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INFLUÊNCIA DA DESTILAÇÃO SOBRE A COMPOSIÇÃO E A QUALIDADE SENSORIAL DA AGUARDENTE DE CANA-DE-AÇÚCAR

DISTILLATION INFLUENCE ON THE COMPOSITION AND SENSORIAL QUALITY OF SUGAR CANE DISTILLED BEVERAGE

Resumos

O conhecimento de substâncias de impacto sensorial que compõem uma bebida destilada é fundamental no monitoramento da produção, na modificação de suas características e/ou no controle de qualidade da bebida. Na destilação ocorre a separação, a seleção e a concentração destas substâncias. Foram analisadas dezesseis amostras de aguardente através de análises físico-químicas e sensorial e, posteriormente, estabelecidas relações entre elas através da análise de fatores pelo método dos componentes principais. Em seguida, foi investigado o comportamento das substâncias importantes à qualidade sensorial da bebida durante o processo de destilação. Foi constatada a necessidade de ampliar o número de componentes analisados das amostras de aguardentes, para aumentar o coeficiente de correlação entre os dados analíticos e sensoriais, viabilizando a otimização no estabelecimento de parâmetros de condução da operação de destilação e das demais operações que compõem o processo de produção de aguardente. Constatou-se também que os teores de propanol e de acidez estão em contraste à qualidade sensorial do produto, cujos teores na aguardente são reduzidos pelo fracionamento do destilado.

aguardente de cana; bebida alcoólica; composição


The knowledge of substances related to sensorial quality of sugar cane distilled beverage is fundamental in the production monitoring, in its characteristical changes and/or beverage quality control. Separation, selection and concentration of these substances are performed during the distillation process. Physical-chemical and sensorial analyses of sixteen sugar cane distilled beverage samples were analized. Their relationships were established through the factor analysis by the principal component method. Afterwards the substance behaviour related to the beverage sensorial quality during the distillation was studied. A need of analysing a greater number of sugar cane distilled beverage components was detected in order to increase the correlation coefficient between analytical and sensorial data, optimizing the setting of parameters for the distillation process and for the other stages that take part in the sugar cane distilled beverage production. It was also noticed that the higher the propanol content and acidity levels the worst was the product sensorial quality. On the other hand, when the product distillation is fractioned, the acidity levels drop as well as the propanol contents in the sugar cane distilled beverage.

sugar cane distilled beverage; spirits; alcoholic beverage; distillation; composition


INFLUÊNCIA DA DESTILAÇÃO SOBRE A COMPOSIÇÃO E A QUALIDADE SENSORIAL DA AGUARDENTE DE CANA-DE-AÇÚCAR11 Enviado para publicação em 16/01/98. Aceito para publicação em 21/10/98. 2 ESALQ/USP.

Yolanda BOZA2,*1 Enviado para publicação em 16/01/98. Aceito para publicação em 21/10/98. 2 ESALQ/USP. , Jorge HORII31 Enviado para publicação em 16/01/98. Aceito para publicação em 21/10/98. 2 ESALQ/USP.

RESUMO

O conhecimento de substâncias de impacto sensorial que compõem uma bebida destilada é fundamental no monitoramento da produção, na modificação de suas características e/ou no controle de qualidade da bebida. Na destilação ocorre a separação, a seleção e a concentração destas substâncias.

Foram analisadas dezesseis amostras de aguardente através de análises físico-químicas e sensorial e, posteriormente, estabelecidas relações entre elas através da análise de fatores pelo método dos componentes principais. Em seguida, foi investigado o comportamento das substâncias importantes à qualidade sensorial da bebida durante o processo de destilação.

Foi constatada a necessidade de ampliar o número de componentes analisados das amostras de aguardentes, para aumentar o coeficiente de correlação entre os dados analíticos e sensoriais, viabilizando a otimização no estabelecimento de parâmetros de condução da operação de destilação e das demais operações que compõem o processo de produção de aguardente. Constatou-se também que os teores de propanol e de acidez estão em contraste à qualidade sensorial do produto, cujos teores na aguardente são reduzidos pelo fracionamento do destilado.

Palavras-chave: aguardente de cana; destilação; bebida alcoólica; bebida destilada; composição.

SUMMARY

DISTILLATION INFLUENCE ON THE COMPOSITION AND SENSORIAL QUALITY OF SUGAR CANE DISTILLED BEVERAGE. The knowledge of substances related to sensorial quality of sugar cane distilled beverage is fundamental in the production monitoring, in its characteristical changes and/or beverage quality control. Separation, selection and concentration of these substances are performed during the distillation process. Physical-chemical and sensorial analyses of sixteen sugar cane distilled beverage samples were analized. Their relationships were established through the factor analysis by the principal component method. Afterwards the substance behaviour related to the beverage sensorial quality during the distillation was studied.

A need of analysing a greater number of sugar cane distilled beverage components was detected in order to increase the correlation coefficient between analytical and sensorial data, optimizing the setting of parameters for the distillation process and for the other stages that take part in the sugar cane distilled beverage production. It was also noticed that the higher the propanol content and acidity levels the worst was the product sensorial quality. On the other hand, when the product distillation is fractioned, the acidity levels drop as well as the propanol contents in the sugar cane distilled beverage.

Keywords: sugar cane distilled beverage; spirits; alcoholic beverage; distillation; composition.

1 — INTRODUÇÃO

A aguardente de cana, vulgarmente chamada pinga ou cachaça é definida como produto alcoólico obtido pela destilação do mosto de cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.) fermentado [4].

O mosto fermentado de cana de açúcar recebe a designação de vinho, podendo ser destilado em vários tipos de aparelhos; sendo assim obtida a aguardente de cana, classificada como bebida fermento-destilada [14]. Na manufatura de bebidas alcoólicas fermento-destiladas por destilação de vinhos, a operação de destilação é um dos pontos determinantes da qualidade do produto final.

Os vinhos são constituídos de etanol, de água e de congêneres como ácidos, álcoois, ésteres, compostos carbonilos, acetais, fenóis, hidrocarbonetos, compostos nitrogenados e sulfurados, açúcar e outros, sendo que esses, presentes na bebida a caracterizam bem como a qualificam [16]. Portanto a otimização das condições da operação de destilação é fundamental na obtenção de bebida de boa qualidade, pois, a destilação além de separar, selecionar e concentrar pelo uso do calor os componentes do vinho ainda promove algumas reações químicas induzidas pelo calor. Assim os componentes voláteis do vinho podem aumentar, diminuir e ainda originar novos componentes [10].

A produção de aguardente no Brasil destina-se quase totalmente ao mercado interno, onde o consumo é um hábito amplamente difundido especialmente entre a população de baixo poder aquisitivo visto ser uma bebida de preço relativamente baixo; paradoxalmente, a parcela de produção destinada ao mercado externo é pouco significativa. Pesquisas à nível nacional apontam que alterações na qualidade da aguardente resultariam em uma melhor acolhida do produto não só pelos consumidores, como também por parte dos atuais não consumidores, além de propiciar condições para aumentar o volume de exportação [13].

Qualidade é o conjunto de características que diferenciam as unidades individuais de um produto e que tem importância na determinação do grau de aceitabilidade daquela unidade pelo comprador/consumidor. Entretanto, sob o aspecto operacional e em sentido amplo, a qualidade consiste em um grupo de especificações dentro de determinados limites ou tolerâncias que devem ser atingidos [5].

O maior desafio para o tecnologista de bebidas é a definição da composição química do produto final, pois o conhecimento das substâncias responsáveis pelo flavor e por outras características das bebidas, está longe de ser elucidado, tais substâncias encontram-se em quantidades mínimas, dificultando seu isolamento, caracterização e quantificação e sem o conhecimento delas torna-se muito difícil modificar as características, e/ou controlar a qualidade do produto.

A qualidade da aguardente no Brasil é regulamentada pelo Decreto Federal no 2314 de 04/09/97 que regulamenta a Lei no 8.918 de 14 de Julho de 1994, que estabelece os seguintes padrões de identidade e qualidade: o teor alcoólico deve ser de 38 a 54% em volume à 20oC e o coeficiente de congêneres (aldeídos, ácidos, ésteres, furfural e alcoóis) não pode ser inferior a 200 mg/100 mL de álcool anidro, sendo os teores máximos de cada congênere:

- Acidez volátil em ácido acético (g/100 mL álcool anidro)- 0,150

- Ésteres em acetato de etila (g/100 mL álcool anidro)- 0,200

- Aldeídos em aldeído acético (g/100 mL álcool anidro)- 0,030

- Furfural (g/100 mL álcool anidro)- 0,005

- Alcoóis superiores (g/100 mL álcool anidro)- 0,300

Além disso, o teor máximo de metanol permitido é de 0,25 mL/100 mL de álcool anidro e o conteúdo de cobre não pode ultrapassar a 5 mg por litro do produto.

O presente trabalho teve, assim, como objetivo a otimização da operação de destilação da aguardente, baseado em dados previamente estabelecidos de correlação entre a composição química e a qualidade sensorial da aguardente.

2 — MATERIAL E MÉTODOS

2.1 – Material

Dezesseis amostras de aguardentes não envelhecidas, sendo uma de origem comercial e as demais obtidas em planta piloto de bancada em nosso laboratório, foram avaliadas através de análises físico-química e sensorial e, em seguida estabelecidas relações entre os resultados das análises físico-química e sensorial.

Posteriormente para obter o perfil do comportamento dos compostos, previamente relacionados com as características sensoriais da aguardente, durante a primeira e a segunda destilação procedeu-se o fracionamento do destilado e do bidestilado respectivamente.

O destilado e o bidestilado foram obtidos utilizando-se as seguintes condições: o vinho foi obtido através da inoculação de Saccharomyces cerevisiae (fermento biológico prensado comercial Fleischmann) em concentração de 3 g L-1 em peso seco, em caldo de cana de açúcar diluído com água potável até um teor de sólidos solúveis (oBrix) em torno de 16,0 e suplementado com sulfato de amônio (0,1 g L-1 e fosfato de potássio (0,1 g L-1). A fermentação foi conduzida sob as seguintes condições: 30-32oC sob agitação a 380 rpm em fermentadores de aço inoxidável com capacidade para 15 L. As destilações foram conduzidas em alambique tipo Besnard-Estève modificado, de carga intermitente com capacidade para 12 L. Na obtenção das frações de destilados e de bidestilados, as destilações foram conduzidas nas seguintes condições:

a) na primeira destilação do vinho, o destilado foi recolhido em frações sucessivas de 100 mL ou múltiplo, sendo o volume total de destilado recolhido foi em torno de 15% do volume inicial de vinho conforme LIMA [15] e;

b) os bidestilados foram obtidos, segundo LEAUTÉ (12), conduzindo a primeira destilação até o destilado apresentar um teor alcoólico de 25 a 27% em volume a 20oC e correspondendo a um volume médio de destilado de 3,25 L. Essa operação foi repetida três vezes e os destilados alcoólicos das 4 destilações foram combinados resultando numa mistura hidroalcoólica com teor alcoólico de 26% em volume a 20oC onde foi procedida a segunda destilação cujo bidestilado foi fracionado sucessivamente em volumes de 100 mL ou múltiplo.

As frações obtidas durante a primeira e a segunda destilação foram analisadas quanto ao grau alcóolico e aos teores de acidez e de n-propanol. O experimento foi repetido duas vezes e as análises feitas em triplicata.

Na obtenção das aguardentes bem como no fracionamento dos destilados e dos bidestilados as destilações foram feitas, mantendo-se constantes o tipo de destilador (alambique simples tipo Besnard-Estève modificado), a velocidade e a fonte de aquecimento.

2.2 – Métodos

2.2.1 - Análises Físico-químicas

- Determinação da concentração alcoólica (% v): obtida através da conversão por Tabela apropriada, dos valores de densidade determinados à 20oC em densímetro Anton - Paar, modelo DMA 45.

- Determinação da acidez total: realizada segundo as Normas Analíticas do Instituto Adolfo Lutz [11].

- Determinação dos compostos voláteis: as amostras foram injetadas diretamente no cromatógrafo à gás CG modelo 37D equipado com: detector de ionização de chama com processador/integrador eletrônico modelo CG 200 e coluna PAAC 3334 de aço inoxidável com 3m e 1/8 de polegada de diâmetro contendo Hallcomid M-18 e Carbowax 3000. As condições de operação foram: temperatura da coluna 95oC; temperatura do injetor 150oC; temperatura do detector 250oC; fase móvel: nitrogênio ultra-puro (fluxo 40 mL/min) e os volumes injetados de 3 m L. O método de identificação dos picos utilizado foi o de padronização externa. Os compostos identificados foram: aldeído acético, acetona, acetato de etila, n-propanol, metanol, isobutanol e álcool isoamílico.

2.2.2 - Avaliação Sensorial

As amostras de aguardente foram avaliadas quanto ao flavor. As avaliações das amostras foram realizadas por uma equipe de 8 (oito) provadores, previamente selecionada e treinada.

Na análise sensorial foi tomada como amostra-referência uma aguardente recém- destilada, cuja graduação alcoólica foi ajustada com água potável a 40% de álcool em volume à 20oC e engarrafada. A avaliação das aguardentes foi feita segundo procedimento descrito por FONSECA et al. [7], sendo que os julgadores avaliaram as amostras atribuindo-lhes notas utilizando escala hedônica de 1 (um) a 10 (dez) para o atributo flavor. Para a amostra-referência foi previamente atribuída a nota 6 (seis), para que os julgadores avaliassem relativamente as amostras. Todas as aguardentes foram avaliadas sensorialmente à 40% de álcool em volume à 20oC.

2.2.3. Análise estatística

A análise estatística dos resultados obtidos na análise sensorial foi feita através do teste T. Foram comparadas às médias das notas atribuídas à cada aguardente com a média 6,0, atribuída à aguardente referência. Na análise sensorial das aguardentes foram realizadas 16 repetições, o que resultou em 15 graus de liberdade para a consulta as tabelas de T [9].

Os resultados obtidos nas análises objetivas e subjetivas das aguardentes foram analisadas através da análise de fatores pelo Método dos Componentes Principais [3].

3 — RESULTADOS E DISCUSSÃO

O perfil de qualidade das aguardentes não é uma variável mensurável devido ao caráter multidimensional do conceito mas a partir das variáveis observadas, conforme apresentado na Tabela 1, supostamente importantes para descrever o conceito citado, construiu-se 2 novas variáveis não mensuráveis chamadas fatores (F1 e F2).

TABELA 1.
Resultados das análises sensorial e da composição química das aguardentes

(*) Significativo ao nível de 1% de probabilidade pelo Teste T.

(**) Significativo ao nível de 5% de probabilidade pelo Teste T.

(ns) não significativo pelo Teste T.

A partir do conjunto de variáveis consideradas, obteve-se a matriz de correlações simples entre as dez variáveis. Na análise optou-se por considerar apenas dois fatores, F1 e F2, por melhor explicarem a variância total das 10 variáveis iniciais. Para facilidade de interpretação foi feita a rotação varimax a partir da qual obteve-se as cargas fatoriais dos dois fatores, bem como as comunalidades de cada variável explicada pelos dois fatores, conforme dados da Tabela 2.

TABELA 2.
Cargas fatoriais dos fatores e as comunalidades

(*) Variáveis: X1 = Análise Sensorial (notas); X2 = Acidez (mg HAc/100mL); X3 = Aldeído Acético (mg/100 mL grau real); X4 = Acetona (mg/100 mL grau real); X5 = Acetato de Etila (mg/100 mL grau real); X6 = Metanol (mg/100 mL grau real); X7 = n-Propanol (mg/100 mL grau real); X8 = iso-Butanol (mg/100 mL grau real); X9 = iso-Amílico (mg/100 mL grau real); X10 = Álcoois Superiores (mg/100 mL grau real).

Verificou-se que o fator F1 está fortemente correlacionado em sentido positivo com as seguintes variáveis X3, X4, X5, X6, X8, X9 e X10, enquanto o fator F2, está positivo e fortemente correlacionado com as variáveis X2 e X7 e negativamente correlacionado com X1, ou seja, quanto maior o F2, menor é X1.

A Tabela 3 mostra os valores dos dois fatores F1 e F2, para cada um dos aguardentes, que encontram-se representados na Figura 2.

TABELA 3.
Valores obtidos para os fatores ao nível das aguardentes
FIGURA 1.
Valores de F1 e F2 para as aguardentes.
FIGURA 2.
Variação dos teores de acidez e de propanol em função da concentração de álcool (%v) no destilado. Primeira destilação.

Pode-se verificar pela Figura 1, que:

a) as aguardentes 1, 3, 4, 9 e 16, agrupadas no quadrante 3, obtiveram valores negativos nos dois fatores. Essas aguardentes, quando submetidas a análise sensorial obtiveram maiores médias de nota;

b) a aguardente 15 tem aspectos negativos de F1 e muito positivo de F2, convertendo-se em uma aguardente diferente das demais;

c) a aguardente 7 está fortemente representado por todas as variáveis que compõe F1 e;

d) as aguardentes 6, 8, 10, 12 e 13 formam um agrupamento de grau médio quanto a F1 e F2, pois apresentam valores perto de zero para os dois fatores.

A partir da análise dos fatores F1 e F2, verificou-se que a variável X1 (análise sensorial), mesmo não sendo bem representada em F1, é importante na composição de F2, sendo que os fatores F1 e F2 em conjunto conseguem captar 49,7% da variação da análise sensorial, ou seja, é necessário ampliar o número de variáveis observadas para aumentar o coeficiente de correlação entre os dados analíticos e sensoriais.

Na análise sensorial o aumento do número de provadores, possibilitaria uma melhor avaliação das aguardentes, pois por tratar-se de teste de preferência não foi eminente o grau de concordância entre os provadores da equipe, esta tendo sido formada por indivíduos com maior poder de discriminação e repetibilidade nas análises.

A partir da análise dos fatores F1 e F2 e do estudo do comportamento dos compostos voláteis durante a destilação (Figuras 2, 3 e 4), verificou-se algumas tendências gerais:

FIGURA 3.
Variação da concentração de propanol em função da concentração de álcool (%v) no destilado. Segunda destilação.
FIGURA 4.
Variação do teor de acidez em função da concentração de álcool (%v) no destilado. Segunda destilação.

a) os teores de n-propanol e de acidez, variáveis que compõem o Fator F2, formam um contraste em relação à qualidade sensorial da aguardente, sendo que a correlação entre os teores n-propanol e a qualidade das aguardentes já foi observada por ALMEIDA & BARRETO [1], que relataram a ocorrência de maiores teores de n-propanol em aguardentes de qualidade inferior.

ZEE et al. [17] através da comparação das composições de brandies provenientes de seis variedades de uva e suas correlações com a qualidade sensorial, verificaram que a qualidade sensorial era diretamente proporcional a concentração de álcoois superiores e inversamente proporcional aos teores de n-propanol e de acidez. Segundo AMERINE et al. [2], os alcoóis superiores podem não ser apenas importantes devido aos seus odores característicos mas também por ação solvente sobre outras substâncias aromáticas interferindo nos graus de volatilidade destas, logo nos seus threshold sensoriais.

b) o n-propanol, em virtude de suas características físicas, destila durante a primeira destilação com alto grau de uniformidade (Figura 2) sendo a variação dos teores de n-propanol entre as frações inicial e final da destilação (frações que destilam a 81,89 e a 42,61% de álcool em volume a 20oC) em torno de 8%, sendo respectivamente 13,59 e 12,53 mg/100 mL.

Logo, o controle do nível de n-propanol na aguardente é importante na operação de fermentação.

GUIDICI et al. [8] relataram que os alcoóis superiores são produzidos a partir de aminoácidos correspondentes presentes no meio e que a quantidade formada é influenciada pela composição do meio (concentração de açúcar, pH, concentração e tipo de fonte de nitrogênio), pela temperatura, pelo grau de aeração durante a fermentação e ainda pela linhagem da levedura. Foi também verificado que a produção de n-propanol está relacionada ao metabolismo de metionina e de treonina e estes são reguladores das rotas metabólicas de compostos sulfurados. As linhagens produtoras de maiores concentrações de propanol são também aquelas que mostram pouca ou nenhuma produção de sulfeto de hidrogênio.

CLETO [6] verificou que a adição de fubá de milho no processo fermentativo, uma prática comum na produção artesanal de aguardente, reduz a concentração de n-propanol e diminui a acidez total da aguardente melhorando sua qualidade. Este autor concluiu que o milho canjica, matéria-prima para a produção de fubá, contém aproximadamente 0,39% de treonina e o aumento de treonina na fermentação pode ter influenciado nos processos de regulação da rota biossintética de n-propanol e ainda que o amido do fubá tem efeito adsorvente sobre os ácidos graxos de cadeia curta presentes no meio de fermentação reduzindo a acidez total da aguardente.

c) a acidez da aguardente deve ser monitorada através da otimização das condições de fermentação, bem como as de destilação, cortando a destilação com produto em alto grau alcoólico, ou seja separando a fração menos volátil denominada cauda do corpo do destilado, e, posteriormente ajustando com água de qualidade para o grau alcoólico requerido (Figura 2) e;

d) os teores de acidez e de n-propanol podem ser ainda reduzidos na aguardente através da bidestilação, no caso de operação intermitente, fracionando-se o destilado com subseqüente remoção da fração mais volátil denominada cabeça (Figuras 3 e 4).

4 — CONCLUSÕES

A acidez e o teor de propanol influem negativamente no flavor da aguardente.

A extensão da remoção da fração cauda influi no grau de acidez da aguardente obtida em alambique Besnard-Estève modificado, bem como a bidestilação, a qual, através do fracionamento do bidestilado, com remoção da fração cabeça, reduz a acidez do produto.

É necessário aumentar o número de variáveis observadas, ou seja, o número de componentes analisados da aguardente, para aumentar o coeficiente de correlação entre os dados analíticos e sensorial, viabilizando a agilização no controle e/ou monitoramento das condições de condução da operação de destilação, bem como das demais operações que compõe a produção de aguardente.

O estudo do comportamento dos congêneres durante a destilação é fundamental para separá-los ou concentrá-los no destilado.

5 — BIBLIOGRAFIA

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2. AMERINE, M.A.; BERG, H.W.; CRUESS, W.V. Technology of wine making, 3ed., Westport, AVI Publ., 1972, p.600-644.

3. ANDERSON, T.W. An introduction to multivariate statistical analysis. 2 ed., New York, John Wiley & Sons, 1984. 390p.

4. BRASIL. Decreto no 2.314, 4 set. 1997. Dispõe sobre o registro, classificação, padronização, controle, inspeção e fiscalização de bebidas. Diário Oficial da União, Brasília, 05 de set., 1997.

5. CHAVES, J.B.P. & PÓVOA, M.E.B. A qualidade da aguardente de cana-de-açúcar. In: MUTTON, M.J.R.; MUTTON, M.A. Ed. Aguardente de cana. Produção e Qualidade. Jaboticabal, FUNEP, 1992.

6. CLETO, F.V.G. Influência da adição de ácido sulfúrico e de fubá de milho no processo fermentativo, rendimento e composição da aguardente de cana. Jaboticabal, 1997, 109p. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho".

7. FONSECA, H.; CAMARGO, R.; OLIVEIRA, A.J. et al. A influência do vasilhame de cloreto de polivinila na qualidade do aguardente e da vodca. Piracicaba, FEALQ/CPC/RIONIL, 1985. 1v.

8. GIUDICI, P.; ZAMBONELLI, C.; KUNKEE, R.E. Increased production of n-propanol in wine by yeast strains having an impaired ability to form hydrogen sulfide. American Journal of Enology and Viticulture, 44(1): 17-21, 1993.

9. GOMES, F.P. Curso de Estatística Experimental, 13.ed., Piracicaba, Nobel, 1990, p.18-41.

10. GUYMON, J.F. Chemical aspects of distilling wines into brandy. In: WEBB, A.D. Ed. Chemistry of Winemaking, Washington, 1974, p.232-53. (Advances in Chemistry, séries 137).

11. INSTITUTO ADOLFO LUTZ. Normas Analísticas do Instituto Adolfo Lutz, 3 ed., São Paulo. 1985. 533p.

12. LÉAUTÉ, R. Distillation in alambic. American Journal of Enology and Viticulture, 41(1): 90-103, 1990.

13. LIMA NETO, B. S.; FRANCO, D.W. A aguardente e o controle químico de sua qualidade. Engarrafador Moderno, 4(33): 5-8, 1994.

14. LIMA, U.A. Aguardentes. In: Aquarone, E.; Lima, U.A.; Borzani, V. "Alimentos e bebidas produzidas por fermentação". São Paulo, Edgar Blücher, 1983, 227p. (Série Biotecnologia, 5).

15. LIMA, U.A. Estudos dos principais fatores que afetam os componentes do coeficiente não-álcool das aguardentes de cana. Piracicaba, 1964. 141p. Tese (Cátedra). Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Universidade de São Paulo.

16. SUOMALAINEN, H.; LEHTONEN, M. The production of aroma compounds by yeast. Journal of the Institute of Brewing, 85(3): 149-56, 1979.

17. ZEE, J.A.; SIMARD, R.E.; CARBILLET, L.; LEBEL, C.; LIBER, E. Comparative composition of fusil oils in brandies made from six grape varieties and their relationship with sensory analysis. Lebensmittel Wissenschaft und Technologie, 15: 54-9, 1984.

6 — AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Titular Dr. Décio Barbin e à Dra. Doris Gomez Ticeráu do Departamento de Matemática e Estatística da ESALQ/USP, pelas valiosas sugestões e realização das análises estatísticas.

3 ESALQ/USP, Caixa Postal 9, CEP 13.418-900, Piracicaba, SP, Brasil. e-mail: jhorii@carpa.ciagri.usp.br.

* A quem a correspondência deve ser endereçada.

  • 1. ALMEIDA, M.E.W. & BARRETO, H.H.C. Alcoóis superiores em aguardente de cana por cromatografia em fase gasosa. Revista do Instituto Adolfo Lutz, 31: 117-24, 1971.
  • 2. AMERINE, M.A.; BERG, H.W.; CRUESS, W.V. Technology of wine making, 3ed., Westport, AVI Publ., 1972, p.600-644.
  • 4
    BRASIL. Decreto no 2.314, 4 set. 1997. Dispõe sobre o registro, classificação, padronização, controle, inspeção e fiscalização de bebidas. Diário Oficial da União, Brasília, 05 de set., 1997.
  • 5. CHAVES, J.B.P. & PÓVOA, M.E.B. A qualidade da aguardente de cana-de-açúcar. In: MUTTON, M.J.R.; MUTTON, M.A. Ed. Aguardente de cana. Produçăo e Qualidade Jaboticabal, FUNEP, 1992.
  • 6. CLETO, F.V.G. Influęncia da adiçăo de ácido sulfúrico e de fubá de milho no processo fermentativo, rendimento e composiçăo da aguardente de cana Jaboticabal, 1997, 109p. Dissertaçăo (Mestrado). Faculdade de Cięncias Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho".
  • 7. FONSECA, H.; CAMARGO, R.; OLIVEIRA, A.J. et al. A influęncia do vasilhame de cloreto de polivinila na qualidade do aguardente e da vodca Piracicaba, FEALQ/CPC/RIONIL, 1985. 1v.
  • 8. GIUDICI, P.; ZAMBONELLI, C.; KUNKEE, R.E. Increased production of n-propanol in wine by yeast strains having an impaired ability to form hydrogen sulfide. American Journal of Enology and Viticulture, 44(1): 17-21, 1993.
  • 9. GOMES, F.P. Curso de Estatística Experimental, 13.ed., Piracicaba, Nobel, 1990, p.18-41.
  • 10. GUYMON, J.F. Chemical aspects of distilling wines into brandy. In: WEBB, A.D. Ed. Chemistry of Winemaking, Washington, 1974, p.232-53. (Advances in Chemistry, séries 137).
  • 11. INSTITUTO ADOLFO LUTZ. Normas Analísticas do Instituto Adolfo Lutz, 3 ed., Săo Paulo. 1985. 533p.
  • 12. LÉAUTÉ, R. Distillation in alambic. American Journal of Enology and Viticulture, 41(1): 90-103, 1990.
  • 13. LIMA NETO, B. S.; FRANCO, D.W. A aguardente e o controle químico de sua qualidade. Engarrafador Moderno, 4(33): 5-8, 1994.
  • 14. LIMA, U.A. Aguardentes. In: Aquarone, E.; Lima, U.A.; Borzani, V. "Alimentos e bebidas produzidas por fermentaçăo". Săo Paulo, Edgar Blücher, 1983, 227p. (Série Biotecnologia, 5).
  • 15. LIMA, U.A. Estudos dos principais fatores que afetam os componentes do coeficiente năo-álcool das aguardentes de cana Piracicaba, 1964. 141p. Tese (Cátedra). Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Universidade de Săo Paulo.
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  • 1 Enviado para publicação em 16/01/98. Aceito para publicação em 21/10/98.
    2 ESALQ/USP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Maio 1999
    • Data do Fascículo
      Out 1998

    Histórico

    • Aceito
      21 Out 1998
    • Recebido
      16 Jan 1998
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