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Análise térmica da carne de coelhos

Thermal analysis of rabbit meat

Resumos

O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da adição de condimentos na carne de coelho, sobre a estabilidade térmica de suas proteínas miofibrilares. Retalhos de 24 músculos Longissimus dorsis foram moídos e misturados, para a obtenção de um lote homogêneo. Foram adicionados, em alíquotas dessa carne: 1,0; 2,0 ou 3,0% de sal; 2,5; 5,0 ou 7,5% de sacarose e 1,5; 3,0 ou 4,5% de ácido acético 3% em solução aquosa, e uma mistura perfazendo 3% de sal, 5% de sacarose e 3% da mesma solução de ácido acético. Após homogeneização manual, as amostras foram mantidas em repouso sob refrigeração, por 30 minutos. Alíquotas da ordem de 10mg foram usadas para análise térmica e o restante, para análises de pH, proteínas e umidade. As análises térmicas foram realizadas em um calorímetro diferencial de varredura DSC-TA2010, a 10ºC/min, entre 0 e 100ºC. As curvas de DSC da carne pura apresentaram endotermas nas temperaturas de (Td) 58,4(0,7ºC (miosina) e 78,2(0,2ºC (actina), envolvendo entalpia (DHd) de 17,5J/g de proteínas. O sal e o ácido acético desestabilizaram as proteínas, provocando redução da Td da miosina e actina, contrariamente à sacarose, que apresentou efeito estabilizante. A adição da mistura dos condimentos desestabilizou as proteínas miofibrilares. Apenas o ácido, adicionado acima de 1,5%, provocou desnaturação das proteínas.

proteínas miofibrilares; desnaturação; análise calorimétrica diferencial; sal; sacarose; ácido acético


The objective of this work was to evaluate the effect of some additives over the myofibrillar protein thermal stability of rabbit meat. Steaks of 24 Longissimus dorsis muscle were ground and mixed to obtain a homogeneous portion. Samples of this meat were added with: 1.0, 2.0, or 3.0% of salt; 2.5, 5.0, or 7.5% of saccharose and 1.5, 3.0 or 4.5% of acid acetic solution 3%, and a mixture with 3% salt, 5% saccharose and 3% of the same acid acetic solution. After manual homogenization, the samples were stored refrigerated for 30 minutes. The meat was analyzed for thermal behavior, pH, protein and water content. The thermal analysis was done with a differential scanning calorimeter DSC-TA2010, using samples of about 10mg, at 10ºC/min, between 0 and 100ºC. The DSC curves showed endothermic peaks (Td) at 58.4±0.7ºC (myosin) and 78.2±0.2ºC (actin), having enthalpy (DHd) of 17.5J/g of protein. The proteins were destabilized by the salt and by the acetic acid, leading to a reduction of myosin and actin Td, contrarily to the saccharose which showed a stabilizing effect. The addition of the mixture of additives destabilized the myofibrillar proteins. Only the acid, added above 1.5% caused protein denaturation.

myofibrillar proteins; denaturation; differential calorimetric analysis; salt; saccharose; acetic acid


Análise térmica da carne de coelhos

Thermal analysis of rabbit meat

Verônica A. FurukawaI; Paulo J.A. SobralII,* * A quem a correspondência deve ser enviada. ; Ana Mônica Q. B. HabitanteI; Jacinta D.F. GomesI

IDepartamento de Zootecnia. FZEA-USP. CP 23. CEP: 13635-900 Pirassununga (SP)

IIDepartamento de Engenharia de Alimentos. FZEA-USP. CP 23. CEP:13635-900 Pirassununga (SP). Fax: 0xx19-3565.4114. E-mail: pjsobral@usp.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da adição de condimentos na carne de coelho, sobre a estabilidade térmica de suas proteínas miofibrilares. Retalhos de 24 músculos Longissimus dorsis foram moídos e misturados, para a obtenção de um lote homogêneo. Foram adicionados, em alíquotas dessa carne: 1,0; 2,0 ou 3,0% de sal; 2,5; 5,0 ou 7,5% de sacarose e 1,5; 3,0 ou 4,5% de ácido acético 3% em solução aquosa, e uma mistura perfazendo 3% de sal, 5% de sacarose e 3% da mesma solução de ácido acético. Após homogeneização manual, as amostras foram mantidas em repouso sob refrigeração, por 30 minutos. Alíquotas da ordem de 10mg foram usadas para análise térmica e o restante, para análises de pH, proteínas e umidade. As análises térmicas foram realizadas em um calorímetro diferencial de varredura DSC-TA2010, a 10ºC/min, entre 0 e 100ºC. As curvas de DSC da carne pura apresentaram endotermas nas temperaturas de (Td) 58,4(0,7ºC (miosina) e 78,2(0,2ºC (actina), envolvendo entalpia (DHd) de 17,5J/g de proteínas. O sal e o ácido acético desestabilizaram as proteínas, provocando redução da Td da miosina e actina, contrariamente à sacarose, que apresentou efeito estabilizante. A adição da mistura dos condimentos desestabilizou as proteínas miofibrilares. Apenas o ácido, adicionado acima de 1,5%, provocou desnaturação das proteínas.

Palavras-chave: proteínas miofibrilares; desnaturação; análise calorimétrica diferencial; sal; sacarose; ácido acético.

SUMMARY

The objective of this work was to evaluate the effect of some additives over the myofibrillar protein thermal stability of rabbit meat. Steaks of 24 Longissimus dorsis muscle were ground and mixed to obtain a homogeneous portion. Samples of this meat were added with: 1.0, 2.0, or 3.0% of salt; 2.5, 5.0, or 7.5% of saccharose and 1.5, 3.0 or 4.5% of acid acetic solution 3%, and a mixture with 3% salt, 5% saccharose and 3% of the same acid acetic solution. After manual homogenization, the samples were stored refrigerated for 30 minutes. The meat was analyzed for thermal behavior, pH, protein and water content. The thermal analysis was done with a differential scanning calorimeter DSC-TA2010, using samples of about 10mg, at 10ºC/min, between 0 and 100ºC. The DSC curves showed endothermic peaks (Td) at 58.4±0.7ºC (myosin) and 78.2±0.2ºC (actin), having enthalpy (DHd) of 17.5J/g of protein. The proteins were destabilized by the salt and by the acetic acid, leading to a reduction of myosin and actin Td, contrarily to the saccharose which showed a stabilizing effect. The addition of the mixture of additives destabilized the myofibrillar proteins. Only the acid, added above 1.5% caused protein denaturation.

Keywords: myofibrillar proteins; denaturation; differential calorimetric analysis; salt; saccharose; acetic acid.

1 – Introdução

O aquecimento da carne durante seu cozimento produz alterações na sua aparência, no seu sabor e na sua textura, ocorrendo encolhimento, liberação de suco celular, descoloração, que são causados por mudanças nas proteínas do músculo, que são termosensíveis [9]. Particularmente, as características funcionais e texturais da carne cozida dependem do comportamento térmico das proteínas miofibrilares [14].

A estrutura nativa das proteínas é estabilizada por forças moleculares internas, que são reduzidas com o aumento da temperatura [16]. Acima de certa temperatura, ocorre uma transição do tipo ordem-desordem, quando as proteínas são desenroladas ("unfolded"), ocorrendo um fenômeno conhecido como desnaturação. Esse fenômeno é uma transição de fase de primeira ordem, e pode ser caracterizado pela temperatura (Td) e entalpia de desnaturação (DHd). O conhecimento de Td é importante para o estabelecimento da temperatura final de cozimento [3] e por estar relacionada com as propriedades texturais de certos produtos processados [9], enquanto que a DHd deve ser conhecida e considerada nos cálculos de transferência de calor no produto durante o cozimento [4].

Segundo KIJOWSKI & MAST [10], a desnaturação de proteínas pode ser estudada com o emprego de vários métodos, como solubilidade, viscosidade, fluorescência, atividade ATP-ase da miosina e disponibilidade de grupos sulfidrílicos, entre outros. Recentemente, esses estudos têm sido realizados por espectrometria (Infravermelho com transformada de Fourier, Raman, discroismo circular) e com a calorimetria diferencial de varredura [17], que permite o emprego das proteínas purificadas ou em sua forma natural, isto é, no músculo.

Diversas pesquisas têm sido realizadas com o emprego da calorimetria diferencial de varredura. Alguns trabalhos foram realizados com músculos de peixes apenas lavados [16] e com proteínas miofibrilares extraídas de músculos de pescados, verificando-se o efeito do processamento, do pH e da adição de sal e sacarose sobre a desnaturação protéica [14, 15]. KIJOWSKI & MAST [10] determinaram a temperatura e a entalpia de desnaturação de proteínas de diversas partes da carcaça de frangos (carne, pele e sangue) e das proteínas dos músculos (miosina, actina, proteínas sarcoplasmáticas e do tecido conectivo) desses mesmos animais. VAN LAACK & LANE [19] e AMAKO & XIONG [2] estudaram a estabilidade térmica de proteínas miofibrilares de frango em função do pH e da adição de carragenas (k, i, l) e sal, respectivamente. Esse mesmo tipo de estudo foi realizado com carne suína por DE FREITAS et al. [6], que avaliaram a estabilidade térmica das proteínas miofibrilares devidamente extraídas e na carne moída, ambas adicionadas com as carragenas e sal.

Outros trabalhos foram realizados com proteínas de mamíferos. BERTOLA, BEVILACQUA & ZARITZKI [3] estudaram o efeito de diversos tratamentos térmicos (a úmido) sobre a textura da carne bovina, acompanhando-se a desnaturação das proteínas por DSC. E ENSOR, SOFOS & SCHIMIDT [7] estudaram a estabilidade térmica das proteínas do músculo semimembranoso bovino em função da adição de alginato e cálcio.

Outra espécie bastante estudada é o coelho, porém praticamente todos os estudos consultados são de interesse biomédico. Consultando-se a literatura internacional, observou-se que apenas WRIGHT, LEACH & WILDING [21] e WRIGHT & WILDING [22] estudaram a desnaturação das proteínas miofibrilares de carne de coelhos com interesse tecnológico, verificando respectivamente, o efeito do pH e força iônica na carne, e da adição de três tipos de fosfatos (orto, piro e tripolifosfatos), normalmente usados para aumentar a capacidade de retenção de água da carne, sobre a desnaturação da miosina e seus subfragmentos.

Em uma revisão bibliográfica recente, FURUKAWA [8] observou que apesar do considerável crescimento da criação racional de coelhos, a produção nacional de carne dessa espécie é muito pequena (20 mil toneladas/ano em 2001, segundo IBGE [11]) em relação à carne de bovinos, suínos e de frangos, e que, possivelmente por isso, a qualidade (intrínseca) da carne de coelhos é ainda pouco estudada no Brasil. Mas, o consumo da carne de coelhos, que foi de apenas 0,07kg/habitante/ano em 1995 [5], deve ser incentivado, pois ela apresenta características nutricionais muito interessantes, apresentando baixo teor de lipídios (dos quais, 56% de poli-insaturados), de colesterol e de sódio [13].

Tentando-se contribuir para se reverter o quadro acima descrito, o objetivo deste trabalho foi o estudo do efeito da adição de sal, sacarose e/ou ácido acético sobre a desnaturação das proteínas da carne de coelhos, empregando-se a calorimetria diferencial de varredura.

2 – Materiais e Métodos

Utilizaram-se neste trabalho, carnes de coelhos mestiços (Califórnia X Nova Zelândia branco) criados no Campus da USP de Pirassununga e abatidos no Matadouro-Escola do próprio Campus, com idade média de 72 dias e peso médio da ordem de 2kg. Retalhos do músculo Longissimus dorsis de 12 carcaças de coelhos, coletados 24 horas após o abate, foram moídos, em um processador doméstico com facas, e misturados para a obtenção de um único lote homogêneo de carne. Esse lote foi separado em diversas alíquotas, embaladas (sem vácuo) em sacos de polietileno, congeladas com nitrogênio líquido e transferidas posteriormente para congelador doméstico, evitando-se assim, possível desnaturação das proteínas causada pelo congelamento lento, se fossem colocados diretamente no congelador. Quando necessárias, as alíquotas eram descongeladas em geladeira, pelo período de uma noite.

As amostras foram preparadas pela adequada adição de 1,0; 2,0 ou 3,0% de sal (comercial); 2,5; 5,0 ou 7,5% de sacarose (comercial) e 1,5; 3,0 ou 4,5% de uma solução a 3% de ácido acético glacial (Synth) na carne moída, tendo sido preparadas ainda, amostras com 3% de sal, 5% de sacarose e 3% da mesma solução de ácido acético. As pesagens (±0,01g) das amostras de carne e dos aditivos foram realizadas em balança semi-analítica (Marte, AS2000), preparando-se sempre amostras da ordem de 20g. Após mistura manual, as amostras foram mantidas em repouso por 30 minutos, para possibilitar uma perfeita distribuição dos aditivos na carne, sempre em condição de refrigeração.

Para as análises por calorimetria diferencial de varredura, uma alíquota da ordem de 10mg era retirada de cada amostra recém-preparada, colocada em panelinhas TA de alumínio, fechadas hermeticamente e pesadas (±0,01mg) em balança de precisão (Ohaus, Analytical Plus). Essas análises foram realizadas em um calorímetro diferencial de varredura DSC-TA2010, com controlador TA5000 (TA Instruments), operando com fluxo de 45mL/min de N2, taxa de aquecimento de 10ºC/min, entre 0 e 100ºC e com uma panelinha vazia como referência. O aparelho foi calibrado com Índio (T=156,6ºC e DH=28,71J/g). Considerou-se como temperatura (Td) e entalpia (DHd) de desnaturação, a temperatura onde ocorreu o pico e a área sobre as endotermas, respectivamente, ambos calculados com o emprego do programa Universal Analysis V.2.5H (TA Instruments). As análises foram realizadas em triplicatas.

O restante das amostras era utilizado para análises de pH, teor de proteínas e umidade, sempre em triplicatas. O pH foi determinado diretamente na amostra com um peagâmetro digital (Hanna Instruments, HI8314), e o teor de proteína bruta e a umidade determinados segundo métodos clássicos [1].

Os dados obtidos da análise com o DSC foram submetidos à análise de variância (ANOVA) empregando-se o programa Statistica 5.0 (StatSoft, INC., Tulsa, OK).

3 – Resultados e discussões

Os resultados das análises químicas das amostras preparadas para calorimetria diferencial de varredura, médias entre triplicatas, estão apresentados na Tabela 1, onde se pode observar que a carne de coelho é uma excelente fonte de proteínas (21%). A ligeira redução do teor de proteínas nas amostras é devido ao incremento dos vários aditivos estudados. Esse mesmo comportamento pode ser observado e explicado para a variação da umidade das amostras. Os teores de proteínas das amostras foram usados no cálculo da entalpia de desnaturação em termos de proteínas, isto é, como Joules/g de proteínas, evitando-se assim uma possível fonte de erro.

Por outro lado, observou-se que o pH permaneceu praticamente constante, sempre em torno de 5,7, com exceção da amostra preparada com a concentração máxima da solução de ácido acético e com a mistura de aditivos. Essa insensibilidade do pH aos aditivos usados neste trabalho, é provavelmente, conseqüência do efeito tampão das proteínas da carne. Dessa forma, as possíveis alterações na estabilidade térmica das proteínas não podem ser explicadas em termos de variação do pH, e sim da presença do próprio aditivo.

Curvas típicas obtidas por calorimetria diferencial de varreduras, também chamadas de termogramas, estão apresentadas na Figura 1. Pode-se observar no termograma da carne sem aditivos (a), a ocorrência de duas nítidas endotermas e uma inflexão ("shoulder") após o primeiro pico. A primeira endoterma (Td=58,4±0,7ºC) está associada à desnaturação da miosina e a segunda (Td= 78,2±0,2ºC), a da actina. Esses resultados são similares aos obtidos por WRIGHT, LEACH & WILDING [21], que determinaram Td= 60ºC da miosina e Td= 80ºC da actina de coelho, e por KIJOSWSK & MAST [10], trabalhando com carne de frango: 57ºC para a miosina e 78ºC para a actina. Observa-se ainda no trabalho de WRIGHT, LEACH & WILDING [21] que a desnaturação das proteínas sarcoplasmáticas (Td= 67ºC) ocorreu na faixa intermediária entre a miosina e actina. Assim, pode-se explicar a inflexão ocorrendo em T= 63,3±0,3ºC, após o primeiro pico, como conseqüência da desnaturação de alguma fração dessas proteínas. Resultados semelhantes podem ser observados em diversos trabalhos da literatura [12, 15, 16, 18, 21, 22].


Em virtude da ocorrência de duas, ou mais, transições seguidas, o cálculo das entalpias envolvidas na desnaturação de cada fração é difícil. Assim, calculou-se a entalpia de desnaturação de todas as frações protéicas, que foi de 17,5±0,7J/g de proteínas da carne sem aditivos. Esse resultado está de acordo com o obtido por WRIGHT, LEACH & WILDING [21], que determinaram a entalpia de desnaturação das proteínas da carne de coelho como sendo 16,8J/g de proteínas.

Observa-se na Figura 1, que a adição de todos os aditivos utilizados modificaram os perfis das curvas de DSC, conseqüência da alteração da estabilidade térmica das proteínas. A diminuição dessa estabilidade implicou na redução da temperatura de desnaturação [15]. A presença do sal na carne diminuiu o tamanho do pico endotérmico (Figura 1b,c,d) relativo à miosina, fazendo aparecer um pouco mais nitidamente, o pico intermediário (proteínas sarcoplasmáticas e/ou do tecido conectivo), contrariamente à sacarose (Figura 1e,f,g), que por aumentar o pico da miosina, principalmente a 2,5 e 5%, escondeu esse pico. O ácido acético (Figura 1h,i,j), por sua vez, proporcionou um perfil praticamente idêntico ao da carne pura, porém também colocando em evidência o pico intermediário, devido a uma ligeira redução do pico da miosina.

A maior alteração do perfil dos termogramas foi causado pela adição da mistura dos aditivos. Observa-se na respectiva curva (Figura 1k), a ocorrência de praticamente uma endoterma, de maneira similar ao ocorrido com a adição de 3% de sal (Figura 1d), podendo-se sugerir que o efeito desestabilizador do sal não foi compensado pelo efeito estabilizador da sacarose.

Pode-se observar na Figura 2, que o sal desestabilizou, mesmo em baixas concentrações, a miosina e a actina, reduzindo significativamente (P<0,05) suas Td para 55,3±0,5 e 71,5±1,3ºC, respectivamente, a 3%. Apesar de diminuir a endoterma da miosina, o maior efeito desestabilizador do sal, expresso como redução de Td, foi sobre a actina, cuja redução em relação à carne sem aditivos foi superior a 6ºC. Esses comportamentos estão de acordo com os obtidos por PAREDI et al. [14], que observaram redução da Td das proteínas miofibrilares de um tipo de ostra com o incremento da força iônica de uma solução adicionada, e por DE FREITAS et al. [6], que adicionaram 2% de sal em carne suína moída.


O ácido acético também provocou efeito desestabilizador das proteínas, reduzindo (P<0,05) a Td da miosina até 55,3±0,7ºC, a 7,5% de ácido acético 3%, mas praticamente não afetou (P>0,05) a actina (Td~77ºC). Esse comportamento não pode ser explicado pelo efeito do pH, pois mesmo no caso das amostras com 4,5% de ácido acético 3%, o pH variou muito pouco (5,5) em relação à carne pura (5,7). Infelizmente, não se encontraram trabalhos sobre o efeito do ácido acético na estabilidade das proteínas miofibrilares para comparações.

Contrariamente aos outros dois aditivos, a sacarose apresentou efeito estabilizante das proteínas, mais pronunciado na miosina, cuja Td atingiu valores da ordem de 60ºC, com 5% de sacarose, significativamente (P<0,05) superior à Td da carne pura, que na actina, cuja Td variou entre 78 e 79ºC (P>0,05). Esse efeito estabilizante da sacarose também foi observado por PARK & LANIER [16] que adicionaram 8% de sacarose em músculo lavado de Tilápia e observaram que a Td da miosina aumentou de cerca de 55 para 57,5ºC. Segundo WIMMER et al. [20], o aumento de Td provocado pela adição de polióis (ou açúcares) é explicado pelo efeito do ordenamento do solvente (água) em torno das moléculas de proteínas, provocando conseqüentemente, aumento das interações hidrofóbicas nessas macromoléculas.

No caso da adição da mistura dos aditivos, a Td da miosina diminuiu para 53,8±1,5ºC, mas a Td da actina sofreu menor diminuição, atingindo 75,7±2,6ºC, possivelmente devido ao efeito protetor da sacarose. Esse comportamento está de acordo com o observado por PARK & LANIER [16], que adicionaram 3% de sal e 8% de sacarose em músculo lavado de Tilápia, observando que o açúcar não restaurou totalmente a perda da estabilidade das proteínas causada pelo sal.

Apesar do sal ter desestabilizado as proteínas de maneira mais importante que o ácido acético, apenas a adição de 3 e 4,5% do ácido provocou desnaturação das proteínas (P<0,05) (Figura 3).


Na concentração de 3% de sal, a DHd foi de 17,6 J/g de proteínas, equivalente à da carne pura (P>0,05). Mas, com 3% de ácido acético 3%, DHd foi de 15,7J/g de proteínas, indicando menos proteínas na forma nativa na amostra analisada. Por outro lado, a sacarose aumentou (P<0,05) a DHd que atingiu 20J/g de proteínas a 7,5% de sacarose, provocado pelo efeito estabilizante desse produto, valor esse comparável à entalpia de desnaturação (DHd= 22,5J/g de proteínas) de miofibrilas purificadas de músculo de coelho, determinada por WRIGHT, LEACH & WILDING [21]. PAREDI et al. [14] estudaram a estabilidade térmica das proteínas miofibrilares de um tipo de ostra em função da força iônica de uma solução adicionada e observaram uma contínua redução da respectiva entalpia de desnaturação, contrariamente ao observado neste trabalho. Segundo SMITH [17], os estudos sobre desnaturação de proteínas devem ser conduzidos em sistemas diluídos, para se evitar interações intermoleculares, como a agregação, que são fenômenos exotérmicos. Logo, pode-se sugerir que os valores crescentes de DHd observados na Figura 3, foram conseqüência da segunda etapa da desnaturação, qual seja, a agregação das proteínas. Entretanto, mais estudos são necessários para explicar estes resultados.

4 – Conclusões

A adição de sal na carne de coelho diminuiu a estabilidade térmica de suas proteínas miofibrilares, provocando redução das temperaturas de desnaturação da miosina e da actina. O ácido acético, conforme usado neste trabalho, também provocou a desestabilização das proteínas, porém de maneira mais acentuada na miosina que na actina. Por outro lado, o emprego da sacarose estabilizou as proteínas miofibrilares, aumentando consideravelmente a temperatura de desnaturação da miosina. Entretanto, apesar do efeito protetor desse açúcar, a adição da mistura de condimentos desestabilizou as proteínas, principalmente a miosina.

Apesar do efeito desestabilizante do sal, apenas a adição de 2,5 e 5,0% da solução de ácido acético 3% provocou desnaturação a frio das proteínas, observado pela diminuição da entalpia envolvida na desnaturação.

5 – Referências Bibliográficas

[11] IBGE, 2003. http://www.ibge.gov.br/mtexto/ppm.htm. Acesso em: janeiro de 2003.

6 – Agradecimentos

À Prefeitura do Campus Administrativo de Pirassununga (PCAPS-USP), pela colaboração com o fornecimento das carnes. Ao CNPq, pela bolsa PQI de PJAS.

Recebido para publicação em 20/02/2003

Aceito para publicação em 27/02/2004 (001070)

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  • *
    A quem a correspondência deve ser enviada.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Ago 2004
    • Data do Fascículo
      Jun 2004

    Histórico

    • Recebido
      20 Fev 2003
    • Aceito
      27 Fev 2004
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