade do óleo cru (Figura 1). Sob a menor taxa de deformação aplicada (6s-1) a enzima comercial reduziu de 160 para 110 cp a viscosidade aparente da amostra enquanto que com o preparado enzimático obtido no CTAA esta redução foi maior, de 160 para 90 cp. Os experimentos subsequentes, no entanto, foram realizados apenas com o extrato comercial tendo em vista que o preparado experimental é obtido em pequena quantidade.


3.2 - Efeito da temperatura

Analisando-se as curvas obtidas na Figura 2a nota-se que, a 50°C, a viscosidade do óleo cru depende fortemente da taxa de deformação aplicada enquanto que, a 80°C, a viscosidade é praticamente constante. Isto significa que o óleo cru apresenta um comportamento quase newtoniano em temperaturas mais elevadas. A Figura 2b mostra que quanto mais alta é a temperatura de medida maior é a redução na viscosidade do óleo cru após hidrólise enzimática.


3.3 - Efeitos da diluição e hidrólise enzimática

Na Figura 3 pode-se observar que a diluição reduziu cerca de 55% a viscosidade da mistura com adição de 40 % de água em relação ao volume do óleo cru.


As Figuras 4a, 4b e 4c mostram o efeito do tratamento enzimático na redução da viscosidade das amostras diluídas, na faixa de 10 a 30%. As curvas indicam que o tratamento enzimático favoreceu a redução da viscosidade do óleo cru e que quanto maior a diluição mais significativa é a redução na viscosidade da amostra tratada com enzima.


3.4 - Efeito da taxa de deformação

Os gráficos das Figuras 1 a 4 indicam que tanto a adição de água quanto o tratamento enzimático reduziram a viscosidade da amostra e que este efeito é mais significativo quando a taxa de deformação é baixa.

A Figura 5 compara o efeito da hidrólise enzimática a 60°C para uma taxa de deformação fixa em 6s-1. Este é o menor valor registrado no reômetro utilizado e é da mesma ordem da taxa de deformação que ocorre durante a separação da mistura em tanques de clarificação. Nestas condições a viscosidade do óleo cru foi reduzida de 155 para 101 cp quando a amostra foi diluída com 20% de água e para 39 cp quando a amostra foi simultaneamente diluída com 20% de água e submetida à hidrólise enzimática. De acordo com a Tabela 3, este valor é menor que a viscosidade da amostra diluída com 40% de água (66 cp). Este resultado demonstra que a adição de enzimas no processamento do fruto de palma é uma alternativa para reduzir em pelo menos 50% a quantidade de água adicionada no processo.


3.5 - Relação empírica entre a viscosidade relativa e a fração de água adicionada

A adição de água promove uma redução na viscosidade aparente do óleo cru (ha0) que é mais acentuada quanto maior é a taxa de deformação aplicada (Tabela 3). Assim sendo quando a taxa de deformação aumenta a diluição tem um efeito maior sobre a viscosidade aparente da amostra que a fase dispersa (fibras).

De acordo com Richardson (6), os dados da viscosidade relativa do óleo cru (ha0/haf) em função da porcentagem de água adicionada (f) podem ser representados em um gráfico semi-log. A curva obtida (Figura 6) indica que existe uma variação linear entre o logaritmo da viscosidade relativa e a diluição. Como o fluido é pseudoplástico o coeficiente angular do ajuste (m) depende da taxa de deformação aplicada (Tabela 4).


4 - CONCLUSÕES

A hidrólise enzimática das fibras de palma reduz a viscosidade da mistura óleo-água-fibras. Como a eficiência de separação do óleo depende diretamente da viscosidade da mistura, o uso de enzimas celulolíticas durante a digestão do fruto demonstra ser uma alternativa viável para minimizar as perdas de óleo nas etapas de prensagem e separação nos tanques de clarificação e/ou nos decanters das usinas comerciais. Além disso, é possível reduzir a diluição, o tempo ou a temperatura nas etapas de separação do óleo o que implica em redução de consumo de energia e melhor qualidade do óleo obtido.

O extrato enzimático produzido no CTAA por fermentação em meio semi-sólido, utilizando resíduos agroindustriais, foi mais efetivo na hidrólise das fibras vegetais que o extrato comercial. A produção, no Brasil, de enzimas hidrolíticas poderá viabilizar técnica e economicamente o processo enzimático uma vez que o preço da enzima importada é a principal restrição a sua aplicação na extração de óleos vegetais.

5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e a Fundação de Amparo a Pesquisa do Rio de Janeiro - FAPERJ.

2 Centro Nacional de Pesquisa de Tecnologia Agroindustrial de Alimentos - CTAA/EMBRAPA. Av das Américas, 29501, Guaratiba, CEP 23020-470, RJ.

  • (1) ASSOCIATION OF OFFICIAL ANALYTICAL CHEMISTS - AOAC.. Official methods of analysis of Association of Official Analytical Chemists. 12 ed. Washington DC, 1975.
  • (2) BOUVIER F. & ENTRESSANGLES, B. Utilisation de cellulases et pectinases dans le procédé dextraction de lhuile de palme. Revue Francaise des Corps Gras, v. 39, n. 9/10 pp 243-314, 1992.
  • (3) FERNANDEZ, C. "Grupo Real Exporta mais Dendê". Jornal do Comércio, 12 de fevereiro, 1995, EMPRESAS.
  • (4) GOMES, C.A., COURI, S., PINTO, G.A.S. & FREITAS, S.P. Produção de enzimas hidrolíticas por fermentação em meio semi-sólido. In: IV Seminário de Hidrólise Enzimática de Biomassa, Resumos. 05 - 09 de dezembro, 1994, Maringá-PR.
  • (5) YAN, Y. & MASLIYAH, J. Rheology of oil-in-water emulsions with added solids. Chemical Engineering Science , v. 46, n.4, pp. 985-994, 1991.
  • (6) RICHARDSON, E.G. The flow of the emulsion, Journal Colloid Interface Science, v.8, pp. 367-373, 1953.
  • 1
    Recebido para publicação em 04/03/96. Aceito para publicação em 13/01/98.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Set 2001
    • Data do Fascículo
      Abr 1998

    Histórico

    • Aceito
      13 Jan 1998
    • Recebido
      04 Mar 1996
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