Acessibilidade / Reportar erro

Validação e aplicação de metodologia analítica na determinação de nutrientes inorgânicos em arroz polido

Validation and application of an analytical method for determining inorganic nutrients in milled rice

Resumos

Um método de digestão parcial de arroz polido cru (Oryza sativa), para a determinação de nutrientes inorgânicos (Ca, Cu, Fe, K, Mg, Mn, Na, P e Zn) por espectrometria de emissão óptica com plasma de argônio indutivamente acoplado, foi validado. Baseado na hidrólise com HCl, o método é simples e relativamente rápido, e apresentou características satisfatórias de desempenho. Através deste método, prepararam-se 40 amostras de arroz polido cru comercializadas no Estado de São Paulo (Brasil). Depois de determinação por espectrometria de emissão, os teores médios (em mg.100 g-1 de arroz) e desvios-padrão obtidos para Ca, Cu, Fe, K, Mg, Mn, Na, P e Zn foram, respectivamente, 4,31 ± 0,44; 0,22 ± 0,10; 0,32 ± 0,08; 58,0 ± 15,0; 26,1 ± 5,7; 1,06 ± 0,26; 1,78 ± 0,55; 92,1 ± 15,2; 1,24 ± 0,18. Comparando-se estes teores com informações de 7 tabelas de composição de alimentos, observaram-se discrepâncias principalmente para Ca, Fe, Na e K. Os resultados foram ainda usados para estimar a contribuição do consumo de arroz na Ingestão Diária Recomendada (IDR) de Ca, Cu, Fe, Mg, Mn, P e Zn. Verificou-se que o arroz pode contribuir significativamente, principalmente nas recomendações das IDRs do Mn, do Cu e do Zn, especialmente se for considerado o consumo médio diário per capita de arroz no Brasil.

arroz polido; nutrientes inorgânicos; método de digestão; espectrometria de emissão; tabela de composição de alimentos; Ingestão Diária Recomendada


A method of partial digestion of raw milled rice (Oryza sativa) was validated for the determination of inorganic nutrients (Ca, Cu, Fe, K, Mg, Mn, Na, P, and Zn) by inductively coupled plasma optical emission spectrometry. Based on hydrolysis with HCl, the method is simple and relatively fast, presenting satisfactory characteristics of performance. This method was used in the preparation of 40 raw milled rice samples commercialized in the state of São Paulo, Brazil. Emission spectrometry was applied to determine the mean contents and standard deviations of Ca, Cu, Fe, K, Mg, Mn, Na, P, and Zn (in mg.100 g-1 rice), which were 4.31 ± 0.44, 0.22 ± 0.10, 0.32 ± 0.08, 58.0 ± 15.0, 26.1 ± 5.7, 1.06 ± 0.26, 1.78 ± 0.55, 92.1 ± 15.2, and 1.24 ± 0.18, respectively. These results were compared with seven food composition tables available in the literature, which revealed discrepancies for Ca, Fe, Na, and K. Our data were also used to estimate the contribution of Ca, Cu, Fe, Mg, Mn, P and Zn contained in daily rice consumption to the Recommended Daily Intake (RDI). It was found that rice contributes significantly to the RDI, especially of Mn, Cu, and Zn, particularly in view of the average daily consumption of rice per person in Brazil.

milled rice; inorganic nutrients; digestion method; emission spectrometry; food composition table; Recommended Daily Intake


Validação e aplicação de metodologia analítica na determinação de nutrientes inorgânicos em arroz polido

Validation and application of an analytical method for determining inorganic nutrients in milled rice

Isaura Akemi OkadaI,* * A quem a correspondência deve ser enviada ; Maria Cristina DuranII; Marcia Liane BuzzoII; Sérgio DovidauskasI; Alice Momoyo SakumaII; Odair ZenebonII

ILaboratório I de Ribeirão Preto, Instituto Adolfo Lutz, R. Minas, 877, CEP 14085-410, Ribeirão Preto - SP, Brasil, E-mail: isaura@ial.sp.gov.br

IILaboratório Central, Divisão de Bromatologia e Química, Instituto Adolfo Lutz, Av. Dr. Arnaldo, 355, CEP 01246-902, São Paulo - SP, Brasil

RESUMO

Um método de digestão parcial de arroz polido cru (Oryza sativa), para a determinação de nutrientes inorgânicos (Ca, Cu, Fe, K, Mg, Mn, Na, P e Zn) por espectrometria de emissão óptica com plasma de argônio indutivamente acoplado, foi validado. Baseado na hidrólise com HCl, o método é simples e relativamente rápido, e apresentou características satisfatórias de desempenho. Através deste método, prepararam-se 40 amostras de arroz polido cru comercializadas no Estado de São Paulo (Brasil). Depois de determinação por espectrometria de emissão, os teores médios (em mg.100 g –1 de arroz) e desvios-padrão obtidos para Ca, Cu, Fe, K, Mg, Mn, Na, P e Zn foram, respectivamente, 4,31 ± 0,44; 0,22 ± 0,10; 0,32 ± 0,08; 58,0 ± 15,0; 26,1 ± 5,7; 1,06 ± 0,26; 1,78 ± 0,55; 92,1 ± 15,2; 1,24 ± 0,18. Comparando-se estes teores com informações de 7 tabelas de composição de alimentos, observaram-se discrepâncias principalmente para Ca, Fe, Na e K. Os resultados foram ainda usados para estimar a contribuição do consumo de arroz na Ingestão Diária Recomendada (IDR) de Ca, Cu, Fe, Mg, Mn, P e Zn. Verificou-se que o arroz pode contribuir significativamente, principalmente nas recomendações das IDRs do Mn, do Cu e do Zn, especialmente se for considerado o consumo médio diário per capita de arroz no Brasil.

Palavras-chave: arroz polido; nutrientes inorgânicos; método de digestão; espectrometria de emissão; tabela de composição de alimentos; Ingestão Diária Recomendada.

ABSTRACT

A method of partial digestion of raw milled rice (Oryza sativa) was validated for the determination of inorganic nutrients (Ca, Cu, Fe, K, Mg, Mn, Na, P, and Zn) by inductively coupled plasma optical emission spectrometry. Based on hydrolysis with HCl, the method is simple and relatively fast, presenting satisfactory characteristics of performance. This method was used in the preparation of 40 raw milled rice samples commercialized in the state of São Paulo, Brazil. Emission spectrometry was applied to determine the mean contents and standard deviations of Ca, Cu, Fe, K, Mg, Mn, Na, P, and Zn (in mg.100 g –1 rice), which were 4.31 ± 0.44, 0.22 ± 0.10, 0.32 ± 0.08, 58.0 ± 15.0, 26.1 ± 5.7, 1.06 ± 0.26, 1.78 ± 0.55, 92.1 ± 15.2, and 1.24 ± 0.18, respectively. These results were compared with seven food composition tables available in the literature, which revealed discrepancies for Ca, Fe, Na, and K. Our data were also used to estimate the contribution of Ca, Cu, Fe, Mg, Mn, P and Zn contained in daily rice consumption to the Recommended Daily Intake (RDI). It was found that rice contributes significantly to the RDI, especially of Mn, Cu, and Zn, particularly in view of the average daily consumption of rice per person in Brazil.

Keywords: milled rice; inorganic nutrients; digestion method; emission spectrometry; food composition table; Recommended Daily Intake.

1 Introdução

O arroz (Oryza sativa) é um cereal que pode ser cultivado em condições extremamente diversas, seja em áreas secas ou alagadas de até 6 metros de profundidade, sendo que as mais produtivas são as alagadas, onde a profundidade da água é controlada. O arroz é colhido como um grão revestido por uma casca formada por duas partes (lemma e palea), que o protege contra muitos insetos, sendo também uma barreira contra variações ambientais de umidade. No polimento do arroz, o objetivo principal é a remoção desta casca assim como a de uma camada intermediária denominada farelo e que se constitui de vários componentes (pericarpo, aleurona, testa, etc.), procurando-se causar um dano mínimo ao grão (endosperma). Os processos utilizados para este fim são os mais diferentes no mundo. Existem muitas variações, desde pequenos moinhos por bateladas até moinhos contínuos para grandes quantidades de arroz. Contudo, os procedimentos seguem o mesmo planejamento: inicialmente remover a casca e posteriormente remover o farelo, o que resulta no chamado "arroz branco polido" ou, simplesmente, "arroz polido"25. Este processo tem como conseqüência a redução no conteúdo nutricional do arroz e com o polimento, ocorrem principalmente perdas em nutrientes inorgânicos como Ca, P, Mg, K, Fe, Zn, Cu e Mn, e vitaminas como tiamina, piridoxina, niacina e riboflavina6,21.

Do ponto de vista nutricional, o arroz polido caracteriza-se por uma alta porcentagem de amido (quase 80% em peso) e um baixo teor de lipídeos (em torno de 0,6%). Proteínas apresentam também baixo teor (6,5 a 7,1%), enquanto a fibra alimentar total soma aproximadamente 1,3% e o teor de água situa-se por volta de 12,6%29. Embora o arroz não seja uma fonte rica em nutrientes inorgânicos, o seu consumo diário pode contribuir significativamente na Ingestão Diária Recomendada (IDR)4 de alguns nutrientes, principalmente se for considerado o consumo médio anual per capita de arroz no Brasil de 39,6 kg/ano no período de 1964 a 2000, o que conduz a uma ingestão diária superior a 100 gramas24.

No que diz respeito à quantificação dos nutrientes inorgânicos em alimentos, as técnicas analíticas mais adequadas são as que envolvem espectroscopia atômica. Destas, as mais utilizadas são a espectrometria de absorção atômica com chama e a espectrometria de emissão óptica com plasma de argônio indutivamente acoplado (ICP OES)18. Ambas exigem prévia destruição total ou parcial da matéria orgânica presente na amostra. Embora o método de destruição total por via seca seja o procedimento oficial, o tempo relativamente longo necessário para a sua execução tem promovido a busca por alternativas mais rápidas no preparo de amostras5,10,14,28. Com a utilização de microondas, seja em sistemas abertos ("microondas focalizado"), seja em sistemas fechados, a velocidade e a eficiência da decomposição passaram a ser melhores20. Apesar destes avanços, métodos convencionais de digestão por via úmida, como o aquecimento das amostras em chapas ou blocos digestores em sistemas abertos e na presença de ácidos e oxidantes, continuam sendo investigados por apresentarem algumas vantagens, tais como, baixo custo do equipamento para digestão assim como a sua manutenção, permitindo ainda o processamento simultâneo de um número relativamente grande de amostras14.

Outro aspecto importante, não somente com relação ao arroz em particular, mas também, de uma forma mais geral, com relação à análise de alimentos, são as compilações de dados que resultam nas tabelas de composição de alimentos. O preparo destas tabelas deve ser cuidadoso, tendo-se em vista que os teores de nutrientes em alimentos variam conforme fatores inerentes (idade, maturidade, espécies, variedades e cultivo), ambientais (clima, tipo de solo, quantidade de chuva e estação do ano) e de processamento (tempo de armazenagem, métodos de preparação e preservação). Além disso, o conteúdo de nutrientes de alguns alimentos processados é também afetado por reformulações, pelo uso de aditivos e de fortificações. O preparo e o cozimento também possuem considerável influência no conteúdo nutricional do alimento. Por outro lado, os valores reportados pelos laboratórios são afetados pela amostragem, pelo preparo da amostra, pelos métodos analíticos empregados e pelo tratamento estatístico dos dados experimentais obtidos15,22,26. Desta forma, embora a análise de alimentos envolva tempo e custos, é desejável estabelecer tabelas de composição em nível nacional ou mesmo regional, uma vez que, além de fornecerem informações nutricionais para uma dieta balanceada, as tabelas de composição de alimentos são importantes em estudos epidemiológicos que investigam a relação entre dieta e saúde. Em alimentos industrializados, estas tabelas são úteis, seja no controle de qualidade dos alimentos, seja no desenvolvimento de novos produtos ou, ainda, no fornecimento de informações ao consumidor na forma de rotulagem nutricional18,22.

Neste contexto, este trabalho procurou estabelecer um método analítico rápido, simples, eficiente e de baixo custo para o preparo de amostras de arroz polido cru na determinação de nutrientes inorgânicos (Ca, Cu, Fe, K, Mg, Mn, Na, P e Zn) por ICP OES, uma vez que o método oficial utilizado (digestão por via seca) é relativamente demorado2. A partir deste novo método, 40 amostras de arroz polido cru comercializadas no Estado de São Paulo, Brasil, foram preparadas e analisadas pela técnica de ICP OES. O teor obtido dos nutrientes foi comparado com os valores publicados em tabelas de composição de alimentos nacionais e internacionais. Finalmente, realizou-se uma estimativa da contribuição do arroz na IDR de alguns dos nutrientes investigados.

Material e métodos

2.1 Material

Quarenta amostras de arroz polido (Oryza sativa), cru, de várias marcas e lotes, foram adquiridas no comércio de 39 cidades do Estado de São Paulo, Brasil. Cada amostra foi homogeneizada na própria embalagem, não sofrendo qualquer pré-tratamento ou processamento antes da destruição parcial da matéria orgânica.

Os ácidos clorídrico e nítrico utilizados, marca Merck, foram de grau analítico. Foram utilizadas soluções-padrão de referência de 10.000 mg.L–1, marca Spex CertPrep®, para os elementos Ca, Fe, K, Mg, P e Zn, enquanto que para os elementos Cu e Mn as soluções padrão de referência foram de 1.000 mg.L–1. A água empregada nos procedimentos foi previamente destilada e desionizada em um sistema Milli-Q (Millipore Corp.), resultando em uma água com resistividade igual a 18,2 MW.cm–1. Como material de referência certificado (MRC) foi utilizado arroz em pó adquirido do "National Institute for Environmental Studies": NIES nº 10a – Rice flour – Unpolished, low level Cd.

Todas as vidrarias usadas foram previamente descontaminadas por meio de imersão em solução de ácido nítrico a 50% (v.v –1) por 24 horas, seguida de enxágüe com água destilada e desionizada.

Para a determinação dos nutrientes inorgânicos, foi empregado um espectrômetro de emissão ótica com plasma de argônio indutivamente acoplado ICP OES, marca Perkin Elmer, modelo Optima 3000 DV. As condições experimentais usadas foram: potência de rádiofrequência: 1350 W; fluxo de amostra: 1,0 mL/min; fluxo de plasma: 15 L/min; fluxo de nebulizador: 0,85 L/min; gás auxiliar (argônio): 0,5 L/min.

2.2 Método

Digestão das amostras

Foram pesados, em triplicata, 2 g de amostra de arroz em frascos tipo erlenmeyer. As amostras não sofreram qualquer pré-tratamento como, por exemplo, trituração ou liofilização. A cada frasco foram adicionados 5 mL de solução aquosa de HCl a 50% (v.v –1), cobrindo-os a seguir com filme de PVC (cloreto de polivinila) e deixando-os em repouso por uma noite. Foram preparados dois brancos dos reagentes. As amostras e os brancos foram então aquecidos sobre placa aquecedora por 3 horas a 75 °C, com agitação ocasional. A seguir, as soluções foram filtradas em papel Whatman 40, e cada filtrado foi recolhido diretamente em balão volumétrico de 25 mL, completando-se o volume com água destilada e desionizada.

Determinação dos nutrientes inorgânicos

As quantificações dos nutrientes inorgânicos Ca, Cu, Fe, K, Mg, Mn, Na, P e Zn foram realizadas por ICP OES. As concentrações das soluções-padrão multielementares utilizadas para a construção das curvas de calibração foram preparadas em HCl 1 M e encontram-se na Tabela 1.

Validação do método

O método analítico proposto, envolvendo a digestão parcial com ácido clorídrico, foi validado seguindo as orientações do documento sobre validação de métodos de ensaios químicos DOQ-CGCRE-008 do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial13. Por meio da espectroscopia de emissão ótica, os seguintes parâmetros de validação foram avaliados: linearidade, sensibilidade, seletividade, limite de detecção, limite de quantificação, exatidão e precisão.

3 Resultados e discussão

3.1 Validação do método

Linearidade, sensibilidade, seletividade, limites de detecção e de quantificação

A partir das soluções-padrão descritas na Tabela 1, verificou-se a linearidade das faixas de trabalho através da construção das curvas de calibração para cada elemento em seu respectivo comprimento de onda (l) de emissão. Os valores dos coeficientes de correlação e das sensibilidades encontram-se na Tabela 2. Pode-se observar que todos os valores obtidos para os coeficientes de correlação são iguais a 0,9999, ou seja, estão muito próximos de 1, o que implica na linearidade das curvas de calibração para todos os elementos estudados nas faixas de concentrações investigadas. O INMETRO recomenda, por exemplo, um valor maior que 0,90 para satisfazer a condição de linearidade13. Além disso, a Tabela 2 informa que a técnica apresenta maior sensibilidade para os elementos manganês, cobre e magnésio, sendo relativamente menos sensível para o elemento fósforo.

Os limites de detecção e de quantificação foram obtidos a partir de 10 medidas das soluções correspondentes à menor concentração de cada elemento das curvas de calibração7,13. Os valores resultantes encontram-se na Tabela 2.

Para verificar a seletividade do método, foram traçados os espectros das amostras e padrões, nas regiões dos comprimentos de onda de emissão para cada elemento. Pôde-se observar que o perfil dos picos de emissão dos analitos das soluções das amostras de arroz são idênticos aos respectivos perfis dos picos das soluções-padrão, indicando que não ocorreram interferências espectrais ou de matriz na determinação dos elementos estudados. A Figura 1 apresenta um exemplo do perfil dos picos de emissão para o elemento sódio.


Exatidão e precisão

Para a avaliação da exatidão do método proposto, foram realizadas 7 análises independentes de material de referência certificado, MRC (NIES nº 10a – Rice flour – Unpolished, low level Cd), empregando o critério do índice Z13,17. Podem ser observados, na Tabela 3, valores satisfatórios de Z para todos os nutrientes investigados1.

Uma vez que a análise das 7 replicatas de MRC foi feita sob condições de repetitividade12, utilizando-se mesmo procedimento de medição, analista, equipamento, laboratório e repetições em curto espaço de tempo, a precisão pôde também ser avaliada a partir dos dados gerados, por meio do cálculo do limite de repetitividade (r) para um nível de confiança de 95%. Como pode ser observado na Tabela 4, todos os valores de r calculados para o método proposto são maiores que as diferenças entre os respectivos resultados, ou seja, o método proposto é preciso.

3.2 Comparação do teor de nutrientes determinados em amostras de arroz polido cru com os valores publicados em tabelas de composição de alimentos

Utilizando-se o método de preparo de amostras por hidrólise com HCl, foram analisadas quarenta amostras de arroz branco cru comercializadas no Estado de São Paulo, Brasil. Na Tabela 5, são apresentados os resultados da estatística descritiva para os nove nutrientes investigados nas amostras de arroz. Foi observado que para todos os nutrientes analisados as concentrações apresentaram distribuição normal e, portanto a discussão que se segue foi baseada nos valores médios obtidos.

A Tabela 6 apresenta o teor médio dos nutrientes inorgânicos obtidos neste estudo juntamente com os respectivos valores declarados em 7 tabelas de composição de alimentos, três nacionais, designadas como "Philippi"23, "TACO"19 e "Franco"9, e quatro internacionais: "CIQUAL" 8, "McCance"16, "Souci"27 e "USDA"29. Esta última, elaborada pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos da América, apresenta, para arroz branco cru (não enriquecido), três tabelas de composição independentes: uma para arroz de grãos curtos, outra para arroz de grãos médios e uma terceira para arroz de grãos longos. Adicionalmente, os resultados de um recente estudo (designado como HEINEMANN) envolvendo arroz polido oriundo dos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina (Brasil)11 também são incluídos na Tabela 6.

De modo geral, observa-se na Tabela 6 que o teor obtido no presente estudo para Cu, Mg, Mn, P e Zn foi comparável aos declarados pela maioria das compilações de composição de alimentos. Pode-se notar que o teor destes nutrientes, assim como o teor de ferro, parece independer do tamanho do grão, como sugerem os dados provenientes do USDA. Por outro lado, a mesma tabela evidencia a grande diversidade de valores atribuídos a Ca, Fe, K e Na em todas as tabelas consultadas, nas quais a concentração de cálcio varia de 3 a 51 mg.100 g –1 de arroz; a de ferro, desde 0,5 a 4,32 mg.100 g –1 de arroz; a de potássio, de 61 a 150 mg.100 g –1 de arroz; e, finalmente, a concentração de sódio apresenta valores declarados entre 1 e 16,6 mg.100 g –1 de arroz. À exceção da concentração do ferro, o teor de nutrientes determinados neste trabalho foi similar aos declarados nas tabelas TACO e USDA (para arroz de grãos curtos).

Esta constatação da diversidade nos valores reportados pelas diferentes tabelas de composição ressalta o que foi afirmado anteriormente: que as compilações de composição de alimentos devem ser cuidadosas, tendo-se em vista que os níveis de nutrientes em alimentos variam conforme fatores inerentes ao cultivo e processamento, além de serem afetados por amostragem, preparo de amostra, método analítico empregado e até pelo tratamento estatístico dos dados experimentais obtidos15,22,26. Em particular, o fato dos dados nacionais não serem satisfatoriamente concordantes sugere a necessidade da ampliação das investigações que envolvam a determinação da composição dos alimentos cultivados no Brasil de uma forma mais extensiva que implique na regionalização das tabelas de composição de alimentos, dadas as diferenças de clima, solo, modos de cultivo, etc.

3.3 Estimativa da contribuição do consumo de arroz às IDRs dos nutrientes inorgânicos investigados

A Tabela 7 mostra os valores de Ingestão Diária Recomendada (IDR)4 para sete dos nove nutrientes investigados. Sódio e potássio não foram incluídos, uma vez que a contribuição do arroz não é significativa em relação às respectivas "Ingestões Adequadas" definidas pelo USDA - Departamento de Agricultura dos Estados Unidos da América30. A Tabela 7 inclui ainda a estimativa da contribuição do arroz às IDRs dos nutrientes, tomando-se como base a definição de porção como 50 gramas, estabelecida na Resolução RDC nº 359 de 23/12/20033, e também o consumo médio aproximado diário de 108 gramas per capita de arroz no Brasil, estabelecido para o período de 1964 a 200024.

Pode-se observar que, à exceção do cálcio e do ferro, o arroz polido contribui significativamente para as IDRs dos outros nutrientes inorgânicos, principalmente manganês, cobre e zinco, especialmente se levarmos em conta o consumo médio diário de arroz no Brasil. Neste caso, constata-se que metade da quantidade recomendada de ingestão de manganês pode ser atingida consumindo diariamente pouco mais de 100 g de arroz polido; cerca de 25% do cobre necessário também pode ser obtido desta forma, assim como 20% do zinco. Tal fato sugere que o arroz polido, ao lado de ser considerado uma importante fonte de carboidratos, deva também ser observado como uma fonte de alguns nutrientes inorgânicos, ressaltando-se obviamente as características diárias do seu consumo. As contribuições significativas do arroz às IDRs de Mn, Cu e Zn já haviam sido observadas no estudo de HEINEMANN et al.11

4 Conclusões

O preparo de amostras de arroz polido cru para a análise de nutrientes inorgânicos baseada na hidrólise por HCl revelou-se simples, rápida e de baixo custo, além de apresentar parâmetros de desempenho satisfatórios, permitindo ainda o processamento simultâneo de um número relativamente grande de amostras. Trata-se de uma alternativa ao relativamente demorado método por via seca e aos métodos relativamente onerosos que fazem uso de microondas.

Outro aspecto evidenciado neste estudo diz respeito aos cuidados que devem ser tomados na compilação de dados relacionados à composição dos alimentos, pois o uso de uma tabela de composição deve ser judicioso uma vez que vários fatores podem afetar o conteúdo de um dado nutriente. No caso do arroz, ficaram evidentes as grandes variabilidades encontradas nas cinco tabelas consultadas para os nutrientes inorgânicos Ca, Fe, K e Na.

Finalmente, foi constatado que o arroz pode ser considerado uma fonte importante para Mn, Cu e Zn, principalmente tendo-se em conta que o seu consumo constitui a base da dieta de grande parte da população brasileira.

Recebido para publicação em 15/5/2006

Aceito para publicação em 18/7/2007 (001751)

  • 1
    ABNT. ISO/IEC Guia 43 - Critérios para habilitação de provedores de ensaios de proficiência Brasília: Associação Brasileira de Normas Técnicas, 1999.
  • 2
    AOAC. Official Methods of Analysis of AOAC International, 16th edition. Gaithersburg: Association of Official Analytical Chemists, 1995.
  • 3
    BRASIL. Resolução RDC nº 359 de 23 de dezembro de 2003. Estabelece o regulamento técnico de porções de alimentos embalados para fins de rotulagem nutricional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 dez. 2003.
  • 4
    BRASIL. Resolução RDC nº 269 de 22 de setembro de 2005 Adota níveis de Ingestão Diária Recomendada (IDR) para vitaminas, minerais e proteínas. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 set. 1998.
  • 5. CABANIS, M. T. et al. Comparison of four methods for digesting food samples for determination of trace levels of cadmium by flameless atomic absorption spectrophotometry. J. Assoc. Off. Anal. Chem., v. 71, n. 5, p. 1033-1037, 1988.
  • 6. DOESTHALE, Y. G. et al. Effect of milling on mineral and trace element composition of raw and parboiled rice. J. Sci. Food Agric., v. 30, n. 1, p. 40-46, 1979.
  • 7
    EURACHEM. EURACHEM Guide - The fitness for purpose of analytical methods: a laboratory guide to method validation and related topics. Disponível em <http://www.eurachem.ul.pt/guides/valid.pdf> Acesso em 04 jun. 2003.
  • 8. FAVIER, J.-C. et al. (Centre Informatique sur la Qualité des Aliments, CIQUAL) Repertório Geral dos Alimentos - Tabela de Composição, 2Ş edição. São Paulo: Editora Roca Ltda, 1999.
  • 9. FRANCO, G. Tabela de Composição Química dos Alimentos, 9Ş edição. São Paulo: Livraria Atheneu, 2005.
  • 10. GAWALKO, E. J. et al. Comparison of closed-vessel and focused open-vessel microwave dissolution for determination of cadmium, copper, lead, and selenium in wheat, wheat products, corn bran, and rice flour by transverse-heated graphite furnace atomic absorption spectrometry. J. Assoc. Off. Anal. Chem. Int., v. 80, n. 2, p. 379-387, 1997.
  • 11. HEINEMANN, R. J. B. et al. Comparative study of nutrient composition of commercial brown, parboiled and milled rice from Brazil. J. Food Comp. Anal., v. 18, n. 4, p. 287-296, 2005.
  • 12
    INMETRO. Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial. Vocabulário Internacional de Termos Fundamentais e Gerais de Metrologia, 2ª edição. Brasília: SENAI/DN, 2000.
  • 13
    INMETRO. Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial. Orientações sobre validação de métodos de ensaios químicos Disponível em <http://www.inmetro.gov.br/credenciamento/laboratorios/calibensaios.asp> Acesso em 4 jun. 2003.
  • 14. KIRA, C. S.; MAIO, F. D.; MAIHARA, V. A. Comparison of partial digestion procedures for determination of Ca, Cr, Cu, Fe, K, Mg, Mn, Na, P, and Zn in milk by inductively coupled plasma-optical emission spectrometry. J. Assoc. Off. Anal. Chem. Int., v. 87, n. 1, p. 151-156, 2004.
  • 15. MAKHLOUF, J. et al. Some nutritional characteristics of beans, sweet corn and peas (raw, canned and frozen) produced in the Province of Quebec. Food Res. Int., v. 28, n. 3, p. 253-259, 1995.
  • 16. MCCANCE, R. A.; WIDDOWSONS, E. M. The Composition of Foods, 6th edition. Londres: The Royal Society of Chemistry and Ministry of Agriculture, Fisheries and Food, 2002.
  • 17. MILLER, J. N.; MILLER, J. C. Statistics and Chemometrics for Analytical Chemistry, 4th edition. Dorchester: Pearson Education Limited, 2000.
  • 18. MILLER-IHLI, N. J. Trace element determinations in foods and biological samples using inductively coupled plasma atomic emission spectrometry and flame atomic absorption spectrometry. J. Agric. Food Chem., v. 44, n. 9, p. 2675-2679, 1996.
  • 19
    NEPA. Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Tabela Brasileira de Composição de Alimentos - TACO, versão 1 Disponível em <http://www.unicamp.br/nepa/taco/tabela.php> Acesso em 21 fev. 2006.
  • 20. OLIVEIRA, E. Sample preparation for atomic spectroscopy: evolution and future trends. J. Braz. Chem. Soc., v. 14, n. 2, p. 174-182, 2003.
  • 21. OLIVEIRA, L. F. A. Efeito da ingestão da mistura de arroz e feijão na biodisponibilidade de Fe e Ca Viçosa (MG), 1997. Dissertação (Mestrado), Universidade Federal de Viçosa.
  • 22. PALMERO, M. R. et al. Assesment of dietary nutrient intakes: analysed vs calculated values. Food Chem, v. 61, n. 1/2, p. 215-221, 1998.
  • 23. PHILIPPI, S. T. Tabela de Composição de Alimentos: Suporte Para Decisão Nutricional Brasília: ANVISA, FINATEC/NUT-UnB, 2002.
  • 24
    PHILIPPINES. University of Philippines Los Baños, International Rice Research Institute. Rice supply/utilization balances, by country and geographical region, selected years-Table 17 Disponível em <http://www.irri.org/science/ricestat/pdfs/Table%2017.pdf>. Acesso em 30 jan. 2006.
  • 25. SHARP, R. N. Rice: production, processing, and utilization. In Lorenz, K.J. e Kulp, K. (Eds.), Handbook of cereal science and technology New York: Marcel Dekker Inc., 1991. Chap. 7, p.301-311.
  • 26. SIKA, M. et al. Composition of selected moroccan cereals and legumes: comparison with the FAO table for use in Africa. J. Food Comp. Anal., v. 8, n. 1, p. 62-70, 1995.
  • 27. SOUCI, S. W.; FACHMANN, W.; KRAUT, H. Food Composition and Nutrition Tables, 5th edition. Stuttgart: Medpharm Scientific Publishers, 1994.
  • 28. SUN, D. H.; WATERS, J. K.; MAWHINNEY, T. P. Determination of thirteen common elements in food samples by inductively coupled plasma atomic emission spectrometry: comparison of five digestion methods. J. Assoc. Off. Anal. Chem. Int., v. 83, n. 5, p. 1218-1224, 2000.
  • 29
    United States of America (Beltsville, Maryland). United States Departament of Agriculture. USDA nutrient database for standard reference Disponível em <http://www.nal.usda.gov/fnic/foodcomp> Acesso em 18 jan. 2006a.
  • 30
    United States of America (Beltsville, Maryland). United States Departament of Agriculture. Dietary Reference Intakes (DRI) and Recommended Dietary Allowances (RDA) Disponível em <http://www.nal.usda.gov/fnic/etext/000105.htm> Acesso em 18 jan. 2006b.
  • *
    A quem a correspondência deve ser enviada
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2007

    Histórico

    • Recebido
      15 Maio 2006
    • Aceito
      18 Jul 2007
    Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos Av. Brasil, 2880, Caixa Postal 271, 13001-970 Campinas SP - Brazil, Tel.: +55 19 3241.5793, Tel./Fax.: +55 19 3241.0527 - Campinas - SP - Brazil
    E-mail: revista@sbcta.org.br