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Análise da adulteração de méis por açúcares comerciais utilizando-se a composição isotópica de carbono

Honey adulteration analysis by commercial sugars additions using the stable carbon isotope composition

Resumos

O mel é um alimento apreciado por seu sabor característico e pelo seu considerável valor nutritivo. Devido a oferta do produto ser menor que a procura, seu preço é relativamente alto, incentivando sua adulteração. Geralmente, a adulteração do mel é feita através da adição de açúcares comerciais, derivados de cana-de-açúcar e milho. Como essas plantas têm uma composição isotópica do carbono distinta das plantas utilizadas pelas abelhas como fonte de néctar (flores silvestres, citros e eucaliptos), é possível utilizar a composição isotópica do carbono de amostras de mel para se avaliar a adulteração desse produto por açúcares comerciais oriundos da cana e do milho. Foram analisadas amostras de plantas pertencentes ao ciclo fotos-sintético C3, subprodutos de plantas C4 (açúcares comerciais) e 61 amostras de mel obtidas no mercado. As plantas C3 analisadas apresentaram valores de <FONT FACE="Symbol">d</font>13C de -28,9±1,1‰ (n=8), enquanto os açúcares apresentaram valores de -11,1±0,7‰ (n=3). Das 61 amostras de mel analisadas, cerca de 8% (5 amostras) tiveram sinais claros de adulteração. A amostra de número 34 teve um valor igual a -12,9‰, indicando que açúcar puro de cana-de-açúcar ou milho estaria sendo comercializado como mel. As amostras 13, 14, 33 e 54 apresentaram valores iguais a -21,0; -19,9; -21,9 e -17,6‰, respectivamente. Esses valores indicam também adição de açúcares de cana-de-açúcar ou milho, no entanto em menor proporção. A metodologia testada neste trabalho foi aprovada como um método simples, confiável e complementar aos métodos químicos e físicos convencionais visando detectar adulteração de mel.

mel; adulteração; composição isotópica do carbono; <FONT FACE=Symbol>d</font>13C; isótopos estáveis


Honey is a known product for its nutritional value. Considering that offer is smaller than the market demand, honey is relatively expensive. This fact contribute to the incentive of its adulteration by commercial sugars derived from sugar cane and corn. As these plants have a distinct stable carbon isotope composition than plants commonly used by bees as sources of nectar, it is possible to use the stable carbon isotope composition of honey to detect addition of commercial sugar cane and corn sugars. In this study we analyzed samples of C3 plants commonly used by bees, subproducts of C4 plants, and 61 samples of honey. The <FONT FACE="Symbol">d</font>13C of C3 plants values had on average of -28.9±1.1‰ (n=8), while the commercial sugars had an average value of -11.1±0.7‰ (n=3). Approximately 8% (5 samples) of the 61 samples analyzed had <FONT FACE="Symbol">d</font>13C values that clearly indicated the addition of commercial sugars (adulteration). The sample number 5 had a <FONT FACE="Symbol">d</font>13C valor equal to -12.9‰, indicating that it was all made of commercial sugars. The samples numbers 13, 14, 33, and 54 had values equal to -21.0, -19.9, -21.9 and -17.6‰, respectively. These values also indicated the addition of commercial sugars. The methodology used in this study proved to be a valuable and simple complement to the conventional chemical and physical methods normally used to detect honey adulteration.

honey; adulteration; carbon isotope composition; <FONT FACE=Symbol>d</font>13C; stable isotope


Análise da adulteração de méis por açúcares comerciais utilizando-se a composição isotópica de carbono1 1 Recebido para publicação em 10/07/98. Aceito para publicação em 28/06/99.

Nádia F. ROSSI2 1 Recebido para publicação em 10/07/98. Aceito para publicação em 28/06/99. ,* 1 Recebido para publicação em 10/07/98. Aceito para publicação em 28/06/99. , Luiz A. MARTINELLI2 1 Recebido para publicação em 10/07/98. Aceito para publicação em 28/06/99. , Tais H.M. LACERDA3 1 Recebido para publicação em 10/07/98. Aceito para publicação em 28/06/99. , Plínio B. de CAMARGO2 1 Recebido para publicação em 10/07/98. Aceito para publicação em 28/06/99. , Reynaldo L. VICTÓRIA2 1 Recebido para publicação em 10/07/98. Aceito para publicação em 28/06/99.

RESUMO

O mel é um alimento apreciado por seu sabor característico e pelo seu considerável valor nutritivo. Devido a oferta do produto ser menor que a procura, seu preço é relativamente alto, incentivando sua adulteração. Geralmente, a adulteração do mel é feita através da adição de açúcares comerciais, derivados de cana-de-açúcar e milho. Como essas plantas têm uma composição isotópica do carbono distinta das plantas utilizadas pelas abelhas como fonte de néctar (flores silvestres, citros e eucaliptos), é possível utilizar a composição isotópica do carbono de amostras de mel para se avaliar a adulteração desse produto por açúcares comerciais oriundos da cana e do milho. Foram analisadas amostras de plantas pertencentes ao ciclo fotos-sintético C3, subprodutos de plantas C4 (açúcares comerciais) e 61 amostras de mel obtidas no mercado. As plantas C3 analisadas apresentaram valores de d13C de -28,9±1,1‰ (n=8), enquanto os açúcares apresentaram valores de -11,1±0,7‰ (n=3). Das 61 amostras de mel analisadas, cerca de 8% (5 amostras) tiveram sinais claros de adulteração. A amostra de número 34 teve um valor igual a -12,9‰, indicando que açúcar puro de cana-de-açúcar ou milho estaria sendo comercializado como mel. As amostras 13, 14, 33 e 54 apresentaram valores iguais a -21,0; -19,9; -21,9 e -17,6‰, respectivamente. Esses valores indicam também adição de açúcares de cana-de-açúcar ou milho, no entanto em menor proporção. A metodologia testada neste trabalho foi aprovada como um método simples, confiável e complementar aos métodos químicos e físicos convencionais visando detectar adulteração de mel.

Palavras-chave: mel, adulteração, composição isotópica do carbono, d13C, isótopos estáveis.

SUMMARY

Honey adulteration analysis by commercial sugars additions using the stable carbon isotope composition. Honey is a known product for its nutritional value. Considering that offer is smaller than the market demand, honey is relatively expensive. This fact contribute to the incentive of its adulteration by commercial sugars derived from sugar cane and corn. As these plants have a distinct stable carbon isotope composition than plants commonly used by bees as sources of nectar, it is possible to use the stable carbon isotope composition of honey to detect addition of commercial sugar cane and corn sugars. In this study we analyzed samples of C3 plants commonly used by bees, subproducts of C4 plants, and 61 samples of honey. The d13C of C3 plants values had on average of –28.9±1.1‰ (n=8), while the commercial sugars had an average value of –11.1±0.7‰ (n=3). Approximately 8% (5 samples) of the 61 samples analyzed had d13C values that clearly indicated the addition of commercial sugars (adulteration). The sample number 5 had a d13C valor equal to -12.9‰, indicating that it was all made of commercial sugars. The samples numbers 13, 14, 33, and 54 had values equal to -21.0, -19.9, -21.9 and -17.6‰, respectively. These values also indicated the addition of commercial sugars. The methodology used in this study proved to be a valuable and simple complement to the conventional chemical and physical methods normally used to detect honey adulteration.

Keywords: honey, adulteration, carbon isotope composition, d13C, stable isotope.

1 – INTRODUÇÃO

O mel é um alimento apreciado por seu sabor característico e pelo seu considerável valor nutritivo. A sua matéria prima, monossacarídeos de moléculas simples, é o néctar das flores ou exsudatos sacarídeos das partes vivas das plantas, que é coletado pelas abelhas melíferas, desidratado e armazenado em alvéolos nas suas colméias. No Estado de São Paulo os principais tipos de plantas utilizadas para produção comercial de mel são: eucaliptos, citros e flores silvestres.

O mel, como mercadoria, tem disponibilidade limitada e um preço relativamente alto, incentivando a sua adulteração [6]. Geralmente esse processo é feito com a adição de outros carboidratos, principalmente açúcares comerciais (dissacarídeos) como glicose comercial, solução ou xarope de sacarose, melado e solução de sacarose invertida. A forma mais utilizada de adulteração é obtida a partir do caldo de cana-de-açúcar "apurado" ao fogo para engrossar. A aparência dessa mistura é melhorada pela adição de iodo (cor) e pela adição de aditivos químicos (viscosidade).

Como a composição isotópica do carbono de plantas que seguem o ciclo fotossintético C3 (eucalipto, citrus e flores silvestres) difere da composição isotópica das plantas que seguem o ciclo fotossintético C4 (cana e milho), existe a possibilidade de se utilizar essa técnica para avaliar a adulteração do mel por adição de açúcares comerciais oriundos da cana ou do milho [2, 3, 7, 9, 13].

A técnica isotópica é desde 1992 considerada nos Estados Unidos um dos métodos padrão na determinação da adulteração do mel [13]. Somente nos casos em que a composição isotópica do mel suscite dúvidas quanto à presença de açúcares, a amostra é testada pelos métodos clássicos [4].

O primeiro passo para a implementação dessa metodologia seria conhecer a variabilidade isotópica natural de amostras de mel. Com exceção de duas amostras de mel analisadas por WHITE & DONER [10], não existe nenhum outro dado sobre as características isotópicas do mel brasileiro. Assim sendo, o principal objetivo desse estudo é determinar a composição isotópica do carbono em amostras de mel de diferentes origens botânicas, como subsídio básico para a implementação dessa metodologia em nosso país.

Para alcançar esse objetivo foram feitos: [1] testes específicos para avaliar a dimensão do fracionamento isotópico na produção do mel pelas abelhas; [2] testes de adulteração, onde foram adicionadas quantidades crescentes de açúcares comerciais em amostras de mel puro para verificar a sensibilidade da técnica isotópica e [3] análise isotópica de cerca de 61 amostras comerciais de mel, visando conhecer as variações isotópicas dentre as diferentes origens botânicas (eucalipto, citrus e flores silvestres) e também eventuais adulterações.

2 – A METODOLOGIA ISOTÓPICA

Os isótopos mais comuns do carbono são: o carbono-12 (12C) e carbono-13 (13C) que são estáveis e o carbono-14 que é um isótopo radioativo. A composição isotópica estável do carbono é definida como a razão entre o número de átomos de 13C e o número de átomos de 12C, sendo classicamente expressa pela notação d (‰), definida como:

Onde, Ram e Rpad é a relação 13C:12C da amostra e do padrão, respectivamente. O padrão comumente utilizado é uma rocha calcárea conhecida como PDB [8].

As plantas ao absorver CO2 da atmosfera discriminam átomos de 13C, portanto, terão mais átomos de 12C que o ar atmosférico. As plantas que seguem o ciclo fotossintético C3 fazem essa discriminação isotópica diferentemente das plantas que seguem o ciclo fotossintético C4. Assim sendo, os valores de d13C desses dois tipos de plantas são distintos. Tipicamente, os valores de d13C das plantas C3 variam entre -34 a -25‰, sendo os valores médios mais comuns de -29 a -26‰. A variação isotópica nas plantas do tipo C4 é menor, variando de -15 a -11‰, sendo os valores mais comumente encontrados de -13 a -12‰.

Portanto, existe uma diferença considerável entre os valores isotópicos das plantas C3 e C4, que pode ser utilizado para verificar adulteração de amostras de mel por açúcares comerciais [3, 7, 9, 13].

3 – MATERIAL E MÉTODOS

3.1 – Material

Para se averiguar a ocorrência de fracionamento isotópico durante a produção de mel pelas abelhas, foram coletadas 8 amostras de plantas C3 (ameixa, coentro, jabuticaba, laranja, limão, mostarda e pitanga), 7 abelhas Apis melífera e 4 amostras de mel provenientes de uma apicultura da qual tínhamos certeza de sua qualidade, sendo portanto pos nós adotadas como amostras padrão (Tabela1). Para fins comparativos foram também analisadas 3 amostras de favo e 4 amostras de cera de abelha.

Em uma das amostras de mel (amostra 2) foram adicionadas quantidades crescentes de melaço de cana para se testar a sensibilidade do método isotópico na detecção de açúcares de origem de plantas C4. Foram também coletadas e analisadas 3 amostras de açúcares comerciais (açúcar refinado, melaço de cana e glicose de milho).

As 61 amostras de mel obtidas no comércio ou através da doação por colaboradores desse estudo, foram analisadas visando conhecer a variabilidade nos valores de d13C e também para constatar alguma adulteração pela adição de açúcares comercias. A origem geográfica dessas amostras foi variada, no entanto, a grande maioria foi procedente do Estado de São Paulo. Considerou-se como origem botânica a informação declarada nos rótulos dos frascos dos méis analisados.

3.2 – Método

As amostras de folhas de plantas C3 foram previamente secas à temperatura de 60oC em estufa por um período de 48 horas, moídas e tamizadas a 60 mesh. As amostras de abelhas foram secas e moídas e os demais tipos de amostras (favo, cera e mel) não sofreram qualquer pré-tratamento.

As amostras citadas acima foram convertidas em dióxido de carbono (CO2) através de linha de combustão sob fluxo contínuo de oxigênio. O CO2 resultante da combustão das amostras foi analisado em duplicata em espectrômetro de massas modelo Delta E da Finnigan Mat, para determinação da razão isotópica do carbono e expresso como d13C. O valor máximo considerado entre as réplicas dos resultados de cada amostra, foi de 0,3‰ [8].

4 – RESULTADOS

4.1 – Fracionamento isotópico na produção do mel

Para se averiguar a ocorrência de fracionamento isotópico durante a produção do mel pelas abelhas, foram comparados os valores de d13C de plantas do tipo C3 com a composição isotópica de amostras padrão de mel, que é o produto final (Tabela1). Para fins comparativos foram também determinados os valores isotópicos de abelhas e outros produtos (cera e favo), (Tabela1).

A média dos valores de d13C das folhas de plantas do tipo C3 foi igual a -28,9±1,1‰ (n=8) e a média das amostras padrão de mel foi igual a -24,6±0,4‰ (n=4). Portanto, houve uma diferença média entre as plantas, fonte de néctar, e o mel de aproximadamente 4‰.

No entanto, como os agentes adulterantes (açúcares) tiveram um valor médio de -11,1±0,7‰, (n=3), característico de plantas de ciclo C3 e diferente das amostras de mel padrão, verifica-se a viabilidade do uso da metodologia isotópica para se determinar a adulteração de amostras de mel por adição de açúcares produzidos por cana ou milho.

Verificou-se que a média dos valores de d13C das abelhas, que são os produtores do mel, foi igual a -24,3±0,6‰ (n=7), sendo portanto semelhantes ao valor médio encontrado para as amostras de mel certificadas que foi igual a -24,6±0,4‰ (n=4). Por outro lado, as médias dos valores de d13C das amostras de favo e cera foram -25,3±0,9‰ (n=3) e -25,1±1,8‰ (n=4), respectivamente, apresentando valores médios menores e de 0,5 a 0,7‰ que os valores do mel, como pode ser observado na Tabela 1.

4.2 – Simulação de adulteração do mel pela adição de melaço de cana

Com o intuito de se testar a sensibilidade da metodologia isotópica, foram adicionadas quantidades crescentes de melaço de cana (-11,8‰) à uma amostra de mel de valor conhecido de -26,6‰. A Tabela 2 mostra os valores de d13C dos diferentes níveis de mistura mel-melaço. Nota-se que, mesmo para baixas adições de melaço (de 10%) houve um aumento de 1,7‰ no valor de d13C da mistura. Considerando-se que a máxima variação aceita para as réplicas foi de 0,3‰, diferenças da ordem de 2‰ podem significar alterações mensuráveis.

4.3 – Valores de d13C em amostras de mel comercializadas

As determinações dos valores de d13C em amostras de mel comercializadas foram feitas com o intuito de se conhecer a variabilidade entre os amostras e detectar possíveis adulterações (Tabela 3).

Das 61 amostras analisadas, 5 amostras (»8%) apresentaram valores de d13C que caracterizam amostras adulteradas, como pode ser verificado pela simulação de adulteração, bem como por apresentarem valores maiores que as amostras comercializadas e certificadas. Classificando de acordo com a informação da origem botânica destas amostras, os resultados de d13C foram de: (a) -21,0 e -19,9‰, para as amostras 13 e 14, respectivamente, para os meis de laranja; (b) -21,9 e -12,9‰, respectivamente para as amostras 33 e 34 (mel de flores silvestres) e (c) -17,6‰ para a amostra 54 (mel de eucalipto).

Excetuando-se as amostras consideradas adulteradas, a média de todas as outras amostras foi igual a -25,3±1,0‰ (n=56). Essa média é muito próxima daquela encontrada por WHITE & DONER [10], que analisaram 84 amostras de mel produzidas nos Estados Unidos (-25,2±0.9‰). Observa-se na Figura 1, a similaridade da distribuição destes valores na forma de histograma [9].


Comparando-se a média dos valores de d13C entre amostras de diferentes origens botânica declaradas nos rótulos das mesmas, notou-se que a média dos valores de d13C para o mel de laranja foi 0,7‰ maior em relação a média obtida para amostras de mel de outras origens botânicas (Tabela 4). No entanto, essa diferença não foi estatisticamente significativa (teste de TUKEY) [5]. Essa característica do mel de laranja (valores maiores de d13C) foi também observada nos Estados Unidos. WHITE & ROBINSON [14] analisaram 15 amostras desse tipo de mel, obtendo um valor médio igual a -23,8±1,0‰, sendo o menor valor igual a -25,5‰ e o maior igual a -22,1‰.

5 – DISCUSSÃO

Hoje em dia a composição isotópica do carbono (d13C) de amostras de mel, utilizada com o propósito de averiguar presença de açúcares de origem C4, é considerado um método oficial pela "Association of Official Analytical Chemists" dos Estados Unidos [1]. O primeiro estudo que alicerçou essa metodologia foi desenvolvido em 1977 [10]. Nesse estudo foram analisadas 84 amostras de mel americano e 35 amostras de outros países, inclusive duas amostras oriundas do Brasil [10]. A média geral encontrada foi igual a -25,4±1,0‰ (n=119). Os mesmos autores definiram, posteriormente, que o valor de d13C limite para uma amostra adulterada por açúcares seria de -21,5‰, ou seja, consideraram 4 desvios-padrão, onde a probabilidade de uma amostra com valor igual ou maior que -21,5‰ ser autêntica seria de 1 para 25.000 [11]. Nesse mesmo estudo, foi definido que amostras entre -21,5‰ (4 desvios-padrão) a -23,4‰ (2 desvios-padrão) seriam consideradas adulteradas e deveriam ter sua adulteração confirmada por métodos físico-químicos complementares. Como a média e a distribuição dos valores encontradas nesse estudo foram similares as encontradas nos Estados Unidos, seria razoável admitir os mesmos limites para o Brasil, ainda que esse estudo não tivesse a abrangência territorial que teve o estudo de WHITE & DONER [10]. Levando-se em conta esses limites, das 5 amostras consideradas adulteradas nesse estudo, 4 delas (amostras 13, 14, 34 e 54), com valores de d13C iguais a -21,0, -19,9, -12,6 e -17,6‰, respectivamente, poderiam ser consideradas realmente adulteradas. A amostra 34 não pode nem ser considerada mel, mas sim, uma calda de açúcar. Por outro lado, a amostra 33 (-21,9‰) poderia ser considerada adulterada e deveria ser enviada para a realização de análises complementares. Observando-se os limites estabelecidos por WHITE & DONER [10], nota-se, examinando-se a Tabela 3 que seriam incluídas na categoria de adulteradas outras 3 amostras (n°s. 12, 32 e 55).

Alguns anos mais tarde, foi constatado que amostras de mel de laranja tinham naturalmente valores maiores de d13C em relação a amostras de mel de outra origem botânica. O valor médio de 15 amostras de mel de laranja coletadas nos Estados Unidos foi igual a -23,8±1,0‰ [14]. Baseando-se nesse fato, os valores de d13C que indicam adulteração para mel de laranja nos Estados Unidos passou a ser de -21,9‰ (2 desvios-padrão) a -20,0‰ (4 desvios-padrão). Nesse estudo, o valor médio de d13C para mel de laranja -24,8±1,3‰, (n=12) (Tabela 4) foi 0,7‰ maior em relação as amostras de mel de eucalipto e floral. No entanto, essa diferença não foi estatisticamente significativa. Nesse caso, seria mais prudente uma amostragem mais abrangente de amostras de mel de laranja para confirmar se em nossas condições esse tipo de mel também apresenta uma diferença isotópica significativa em relação as amostras de outras origens botânicas.

Como a variabilidade nos valores de d13C é acentuada, como foi observado nesse estudo (Tabela 4) e em outros anteriores [10], foi adotado nos Estados Unidos um limite relativamente grande de tolerância, acima da qual uma amostra poderá ser considerada adulterada. Esse fato pode facilitar a adulteração, uma vez que fica mais difícil detectá-la com exatidão. Por exemplo, o menor valor de d13C encontrado nesse estudo foi de -26,7‰, caso essa amostra fosse adulterada, seria possível acrescentar até 20% de açúcar C4, antes que essa amostra atingisse o valor limite superior para amostras suspeitas (-23,4‰). Esse problema foi solucionado recentemente pela adoção de um padrão interno para cada amostra. Além da determinação da composição isotópica da amostra como um todo, determina-se também a composição isotópica da proteína do mel. As amostras que tivessem valores de d13C da proteína 1‰ menor que o valor de d13C da amostra total seriam consideradas adulteradas [12,13].

Além da variabilidade discutida acima, outros dois fatores que podem tornar menos efetivo o uso da composição isotópica do mel para fins de adulteração são: (1) a prática do fornecimento de açúcares de origem de plantas C4 para colméias durante o inverno e (2) o uso de exsudato da cana pelas abelhas para a produção de mel. O fornecimento de açúcar pelo apicultor é feito com o intuito de "fortalecer" a colméia para a chegada da primavera e não visando a produção de mel. Portanto, essa alimentação artificial não deve interferir na composição isotópica do mel. Além disso, essa é uma prática comum em países onde o inverno é mais rigoroso, o que não é o caso do Brasil. De qualquer forma, uma avaliação mais detalhada deve ser conduzida. As abelhas sob certas circunstâncias fazem uso dos exsudatos do colmo da cana, quando há o corte dessa planta pelas usinas de álcool e açúcar. Esse fato é especialmente importante nas regiões canavieiras, como é o caso da região de Piracicaba e Ribeirão Preto. No entanto, o mel de cana tem sabor, cheiro e cor característicos que confundem o mel de cana com o melaço produzido comercialmente. Por esse motivo, o mel de cana não tem boa aceitação no mercado, não sendo portanto facilmente encontrado (L.C. Marchini, comunicação pessoal).

6 – CONCLUSÕES

A utilização da metodologia de determinação da razão isotópica do carbono mostrou-se plenamente adequada tanto na identificação da origem botânica (plantas utilizadas pelas abelhas como fonte de néctar e de ciclo fotossintético C3 e açúcares comerciais provenientes de plantas C4) quanto na verificação de adulteração do produto final (mel), visto que os resultados médios de d13C para as amostras de plantas, açúcares comerciais e mel foram respectivamente de -28,6±0,4‰ (n=8),

-11,1±0,7‰ (n=3) e -25,3±1,0‰ (n=56), consistindo portanto num método analítico rápido, prático e confiável.

Cinco amostras de mel (amostras 13, 14, 33, 34, 54), oriundas de diversas regiões do Estado de São Paulo, apresentaram resultados de adulteração pois apresentaram variação de d13C acima de 4 desvios-padrão em relação a média, como verificado através da simulação de adulteração e similar a outros resultados encontrados na literatura.

7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

2 CENA – Av. Centenário 303, 13416-000, Piracicaba-SP.

3 UNIMEP – Rod. Iracemápolis – Km 1, 13450-000, Santa Bárbara do Oeste-SP.

* A quem a correspondência deve ser enviada.

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  • 1
    Recebido para publicação em 10/07/98. Aceito para publicação em 28/06/99.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Fev 2000
    • Data do Fascículo
      Maio 1999

    Histórico

    • Aceito
      28 Jun 1999
    • Recebido
      10 Jul 1998
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