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Potencial perigo microbiológico resultante do uso de caixas plásticas tipo monobloco, no armazenamento e transporte de pescados em São Paulo

Potential microbiological hazard as consequence of using monobloc plastic boxes for storage and transportation of fish in São Paulo

Resumos

A produção mundial de pescados é estimada em 100 milhões de toneladas/ano, sendo 70 destinadas à alimentação humana. Dado à composição centesimal, atividade de água, potencial eletrolítico e às condições de higiene, transporte e armazenamento, os pescados são vulneráveis a proliferação de microrganismos patogênicos e deterioradores, ficando no topo dos alimentos associados a doenças veiculadas por alimentos (DVAs). Neste estudo analisou-se microbiológica e microscopicamente uma superfície de 100cm² do fundo de monoblocos plásticos usados no transporte/comercialização de pescados em feiras (n=14) e no Mercado Municipal (n=2) de São Paulo. A temperatura média dos pescados nas feiras foi de 19,1ºC (± 2,6) e de 10ºC no Mercado. 100% dos monoblocos apresentaram um ou mais patógenos, sendo que 50% continham Coliformes. A análise microscópica mostrou muitas fendas, podendo ser concluído que o material dos monoblocos é inadequado, por favorecer a adesão de microrganismos. Por causa de variedades de microrganismos isolados, ficou evidenciada a participação do manipulador na contaminação dos recipientes. Há necessidade de regulamentar um material adequado para contato com pescados e de treinar os manipuladores.

peixes; toxinfecção alimentar; bactérias patogênicas; poliuretano; monobloco


The estimated world production of marine fish is around 100 million ton/year, 70 that are used for human nutrition. The composition, water activity, electrolytic potential and the hygiene conditions in transport and storage, make fish susceptible to microorganism's proliferation, getting the top in the ranking of food associated with foodborne diseases. This study analyzed both microscopic and microbiologically a 100cm² of the internal surface of plastic boxes used in the transport and commerce of fish in open markets (n=14) and at the Municipal Markets (n=2) in São Paulo city. The average temperature of the fishes was 19.1ºC (± 2.6) in open markets and 10ºC at Municipal Market. 100% of the boxes showed one or more microorganisms, and 50% containing Coliforms. Microscopy observation showed many fissures. It could be concluded that the material used in the manufacture of the boxes favors the adhesion of microorganism colonies and is therefore not adequate for that purpose. Due to the variety of the detected microorganisms, the contribution of the manipulator to the contamination became clear. Finally, it would be desirable to create a set of specifications for the material used to store fresh fishes, and also to provide training for the manipulators.

fish; food diseases; pathogenic bacterial; polyurethane; plastic box


Potencial perigo microbiológico resultante do uso de caixas plásticas tipo monobloco, no armazenamento e transporte de pescados em São Paulo

Potential microbiological hazard as consequence of using monobloc plastic boxes for storage and transportation of fish in São Paulo

Daniela Strauss Thuler Vargas; Késia Diego Quintaes* * A quem a correspondência deve ser enviada.

Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP), Estrada de Itapecerica, 5859, CEP: 05858-001 — São Paulo — SP. danithuler@hotmail.com

RESUMO

A produção mundial de pescados é estimada em 100 milhões de toneladas/ano, sendo 70 destinadas à alimentação humana. Dado à composição centesimal, atividade de água, potencial eletrolítico e às condições de higiene, transporte e armazenamento, os pescados são vulneráveis a proliferação de microrganismos patogênicos e deterioradores, ficando no topo dos alimentos associados a doenças veiculadas por alimentos (DVAs). Neste estudo analisou-se microbiológica e microscopicamente uma superfície de 100cm2 do fundo de monoblocos plásticos usados no transporte/comercialização de pescados em feiras (n=14) e no Mercado Municipal (n=2) de São Paulo. A temperatura média dos pescados nas feiras foi de 19,1oC (± 2,6) e de 10oC no Mercado. 100% dos monoblocos apresentaram um ou mais patógenos, sendo que 50% continham Coliformes. A análise microscópica mostrou muitas fendas, podendo ser concluído que o material dos monoblocos é inadequado, por favorecer a adesão de microrganismos. Por causa de variedades de microrganismos isolados, ficou evidenciada a participação do manipulador na contaminação dos recipientes. Há necessidade de regulamentar um material adequado para contato com pescados e de treinar os manipuladores.

Palavras-chave: peixes; toxinfecção alimentar; bactérias patogênicas; poliuretano; monobloco.

SUMMARY

The estimated world production of marine fish is around 100 million ton/year, 70 that are used for human nutrition. The composition, water activity, electrolytic potential and the hygiene conditions in transport and storage, make fish susceptible to microorganism's proliferation, getting the top in the ranking of food associated with foodborne diseases. This study analyzed both microscopic and microbiologically a 100cm2 of the internal surface of plastic boxes used in the transport and commerce of fish in open markets (n=14) and at the Municipal Markets (n=2) in São Paulo city. The average temperature of the fishes was 19.1oC (± 2.6) in open markets and 10oC at Municipal Market. 100% of the boxes showed one or more microorganisms, and 50% containing Coliforms. Microscopy observation showed many fissures. It could be concluded that the material used in the manufacture of the boxes favors the adhesion of microorganism colonies and is therefore not adequate for that purpose. Due to the variety of the detected microorganisms, the contribution of the manipulator to the contamination became clear. Finally, it would be desirable to create a set of specifications for the material used to store fresh fishes, and also to provide training for the manipulators.

Keywords: fish; food diseases; pathogenic bacterial; polyurethane; plastic box.

1 — Introdução

São considerados como pescados os animais que vivem em água doce ou salgada, compreendendo peixes, crustáceos, moluscos, anfíbios, quelônios e alguns mamíferos. Geralmente são caracterizados como frescos, recebendo no entanto, proteção de gelo [3]. É estimado que a produção mundial de pescados seja em torno de 100 milhões de toneladas/ano, sendo 70 delas destinadas exclusivamente à alimentação humana [12]. Tanto a produção como o consumo de peixes e derivados têm aumentado nos últimos 20 anos, constituindo a maior parte da proteína animal consumida em várias partes do mundo [1, 6, 12]. Esta fonte protéica merece destaque por conter cerca de 21% a mais de aminoácidos essenciais do que a carne bovina [23].

Em virtude das características de composição, atividade de água, potencial eletrolítico e condições de higiene, transporte e armazenamento, os pescados frescos são vulneráveis à ação de microrganismos deterioradores e patogênicos ao homem. Estes fatores favorecem a colocação dos pescados no topo da lista de alimentos associados com doenças veiculadas por alimentos (DVAs) [5, 11]. Microrganismos patogênicos como Vibrio sp., Salmonella sp., Listeria monocytogenes, Bacillus cereus, Staphylococcus aureus e Clostridium perfringens, podem ser encontrados em pescados e produtos de pesca [6,12].

No aspecto de contaminação, tanto a higiene dos manipuladores como das superfícies usadas na manipulação e armazenamento, tais como mesas, utensílios, caixas plásticas de armazenagem e bancadas, são determinantes da qualidade microbiológica do pescado [6, 24]. A higienização da área de manipulação é importante por ser um ponto crítico para a contaminação de alimentos [20], uma vez que microrganismos que permaneçam na superfície depois da limpeza, são potenciais contaminadores. Neste aspecto, superfícies plásticas são favoráveis à adesão de microrganismos devido à porosidade do material [10], enquanto que materiais como o vidro e o aço inoxidável permitem uma higienização eficiente [8, 10].

Entretanto, a avaliação das superfícies das caixas plásticas, tipo monobloco, usadas no transporte, armazenamento e comercialização dos pescados em feiras livres, bem como a temperatura dos pescados, não tem sido realizada no Brasil. Somente em São Paulo Capital há em funcionamento de terça a domingo 867 feiras [19]. As caixas usadas no transporte de pescados desde o comércio atacadista até o varejista, geralmente padronizadas quanto ao tamanho/formato/material de confecção, podem servir de veículo para microrganismos patogênicos.

Assim, o presente trabalho objetivou analisar microbiológica e microscopicamente as superfícies das caixas tipo monobloco plástico, usadas no transporte e comercialização dos pescados em feiras livres e no Mercado Municipal de São Paulo, verificando se estas poderiam servir de veículo de alguns microrganismos patogênicos ao homem, a saber: Vibrio cholerae, V. parahaemolyticus, Salmonella sp., Listeria monocytogenes, Aeromonas sp., Bacillus cereus, Staphylococcus aureus e Clostridium perfringens.

2 — MATERIAL E MÉTODOS

Durante o mês de maio de 2002, foram avaliadas as superfícies internas das caixas plásticas, tipo monobloco, confeccionadas com poliuretano, usadas no transporte e comercialização de pescados, bem como a temperatura destes, em quatro feiras livres de São Paulo e do Mercado Municipal da Capital. Dezesseis monoblocos foram amostrados aleatoriamente no horário entre 11:00-12:00 horas, sendo delimitadas 14 amostras nas feiras livres e 2 no Mercado Municipal de São Paulo. A temperatura ambiente nos dias e horários das coletas era de 26oC (± 2oC). Dado que a temperatura é um fator limitante para o crescimento dos microrganismos, estas foram mensuradas na porção central entre os vários pescados expostos nas caixas plásticas amostradas, usando para tanto um termômetro com coluna de mercúrio (Labortherm—N).

Para a análise microbiológica, foram coletadas amostras utilizando a técnica de swab na superfície interna do fundo dos monoblocos selecionados, sendo realizado na parte central, em uma área previamente delimitada de 100cm2. Os swabs de cada caixa foram dispostos em tubos de ensaio estéreis, devidamente identificados e transportados em caixa isotérmica até o laboratório, onde foi realizado o isolamento e identificação de cada espécie bacteriana de interesse.

Para determinação de Vibrio cholerae e V. parahaemolyticus, foi realizado o cultivo em água peptonada alcalina (1% NaCl + 1% peptona bacteriológica em pH 8,6), a 37oC/24h, seguido de plaqueamento seletivo em TCBS Agar e confirmação em kit bioquímico BBL Crystal Enteric/Nonfermenter ID System, de acordo com WONG et al. [25] e RIPABELLI et al. [17]. Para Salmonella sp. foi feito cultivo em meio BHI, a 30oC/24h, seguido de plaqueamento seletivo em Ágar Salmonella-Shigella, incubado a 35-37oC/24h. As colônias típicas (incolores, transparentes com ou sem centro negro) foram confirmadas através de kit bioquímico comercial para enterobactérias (EnteroKit B). A identificação de Listeria monocytogenes foi feita mediante enriquecimento em caldo UVM, plaqueamento seletivo em Agar PALCAM e OXFORD e confirmação com kit bioquímico BBL Crystal Gram Positive ID System, de acordo com PICCHI et al. [15].

O plaqueamento seletivo em Ágar Amido-ampicilina, seguido de testes de confirmação e kit BBL Crystaal Enteric/Nonfermenter ID System, de acordo com TSAI e CHEN [21] foi utilizado na determinação de Aeromonas sp. A identificação de Bacillus cereus foi feita após cultivo em meio BHI, a 30oC/24h, seguido do plaqueamento em ágar seletivo para B. cereus Seg. Mossel (MYP) e incubação a 30oC/24-45h. Transcorrido este tempo, as colônias típicas (rugosas, secas e com coloração rosada/púrpura, rodeadas por um halo branco) foram transferidas para ágar nutriente inclinado e incubadas a 30oC/24h, para posterior realização de provas bioquímicas em kit BBL Crystal Gram Positive ID System.

A determinação de Staphylococcus aureus foi feita mediante a enriquecimento em meio BHI e plaqueamento seletivo em Agar Baird-Parker [24] e, ainda, em meio Agar Chapman Stone para Staphylococcus aureus, com confirmação bioquímica em kit BBL Crystal Gram Positive ID System. A fim de identificar a presença de Clostridium perfringens foi realizado cultivo em água peptonada (0,1%), seguido de plaqueamento seletivo em Ágar SPS, e incubação a 35-37oC/72h em anaerobiose. Transcorrido o tempo, as colônias típicas foram transferidas para meio Tioglicolato, incubadas a 35-37o C/6-12h, para posterior confirmação pelos testes bioquímicos: redução de nitrato, fermentação da lactose e coagulação do leite, sendo considerado presente se os resultados fossem positivos.

Os resultados obtidos para cada espécie bacteriana estudada foram expressos como presença ou ausência dos mesmos nas superfícies amostradas. Os meios utilizados, apesar de serem seletivos, permitem o crescimento de outras espécies microbianas, além das pesquisadas. Por isto, muitas vezes os kits de identificação, que abrangem um grande número de espécies bacterianas gram positivas e negativas, revelaram a presença de outros microrganismos, os quais também foram apresentados nos resultados. As temperaturas dos pescados foram tabuladas de acordo com o monobloco amostrado.

A análise microscópica da superfície das caixas plásticas foi realizada de forma a complementar os resultados. Para tanto, foi adquirida uma caixa plástica nova, tipo monobloco, idêntica às usadas pelos feirantes. Duas outras caixas, usadas, foram compradas diretamente do feirante, sendo uma higienizada por ele da forma habitual e a outra sem ter recebido qualquer tipo de limpeza. Uma área similar à utilizada nos swabs (100cm2) da superfície interna central do fundo dos três monoblocos (novo, usado limpo e usado sem ter recebido limpeza) foi analisada microscopicamente (lupa trinocular Stemi SV6, max — 65 vezes). As caixas plásticas foram "recortadas" de modo a permitir a microscopia, a qual foi fotografada digitalmente (CCD Sony DSC 70 de 3.3 Mpixels). Os resultados desta análise foram avaliados de forma qualitativa de acordo com sua aparência.

3 — RESULTADOS E DISCUSSÃO

Houve grande dificuldade para coletar as amostras, porque os feirantes se mostraram muito resistentes com o trabalho, suspeitando que o mesmo fosse alguma espécie de fiscalização da Vigilância Sanitária. A princípio pretendia-se coletar mais amostras no Mercado Municipal de São Paulo, mas devido à resistência ao procedimento de amostragem, só foi possível a coleta de duas amostras. A falta de cuidado e higiene foi uma constante em todos os locais visitados, especialmente por parte dos manipuladores. Muitas vezes os monoblocos plásticos contendo pescados são colocados no chão e, mais tarde, empilhados uns sobre os outros.

A média da temperatura dos pescados dentro dos monoblocos nas quatro feiras livres de São Paulo foi de 19,1oC (± 2,6), enquanto que no Mercado Municipal esta temperatura era de 10oC, (Tabela 1). Isto pode ser explicado pelo fato de no Mercado o ambiente fechado do local favorecer uma temperatura menor do que nas feiras livres. Mesmo assim, a temperatura do Mercado ainda estava acima do máximo indicado (0oC) para estes produtos e, foram encontrados microrganismos patógenos em ambas as amostras ali coletadas (V. metchinikovii, P. mirabilis e B. cereus, S. aureus). Também vale enfatizar que a temperatura ambiental média nas feiras (26oC ± 2) em muito favorece a proliferação dos microrganismos deterioradores de alimentos e daqueles patogênicos ao homem.

É sabido que a temperatura durante o armazenamento e transporte dos pescados é crucial para o desenvolvimento de microrganismos indesejáveis. O preço elevado do gelo, geralmente sem controle microbiológico, somado a temperatura ambiente, a grande manipulação do produto e, principalmente, ao fato do tipo de material usado na confecção dos monoblocos não favorecer a manutenção da temperatura baixa, são fatores que podem explicar as altas temperaturas dos pescados. Foi notado nas feiras que o gelo que eventualmente caía no chão era reaproveitado, retornando à caixa plástica, contribuindo para a contaminação da mesma e do pescado.

Todos os monoblocos analisados continham microrganismos patogênicos, sendo que alguns chegaram a apresentar mais de dois patógenos simultaneamente (Tabela 1). Nenhuma caixa apresentou resultado positivo para Salmonella sp. , L. monocytogenes ou C. perfringens.

Na Tabela 2 pode ser observada a freqüência relativa dos microrganismos identificados por monobloco. Cerca de 37,5% dos monoblocos apresentaram S. aureus. Cerca de 6,25% dos monoblocos apresentaram estafilococus coagulase positiva (monobloco amostrado número 10). A contaminação de alimentos marinhos com S. aureus ocorre através de manipuladores infectados. O crescimento deste patógeno se dá em temperaturas que variam de 7 a 48oC, sendo que sua toxina é produzida entre 10 a 48oC [7]. Assim, a situação encontrada nas feiras livres e no Mercado Municipal de São Paulo se mostrou favorável tanto ao seu crescimento como a produção de toxina.. A ANVISA [2] regulamentou que os pescados e produtos de pesca devem ser negativos ao teste da coagulase, uma vez que uma pequena quantidade da toxina estafilocócica (0,14-0,19mg/kg) pode causar diarréia, vômitos e fraqueza generalizada [6].

No Brasil (Fortaleza — CE) foi identificada a presença de S. aureus em camarão fresco e nas superfícies das bancadas de uma feira livre na porcentagem de 10 e 6,6% das amostras coletadas, respectivamente. Os autores deste levantamento apontaram que a temperatura inadequada, as condições deficitárias de higiene e sanificação e a presença de manipuladores portadores de afecções respiratórias e cutâneas como fatores que corroboram para a contaminação encontrada [24].

O B. cereus, encontrado em 31,25% das caixas plásticas, microrganismo causador de vômitos e diarréia, geralmente é encontrado em alimentos marinhos [6]. Uma porcentagem similar (31,25%) dos monoblocos se mostrou positiva para o V. metchinikovii, microrganismo que causa peritonite e bacteremia em pacientes com colecistite, podendo ser isolado a partir de amostras de sangue e urina. Este dado aponta para uma provável contaminação dos monoblocos por parte dos manipuladores.

Dentro da família Vibrionaceae, 6,25% dos monoblocos apresentaram A. hydrophila, microrganismo associado à septicemia e gastroenterite [13, 16]. Dados atuais reportam A. hydrophila como sendo um patógeno emergente. Em se tratando de pescados, outros autores identificaram sua presença em 48% de 50 amostras de Pintado (Pseudoplatystoma sp) comercializado em São Paulo [16].

A Shigella sp. foi identificada em 18,75% dos monoblocos, chamando a atenção para um problema de vista da saúde pública, uma vez que uma quantidade pequena como 101-102 UFC/g de Shigella sp. no alimento pode gerar disenteria no consumidor. Nos Estados Unidos, segundo dados do FDA, a incidência de infecção por Shigella sp associada a alimentos marinhos é de 7 casos/ano, sendo que no México este número passa para 200 casos/ano. Esta bactéria pode causar infecção mesmo estando em baixa dosagem e pode sobreviver por longo tempo em pescados [6].

O P. mirabilis, microrganismo encontrado em 18,75% das caixas plásticas, é freqüentemente associado aos casos de intoxicação alimentar [22], ocupando o terceiro lugar em patógeno clínico, perdendo apenas para a E. coli e K. pneumoniae. O P. mirabilis é encontrado geralmente junto a feridas e no sangue, sendo bastante comum em infecções urinárias, fazendo parte da microbiota fecal. Assim, a presença deste microrganismo é também um indicativo de contaminação dos monoblocos por parte do manipulador.

A presença de P. alcalifaciens em 31,25% dos monoblocos chama a atenção pelo fato de tal microrganismo ser reconhecidamente causador de gastroenterite com temida virulência [9, 14]. Já a K. pneumoniae, identificada em 18,75% das caixas, tem sido isolada de alimentos marinhos por ser um habitante natural da água. É tida como um importante patógeno, presente nos casos de diarréia aguda e podendo causar pneumonia e infecção do trato urinário [4, 18].

Além do fato de 100% dos monoblocos amostrados conterem um ou mais patógenos, alarmante do ponto de vista de saúde pública, cerca de 50% das caixas apresentavam Coliformes (4 totais e 4 fecais), grupo de microrganismo que não deve ser encontrado em número superior a 102UFC/g de pescado segundo a legislação vigente no Brasil [2]. Cabe enfatizar que tais resultados são relativos a apenas uma área limitada a 100cm2 do interior dos monoblocos.

Dentre os deterioradores, a presença de P. aeruginosa em 25% dos monoblocos chama a atenção por ser este um microrganismo psicrófilo. Sua presença é associada ao odor desagradável dos pescados, por ser responsável pela produção de éteres e compostos sulfídicos voláteis [7]. Já o M. kristinae, encontrado em 18,75% dos monoblocos, é uma bactéria saprófita presente na pele de mamíferos, indicando contaminação dos recipientes plásticos pelo manipulador. A presença de microrganismos deterioradores pode favorecer a menor durabilidade dos produtos expostos nas caixas.

Tentou-se obter junto aos feirantes a forma de higienização realizada nos monoblocos plásticos e, surpreendentemente, foi observado que apenas é usada água em temperatura ambiente, sendo que não há qualquer controle microbiológico da qualidade desta. Evidentemente que tais procedimentos favorecem a contaminação do monobloco com microrganismos. Além disto, a superfície do plástico usado na confecção dos monoblocos contribuiu para a instalação de sujidades e de microrganismos, conforme pode ser observado nas Figuras 1, 2 e 3.




Não foi possível visualizar diferença através das fotos microscópicas entre os monoblocos usados com e sem higienização (Figuras 2 e 3). Entretanto, é notável a diferença entre a caixa plástica nova (Figura 1) e as usadas (Figuras 2 e 3). As fissuras foram identificadas na microscopia, mesmo no monobloco novo, mostrando que em todos os casos há favorecimento para a instalação de microrganismos.

Assim, além do processo de higienização realizado pelo feirante ser deficiente, o poliuretano do monobloco contribui no sentido a favorecer a aderência de sujidades e de microrganismos. A inadequação do ponto de vista microbiológico de materiais de resina e policarbonato usados para o contato com alimentos já foi tida como imprópria por outros autores. A aderência intrínseca ao material e as fissuras sofridas durante o uso são considerados fatores determinantes da contaminação microbiológica dos alimentos [8, 10].

No caso dos pescados, o gelo jogado aleatoriamente nos monoblocos plásticos pode ter um papel fundamental nas fissuras encontradas no fundo dos recipientes. O ideal seria que o material da caixa fosse favorável à higienização e ao mesmo tempo resistente a lesões físicas, evitando desse modo a instalação de microrganismos e garantindo a qualidade do pescado comercializado. Assim, seria interessante que fosse regulamentado um material mais adequado para o transporte, comercialização e exposição de pescados.

4 — CONCLUSÕES

• Os monoblocos plásticos usados na comerciliazação e transporte de pescados se mostraram inadequados por servirem de veículo para microrganismos deterioradores e de patógenos importantes, tanto pelo material em si como pela higienização deficiente. Dado às variedades de microrganismos isolados, ficou evidente que tais recipientes são susceptíveis à contaminação por parte do manipulador. A temperatura dos pescados comercializados excedeu em muito o máximo indicado para este tipo de produto, contribuindo também assim para o desenvolvimento dos microrganismos. Os resultados obtidos apontam para a necessidade urgente de um trabalho por parte dos órgãos competentes, no sentido de esclarecer e treinar os manipuladores que atuam no comércio de pescados.

5 — Referências bibliográficas

6 — Agradecimentos

Aos feirantes que possibilitaram a coleta de dados. Ao Dr. João Eduardo Addad pela microscopia e fotos. Ao técnico Oeber Quadros pelo apoio na identificação bacteriológica.

Recebido para publicação em 11/11/2002

Aceito para publicação em 03/05/2003 (000995)

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    A quem a correspondência deve ser enviada.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Abr 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2003

    Histórico

    • Aceito
      03 Maio 2003
    • Recebido
      11 Nov 2002
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