Acessibilidade / Reportar erro

Estudo da estabilidade do complexo ácido fítico e o íon Ni(II)

Study of stability of phytic acid with Ni(II) complex

Resumos

A técnica de titulação potenciométrica foi utilizada para verificar as propriedades ácida-base do ácido fítico [1,2,3,4,5,6-hexaquis(dihidrogenofosfato)-mio-inositol] e do complexo ácido fítico e Ni(II), em solução aquosa, em temperatura e força iônica constantes. Para avaliar o comportamento térmico e a complexação do ácido fítico com o íon Ni(II) foram realizadas análises de Termogravimetria (TG), Termogravimetria Derivada (DTG), Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC) e estudos de Espectrofotometria de Infravermelho. Foram obtidas oito constantes de protonação da amostra de ácido fítico na forma de sal de dipotássio e sete constantes de estabilidade do complexo ácido fítico e Ni(II). As reações de protonação e de formação ocorrem na faixa de pH de 2,0 a 11,0. Os dados obtidos mostram que o ácido fítico encontra-se totalmente deprotonado em pH 12,0 no qual a espécie ML (um ligante para um íon metálico) encontra-se totalmente formada no mesmo valor de pH. Os resultados obtidos por TG e DSC revelaram tanto para o ácido fítico como para o complexo boa estabilidade até a temperatura próxima a 200ºC. Por TG, DTG e DSC conclui-se também que a estequiometria do complexo estudado foi de um mol de ligante para um mol de íon metálico. A Espectrofotometria de Infravermelho comprovou a estabilidade do ácido fítico e a sua interação com o íon Ni(II).

constantes; análise térmica; infravermelho


The technique of potenciometric titration was used to verify the acid-basic properties of the phytic acid, [1,2,3,4,5,6-hexakis(dihydrogen phosphate)-myo-inositol] and the Phytic Acid-Ni(II) complex, in aqueous solution, in constant temperature and ionic strength. To evaluate the thermal behavior end complexation of the isolated phytic acid with the Ni(II) were performed analyses of thermogravimetry (TG), calorimetric scanning differential (DSC) and studies Spectroscopy Infrared (IR). Eight protonation constants of the phytic acid sample as dipotassium salt were determined and seven complex stabilization constants Phytic Acid-Ni(II) sample. The protonation and formation reactions occur within a pH of 2.0 and 11.0. The data obtained show that the phytic acid is totally deprotonate at pH 12.0. The result also shows that the ML species of the complex (one ligand and one metal ion) it totally meets formed in you same value of pH. TG, DTG and DSC techniques reveal that phytic acid as well as the complex had good stability up to 200ºC. The obtained data permitted establish the stoichiometry 1:1 of this complex in the solid state. The Spectroscopy Infrared (IR) proved the stability of the phytic acid and it's interaction with Ni(II).

constants; thermal analysis; infrared


Estudo da estabilidade do complexo ácido fítico e o íon Ni(II)

Study of stability of phytic acid with Ni(II) complex

Ligia De Carli; Neiva Deliberali Rosso* * A quem a correspondência deve ser enviada ; Egon Schnitzler; Paulo Irajara Borba Carneiro

Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) Avenida Carlos Cavalcanti, 4.748 Ponta Grossa (PR) E-mail: ndrosso@uepg.br

RESUMO

A técnica de titulação potenciométrica foi utilizada para verificar as propriedades ácida-base do ácido fítico [1,2,3,4,5,6-hexaquis(dihidrogenofosfato)-mio-inositol] e do complexo ácido fítico e Ni(II), em solução aquosa, em temperatura e força iônica constantes. Para avaliar o comportamento térmico e a complexação do ácido fítico com o íon Ni(II) foram realizadas análises de Termogravimetria (TG), Termogravimetria Derivada (DTG), Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC) e estudos de Espectrofotometria de Infravermelho. Foram obtidas oito constantes de protonação da amostra de ácido fítico na forma de sal de dipotássio e sete constantes de estabilidade do complexo ácido fítico e Ni(II). As reações de protonação e de formação ocorrem na faixa de pH de 2,0 a 11,0. Os dados obtidos mostram que o ácido fítico encontra-se totalmente deprotonado em pH 12,0 no qual a espécie ML (um ligante para um íon metálico) encontra-se totalmente formada no mesmo valor de pH. Os resultados obtidos por TG e DSC revelaram tanto para o ácido fítico como para o complexo boa estabilidade até a temperatura próxima a 200ºC. Por TG, DTG e DSC conclui-se também que a estequiometria do complexo estudado foi de um mol de ligante para um mol de íon metálico. A Espectrofotometria de Infravermelho comprovou a estabilidade do ácido fítico e a sua interação com o íon Ni(II).

Palavras-chave: constantes, análise térmica, infravermelho.

SUMMARY

The technique of potenciometric titration was used to verify the acid-basic properties of the phytic acid, [1,2,3,4,5,6-hexakis(dihydrogen phosphate)-myo-inositol] and the Phytic Acid-Ni(II) complex, in aqueous solution, in constant temperature and ionic strength. To evaluate the thermal behavior end complexation of the isolated phytic acid with the Ni(II) were performed analyses of thermogravimetry (TG), calorimetric scanning differential (DSC) and studies Spectroscopy Infrared (IR). Eight protonation constants of the phytic acid sample as dipotassium salt were determined and seven complex stabilization constants Phytic Acid-Ni(II) sample. The protonation and formation reactions occur within a pH of 2.0 and 11.0. The data obtained show that the phytic acid is totally deprotonate at pH 12.0. The result also shows that the ML species of the complex (one ligand and one metal ion) it totally meets formed in you same value of pH. TG, DTG and DSC techniques reveal that phytic acid as well as the complex had good stability up to 200ºC. The obtained data permitted establish the stoichiometry 1:1 of this complex in the solid state. The Spectroscopy Infrared (IR) proved the stability of the phytic acid and it's interaction with Ni(II).

Keywords: constants, thermal analysis, infrared.

1 - INTRODUÇÃO

Grãos e sementes de oleaginosas, em sua maioria, apresentam proporções que variam entre 1 e 5% de ácido fítico [1]. Estudos mostram que a farinha de semente de algodão apresenta elevado teor de fitato [2]. A função do ácido fítico na espécie botânica é armazenar fósforo, com a maturidade da semente; 60% do fósforo presente são devido à presença de fitato [3]. Estudos com feijão mostraram elevada correlação entre o conteúdo de fósforo no solo e o teor de ácido fítico no grão [4].

O ácido fítico (Figura 1) é uma molécula carregada negativamente em ampla faixa de pH e possui 12 prótons substituíveis [5]. Diante desse contexto, tem grande potencial para a formação de complexos em presença de íons metálicos. O ácido coordena-se através dos grupos doadores, os fosfatos, e a estrutura resultante forma um quelato [6]. Essa capacidade quelante tem fundamentado diversos estudos aplicados à ação antioxidante em produtos cárneos [7, 8, 9] e na proteção contra danos oxidativos de emulsões, aumentando sua vida de prateleira [10]. Estudos in vitro indicam que o hexaquisdihidrogenofosfato (IP6) e seus derivados, o IP5, IP4 e IP3, ligam-se a íons metálicos em valores de pH similares aos valores referentes ao pH do duodeno. A capacidade da ligação do inositol fosfato aos íons metálicos depende do número de grupos fosfatos deprotonados da molécula [11].


Em pH elevado, o ácido fítico forma complexos insolúveis com cátions polivalentes, diminuindo a biodisponibilidade nutricional de muitos minerais traço [12]. Diversas revisões relatam que minerais como o zinco, ferro, cobre e manganês formam complexos com baixa solubilidade com o ácido fítico [13], diminuindo a disponibilidade desses minerais no organismo [12, 14, 15]. A solubilidade do ácido fítico é apontada como dependente do pH e da proporção da taxa molar de minerais e do ácido [16].

Pesquisas [17] que utilizaram o método de ressonância magnética nuclear de Carbono-13, (13C RMN) na faixa de pH 0,5-12,5, determinam as constantes de protonação de todos os grupos fosfatos. Outra pesquisa [18], utilizando o espectro de ressonância magnética nuclear de Fósforo-31 (31P-RMN), mostra que os últimos prótons fosfato ácidos apresentaram um valor de pKa aparente em torno de 9,0. Já em pH baixo, um grupo fosfato encontra-se na posição axial e cinco apresentam-se nas posições equatoriais, mas quando o pH aumenta, as posições são invertidas. As conformações axial e equatorial do ácido fítico são estabilizadas pelas repulsões eletrostáticas na estrutura, pH, interações por ligações de hidrogênio intramoleculares e ligações de hidrogênio dos grupos fosfatos com água.

Um estudo potenciométrico [19] do ácido fítico em solução aquosa indica que fitatos insolúveis podem ser isolados e que somente 10 dos 12 hidrogênios ionizáveis da molécula do ácido fítico são realmente substituídos. Mostra, também, que a protonação do íon fitato é dependente do meio iônico e da força iônica [20]. Estudos recentes [21] determinaram as entalpias e entropias de protonação do ácido fítico e concluíram que os valores entrópicos para cada constante de protonação são significativamente mais elevados que as correspondentes mudanças de entalpia. No que diz respeito à estabilidade do fitato, um estudo desenvolvido mediante o aquecimento em autoclave da proteína isolada da farinha de gergelim, arroz e trigo demonstra maior estabilidade do arroz e do trigo [22] quanto à perda de fitato. Estudo recente denota que o ácido fítico pode ser utilizado em filmes de multicamadas, juntamente com dióxido de titânio, para adsorção de hemoglobina [23]. Outro estudo tem também mostrado que o ácido fítico e seus sais podem ser utilizados para prevenir a corrosão de metais, visto que esses compostos mostraram-se altamente eficazes quando comparados a alguns inibidores tradicionais e tóxicos para o meio ambiente [24].

O níquel é um micro elemento que atua como co-fator ou componente estrutural de metaloenzimas específicas em humanos, mas sua função metabólica e modo de ação no organismo são pouco conhecidos [25]. Em estudos experimentais com animais, o níquel se mostrou importante para o crescimento e reprodução, para o metabolismo de ferro e zinco e para a hematopoiese. Sua deficiência pode acarretar diminuição da atividade de certas enzimas hepáticas, como a glicose-6-fosfato, sendo o nível sérico do níquel 0,8-5,2 mcg/dL.

Estudos de equilíbrio utilizando a titulação potenciométrica do ácido fítico e do sistema, que contém ácido fítico e Ni(II), foram realizados com o objetivo de determinar as constantes de protonação e de complexação em condições próximas às fisiológicas. Análises térmica e de infravermelho foram utilizadas para se verificar a estabilidade e a complexação do ácido fítico ao íon Ni(II).

2 - MATERIAL E MÉTODOS

2.1 - Materiais

O ácido fítico foi obtido da Sigma® sob a forma de sal de dipotássio (K2C6H18P6 O24). A base hidróxido de potássio foi preparada a partir de uma ampola DILUT-IT isenta de dióxido de carbono e padronizada, utilizando-se o biftalato ácido e fenolftaleína como indicador. A solução metálica foi preparada a partir do cloreto de níquel hexahidratado: NiCl2.6H2O (Merck) e padronizada segundo o método de titulação complexiométrica [26], com uma solução 0,100 mol/L de ácido etilenodiamino tetra acético, EDTA (Sigma®). O cloreto de potássio, p.a (Reagen®), foi utilizado como eletrólito suporte. A água foi destilada com permanganato de potássio para oxidar compostos orgânicos e fervida para eliminar dióxido de carbono.

2.2 - Métodos

2.2.1 - Estudos potenciométricos

A potenciometria é uma técnica utilizada em medidas de equilíbrio para determinar as constantes de formação de complexos sendo baseada na diferença de potencial elétrico (E). As medidas potenciométricas de concentração dos íons H+ podem ser empregadas quando o grau de formação do complexo é sensível à concentração de H+, podendo ser medido com o aumento do pH.

As titulações potenciométricas foram realizadas em solução aquosa em pH-metro (Micronal B474) de pesquisa, com precisão de três casas decimais, equipado com dois eletrodos, um de referência e outro de medida, previamente calibrados [27]. A atmosfera foi mantida inerte por um fluxo de argônio e a temperatura reacional de 36ºC foi mantida constante em banho termostatizado (Microquímica). A célula de titulação utilizada foi a de vidro de parede dupla, com capacidade de 100 mL e mantida sob agitação suave e constante. Para calibração diária do sistema, foram utilizadas soluções aquosas de ácido clorídrico, padronizadas com valores próximo de pH=2 e de força iônica 0,100 mol/L. Amostras de 0,1000 mmol do ácido fítico foram dissolvidas com água ultra-pura e tituladas com uma solução de hidróxido de potássio. A força iônica foi mantida constante 0,100 mol/L com o cloreto de potássio. O sistema contendo ácido fítico e Ni(II) foi estudado com estequiometria 1:1, nas condições citadas acima. Os dados potenciométricos foram tratados com o programa BEST7, e as curvas de distribuição das espécies, desenhadas com o programa SPEPLOT.

2.2.2 - Síntese do complexo ácido fítico-Ni (II)

O complexo ácido fítico-Ni(II) foi preparado pela reação do cloreto de níquel (II) hexahidratado, NiCl2.6H2O, e ácido fítico. Foram utilizados 0,2 mmol de uma solução de NiCl2.6H2O e 0,2 mmol de ácido fítico (0,1472 g) dissolvido em 2 mL de água destilada. As soluções foram misturadas e então o pH foi ajustado para 7,4, conforme os dados obtidos no estudo potenciométrico, com uma solução de hidróxido de potássio. Manteve-se sob agitação por duas horas e deixou-se a solução resultante em repouso à temperatura ambiente por 14 dias, até ocorrer à formação de um sólido verde claro com aspecto vítreo.

2.2.3 - Estudos termoanalíticos

Para medir as modificações físicas ou químicas relacionadas ao aumento de temperatura, foram utilizadas técnicas de análise térmica. A análise térmica compreende um conjunto de técnicas que tem um princípio comum: quando alguma substância é aquecida (ou resfriada) de acordo com uma programação controlada de temperatura, alguma propriedade física ou química pode ser observada. A Termogravimetria (TG) é a técnica pela qual se determinam as diferentes perdas (ou ganhos) de massa (Dm) de uma substância, quando esta é submetida a uma programação controlada de temperatura. A Termogravimetria Derivada (DTG) é um recurso matemático correspondente a primeira derivada da curva TG. A Calorimetria Exploratória Diferencial (DSC) é a técnica que mede a variação de energia entre a amostra e um material de referência, durante o tempo em que ambos são submetidos a uma programação controlada de temperatura. Essas técnicas foram utilizadas para a verificação da estabilidade do ácido fítico e do complexo em função da variação da temperatura.

Assim, os estudos termoanalíticos foram realizados em um equipamento da Shimadzu TG-60. Para os experimentos, foram utilizadas amostras de 12,58 mg de ácido fítico padrão e 11,69 mg do complexo de ácido fítico-Ni(II) em suporte de alfa alumina, a qual foi submetida à análise em atmosfera dinâmica de ar sintético com vazão de 100 mL/min e uma razão de aquecimento de 20ºC/min. A variação de temperatura utilizada para a obtenção das curvas TG e DSC foi de 25 a 600ºC.

2.2.4 - Infravermelho

Análises das amostras de ácido fítico isolado à temperatura ambiente e submetido à temperatura de 600ºC, bem como da amostra do complexo ácido fítico-Ni(II) à temperatura ambiente, foram realizadas em Espectrofotômetro Shimadzu, modelo 8.400, operando no modo FT.

3 - RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 - Curvas de titulação

A primeira curva da Figura 2 refere-se à titulação potenciométrica do ácido fítico. Essa curva revelou três regiões tamponadas, evidenciando a presença de hidrogênios ionizáveis. Na região de pH 4,0 até pH próximo de 6,0 observou-se uma inflexão. O fato indica que não ocorre protonação nessa faixa de pH. As protonações ocorrem na região de pH 2 a 4 e de 6 a 11,0. Até pH 5 foram gastos 4 mmol de KOH/mmol de ácido fítico, o que denota que foram neutralizados 4 prótons nessa faixa de pH. De pH 5 até pH 9 foram gastos mais 2 mmol de KOH/mmol de ácido fítico, revelando a presença de mais dois hidrogênios ionizáveis. A partir de pH 9 até pH 11 foram gastos mais 4 mmol de KOH/mmol de ácido fítico, indicando a presença de mais quatro hidrogênios ionizáveis. A partir dos dados potenciométricos, por meio da Equação 1, foram determinadas oito constantes de protonação do ácido fítico, listadas na Tabela 1.


A partir dos dados potenciométricos, por meio da Equação 1, foram determinadas oito constantes de protonação do ácido fítico, listadas na Tabela 1.

A Equação 1 representa a seqüência das constantes de protonação sucessivas, partindo do ligante completamente deprotonado até atingir a oitava protonação como mostra a Tabela 1.

A primeira dessas constantes de protonação foi a com log K 10,81, valor elevado e coerente com a estrutura do ácido fítico. Os valores de log K seguintes referem-se às sucessivas protonações e decrescem com o aumento do número de hidrogênios sobre a molécula.

A segunda curva da Figura 2 refere-se ao sistema ácido fítico em presença de Ni(II). Observa-se que a mesma encontra-se coincidente com a curva do ácido fítico isolado até o valor de pH=4,0. Acima desse valor, a curva do ácido fítico com o íon Ni(II) encontra-se abaixo da curva do ácido fítico isolado. Esses dados informam, qualitativamente, que houve interação entre o ligante e o íon metálico. As constantes de complexação foram definidas pelas Equações 2 e 3 e estão representadas na Tabela 2.

K=constante de formação dos complexos, M=metal, L=ácido fítico, ML=complexo com estequiometria 1M:1L e ML(n-1)+=complexo com o ligante na forma deprotonada. A espécie MHLn+ representa o complexo com o ligante protonado e n a carga correspondente ao complexo.

Observa-se, na Tabela 2, que a primeira constante de formação do complexo ácido fítico-Ni(II), a espécie ML, apresenta log K=7,23, valor considerável e que indica que existe a interação do ligante com o metal totalmente deprotonado. O ligante torna-se protonado e formam-se os complexos MHL, MH2L, MH3L, MH4L, MH5L, MH6L, MH7L, mono, di, tri, tetra, penta e hexa protonados. Essas espécies referem-se ao íon metálico complexado ao ligante nas formas mono, di, tri, tetra, penta e hexa protonado, respectivamente. Os dados obtidos a partir da titulação potenciométrica e tratados com o programa BEST7, contidos na Tabela 2, mostram que à medida que o ácido fítico torna-se mais protonado as constantes de estabilidade decrescem. Tal fato sugere que a força de interação entre o metal e o ligante também diminui.

3.2 - Curvas de distribuição das espécies

As curvas de distribuição das espécies (Figura 3) mostram que o ácido fítico encontra-se totalmente deprotonado, L, a pH 12,0. As espécies mono, di, tri, tetra, penta, hexa e heptaprotonada encontram-se formadas entre os valores de pH 10,2 e 2,3. Tais dados estão em concordância com os valores dos log K da Tabela 1.


A Figura 4 representa as curvas de distribuição das espécies do complexo ácido fítico-Ni(II), no qual a espécie ML refere-se ao complexo com estequiometria – um íon metálico para um ligante – e atinge um máximo de formação de 56,9% a pH 11,9. À proporção que o pH diminui, a concentração dessa espécie decresce e aumenta a concentração da espécie MHL, um íon metálico para um ligante monoprotonado, que atinge sua formação máxima de 74,2% a pH 10,6. As espécies MH2L, MH3L, MH4L, MH5L, MH6L, MH7L, di, tri, tetra, penta, hexa e heptaprotonadas, respectivamente, atingem suas formações máximas entre valores de pH 9,5 e 2,2.


3.3 - Análise térmica – curva TG

As curvas TG e DTG do ácido fítico dipotássico (Figura 5) foram sobrepostas para comparação dos resultados. A DTG é a derivada da curva TG e auxilia na interpretação da curva TG. Observa-se que o ácido fítico apresenta uma grande estabilidade térmica até a temperatura de 600ºC, mostrando perda de 32,43% da massa inicial em três etapas principais. A primeira perda de massa (5,5%) ocorre da temperatura ambiente até 184ºC, essa sugere a liberação de três mols de água de hidratação. Esse fenômeno também é observado na curva DSC, Figura 6, com uma endoterma larga nas mesmas temperaturas. De 184,5 a 220ºC há certa estabilidade, e de 220 a 410ºC verifica-se nova perda de massa (13,6%) que sugere a decomposição de seis átomos de carbono e uma molécula de H2O. A curva DSC, Figura 6, mostrou nesses intervalos de temperatura três endotermas pouco definidas, ocorrendo calor absorvido e calor liberado pela amostra. Isso sugere que a perda de massa observada na curva TG ocorre em reações consecutivas. Na terceira etapa, de 410 até 600ºC ocorreu uma perda de massa menos evidente 12,63%, o que sugere a decomposição de cinco moléculas de água.



A sugestão da perda de massa inicial dos seis átomos de carbono é baseada na quebra da cadeia cíclica do hexano. Com isso, os seis prótons que estavam ligados aos carbonos migram para os sítios livres dos oxigênios, liberando uma possível molécula de água de oclusão, a qual fica retida nas cavidades microscópicas distribuídas irregularmente nos sólidos cristalinos [28], e formando quatro grupamentos de ácido ortofosfórico, H3PO4, e dois grupamentos de dihidrogeno fosfato de potássio, KH2PO4. Segundo LEE [29], em aquecimento moderado, acima de 160ºC (aproximadamente 220ºC), a cada dois grupamentos H3PO4 formam-se um de ácido pirofosfórico (H4P2O7) e libera-se uma molécula de água, que é posteriormente degradada. Assim, no mesmo nível de aquecimento, os dois grupamentos KH2PO4 tendem a formar pirofosfato de potássio (K2H2P2O7 ) e, com isso, liberam uma molécula de água, a qual é degradada. Em temperatura superior a 320ºC, o ácido pirofosfórico, H4P2O7, forma dois grupamentos de ácido metafosfórico (HPO3)2 e libera uma molécula de água. A tendência dos grupos de ácido metafosfóricos é ciclizar e liberar outra molécula de água.

As curvas TG/DTG do complexo ácido fítico-i(II) estão representadas na Figura 7, onde se pode observar a perda de massa em três etapas principais, as quais estão representadas na Tabela 3. Da temperatura ambiente a 167ºC, verificou-se a primeira perda de massa de 4,53%, que sugere três moléculas de água de hidratação. Esse fenômeno é também observado na curva DSC, Figura 8, com uma endoterma larga na mesma faixa de temperatura. De 167 a 375ºC ocorreu a perda de 11,38% em etapas consecutivas, o que sugere a decomposição de seis átomos de carbono e uma molécula de água. Essas etapas podem ser observadas também na curva DSC, resultando em uma endoterma. A terceira perda, em etapas consecutivas, ocorreu entre o intervalo de temperatura de 375 a 600ºC e equivale a 0,81 mg, sugerindo a perda de cinco moléculas de H2O. A DSC traz esse fenômeno como uma endoterma seguida de uma exoterma bem acentuada. Para a segunda perda, é provável que haja a quebra da cadeia do ciclo hexano e, consequentemente, a decomposição dos seis átomos de carbono, formando quatro grupamentos di-hidrogeno orto fosfato de potássio, K2H2PO4, e um grupamento pirofosfato de Ni(II) e K(I), NiK2P2O7, liberando uma molécula de água que possivelmente estaria ligada a um sítio livre do íon metálico Ni(II). Em temperaturas acima de 240ºC, em sistema aberto, o pirofosfato de potássio pode formar metafosfato de potássio (KPO3)2, liberando mais duas moléculas de água, com conseqüente decomposição [29].



3.4 - Análise por espectrofotometria de infravermelho

Uma amostra de ácido fítico, após ter sido aquecida até a temperatura de 600ºC, foi analisada por espectrofotometria de infravermelho. O espectro (Figura 10), quando comparado ao espectro de uma amostra analisada à temperatura ambiente (Figura 9), mostra ainda muitas semelhanças. Observa-se ainda no espectro da Figura 10 freqüências do grupamento O=PO3H2 do ácido fítico, identificadas na Figura 9. O grupo O=P(OH) mostra absorção em 1.647,1 cm-1. O grupamento P=O em 1.222,8 cm-1 e as ligações sigma P-O-H mostram absorção em 1.070,4 cm-1 (estiramento simétrico) e 966,3 cm-1 (estiramento assimétrico).



Na Figura 11, observa-se o espectro de infravermelho do complexo ácido fítico-Ni(II), o qual apresenta muitas semelhanças ao do ácido fítico isolado. A região de freqüência 1.100 cm-1–970 cm-1, onde se observa o grupamento P-O-H, mostra um discreto deslocamento da absorção em 1070,4 cm-1 para 1.066,6 cm-1, bem como da absorção em 966,3 cm-1 para 977,8 cm-1. O deslocamento dessas bandas de absorção, associado ao estudo de equilíbrio, sugere a interação do ácido fítico com o íon metálico Ni(II), formando o complexo.


4 - CONCLUSÕES

A partir dos dados obtidos através dos estudos de equilíbrio, conclui-se que o ácido fítico, na forma de sal de dipotássio, apresenta oito sítios de protonação. Já no sistema ácido fítico com o íon Ni(II) foram obtidas sete constantes de estabilidade, as quais revelam que quanto mais deprotonado estiver o ácido fítico, mais fortemente interage com o íon Ni(II). A análise térmica mostrou que o ácido fítico é bastante estável até temperatura de 184ºC, ocorrendo uma perda de massa de 5,5%, equivalente a três mols de moléculas de água de hidratação. A análise de infravermelho confirma a estabilidade do composto estudado. Os estudos de infravermelho e térmicos mostram que o ligante encontra-se coordenado ao íon Ni(II). A partir das técnicas termoanalíticas conclui-se que a estequiometria do complexo é de um mol de ácido fítico para um mol de íon Ni(II) e também que o complexo apresenta certa estabilidade em relação ao ligante isolado. As interações desse ligante com os íons metálicos Co(II) e Mn(II) serão estudadas com o objetivo de analisar o efeito quelante do ácido fítico.

5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido para publicação em 8/6/2004. Aceito para publicação em 23/1/2006 (001358)

  • [1] CHERYAN, M. Phytic acid interactions in food systems. CRC Critical Reviews Food Science Nutrition, v. 13, p. 297-335, 1980.
  • [2] WOZENSKI, J.; WOODBURN, M. Phytic acid (myoinositol hexaphosphate) and phytase activity in four cottonseed protein products. Cereal Chemistry, v. 52, p. 665-669, 1975.
  • [3] DE BOLAND, A.R.; GARNER, G.B.; O'DEL, B. Identification and properties of "phytate" in cereal grains and oilseed products. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v. 23, n. 6, p. 1.166-1.189, 1975.
  • [4] LOLAS, G.M.; MARKAKIS, P. Phytic acid and other phosphorus compounds of beans (Phaseolus vulgaris L.). Journal Agricultural Food Chemistry, v. 23, n. 1, p. 13-15. 1975.
  • [5] TSAO, G.T.; ZHENG, Y.; LU, J., et al Adsorption of heavy metal ions by immobilized phytic acid. Applied Biochemistry and Biotechnology, v. 63-65, p. 731-740, 1997.
  • [6] MATTSON, S. The cookability of yellow peas. A colloid chemical and biochemical study. Acta Agric. Suec, v. 2, p. 185, 1946.
  • [7] BARRETO, A.C. da S. Efeito da adição de antioxidantes naturais na oxidação lipídica e cor de carne de frango e derivado. 1996. 74 f. Dissertação (mestrado). Universidade Estadual de Londrina, Brasil.
  • [8] SOARES, A.L. Ação de ácido fítico e vitamina E na oxidação lipídica e aroma de requentado em filés de peito de frango. 105 f, 1998. Dissertação (mestrado). Universidade Estadual de Londrina, Brasil.
  • [9] LEAL, E.S. Extração, obtenção e caracterização parcial de ácido fítico do germe grosso de milho e aplicação como antioxidante. 86 f. 2000. Dissertação (Mestrado). Universidade Estadual de Londrina, Brasil.
  • [10] EMPSON, K.L.; LABUZA, T.P.; GRAF, E. Phytic acid as a food antioxidant. Journal of Food Science, v. 56, n. 2, p. 560-563, 1991.
  • [11] PERSON, H.; TÛRK, M; NYMAN, M., et al Binding of Cu, Zn. and Cd to inositol tri-, tetra-, penta-, and hexaphosphates. Journal Agricultural Chemistry, v. 46, p. 3.194-3.200, 1998.
  • [12] GRAF, E. Aplications of phytic acid. JAOCS, v. 60, n. 11, 1983.
  • [13] WINDISCH, W. Interaction of chemical species with biological regulation of the metabolism of essential trace elements. Anal Bioanal Chem., v. 372, p. 421-425, 2002.
  • [14] ERDMAN, JR., J.W. Oilseed phytates: nutritional implications. Journal of the American Oil Chemists Society, v. 56, p. 736-741, 1987.
  • [15] MAGA, J.A.. Phytate: its chemistry: occurrence, food, interactions, nutritional significance, and methods of analysis. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v. 30, n. 1, p. 1-9, 1982.
  • [16] GREWAL, H.K.; HIRA, C.K.; KAWATRA, B.L. Zinc, calcium and iron availability using molar ratios in processed and cooked wheat products. Journal Food Science and Technology, v. 36, n. 5, p. 453-456, 1999.
  • [17] ISBRANDT, L.R; OERTEL, R.P. Conformational states of myo-inositol hexakis(phosphate) in aqueous solution. A 13C NMR, 31P NMR, and Raman Spectroscopic Investigation. Journal of the American Chemical Society, v. 102, n. 9, p. 3.144-3.148, 1980.
  • [18] PATON, G.; NOAILLY, M.; MOSSOYAN, J.C. Conformational preferences and intramolecular interactions of myo-inositol hexakisphosphoric acid by 1H and 31P NMR studies. Journal of Physical Organic Chemistry, v. 12, p. 401-407, 1999.
  • [19] CREAN, D.E.C.; HAISMAN, D.R. The interaction between phytic acid and divalent cations during the cooking of dried peas. Journal Science Food Agricultural, v. 14, p. 824-833, 1963.
  • [20] DE STEFANO, C.; MILEA, D.; SAMMARTANO, S. Speciation of phytate ion in aqueous solution. protonation constants in tetraethylammonium iodide and sodium choride. J. Chem. Eng., v. 48, p. 114-119, 2003.
  • [21] DE STEFANO, C.; MILEA, D.; SAMMARTANO, S. Speciation of phytate ion in aqueous solution thermodynamic parameters for protonation in NaCl. Thermochimica Acta, v. 423, p. 63-69, 2004.
  • [22] DE BOLAND, A.R.; GARNER, G.B.; O'DEL, B. Identification and properties of "phytate" in cereal grains and oilseed products. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v. 23, n. 6, p. 1.166-1.189, 1975.
  • [23] PADDON, C. A.; MARKEN, F. Hemoglobin adsorption into TiO2 phytate multi-layer films: particle size and conductivity effects. Electrochemistry Communications, v. 6, p. 1.249-1.253, 2004.
  • [24] YANG, H. F.; FENG, J.; LIU, Y. L. et al. Electrochemical and surface enhanced raman scattering spectroelectrochemical study of phytic acid on the silver electrode. J. Phys. Chem. B, v. 108, p. 17.412-17.417, 2004.
  • [25] WINDISCH, W. Interaction of chemical species with biological regulation of the metabolism of essential trace elements. Anal. Bioanal. Chem., v. 372, p. 421-425, 2002.
  • [26] SCHWARZENBACH, G.; FLASCHKA, H. Complexometric titration. London, Metheuh CO., p. 245-250, 1969.
  • [27] MARTELL, A. E.; MOTEKAITIS, R.J. The determination and use of stability constants. New York, VCH Publishers, 229 p., 1992.
  • [28] WENDLANDT, W. Thermal analysis. 3rd ed. EUA, Wiley Interscience, 815 p., 1986.
  • [29] LEE, J.D. Química inorgânica não tão concisa, 5Ş ed. São Paulo, Editora Edgard Blucher Ltda., p. 236-266, 1999.
  • *
    A quem a correspondência deve ser enviada
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Maio 2006
    • Data do Fascículo
      Mar 2006

    Histórico

    • Aceito
      23 Jan 2006
    • Recebido
      08 Jun 2004
    Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos Av. Brasil, 2880, Caixa Postal 271, 13001-970 Campinas SP - Brazil, Tel.: +55 19 3241.5793, Tel./Fax.: +55 19 3241.0527 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: revista@sbcta.org.br