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Seleção e treinamento de julgadores para avaliação do gosto amargo em queijo prato

Selection and screening of a descritive panel for evaluation of bitter taste in brazilian prato cheese

Resumos

O gosto amargo, considerado um defeito no queijo prato, foi sensorialmente avaliado por uma equipe de 6 julgadores selecionados e treinados. Um procedimento para a preparação de amostras e determinação da intensidade do gosto amargo em queijos foi proposto e implementado. Cubos de 1,25 cm de queijo prato foram imersos em soluções de cafeína de 0 a 0,28% (p/v) por um período de 12 horas a 5°C, e submetidos à secagem por 24 horas à mesma temperatura. A seleção dos julgadores foi realizada através de teste triangular e análise seqüencial de Wald. No treinamento dos provadores usou-se uma escala não estruturada de 9 cm e teste de Ordenação. Os dados foram avaliados a partir do teste de Friedman, análise de variância e teste de Tukey a nível de 5% de probabilidade. O gosto amargo foi detectado em diferentes amostras, sendo que a de maior intensidade obteve 5,89±1,86, o que corresponde à sensação produzida pela imersão das amostras de queijo em solução de cafeína superior a 0,07% (p/v). Os resultados indicam que o procedimento de imersão das amostras de queijo em soluções de cafeína foi adequado para detectar o gosto amargo em queijo prato.

queijo prato; gosto amargo; proteólise; análise sensorial


The bitter taste defect in Brazilian prato cheese was evaluated by sensorial tests, using a panel of 6 selected and trained panelists. A procedure for the sample preparation was proposed and a determination of bitter taste intensity in cheese was performed. Cheese samples with thickness of 1.25 cm were immersed in caffeine solutions, at a range of 0 to 0,28% (p/v) for 12 hours at 5ºC, and dried for 24 hours at the same temperature. The judges' selection was achieved by triangular test and Wald sequential analysis. Ranking tests and 9 cm non structured scale was used for judges' training and the results were evaluated by Friedman test, analysis of variance, and test averages according to Tukey at a level of 5% probability. The bitter taste was detected in different samples, and the samples with highest intensity obtained a score of 5.89±1.86, which corresponds to the sensation produced by cheese samples immersed in caffeine 0.07 % (p/v). The results showed that the immersion of sample cheese in caffeine solution was an adequate procedure to detect the bitter taste in Brazilian prato cheese.

cheese; bitter taste; proteolysis; sensory analysis


Seleção e treinamento de julgadores para avaliação do gosto amargo em queijo prato

Selection and screening of a descritive panel for evaluation of bitter taste in brazilian prato cheese

Marta M. M. AugustoI, * * A quem a correspondência deve ser enviada. ; Maria I. QueirozI; Walkíria H. ViottoII

IDepartamento de Química – FURG. C.P. 474, CEP: 96201-900 - Rio Grande, RS. E-mail: marta@vetorialnet.com.br

IIDepartamento de Tecnologia de Alimentos - FEA/UNICAMP, C.P. 6121, CEP: 13081-970, Barão Geraldo, Campinas, SP. E-mail: walkiria@fea.unicamp.br

RESUMO

O gosto amargo, considerado um defeito no queijo prato, foi sensorialmente avaliado por uma equipe de 6 julgadores selecionados e treinados. Um procedimento para a preparação de amostras e determinação da intensidade do gosto amargo em queijos foi proposto e implementado. Cubos de 1,25 cm de queijo prato foram imersos em soluções de cafeína de 0 a 0,28% (p/v) por um período de 12 horas a 5°C, e submetidos à secagem por 24 horas à mesma temperatura. A seleção dos julgadores foi realizada através de teste triangular e análise seqüencial de Wald. No treinamento dos provadores usou-se uma escala não estruturada de 9 cm e teste de Ordenação. Os dados foram avaliados a partir do teste de Friedman, análise de variância e teste de Tukey a nível de 5% de probabilidade. O gosto amargo foi detectado em diferentes amostras, sendo que a de maior intensidade obteve 5,89±1,86, o que corresponde à sensação produzida pela imersão das amostras de queijo em solução de cafeína superior a 0,07% (p/v). Os resultados indicam que o procedimento de imersão das amostras de queijo em soluções de cafeína foi adequado para detectar o gosto amargo em queijo prato.

Palavras-chave: queijo prato, gosto amargo, proteólise, análise sensorial.

SUMMARY

The bitter taste defect in Brazilian prato cheese was evaluated by sensorial tests, using a panel of 6 selected and trained panelists. A procedure for the sample preparation was proposed and a determination of bitter taste intensity in cheese was performed. Cheese samples with thickness of 1.25 cm were immersed in caffeine solutions, at a range of 0 to 0,28% (p/v) for 12 hours at 5ºC, and dried for 24 hours at the same temperature. The judges' selection was achieved by triangular test and Wald sequential analysis. Ranking tests and 9 cm non structured scale was used for judges' training and the results were evaluated by Friedman test, analysis of variance, and test averages according to Tukey at a level of 5% probability. The bitter taste was detected in different samples, and the samples with highest intensity obtained a score of 5.89±1.86, which corresponds to the sensation produced by cheese samples immersed in caffeine 0.07 % (p/v). The results showed that the immersion of sample cheese in caffeine solution was an adequate procedure to detect the bitter taste in Brazilian prato cheese.

Keywords: cheese, bitter taste, proteolysis, sensory analysis.

1 - INTRODUÇÃO

A presença do gosto amargo nos alimentos pode ser devido à ocorrência natural de compostos amargos ou originários de reações químicas ocorridas durante o processamento ou estocagem [10, 14]. Nos produtos lácteos, o amargor está relacionado à presença de peptídeos amargos e aminoácidos, resultante da hidrólise das proteínas do leite. No entanto, outras fontes incluem a presença natural de componentes amargos, absorção de sabores, contaminação microbiana, reações químicas e bioquímicas da gordura do leite [8, 10, 11, 14]. Em queijos, o gosto amargo é descrito como um defeito resultante do lento acúmulo de peptídeos hidrofóbicos [5, 6, 7, 16]. O desenvolvimento do gosto amargo em queijos gera prejuízos à indústria queijeira por diminuir a aceitação do produto pelo consumidor [6]. Dos queijos nacionais, o prato é o queijo que sofre uma proteólise mais intensa e pode apresentar este defeito durante a maturação.

Uma equipe sensorial pode ser utilizada para medir a qualidade de um produto, de maneira similar ao uso de um instrumento; mas para isso, a seleção e o treinamento dos julgadores se fazem necessários. Assim, os integrantes de uma equipe sensorial devem ser treinados através de experiências diretas com referências para aperfeiçoar sua habilidade em reconhecer, identificar e diferenciar estímulos específicos, obtendo desta forma precisão e consistência nos testes sensoriais [4, 12]. Em face disto, este trabalho teve por objetivo propor um procedimento para preparação de amostras visando à seleção e treinamento dos julgadores para detectar o gosto amargo em queijo prato.

2 - MATERIAL E MÉTODOS

2.1 - Matéria-prima

Foram utilizadas 4 amostras comerciais de queijo prato obtidas no comércio local da cidade de Rio Grande, RS, dentro do prazo de validade do produto.

2.2 - Preparação da amostra

Soluções de cafeína de 0–0,28% (p/v) foram preparadas com água deionizada, com 24 horas de antecedência, estocadas a 5°C até a imersão das amostras de queijo. As amostras de queijo utilizadas para o treinamento dos provadores foram preparadas de acordo com a Figura 1. Os testes foram realizados em cabines individuais e as amostras codificadas com número de três dígitos.


2.3 - Seleção dos julgadores

Os julgadores foram selecionados a partir de 20 voluntários, através do teste triangular [2], utilizando-se soluções de cafeína, e os resultados estatisticamente avaliados pela análise seqüencial de Wald, segundo o método gráfico [15]. O sistema de decisão foi realizado mediante o teste de hipóteses: H0: p1<p0; H1: p1>p0, e utilizados os valores p0=0,33 (máxima inabilidade aceitável), p1=0,66 (mínima habilidade aceitável), para os riscos a=0,05 (aceita candidato sem acuidade) e b=0,10 (rejeita candidato com acuidade sensorial).

A amostra estímulo foi uma solução de cafeína a 0,0038% e a amostra referência utilizada foi água [9]. Para satisfazer às exigências estatísticas, as duas amostras foram apresentadas aos candidatos nas 6 possíveis combinações (AAB; BAA; ABA; BBA; BAB; ABB).

2.4 - Treinamento dos julgadores

Os seis julgadores selecionados foram submetidos a treinamento com amostras referências de queijo preparadas de acordo com o fluxograma operacional (Figura 1). Primeiramente, provadores receberam as amostras referências (estímulos), sendo solicitado que as ordenassem em função da intensidade do gosto amargo. Os resultados foram avaliados através do teste de Friedman [3]. Posteriormente, o painel sensorial foi treinado através de procedimento que solicitava que expressassem a intensidade percebida do gosto amargo em várias amostras de queijo através de uma escala não estruturada de 9 cm. Antes da avaliação, os julgadores provaram amostras referências (estímulos) representando os extremos da escala (imperceptível ao fortemente perceptível). Posteriormente, as amostras de queijos codificadas com número de três dígitos foram oferecidas aos provadores e foi solicitado que as ordenassem do imperceptível ao fortemente perceptível em 6 sessões, com intervalo semanal. Os provadores avaliaram cada amostra de queijo em três repetições. O delineamento experimental utilizado foi o de blocos completos casualizados.

3 - RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Figura 2 apresenta os resultados da seleção dos julgadores avaliados através da análise seqüencial de Wald [15], utilizando teste triangular. As retas de aceitação e de rejeição obtidas através do teste seqüencial para a seleção dos julgadores foram An =2,1076 + 0,4946n e Rn=-1,6418 + 0,4946n. Dos 20 candidatos avaliados com o objetivo de compor a equipe, apenas 6 foram selecionados mediante a metodologia proposta para avaliação do gosto amargo em queijo prato.


A acuidade dos seis candidatos selecionados para detecção do gosto amargo foi superior a p0 (0,33), com melhor desempenho para os candidatos J1, J3, J4 para os quais foram necessárias apenas 7 provas para definir sua inclusão na equipe sensorial. Isso indica uma alta sensibilidade desse provador ao gosto amargo, uma vez que se trabalhou com concentrações de estímulo no limiar absoluto de detecção 0,0038% de cafeína, conforme indicado por AMERINE, PANGBORN, ROESSLER [1] e JELLINEK [9].

Na Figura 3, estão expressos os resultados do teste de ordenação dos 6 julgadores selecionados para detecção do gosto amargo nas seis amostras de cubos de queijo prato, imersos em solução de cafeína que variaram entre 0 e 0,28%.


A Figura 3 mostra que os julgadores apresentaram resultados bastante similares e válidos, indicando que a técnica de imersão das amostras é adequada para o treinamento do painel sensorial na detecção do gosto amargo em queijos. Isto se torna mais evidente quando são avaliados os resultados em função do painel como um todo, conforme mostrado na Tabela 1, que apresenta a avaliação estatística dos dados de ordenação, através do teste de Friedman.

A análise dos dados da Tabela 1 indica que as diferenças foram perceptíveis somente para amostras em concentrações superiores a 0,0038%. A partir desses resultados prosseguiu-se o treinamento, utilizando-se uma escala não estruturada de 9 cm, cujos extremos foram: imperceptível, tendo como referência água (ausência de estímulo cafeína) e muito perceptível, com os cubos de queijos imersos em solução de cafeína a 0,28%. Aos julgadores, foi solicitado que marcassem na escala o ponto que melhor representava essa sensação, utilizando amostras de queijos imersas em cafeína nas diferentes concentrações (0,0175; 0,035; 0,070; 0,14; 0,28%). A Tabela 2 apresenta a análise de variância (amostras x julgadores) dos resultados obtidos com o uso da escala não estruturada de 9 cm.

Os resultados da Tabela 2 indicam a homogeneidade da equipe, assim como sua habilidade em detectar diferenças entre os tratamentos, diferenças que podem ser avaliadas na Tabela 3, com base no teste de diferença de médias segundo Tukey.

Os resultados apresentados na Tabela 3 mostram a diferença entre as amostras quanto ao gosto amargo a p&lt0,05, demonstrando a validade do treinamento no painel sensorial através da técnica proposta. A avaliação da veracidade da técnica aplicada pode ser constatada pela análise das Tabelas 4 e 5, que apresentam respectivamente os resultados da análise de variância e a comparação de médias obtidas na avaliação do gosto amargo de 4 amostras comerciais de queijo prato.

Pode ser observado na Tabela 4 que os julgadores estavam bem treinados, pois não houve diferença significativa (p>0,05) para esta causa de variação.

O gosto amargo foi detectado nas diferentes amostras. A amostra que apresentou maior intensidade de gosto amargo obteve média de 5,89, que corresponde à percepção verificada pela equipe nos cubos de queijo imersos em solução de cafeína superior a 0,07%.

4 - CONCLUSÕES

O procedimento proposto, imersão do queijo em soluções de cafeína a diferentes concentrações, permitiu selecionar e treinar uma equipe de julgadores para detectar o gosto amargo em queijo. A validade do procedimento foi testada na detecção do gosto amargo em amostras comerciais de queijo prato, verificando-se diferenças significativas (p<0,05) entre as amostras e níveis de amargor até um valor máximo de 5,89.

5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido para publicação em 12/07/2005. Aceito para publicação em 03/10/2005 (001571).

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  • [3] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Teste de Ordenação em Análise Sensorial - NBR 13.170 São Paulo, SP. 7 p., 1993.
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  • [16] SOUSA, M.J.; ARDÖ. Y. & McSWEENEY, P.L.H. Advances in study of proteolysis during cheese ripening. International Dairy Journal, v. 11, p. 327- 345, 2001.
  • *
    A quem a correspondência deve ser enviada.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Fev 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Aceito
      03 Out 2005
    • Recebido
      12 Jul 2005
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