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Hidrólise enzimática do óleo de pescado

Enzymatic hydrolysis of the fish oil

Resumos

O óleo de pescado tem sido alvo de várias pesquisas em função dos benefícios nutricionais dos ácidos graxos poliinsaturados. Esse fato pode ser comprovado pelos estudos epidemiológicos que relacionam a baixa incidência de doenças cardiovasculares com o consumo de ácidos graxos n-3 (EPA-eicosapentaenóico e DHA-docosahexaenóico) provenientes de peixes marinhos. A obtenção de ácidos graxos poliinsaturados n-3 pode ser realizada por hidrólise enzimática. A hidrólise enzimática de óleos e gorduras, ou lipólise, é bem conhecida e vem sendo estudada para produzir ácidos graxos e modificar as gorduras por esterificação, transesterificação e interesterificação. O objetivo deste trabalho foi a obtenção de ácidos graxos poliinsaturados por hidrólise enzimática do óleo de pescado industrial. A hidrólise de 1262,81 µmoles de óleo de pescado com lipase pancreática porcina (concentração de extrato enzimático de 7,647 mg.mL-1), 60 minutos, 38 °C, pH 8, tampão NH4Cl-NH4OH. Os produtos da hidrólise foram separados por cromatografia em coluna e caracterizados por cromatografia em camada delgada (TLC) e gasosa (GLC). A enzima apresentou uma atividade específica de 10,14 ± 0,15 UE.mg de proteínas-1 e com 60 minutos de reação se obteve 44,45% de hidrólise com 1865,76 ± 41,15 µmols de ácidos graxos. Foram identificados ácidos graxos livres, mono-acilgliceróis, di-acilgliceróis e tri-acilgliceróis. Na fração dos tri-acilgliceróis verificou-se um aumento de 46,14% e 40,23% de ácido araquidônico e eicosapentaenóico (EPA) respectivamente, enquanto que na fração monoacilglicerol um acréscimo de 96,96% e 52,55% de DPA e DHA.

enzimas; hidrólise enzimática; óleo de pescado; lipase; EPA; DHA; DPA


The fish oil has been the purpose of many researches due to the nutritional benefits of its polyunsatured fatty acids and it is confirmed by epidemic studies that relate the low incidence of cardiovascular diseases to the consumption of n-3 fatty acids (EPA - eicosapentaenóico, DHA - docosahexaenóico) deriving from the sea fish. N-3 polyunsatured fatty acids can be obtained from the fish by enzymatic hydrolysis. The enzymatic hydrolysis of fats and oils, or lipolysis, is known to produce fatty acids to alter the fats by esterification, transesterification and interesterification. The main objective of this work was to obtain poliinsaturated fatty acids (PUFA) by enzymatic hydrolysis of the industrial fish oil. It was used 1262,81 µmols of substrate, porcine lipase (7,647 mg.mL-1 of enzymatic extract), 60-minute of hydrolysis, 38 °C, pH 8 and NH4CI-NH4OH buffer. The hydrolysis products were separated by column chromatography and characterized by TLC GLC. The specific activity of lipase was 10,14 ± 0,15 UE.mg proteins-1. After 60-minute of reaction was obtained 44,45% of hydrolysis and 1865,76 ± 41,15 µmols of fatty acids. Were identified PUFA, monoacylglycerol, diacylglycerol and triacylglycerol. There was an increase of 46,14 and 40,23%, respectively, of araquidonico and eicosapentaenoic (EPA) acids in the triacylglycerols fraction while the monoacylglycerol fraction showed an increase of 96,96 and 52,55% of DPA and DHA.

enzymes; enzymatic hydrolysis; fish oil; lipase; EPA; DHA; DPA


Hidrólise enzimática do óleo de pescado

Enzymatic hydrolysis of the fish oil

Márcia Elisa da Silva Padilha; Walter Augusto-Ruiz* * A quem a correspondência deve ser enviada

Laboratório de Análise Instrumental, Departamento de Química, Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURG, CP 474, CEP 96201-900, Rio Grande - RS, Brasil, E-mail: dqmwar@furg.br

RESUMO

O óleo de pescado tem sido alvo de várias pesquisas em função dos benefícios nutricionais dos ácidos graxos poliinsaturados. Esse fato pode ser comprovado pelos estudos epidemiológicos que relacionam a baixa incidência de doenças cardiovasculares com o consumo de ácidos graxos n-3 (EPA-eicosapentaenóico e DHA-docosahexaenóico) provenientes de peixes marinhos. A obtenção de ácidos graxos poliinsaturados n-3 pode ser realizada por hidrólise enzimática. A hidrólise enzimática de óleos e gorduras, ou lipólise, é bem conhecida e vem sendo estudada para produzir ácidos graxos e modificar as gorduras por esterificação, transesterificação e interesterificação. O objetivo deste trabalho foi a obtenção de ácidos graxos poliinsaturados por hidrólise enzimática do óleo de pescado industrial. A hidrólise de 1262,81 µmoles de óleo de pescado com lipase pancreática porcina (concentração de extrato enzimático de 7,647 mg.mL-1), 60 minutos, 38 °C, pH 8, tampão NH4Cl-NH4OH. Os produtos da hidrólise foram separados por cromatografia em coluna e caracterizados por cromatografia em camada delgada (TLC) e gasosa (GLC). A enzima apresentou uma atividade específica de 10,14 ± 0,15 UE.mg de proteínas–1 e com 60 minutos de reação se obteve 44,45% de hidrólise com 1865,76 ± 41,15 µmols de ácidos graxos. Foram identificados ácidos graxos livres, mono-acilgliceróis, di-acilgliceróis e tri-acilgliceróis. Na fração dos tri-acilgliceróis verificou-se um aumento de 46,14% e 40,23% de ácido araquidônico e eicosapentaenóico (EPA) respectivamente, enquanto que na fração monoacilglicerol um acréscimo de 96,96% e 52,55% de DPA e DHA.

Palavras-chave: enzimas; hidrólise enzimática; óleo de pescado; lipase; EPA; DHA; DPA.

ABSTRACT

The fish oil has been the purpose of many researches due to the nutritional benefits of its polyunsatured fatty acids and it is confirmed by epidemic studies that relate the low incidence of cardiovascular diseases to the consumption of n-3 fatty acids (EPA - eicosapentaenóico, DHA - docosahexaenóico) deriving from the sea fish. N-3 polyunsatured fatty acids can be obtained from the fish by enzymatic hydrolysis. The enzymatic hydrolysis of fats and oils, or lipolysis, is known to produce fatty acids to alter the fats by esterification, transesterification and interesterification. The main objective of this work was to obtain poliinsaturated fatty acids (PUFA) by enzymatic hydrolysis of the industrial fish oil. It was used 1262,81 µmols of substrate, porcine lipase (7,647 mg.mL-1 of enzymatic extract), 60-minute of hydrolysis, 38 °C, pH 8 and NH4CI-NH4OH buffer. The hydrolysis products were separated by column chromatography and characterized by TLC GLC. The specific activity of lipase was 10,14 ± 0,15 UE.mg proteins-1. After 60-minute of reaction was obtained 44,45% of hydrolysis and 1865,76 ± 41,15 µmols of fatty acids. Were identified PUFA, monoacylglycerol, diacylglycerol and triacylglycerol. There was an increase of 46,14 and 40,23%, respectively, of araquidonico and eicosapentaenoic (EPA) acids in the triacylglycerols fraction while the monoacylglycerol fraction showed an increase of 96,96 and 52,55% of DPA and DHA.

Keywords: enzymes; enzymatic hydrolysis; fish oil; lipase; EPA; DHA; DPA.

1 Introdução

Do total de captura mundial de pescado, cerca de 72% são utilizados como pescado fresco, congelado, enlatado e salgado, os 28% restantes seguem para o preparo de ração animal18. A produção de farinha e óleo de pescado é uma alternativa para o aproveitamento do pescado que não é utilizado diretamente para o consumo humano, bem como dos resíduos procedentes das plantas de processamento de pescado17,23. O material residual geralmente é constituído de aparas do toilete antes do enlatamento, carne escura, camarão fora do tamanho de descasque manual ou mecânico, cabeças e carcaças18.

A importância dos óleos marinhos na dieta é sustentada nos benefícios à saúde que traz o consumo de óleos poliinsaturados. Estudos epidemiológicos correlacionam a baixa incidência de doenças cardiovasculares com o consumo de ácidos graxos poliinsaturados provenientes de pescados marinhos. As algas marinhas são capazes de sintetizar ácidos graxos n-3 (EPA-eicosapentaenóico C20:5 n-3 e DHA-docosahexaenóico C22:6 n-3), os quais entram na cadeia alimentar marinha, estando disponíveis no óleo de pescado9,10,12,13,19, podendo observar-se que no óleo de sardinha (Sardinella brasiliensis), estes dois ácidos somam entre 20 e 40% dos ácidos graxos totais6,20.

Os efeitos benéficos dos ácidos graxos poliinsaturados dos óleos de pescado foram especialmente enfocados em alguns eventos científicos internacionais, sendo pioneiro o realizado nos Estados Unidos, em 1985, seguido de outros ocorridos no Canadá e na Itália, em 1988. Os efeitos benéficos estão associados ao seu papel na integridade das membranas biológicas, à sua capacidade de reduzir o teor de lipídios séricos e à sua conversão de compostos chamados eicosanóides, que apresentam uma ação direta sobre a fisiologia do sistema vascular20.

Os efeitos têm sido mais evidentes em populações cujas dietas têm baixo teor de gordura, apresentando baixa incidência de problemas cardíacos. Cabe destacar que os casos de esclerose múltipla são raros em áreas litorâneas, onde há consumo de pescado. O interesse científico, pelo presumível potencial hipolipêmico e anti-aterogênico, surgiu de um estudo com esquimós20.

Os processos comumente empregados para produzir ácidos graxos são o químico e o enzimático. O processo de hidrólise química se caracteriza por ser homogêneo e utiliza catalisadores químicos, temperaturas altas, tempos de residência variáveis e altas pressões. Os produtos assim obtidos são muito variados na sua natureza e pureza. A hidrólise enzimática utiliza baixas temperaturas, lipases, meios reacionais específicos e variáveis controladas, e os ácidos graxos sofrem pouca modificação3,22.

A obtenção de ácidos graxos poliinsaturados n-3 pode ser feita a partir da hidrólise seletiva do óleo de pescado, ou através da utilização de enzimas que apresentem baixa atividade para os ácidos EPA e DHA, como a lipase pancreática porcina, que possui especificidade para as posições 1 e 3. Estes ácidos graxos podem apresentar um efeito inibitório à ação desta enzima, devido ao alto grau de dobra das suas cadeias, o que ocasiona um obstáculo espacial para a ação da lipase5. A hidrólise enzimática das gorduras, ou lipólise, é bem conhecida e vem sendo estudada para produzir ácidos graxos e modificar as gorduras por esterificação, transesterificação e interesterificação20.

O objetivo deste trabalho foi obter ácidos graxos poliinsaturados por hidrólise enzimática do óleo de pescado industrial.

2 Material e métodos

2.1 Substrato

Foi utilizado óleo de pescado proveniente de uma indústria da região do Rio Grande, RS. As amostras foram estocadas em garrafas plásticas ao abrigo da luz e sob refrigeração, até sua utilização.

O óleo de pescado foi caracterizado quanto ao teor de umidade, impurezas, matéria saponificável e insaponificável, acidez, índices de iodo e peróxidos, utilizando metodologia oficial2 e perfil de ácidos graxos, segundo14.

As operações do processo de hidrólise do óleo de pescado encontram-se diagramadas na Figura 1.


2.2 Solução da enzima

Foi preparada uma solução da enzima lipase (lipase pancreática porcina EC 3.1.1.3, SIGMA) adicionando lentamente 25 mL de solução tampão NH4Cl-NH4OH, pH 8,0 a 1,0 g de enzima11,12. Depois de homogeneizada, a solução foi centrifugada a 3000 g por 10 minutos (centrífuga FANEM modelo 206R). O sobrenadante foi utilizado imediatamente após seu preparo.

A concentração de proteínas da solução enzimática foi determinada pelo método de Biureto, utilizando uma curva-analítica de soro albumina bovina SAB20,21.

2.3 Sistema reacional

Foram utilizados reatores de 250 mL com jaqueta para circulação de água e a temperatura foi controlada através do termostato de um banho-maria de água circulante. O pH foi monitorado e ajustado a 8,0 durante a hidrólise, utilizando pH-metro com eletrodo duplo combinado e solução de NaOH 0,050 N. Foi preparada uma emulsão 25% p.p-1 de água destilada em óleo de pescado, acrescida de acetato de polivinila e detergente aniônico como sugerido na literatura20,21. A mistura foi agitada em agitador magnético durante 15 minutos. Uma alíquota de 2 mL do extrato enzimático a 38 °C foi transferida para o reator, e o tempo de hidrólise foi controlado com cronômetro digital. No teste em branco foram utilizados 2 mL de água.

2.4 Atividade enzimática

Uma unidade enzimática (UE) é definida como a quantidade de enzima que hidrolisa 1 µmol de ligação éster do triacilglicerol por minuto (1 UE = 1 µmol.min-1). A produção de ácidos graxos e a atividade enzimática com o tempo foram calculadas com as Equações 1 e 2:

em que RCOOH(t) = produção de ácidos graxos em função do tempo; AE = atividade específica [UE (mg de proteína solúvel)–1]; V e VB = mL de NaOH gastos na titulação da amostra e branco, respectivamente; N = 0,05 N; VE = mL do extrato enzimático; e [E] = a concentração do extrato enzimático (mg de proteínas.mL-1).

O rendimento da reação foi calculado e expresso como percentual de hidrólise utilizando a Equação 311:

em que IS e IA = índice de saponificação e índice de acidez, respectivamente.

A enzima foi inativada pela adição de 90 mL de clorofórmio e 25 mL de ácido acético glacial e agitação por 10 minutos à temperatura do processo.

2.5 Separação líquido-líquido e identificação de componentes

A mistura resultante da hidrólise foi levada a volume de 1000 mL com água destilada e imediatamente transferida para funil de separação. Após repouso, à temperatura ambiente, separaram-se as fases e na fase aquosa foi determinado o teor de glicerol pelo método Ca 14 56 AOAC2.

A fase clorofórmica foi fracionada por cromatografia em coluna, segundo21. As frações coletadas foram separadas por cromatografia em camada delgada e a quantificação das frações foi realizada por gravimetria21.

2.6 Separação e identificação por cromatografia em fase gasosa

Os ácidos graxos das frações foram separados e identificados por cromatografia em fase gasosa, em cromatógrafo equipado com detector de ionização de chama (FID) e coluna de 30 m de comprimento e 0,545 mm de diâmetro e com fase estacionária de ácido nitrotereftálico modificado por polietileno glicol. O gás de arraste foi o nitrogênio a 2 mL.min-1. As temperaturas do injetor e do detector foram de 250 e 270 °C, respectivamente. A temperatura inicial da coluna foi de 160 °C, permanecendo nesta temperatura por 1 minuto, seguido de aumento a 2 °C.min-1 até 200 °C, permanecendo por 2 minutos, e novo aumento a 20 °C.min-1 até 220 °C, na qual permanece durante 40 minutos. O tempo total da programação foi de 64 minutos. A quantidade de amostra injetada foi de 1 µL. Os ácidos graxos foram identificados pela comparação direta dos tempos de retenção com padrões (Sigma Supelco) e quantificados por normalização de áreas, através do software Varian Star 4.51.

O preparo das amostras na forma de ésteres metílicos seguiu a metodologia utilizada por MAIA14. A concentração de ácidos graxos, expressa em mmols, foi calculada de acordo com outros autores3,20-22.

3 Resultados e discussão

3.1 Caracterização do óleo de pescado

O óleo de pescado apresentou um teor umidade de 0,59%, 1,45% de impurezas, acidez livre de 1,44% (índice de acidez de 2,59 mgKOH.g-1 de óleo), glicerol 9,31%, índice de iodo de 168,56 cgI2.g-1 de óleo, matéria saponificável 170,31 mgKOH.g-1 de óleo, matéria insaponificável 1,39% e um índice de peróxidos de 7,08 meqO2.Kg-1 de óleo. O teor de impurezas, índice de peróxidos e material insaponificável sugerem que é um óleo não purificado6, e o perfil de ácidos graxos mostra presença de ácidos graxos poliinsaturados, como era esperado (Figura 2).


Tradicionalmente os óleos de origem animal são obtidos por processo hidrotérmico, o que permite a separação de proteínas e de outros materiais, como: ácidos graxos livres e água, considerados impurezas, que devem ser eliminadas através de processos como: degomagem, refino, branqueamento ou descoloração, desodorização e fracionamento15,16,26.

O óleo de pescado industrial geralmente é obtido por processo hidrotérmico a partir de espécies pelágicas, portanto sua composição varia segundo as espécies e inclusive, segundo a estação do ano, sexo, ciclo reprodutor, dentre outros fatores4,7,8,23,26. Os peixes pelágicos, por sua condição de habitação e por formarem grandes cardumes, são de grande importância industrial6. Segundo alguns autores7,8 as espécies pelágicas parecem ser as melhores fontes de EPA e DHA.

3.2 Concentração protéica do extrato enzimático

A concentração de proteínas do extrato enzimático foi de 7,647 ± 0,065 mg.mL-1. calculada através de curva-analítica de SAB, que apresentou a seguinte função A = 0,05030*C (A = absorbância, C = mg proteínas.mL-1) (r = 0,9995).

3.3 Liberação de ácidos graxos em função do tempo

A concentração de ácidos graxos aumentou em função do tempo da hidrólise, como era esperado (Tabela 1 e Figura 3), utilizando 1262,81 ± 1,95 µmoles de substrato (óleo de pescado) a 38 °C, pH 8,0 em tampão NH4Cl-NH4OH e extrato enzimático de 7,647 ± 0,065 mg.mL-1.


Verifica-se na Figura 3, que a produção de ácidos graxos tende a se estabilizar a partir de 10 minutos aproximadamente, evidenciando provavelmente uma cinética de reação de primeira ordem e uma cinética de reação de ordem zero depois de 10 minutos. Com 14 minutos de hidrólise atingiu-se aproximadamente 86% do total produzido em 60 minutos. Esses resultados estão de acordo com os resultados encontrados por outros autores5,11,21,22. STAUFER20 relata que a concentração de ácidos graxos atinge 80% nos primeiros 20 minutos de hidrólise enzimática do óleo de pescado.

Na Figura 4, pode-se observar que existe uma relação linear entre a produção de ácidos graxos (concentração em µmoles) e o rendimento da reação (em percentual de hidrólise) antes dos 14 minutos iniciais, calculado através da fórmula de proposta por IKEMOTO e OTA, 199611. Resultados semelhantes foram encontrados por STAUFFERT, 200020 e por TORALLES, 199821, na hidrólise enzimática de óleo de pescado e óleo de oliva, respectivamente.


3.4 Atividade específica

Pode-se observar na Figura 5, que a atividade específica da enzima decresce rapidamente de um máximo 10,14 ± 0,15 UE.mg proteína-1 em 8 minutos de hidrólise, chegando a aproximadamente 50% desse valor nos primeiros 20 minutos de hidrólise. Para tempos superiores a 20 minutos, a diminuição é lenta e gradual, ou seja, com menor variação na atividade específica, indicando a tendência de uma reação de cinética de ordem zero. Esse comportamento é característico de reações de hidrólise enzimática que apresentam uma velocidade inicial muito alta, com cinética de reação de primeira ordem até atingir velocidade máxima, e após, sua velocidade diminui até estabilizar a reação em ordem zero21.


3.5 Composição das frações da hidrólise enzimática

A hidrólise enzimática do óleo de pescado (1262,81 ± 1,95 µmoles) a 38 °C, pH 8,0 tampão NH4Cl-NH4OH, 7,647 ± 0,065 mg.mL-1 de extrato enzimático, com 60 minutos de reação produziu 44,55% ± 1,03 de hidrólise. E como era esperado a fração de ácidos graxos livres é a de maior concentração (Tabela 2), resultados semelhantes foram encontrados por TORALLES12 na hidrólise do óleo de oliva utilizando lipase pancreática porcina.

3.6 Identificação dos ácidos graxos

Verifica-se na Tabela 3, que o substrato óleo de pescado apresenta uma alta concentração de ácidos graxos poliinsaturados, que encontram-se concentrados na fração mono-acilglicerol (MAG).

Os resultados na Tabela 3 permitem verificar a preferência da lipase pelo ácido oléico, uma vez que este apresenta um acréscimo na fração di-acilgliceróis mais ácidos graxos livres e um decréscimo nas demais frações. Comportamento similar foi relatado por outros autores4,11. A atividade da lipase mostra preferência pelas posições 1 e 3, mas pode atuar também na posição 2, porém em proporção 22% menor que nas outras posições1,24,25.

A fração MAG apresenta maior concentração de ácido palmítico comparado com o substrato, provavelmente devido à ação da enzima sobre mono-acilgliceróis, di-acilgliceróis, tri-acilgliceróis, ou por prévia acilmigração interna e posterior ação enzimática. TORALLES21 verificou maior concentração de ácido palmítico na fração de mono-acilgliceróis após hidrólise de 180 minutos, sendo a preferência da lipase pancreática porcina, por mono-oleína a mono-palmitina.

Quanto aos ácidos graxos poliinsaturados como o EPA (20:5n3), DPA (22:5n3) e DHA (22:6n3), BOTTINO, 19675 relata que estes ácidos graxos em óleo de sardinha apresentam-se preferencialmente nas posições 1 e 3, sendo que se concentram na forma de tri-acilgliceróis, ou seja, apresentam uma resistência à ação da enzima devido ao efeito inibitório que a localização das duplas ligações em seus grupos metil terminais causam, pois as duplas ligações ocasionam dobras na cadeia carbonada, causando uma aproximação e um fechamento em relação à extremidade carboxílica, produzindo assim um efeito de obstáculo espacial. Isso explica a maior concentração do ácido eicosapentaenóico (EPA) na fração tri-acilglicerol. Outros autores1,24,25 relatam a preferência deste ácido na posição 2 e 3, sendo maior na posição 3 em outros óleos de pescado. Estes mesmos autores relatam a preferência de outros dois ácidos graxos DPA e DHA pela posição 2, o que explica as suas concentrações na fração mono-acilglicerol, chegando a dobrar a concentração de DPA e a aumentar mais de 50% a concentração de DHA, mostrando ser a hidrólise enzimática com a lipase pancreática porcina um método eficiente para a concentração destes ácidos graxos.

4 Conclusão

O substrato foi caracterizado como um óleo de pescado industrial com um potencial muito interessante para a produção de ácidos graxos poliinsaturados, utilizando um processo de hidrólise enzimática.

A lipase pancreática apresentou uma boa atividade enzimática, que permitiu nos primeiros 10 minutos uma liberação linear de ácidos graxos até se estabilizar em aproximadamente 60 minutos.

A maior fração nos produtos da hidrólise foi a de ácidos graxos livres, seguida da fração mono-, di- e tri-acilgliceróis.

Nos produtos da hidrólise verifica-se que a concentração dos ácidos graxos poliinsaturados EPA, DPA e DHA teve um acréscimo substancial em relação ao óleo de pescado, o que permite concluir que o processo de hidrólise enzimática é um meio eficaz para a obtenção desses ácidos.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao CNPq, à CAPES, ao PET/DEPEM/SESU/MEC e à equipe do laboratório: Sra. Dulce Stauffert, Karen Daiane Tolotti e Mayane Colpo Teixeira.

Recebido para publicação em 10/5/2006

Aceito para publicação em 23/4/2007 (001749)

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    A quem a correspondência deve ser enviada
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      23 Abr 2007
    • Recebido
      10 Maio 2006
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