Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação da perda de mercúrio total em peixe antes e após os processos de fritura e cocção

Determination of mercury losses in fish after cooking

Resumos

A perda de mercúrio contido em músculo de peixes (Piraíba, Brachyplatystoma ssp; Traíra, Hoplias malabaricus) submetidos a dois distintos processos de cozimento foi investigada. Os resultados mostraram perdas variando entre 0 e 30% (base seca), indicando que a maior parte do mercúrio foi retida. Assim, tais processos não protegem as populações, que deles se utilizam, contra a exposição por ingestão ao mercúrio originariamente contido na amostra "in natura".

mercúrio; peixe; tecido muscular; absorção atômica


Mercury losses from flesh fish after two cooking process were investigated. Results showed losses ranging from 0 to 30% (dry weight basis). Such result indicates that fish consuming populations are not protected from mercury exposition by the studied cooking processes.

mercury; fish; muscular tissue; atomic absorption


Avaliação da perda de mercúrio total em peixe antes e após os processos de fritura e cocção1 1 Recebido para publicação em 10/01/98. Aceito para publicação em 08/03/99.

Aricelso Maia LIMAVERDE FILHO2,* 1 Recebido para publicação em 10/01/98. Aceito para publicação em 08/03/99. , Reinaldo Calixto de CAMPOS2,3 1 Recebido para publicação em 10/01/98. Aceito para publicação em 08/03/99. , Vanessa de Araujo GOES3 1 Recebido para publicação em 10/01/98. Aceito para publicação em 08/03/99. , Rachel Alves Gonçalves PINTO4 1 Recebido para publicação em 10/01/98. Aceito para publicação em 08/03/99.

RESUMO

A perda de mercúrio contido em músculo de peixes (Piraíba, Brachyplatystoma ssp; Traíra, Hoplias malabaricus) submetidos a dois distintos processos de cozimento foi investigada. Os resultados mostraram perdas variando entre 0 e 30% (base seca), indicando que a maior parte do mercúrio foi retida. Assim, tais processos não protegem as populações, que deles se utilizam, contra a exposição por ingestão ao mercúrio originariamente contido na amostra "in natura".

Palavras-chave: mercúrio, peixe, tecido muscular, absorção atômica.

SUMMARY

DETERMINATION OF MERCURY LOSSES IN FISH AFTER COOKING. Mercury losses from flesh fish after two cooking process were investigated. Results showed losses ranging from 0 to 30% (dry weight basis). Such result indicates that fish consuming populations are not protected from mercury exposition by the studied cooking processes.

Keywords : mercury, fish, muscular tissue, atomic absorption.

1 – INTRODUÇÃO

Os peixes são a principal fonte de proteína para vários grupos populacionais, com destaque, no Brasil, para as populações ribeirinhas da Amazônia. Porém, desde a intensificação da mineração de ouro naquela região, durante a década de 80, com o conseqüente lançamento no meio ambiente do mercúrio usado no processo de amalgamação, são encontrados valores deste metal em peixes bem acima do máximo permitido para consumo pela legislação (0,5µ g/g em peso úmido), vêm sendo relatados [2, 6, 8]. Entretanto, tais valores referem-se ao peixe cru e não na forma em que os peixes são usualmente consumidos pela população local. Tais formas de preparo implicam na fritura e fervura do peixe na presença de óleo vegetal, surgindo imediatamente a suspeita de que algum mercúrio possa ser perdido do peixe para o líquido de fritura, até por ser o metil-mercúrio, principal forma de mercúrio nos peixes, lipossolúvel. Para preencher esta lacuna, abordam-se no presente trabalho duas formas de preparo popular de peixes: a "posta frita" e a "muqueca", visando verificar se peixes contendo altos teores de Hg perdem este metal, quando submetidos aos processos de cocção e fritura na presença de óleo vegetal.

2 – MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 – Descrição das amostras

Quatro amostras de peixes foram analisadas: duas referentes ao processo de fritura (amostra A, Traíra "Hoplias malabaricus" e amostra B, Piraíba "Brachyplatystoma ssp"), ambas procedentes da área de garimpo na Amazônia, e duas referentes ao processo de cocção (amostra C, Corvina da ordem dos percomorfos, família dos scianídeos, adquirida no comércio local do Rio de Janeiro e amostra D, Piraíba "Brachyplatystoma ssp", também oriunda de região de garimpo da Amazônia. As amostras do músculo do peixe não foram homogeneizadas, mas as análises, realizadas em quintuplicatas, mostraram-se reprodutivas. Tomou-se o cuidado de comparar os resultados em base seca, embora os teores de água praticamente não tenham mudado após os processos de fritura e cozimento.

2.2 – Instrumental

As determinações de mercúrio foram realizadas em um espectrofotômetro de absorção atômica Varian modelo AA-6, associado a um acessório gerador de vapor frio. Foi usada uma lâmpada de catodo oco Varian Techtron de mercúrio, operando a 4 mA, no comprimento de onda de 253,7nm. A fenda usada foi de 1nm. Uma célula de absorção (f inter. = 15mm; comp. = 170mm), de vidro, com janelas de quartzo, foi posicionada sobre o queimador; o aparato necessário à geração do vapor de mercúrio (Figura 1) consistiu de um frasco de 175mL de capacidade, equipado com agitação magnética, sendo os tubos de conexão utilizados de polietileno. Ar atmosférico (1,0 L.min-1) foi utilizado como carreador. Um estudo sistemático deste procedimento, assim como do procedimento de digestão das amostras foi previamente realizado por um dos autores [4]. Nas pesagens utilizou-se uma balança analítica Mettler modelo AE 200.

FIGURA 1.
Aparato necessário à geração de vapor de mercúrio.

2.3 – Soluções e reagentes

Todos os reagentes utilizados foram de grau analítico. Água destilada e deionizada foi usada em todos os experimentos. A solução estoque 1000 µg.mL-1 de HgCl2 foi obtida por diluição de ampola Titrisol, Merck, conforme instruções do fabricante; as soluções de trabalho (100µ g.mL-1) de mercúrio inorgânico foram obtidas a partir da diluição da solução estoque 1000µg.mL-1. Para sua conservação, as soluções de trabalho tiveram concentração final de 5% em HNO3 e 0,05% em K2Cr2O7, e foram preparadas diariamente. Utilizaram-se ainda as seguintes soluções, no procedimento de digestão das amostras e leitura instrumental: solução HNO3 / H2SO4 (1:1) + V2O5 0,1% ; solução de KMnO4 5% ; solução de NH2OH.HCl 10% ; solução de SnCl2 20% em HCl 50%.

3 – PROCEDIMENTOS

3.1 – Pré-tratamento das amostras

As amostras foram digeridas tanto "in natura" como também após serem submetidas a processos de fritura com óleo vegetal e cocção (óleo e filé). Para fritura, as amostras foram previamente envoltas em uma fina camada de farinha de trigo, utilizando-se óleo de soja comercial fervente, em bequer, por cerca de 20 minutos, através de bico de Bunsen. No processo de cocção, foi feita uma muqueca, em receita tradicional baiana com os seguintes ingredientes : alho, cebola, tomate, azeite de dendê, cheiro verde, leite de coco e sal. A muqueca foi cozida em bequer, utilizando-se chapa de aquecimento com temperatura controlada, a 100ºC, por cerca de 20’.

3.2 – Digestão das amostras

Pesou-se (ao 0,1mg) cerca de 1 grama do filé de peixe, em quintuplicata, não havendo homogeneização prévia. As alíquotas foram digeridas com 10,0mL de mistura sulfonítrica (1:1) + 0,1 % V2O5, em bloco digestor, durante 25 minutos, a 80 - 90ºC [4]. Ao final do processo, uma solução translúcida era obtida. Os extratos digeridos foram resfriados à temperatura ambiente, adicionando-se, em seguida, solução 5% KMnO4 , suficiente para a manutenção de um meio oxidante (violeta). Após a digestão, os frascos foram fechados para posterior análise. Imediatamente antes da determinação, o excesso de KMnO4 era reduzido por NH2OH.HCl 10%, completando-se o volume a 100,0mL com água deionizada. Em relação à análise do óleo de cozimento ou fritura, foi seguido procedimento análogo, usando-se 1,0mL de amostra.

3.3 – Determinação do mercúrio total

O mercúrio foi determinado pela técnica do vapor frio. A construção da curva analítica foi feita através da adição, ao frasco de reação, de 20mL de água, x µL de solução 100 ngHg.mL-1, e 1 mL de solução 20% SnCl2, onde x foi igual a 250, 500, 1000 e 2000µL . Utilizaram-se curvas analíticas aquosas, feitas no dia, imediatamente antes da leitura das amostras, já que estudo anterior mostrou não haver necessidade da utilização da técnica de adição padrão [5].

Na determinação do mercúrio nas amostras, foram adicionados, ao frasco de reação, 20,0mL do extrato digerido + 1,0mL de solução 20% SnCl2, seguido de agitação por 60 segundos. Acionou-se o dispositivo de passagem do fluxo de ar através do interior do frasco de reação, carreando-se então o mercúrio gasoso para a célula de absorção, registrando-se a leitura. As leituras foram feitas em duplicata, por altura de pico de absorbância e descontados os respectivos brancos, cuja magnitude média foi em torno de 0,003µg.g-1 na solução de leitura.

3.4 – Determinação da umidade das amostras

A umidade das amostras foi determinada em alíquotas à parte, pesadas ao décimo do miligrama, e submetidas, em estufa, a 110ºC, por um período mínimo de 24 horas, ou até peso constante.

3.5 – Controle de qualidade analítico

O controle de qualidade analítico foi realizado pela análise de materiais de referência, seguindo os procedimentos de digestão e leitura descritos nos itens anteriores. Os materiais de referência foram Dorm-1 (NRC-Canada), Tonno, um material utilizado em exercício interlaboratorial da Comunidade Européia [3] e Albacore Tuna NIST-SRM-RM 50 [9].

4 – RESULTADOS

Os resultados estão apresentados nas Tabelas 1a 4. Na Tabela 1 verifica-se uma boa concordância entre os valores encontrados e os certificados, para os materiais de referência analisados, o que garante a qualidade analítica dos resultados. A Tabela 2 mostra não ser necessária a homogeneização da amostra, tendo em vista a boa reprodutibilidade dos resultados relativos à análise de diferentes alíquotas de um mesmo músculo de peixe não-homogeneizado. Observa-se que o coeficiente de variação relativo a estes resultados (5%) foi da mesma ordem daqueles encontrados na análise de materiais de referência.

A Tabela 3 mostra que, apesar da alta temperatura dos processos de fritura ou cocção (120 a 150ºC); a perda de água foi relativamente pequena. Destes dados pode-se deduzir que a perda de mercúrio por volatilização deve ser igualmente pequena e, caso perdas fossem encontradas, deveriam se dar mais por um processo de extração pelo óleo. Tal como esperado, estas perdas foram modestas (Tabela 4), alcançando um valor máximo de 30% (piraíba), no conjunto das amostras analisadas. Não foi detectada a presença de mercúrio no óleo, indicando que, se a perda se deu por extração, o mercúrio, após extraído, pode ter sido perdido por volatilização.

5 – CONCLUSÕES

Os resultados indicam perdas não maiores que 30% do teor de mercúrio para o filé dos peixes analisados, após os processos de fritura ou cocção. Assim, esses processos não se mostraram suficientes para diminuir significativamente o risco à exposição a este metal em populações que consomem peixes com altos teores de mercúrio em grande quantidade e freqüência. A pequena perda de água também observada indica que, provavelmente, o mercúrio não deve ser perdido diretamente por volatilização, até porque as ligações Hg-S, que mantêm o metal ligado às proteínas do músculo do peixe [7], são bem mais fortes que as ligações intermoleculares que mantêm a água não-estrutural ligada ao sistema. Ao contrário do inicialmente esperado, não foi detectada a presença de mercúrio no óleo, indicando que este pode ter agido como um extrator de parte do mercúrio orgânico (lipossolúvel) [10] do peixe, e a perda (quando observada) se deu posteriormente por volatilização do mercúrio aí dissolvido.

Os resultados aqui encontrados estão em consonância com os relatados por Armbruster et al. [1], conquanto estes autores tenham utilizado outras espécies de peixe, submetidos a processos de cozimento distintos dos aqui relatados.

O método de análise mostrou-se acurado e preciso, deixando claro não ser necessária a homogeneização do filé para a obtenção de resultados reprodutivos. Apesar de realizada em sistema aberto, a digestão não levou a perdas, principalmente por ter-se mantido o ambiente oxidante durante todo este processo, graças à presença de HNO3 e V2O5 na mistura digestora [5]. Este processo de digestão vem sendo utilizado na determinação de mercúrio em diferentes tipos de amostras biológicas, com igual sucesso.

6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

7 – AGRADECIMENTOS

À professora Tânia Tavares (IQ, UFBa) pelas valiosas discussões que levaram à idéia deste trabalho.

2 Dep. de Química, PUC-Rio, R.M.S.Vicente, 255 - Gávea -22453-900 - Rio de Janeiro, R.J.

3 Escola de Nutrição, UNI-RIO, Rio de Janeiro, R.J.

4 L.Q.A.A, C.C.T, UENF, Campos dos Goytacazes, R.J.

* A quem a correspondência deve ser enviada.

  • [1] ARMBRUSTER, G., GUTEMANN, W.H., LISK, D.J. - The Effects of Six Methods of Cooking on Residues of Mercury in Stripped Bass. Nutrition Reports International, v. 37, n. 1, p. 123-126, 1988.
  • [2] BARBOSA, A.C., BOISCHIO, A.A., EAST, G.A., FERRARI, I., GONÇALVES, A., SILVA, P.R.M., CRUZ, T.M.E. Mercury Contamination in the Brazilian Amazon. Environmental and Occupational Aspects. Water, Air and Soil Pollution, v. 80, p. 109-121, 1995.
  • [3] BORTOLI, A., MUNTAU, H., TACCANI, F. Risultati di un Circuito di Analisi Interlaboratoriale per la Determinazone di Mercurio in Prodotti Ittici. Bull. Chim. Igien, v. 41, n. 1, p.1-8, 1990.
  • [4] CAMPOS, R.C. Estudo da Determinaçăo de Mercúrio por Espectrofotometria de Absorçăo Atômica sem Chama pela Técnica do Vapor Frio, 28, 1980. Dissertaçăo de Mestrado Dep. de Química, PUC-Rio.
  • [5] CAMPOS R.C., CURTIUS, A.J. Estudo de um Sistema Simples para a Determinaçăo de Mercúrio por Absorçăo Atômica pela Técnica do Vapor Frio e de sua Aplicaçăo na Análise de Amostras de Interesse Ambiental, Seminário Nacional, Riscos e Conseqüęncias do Uso do Mercúrio, ed. HACON,S., LACERDA, L.D., PFEIFFER, W.C., CARVALHO, D., Rio de Janeiro, p. 110-134, 1990.
  • [6] HACON, S.S. Avaliaçăo do Risco Potencial para a Saúde Humana de Exposiçăo ao Mercúrio na Área Urbana de Alta Floresta MT Bacia Amazônica Brasil. 112p, 1996. Tese de Doutorado, Dep. de Geoquímica, UFF, Niterói.
  • [7] MALM, O. Avaliaçăo da Contaminaçăo Ambiental por Mercúrio Através da Análise de Peixes, in Mercúrio em Áreas de Garimpo de Ouro, Série vigilância 12, ed. Câmara, V., Centro Panamericano de Ecologia e Saúde Humana, OPAS/OMS, Metepec, México D.F, México, p. 81-98, 1993.
  • [8] PFEIFFER, W.C. & LACERDA, L.D. Mercury from Gold Mining in the Environment an Overview. Química Nova, v. 15, n. 2, p. 155-160, 1992.
  • [9] Resende M.C.R. O Uso da Técnica do Vapor Frio - Espectrofotometria de Absorçăo Atômica em Meio năo Aquoso: Aplicaçăo ŕ Especiaçăo de Hg em Peixes. 100p,1992. Tese de Doutorado, Dep. de Química, PUC-Rio.
  • [10] SUZUKI, T., IMURA, N., CLARKSON, T.W. in Advances in Mercury Toxicology , Proceedings of a Rochester International Conference in Environmental Toxicity, Tokio, Japan, 1-3, 1990, ed. SUZUKI, T., IMURA, N., CLARKSON, T.W., Plenum Press, N. York, 1991.
  • 1
    Recebido para publicação em 10/01/98. Aceito para publicação em 08/03/99.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Dez 1999
    • Data do Fascículo
      Jan 1999

    Histórico

    • Recebido
      10 Jan 1998
    • Aceito
      08 Mar 1999
    Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos Av. Brasil, 2880, Caixa Postal 271, 13001-970 Campinas SP - Brazil, Tel.: +55 19 3241.5793, Tel./Fax.: +55 19 3241.0527 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: revista@sbcta.org.br