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Efeito da adição de CO2 sobre o crescimento microbiano em macarrão tipo massa fresca

Effect of CO2 addition on microbial growth in fresh pasta

Resumos

O presente trabalho foi desenvolvido com o objetivo de avaliar o efeito da adição de CO2 sobre a qualidade do macarrão tipo massa fresca. O uso de atmosfera modificada no interior da embalagem, com concentrações mais elevadas de CO2, tem sido empregado comercialmente com a finalidade de inibir microrganismos, principalmente os aeróbios. Dessa forma, neste trabalho foi empregada uma nova técnica para a adição do CO2 no produto. Esta técnica consistiu em carbonatar a água que foi utilizada para a produção do macarrão tipo massa fresca, em substituição à injeção do gás CO2 na embalagem. Foram testadas as concentrações de 160 e 745mg/L de CO2. Os resultados mostraram, pelas análises microbiológicas, que o nível de 745mg/L de CO2 foi satisfatório para a inibição de bolores e leveduras durante os 50 dias de armazenamento a 7±1ºC. No entanto, não houve efeito na inibição de psicrotróficos e coliformes totais.

gás carbônico; macarrão massa fresca; conservação


The objective of this work was to evaluate CO2 addition on the inhibition of microbial growth in fresh pasta. Modified atmosphere packages using higher levels of CO2 have been commercially used to inhibit mainly aerobes microorganisms. Therefore, a new technique of adding CO2 directly to the product was tested promoting better contact between the dough and the gas. Carbon dioxide was dissolved in water at concentrations of 160 and 745mg/L and the carbonated water was mixed with the ingredients to produce the pasta. The results showed that 745mg/L of CO2 inhibited fungi and yeast growth in pasta stored at 7±1ºC up to 50 days, however, growth of psychrotrophics and coliforms was not affected.

carbon dioxide; fresh pasta; preservation


Efeito da adição de CO2 sobre o crescimento microbiano em macarrão tipo massa fresca

Effect of CO2 addition on microbial growth in fresh pasta

Renato Souza Cruz; Nilda de Fátima Ferreira Soares* * A quem a correspondência deve ser enviada.

Universidade Federal de Viçosa- Departamento de Tecnologia de Alimentos/UFV, CEP 36571-000, Viçosa-MG

RESUMO

O presente trabalho foi desenvolvido com o objetivo de avaliar o efeito da adição de CO2 sobre a qualidade do macarrão tipo massa fresca. O uso de atmosfera modificada no interior da embalagem, com concentrações mais elevadas de CO2, tem sido empregado comercialmente com a finalidade de inibir microrganismos, principalmente os aeróbios. Dessa forma, neste trabalho foi empregada uma nova técnica para a adição do CO2 no produto. Esta técnica consistiu em carbonatar a água que foi utilizada para a produção do macarrão tipo massa fresca, em substituição à injeção do gás CO2 na embalagem. Foram testadas as concentrações de 160 e 745mg/L de CO2. Os resultados mostraram, pelas análises microbiológicas, que o nível de 745mg/L de CO2 foi satisfatório para a inibição de bolores e leveduras durante os 50 dias de armazenamento a 7±1ºC. No entanto, não houve efeito na inibição de psicrotróficos e coliformes totais.

Palavras-chave: gás carbônico; macarrão massa fresca; conservação.

SUMMARY

The objective of this work was to evaluate CO2 addition on the inhibition of microbial growth in fresh pasta. Modified atmosphere packages using higher levels of CO2 have been commercially used to inhibit mainly aerobes microorganisms. Therefore, a new technique of adding CO2 directly to the product was tested promoting better contact between the dough and the gas. Carbon dioxide was dissolved in water at concentrations of 160 and 745mg/L and the carbonated water was mixed with the ingredients to produce the pasta. The results showed that 745mg/L of CO2 inhibited fungi and yeast growth in pasta stored at 7±1ºC up to 50 days, however, growth of psychrotrophics and coliforms was not affected.

Keywords: carbon dioxide; fresh pasta; preservation.

1 – INTRODUÇÃO

As características como boa aparência, preparo rápido e sabor agradável são fatores que têm proporcionado à massa fresca uma aceitação cada vez maior no mercado, passando a fazer parte do hábito alimentar brasileiro, havendo, conseqüentemente, uma tendência à modernização do setor. Esse tipo de produto é prejudicado no que diz respeito a sua estocagem e conservação, pois devido ao tratamento térmico moderado que é submetido, apresenta alta perecibilidade. Assim, utilizam-se aditivos para inibir o crescimento bacteriano. Atualmente, há uma tendência no setor de alimentos de substituição dos métodos de prevenção que alterem química e fisicamente os alimentos, por métodos menos severos. Por isso, grande atenção tem sido dada a novas tecnologias de processamento e acondicionamento, tais como atmosfera modificada, embalagens ativas, adição de CO2, alimentos minimamente processados e alimentos irradiados, dentre outras. Assim, procura-se atender a uma crescente demanda dos consumidores por alimentos frescos e de boa qualidade, com maior vida-útil, porém sem aditivos.

Muitas técnicas de conservação podem ser apontadas como meios de evitar diferentes tipos de deterioração, mas a prioridade é sempre minimizar o crescimento de microrganismos. DAVIES [2] relatou que a manutenção da qualidade de um produto alimentício durante a estocagem se deve principalmente à inibição do crescimento de microrganismos deterioradores. Segundo GOULD [5], a preservação de alimentos é baseada, inicialmente, no retardo ou na prevenção do crescimento microbiano, devendo então atuar nos fatores que influenciam esse crescimento e na sobrevivência do microrganismo.

A maioria das técnicas de preservação atualmente empregadas para prevenir ou retardar o crescimento microbiano em produtos alimentícios são redução de temperatura, redução do pH, redução da atividade de água e aplicação de calor. De acordo com LEISTNER [7], essas técnicas convencionais estão sendo usadas juntamente com outras alternativas, fazendo com que haja um sinergismo entre elas. Uma dessas técnicas alternativas é o uso do dióxido de carbono juntamente com o abaixamento de temperatura, que, de acordo com FARBER [4], está sendo largamente utilizado como conservante de alimentos em alguns países. É evidente que, tratando-se de gases, a embalagem é um ponto fundamental na manutenção do contato dos mesmos com o produto. Um filme que apresenta baixa permeabilidade ao CO2 evitará perdas do mesmo e, portanto, aumentará o período de ação deste com o microrganismo. Segundo VERMEIREN et al. [11], nos últimos anos, novos conceitos sobre embalagens de alimentos têm sido introduzidos, levando-se em conta o aumento da demanda por produtos que tenham a aparência de frescor do produto in natura, assim como qualidade e segurança alimentar. As embalagens tradicionais são limitadas no que se refere à capacidade de alterar propriedades desejáveis dos produtos alimentícios. Assim, desenvolvimento de novos filmes, para uso em produtos com atmosfera modificada, e introdução de embalagens ativas são novas tecnologias que têm despontado nas últimas décadas [9]. Dentre essas novas tecnologias, podemos citar os absorvedores de O2, imobilização de enzimas e adição de aditivos antimicrobianos.

O principal mecanismo de deterioração de massas frescas é o crescimento de bolores e leveduras, devido à atividade de água (Aw) na faixa de 0,85 [8], sendo o produto classificado como de Aw intermediária. De acordo com SCHINTU et al. [10], os microrganismos podem ser encontrados em todas as fases da produção, podendo-se citar como fontes, o pessoal e o ambiente de processamento. Portanto, faz-se necessário o controle sanitário de todos os operadores e a atuação de protocolos rígidos de sanitização dos equipamentos e dos locais de produção. Segundo EIROA, LEITÃO, LEITÃO [3], como medida de precaução, a proteção de produtos com filmes plásticos, para impedir ou limitar a penetração do oxigênio, cria condições desfavoráveis ao desenvolvimento de bolores e bactérias aeróbias.

Através de uma técnica inédita para esse tipo de produto, o presente trabalho teve por objetivo avaliar o efeito da adição de CO2 em massa fresca, através de água carbonatada no crescimento de sua microbiota, mais especificamente de bolores e leveduras, coliformes totais e psicrotróficos.

2 – MATERIAL E MÉTODOS

No preparo da massa foram utilizados farinha de trigo especial, óleo e gás CO2. O macarrão foi acondicionado em embalagens de polipropileno, comumente usadas na comercialização de macarrão tipo massa fresca.

O processamento utilizado para esse experimento foi definido após realização de vários testes preliminares, em que foram testadas diferentes maneiras de se adicionar CO2 à massa. Optou-se pela adição de CO2 na massa de macarrão tipo massa fresca através da água carbonatada.

Aos 500g de farinha de trigo foram adicionados 2% de óleo de soja e 34% de água carbonatada em diferentes níveis de CO2: 160 e 745mg/L. Os ingredientes foram homogeneizados e, em seguida, moldados em trefila de talharim, originando-se assim as amostras. O macarrão foi acondicionado em embalagens de polipropileno, com 100mm de espessura, 86,06g/m2 de gramatura e 0,8606g/cm3 de densidade, comercialmente utilizadas para massa fresca. As amostras foram, então, armazenadas em 10 embalagens para cada nível testado, sob refrigeração, à temperatura de 7±1ºC e por um período de tempo total de 50 dias.

Para cada conjunto de análise, foi retirada uma embalagem de cada nível. As análises foram realizadas em triplicatas.

As amostras foram analisadas nos tempos 0 (um dia de armazenamento), 10, 20, 30, 40 e 50 dias de armazenamento. Foram realizadas as seguintes análises: coliformes totais, por serem indicadores de higiene, utilizando-se meio VRB; análise de psicrotrófico, devido ao produto ser armazenado sob refrigeração, utilizando-se meio PCA; e bolores e leveduras, pelo fato de serem os principais microrganismos deterioradores de massas alimentícias, utilizando-se meio PDA, de acordo com a AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION [1].

A água carbonatada foi obtida em um carbonatador da marca Cornelius, modelo 3831-002. Os níveis de 160 e 745mg/L de CO2, usados para produção da massas foram definidos por testes sensoriais e tecnológicos preliminares.

Esses níveis de CO2 foram obtidos através da diluição da água carbonatada e determinados de acordo com LEE [6].

Por meio do equipamento mostrado na Figura 1, determinaram-se os níveis de CO2 na água utilizada para a fabricação de macarrão tipo massa fresca. Esta determinação consistiu em colocar 25mL da água carbonatada a ser utilizada em um frasco (1) e, através de uma bureta (2), adicionar 10mL de tampão citrato (pH 3,5), levando à formação de CO2. A pressão feita pelo gás na coluna manométrica (3) desloca certo volume de água. O sistema foi hermeticamente fechado, para evitar perda dos gases formados. A altura deste deslocamento foi monitorada e registrada após a estabilização da coluna de água deslocada. Essa altura em milímetros foi relacionada com o teor de CO2, utilizando-se uma curva- padrão.


3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO

A curva padrão (Figura 2) foi determinada através do deslocamento de gás CO2 formado após a reação de uma solução de bicarbonato de sódio de concentração conhecida, com uma solução tampão de citrato de sódio.


Os dados de altura (mm) de água deslocada versus concentração de CO2 foram plotados, e a regressão foi calculada.

A Figura 3 apresenta os dados de crescimento de bolores e leveduras no produto durante os 50 dias de armazenamento. O tratamento-padrão, sem utilização de água carbonatada, mostrou tendência de crescimento de bolores e leveduras com o armazenamento, enquanto que, nos tratamentos que utilizaram água carbonatada houve tendência de inibição no crescimento destes microrganismos. Após 30 dias de estocagem, a massa contendo 160mg/L de CO2 apresentou uma redução de 2 ciclos log para bolores e leveduras em relação à massa sem CO2. Cabe enfatizar que as massas não continham aditivos e a legislação (Portaria no 451, Ministério da Saúde, 1997) recomendava no máximo de 104UFC/g, para a comercialização do macarrão tipo massa fresca, porém a legislação atual (RDC no12, Ministério da Saúde, 2001) não prevê limites para bolores e leveduras, recomendando uma análise visual do crescimento de bolores e leveduras. Como observado pelos autores, a massa fresca não apresentou, visualmente, crescimento desses tipos de microrganismos durante o tempo de armazenamento para todos os tratamentos.


Com relação ao crescimento de psicrotróficos (Figura 4), os resultados mostram que o CO2 não teve efeito. Assim, observou-se que após 20 dias de armazenamento houve estabilidade do crescimento, em números elevados, para todas as amostras em estudo. Alguns autores mostram que o CO2 é eficaz em alimentos onde os microrganismos deterioradores são normalmente aeróbios, Gram-negativos e psicrotróficos. No caso de massa fresca, a análise de psicrotrófico é de grande importância, pois este produto é armazenado sob refrigeração.


A preocupação de analisar coliformes totais em massa fresca se deve à estocagem de farinha em locais que podem ser contaminados por pássaros ou à contaminação que vem do campo. Neste estudo, pode-se observar uma contaminação inicial na ordem de 103UFC/g na farinha usada. Em se tratando de coliformes totais, observou-se que a adição de CO2 através da água carbonatada na fabricação de macarrão tipo massa fresca não teve efeito sobre a inibição desses microrganismos. A Figura 5 mostra o aumento da contagem de coliformes com o armazenamento em temperatura de refrigeração em todos os tratamentos.


4 – CONCLUSÕES

As análises microbiológicas mostraram que a adição de CO2 foi satisfatória para a inibição de bolores e leveduras durante os 50 dias de armazenamento, durante os quais se observou que, considerando o limite de 104UFC/g, anteriormente estabelecido pela legislação, não foi ultrapassado pelas amostras produzidas com água carbonatada; já a amostra-padrão ultrapassou esse limite com apenas 20 dias de armazenamento. Em geral, as massas frescas comercializadas apresentam uma vida-de-prateleira de 30 dias.

Quanto à análise de psicrotróficos e coliformes totais, observou-se que não houve efeito na inibição desses tipos de microrganismos. Pela contagem inicial de coliformes totais (103UFC/g), avalia-se que a farinha utilizada no processamento não foi obtida em boas condições higiênicas de processamento. Deve ser ressaltado que não houve nenhuma outra fonte de inibição de microrganismo a não ser a água carbonatada e o armazenamento sob refrigeração.

Portanto, pode-se concluir que a adição de CO2 em macarrão tipo massa fresca, através de água carbonatada com 745mg/L de CO2, nas condições de processamento descritas, é eficiente para a inibição da deterioração desse produto por bolores e leveduras, por um período de 50 dias de armazenamento sob temperatura entre 7±1ºC. Neste estudo, os níveis de CO2 usados não se mostraram eficientes para coliformes totais e psicrotróficos.

5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido para publicação em 31/05/01. Aceito para publicação em 27/12/01

  • [1] AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION. Compendium of methods for the microbiological examination of food. 3.ed. Washington: 1992.
  • [2] DAVIES, A.R. Advances in modified atmosphere packaging. Glasgow, Blackie, 1995, p. 304-320.
  • [3] EIROA, M.N.U., LEITÃO, M.F.F., LEITÃO, R.F.F. Determinação de fatores microbiológicos relacionados à conservação de massas alimentícias. II Conservação de massas refrigeradas. Boletim do ITAL, v. 48, p. 87-95, 1976.
  • [4] FARBER, J.M. Microbiological aspects of modified-atmosphere packaging technology a review. Journal of Food Protection, v. 54, n. 1, p. 58-70, 1991.
  • [5] GOULD, G.W. Methods for preservation and extension of shelf life. International Journal of Food microbiology, v. 33, p. 51-64, 1996.
  • [6] LEE, E.Y.C. Carbon dioxide gas analysis & application in the determination of the shelf-life of modified atmosphere packaged dairy products. Cornell: Cornell University, 1996. 76p. Dissertação (Mestrado) Cornell University.
  • [7] LEISTNER, L. Principles and applications of hurdle technology. Glasgow: 1995, Blackie, p. 1-21.
  • [8] PEDRELLI, T, VICINI, L., SPOTTI, E., MUTTI, P., BIANCO, S., DALL'AGLIO, G. Prolungamento della shelf-life di prodotti da forno confezionati in atmosfera modificata. Industrie Alimentari, v. 33, p. 988-995, 1994.
  • [9] ROONEY, M.L. Active Food Packaging. Glasgow: Blackie, 1995. p.1-33.
  • [10] SCHINTU,M., MELONI, P., SAL, M., CONTU, A. Esperienze sul controllo microbiologico di paste fresche di produzione artigianale L'Igiene Moderna, v. 105, p55-62, 1996.
  • [11] VERMEIREN, L., DEVLIEGHERE, F., VAN BEEST, M., KRUIJF, N., DEBEVERE, J. Development in the active packaging of food. Trends in Food Science & Tecnology, v. 10, n. 3, p77-86, 1999.
  • *
    A quem a correspondência deve ser enviada.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Dez 2003
    • Data do Fascículo
      Ago 2002

    Histórico

    • Recebido
      31 Maio 2001
    • Aceito
      27 Dez 2001
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