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Estabilidade sensorial de suco de maracujá pronto para beber acondicionado em latas de aço

Sensorial stability of ready-to-drink passion fruit juice packaged in tinplate cans

Resumos

O estudo teve por objetivo avaliar a preservação das características sensoriais e físico-químicas de suco de maracujá pronto para beber acondicionado em latas de três peças em folha-de-flandres eletrossoldadas, com diferentes condições de envernizamento interno do corpo e costura lateral, através de teste de estocagem. O suco de maracujá foi acondicionado em latas com camada nominal interna de 2,0 g de Sn.m-2, com três sistemas de revestimento orgânico interno e condicionado a 25 e 35 °C durante 360 dias. Ocorreu um acentuado decréscimo do conteúdo de ácido ascórbico até os 180 dias, mantendo-se estável até 360 dias em todas as condições estudadas. A avaliação de cor demonstrou o escurecimento do suco até os 120 dias e posteriormente sua descoloração, entre os 300 e 360 dias, nas duas temperaturas estudadas. A avaliação sensorial durante a estocagem demonstrou desempenho similar para todas as latas, sendo inferior apenas para a lata Pó a 35 °C. As principais alterações verificadas no produto ao longo da estocagem foram associadas às alterações intrínsecas à bebida e não à interação suco/embalagem. O estudo permitiu concluir que os três sistemas de envernizamento das latas estudadas podem ser utilizados no acondicionamento de suco de maracujá pronto para beber para uma vida-de-prateleira mínima de 12 meses.

suco de maracujá; embalagens metálicas; qualidade sensorial; carotenóides; ácido ascórbico; estabilidade


The purpose of this work was to evaluate the preservation of the sensorial and physicochemical characteristics of ready-to-drink passion fruit juice packaged in three-piece welded tinplate cans with different internal coatings of the body and side strips, based on a storage test. The product evaluated was ready-to-drink passion fruit juice packaged in cans with an internal layer of 2.0 g.m-2 of tin, with three inner organic coating systems, stored at 25 and 35 °C for 360 days. A sharp decrease in ascorbic acid content was recorded up to day 180, after which it remained constant until the end of the storage period at the two aforementioned temperatures and in all the types of cans studied. The color evaluation showed the juice browning before 120 days of storage, and subsequent discoloration between 300 and 360 days, at the two storage temperatures. The sensorial analysis during storage indicated a similar performance for all the cans, which was lower only in the case of one packaging variable. The main changes recorded during the storage period were associated with inherent modifications of the beverage itself and not to juice/packaging interaction. This study led to the conclusion that all the types of packaging under study are suitable for ready-to-drink passion fruit juice for a minimum shelf-life of 12 months.

passion fruit juice; metallic packaging; sensorial quality; carotenoids; ascorbic acid; stability


Estabilidade sensorial de suco de maracujá pronto para beber acondicionado em latas de aço

Sensorial stability of ready-to-drink passion fruit juice packaged in tinplate cans

Elisabete Segantini SaronI, ** A quem a correspondência deve ser enviada; Sílvia Tondella DantasI; Hilary Castle de MenezesII; Beatriz Maria Curtio SoaresI; Michelle Fernandes NunesI

ICentro de Tecnologia de Embalagem – CETEA, Instituto de Tecnologia de Alimentos – ITAL, CP 139, Av. Brasil, 2880, Jd. Brasil, CEP 13070-178, Campinas - SP, Brasil, E-mail: esaron@ital.sp.gov.br

IIDepartamento de Tecnologia de Alimentos, Faculdade de Engenharia de Alimentos – FEA, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, CP 6121, Cidade Universitária Zeferino Vaz, CEP 13083-970, Campinas - SP, Brasil, E-mail: hilary@mpc.com.br

RESUMO

O estudo teve por objetivo avaliar a preservação das características sensoriais e físico-químicas de suco de maracujá pronto para beber acondicionado em latas de três peças em folha-de-flandres eletrossoldadas, com diferentes condições de envernizamento interno do corpo e costura lateral, através de teste de estocagem. O suco de maracujá foi acondicionado em latas com camada nominal interna de 2,0 g de Sn.m–2, com três sistemas de revestimento orgânico interno e condicionado a 25 e 35 °C durante 360 dias. Ocorreu um acentuado decréscimo do conteúdo de ácido ascórbico até os 180 dias, mantendo-se estável até 360 dias em todas as condições estudadas. A avaliação de cor demonstrou o escurecimento do suco até os 120 dias e posteriormente sua descoloração, entre os 300 e 360 dias, nas duas temperaturas estudadas. A avaliação sensorial durante a estocagem demonstrou desempenho similar para todas as latas, sendo inferior apenas para a lata Pó a 35 °C. As principais alterações verificadas no produto ao longo da estocagem foram associadas às alterações intrínsecas à bebida e não à interação suco/embalagem. O estudo permitiu concluir que os três sistemas de envernizamento das latas estudadas podem ser utilizados no acondicionamento de suco de maracujá pronto para beber para uma vida-de-prateleira mínima de 12 meses.

Palavras-chave: suco de maracujá; embalagens metálicas; qualidade sensorial; carotenóides; ácido ascórbico; estabilidade.

ABSTRACT

The purpose of this work was to evaluate the preservation of the sensorial and physicochemical characteristics of ready-to-drink passion fruit juice packaged in three-piece welded tinplate cans with different internal coatings of the body and side strips, based on a storage test. The product evaluated was ready-to-drink passion fruit juice packaged in cans with an internal layer of 2.0 g.m–2 of tin, with three inner organic coating systems, stored at 25 and 35 °C for 360 days. A sharp decrease in ascorbic acid content was recorded up to day 180, after which it remained constant until the end of the storage period at the two aforementioned temperatures and in all the types of cans studied. The color evaluation showed the juice browning before 120 days of storage, and subsequent discoloration between 300 and 360 days, at the two storage temperatures. The sensorial analysis during storage indicated a similar performance for all the cans, which was lower only in the case of one packaging variable. The main changes recorded during the storage period were associated with inherent modifications of the beverage itself and not to juice/packaging interaction. This study led to the conclusion that all the types of packaging under study are suitable for ready-to-drink passion fruit juice for a minimum shelf-life of 12 months.

Keywords: passion fruit juice; metallic packaging; sensorial quality; carotenoids; ascorbic acid; stability.

1 Introdução

O suco de maracujá é caracterizado por apresentar sabor e aroma intensos, possui um conteúdo em sólidos solúveis ao redor de 15% e alta acidez, com uma relação média entre °Brix/acidez de 5. Os ácidos orgânicos presentes no maracujá são importantes na definição de seu flavor tão característico. O pH no maracujá roxo varia de 2,6 a 3,2 e no amarelo de 2,8 a 3,3 e o teor total de ácidos de 2,4 a 4,8% e 3,0 a 5,0%, respectivamente, sendo que 93 a 96% da sua acidez total é constituída por ácido cítrico. A coloração do suco se deve a um complexo de pigmentos carotenóides, no qual predomina o b-caroteno12.

O suco de maracujá apresenta uma importante possibilidade de crescimento na comercialização e consumo de sucos prontos para beber, uma vez que o maracujá é uma fruta típica brasileira, disponível em abundância ao longo do ano. Por ser representante da classe de frutas ácidas, este tipo de suco apresenta características agressivas ao material metálico, requisitando uma adequada especificação de envernizamento interno, principalmente da região de proteção da área de soldagem (denominada side stripe), para manutenção das suas propriedades sensoriais e garantia da sua vida-de-prateleira.

O mercado brasileiro de sucos prontos tem se mostrado o segmento de maior crescimento na categoria das bebidas não-alcoólicas nos últimos anos, onde há previsões de que as exportações de sucos de frutas devam dobrar nos próximos anos8,10. No ano de 2004, 81,8% dos sucos e néctares processados foram comercializados em embalagens cartonadas assépticas, 16,5% comercializados em latas de alumínio de duas peças e cerca de 1,7% em embalagens de vidro. A projeção de consumo do segmento de sucos e néctares processados para 2006 é de 600,8 milhões de litros3. Embora não sejam utilizadas no Brasil para acondicionamento de sucos prontos para beber, as embalagens em aço de três peças representam uma interessante alternativa de embalagem para esses produtos, desde que a proteção do material metálico, por meio de vernizes, ocorra de forma adequada.

A interação lata de aço/alimento, considerando-se o enlatamento de produtos ácidos, é caracterizada principalmente pela dissolução dos metais que constituem a embalagem, o ferro e o estanho, quando do uso de folhas-de-flandres e ferro e cromo, quando do uso de folhas cromadas4, o que pode levar a uma alteração das características sensoriais do produto, podendo limitar a sua vida-de-prateleira.

2 Material e métodos

2.1 Materiais

Foi estudado o suco de maracujá pronto para beber, produzido em escala industrial, composto por suco concentrado de maracujá, água, açúcar líquido, ácido cítrico e ácido ascórbico. O suco foi pasteurizado em um trocador de calor de placas, marca ISUME Food Manufacture, por 30 segundos a 91 °C ± 1 °C, seguindo-se de acondicionamento em latas de folhas-de-flandres à temperatura de 89 °C ± 1 °C, fechamento das latas e resfriamento por 12 minutos. O mesmo produto foi acondicionado assepticamente em embalagem cartonada Tetra Brik®Aseptic e mantido congelado em câmara a –20 °C para ser utilizado como referência nas avaliações sensoriais durante o estudo de estocagem.

As latas de três peças utilizadas para o acondicionamento do suco de maracujá foram produzidas com corpo em folha-de-flandres (2,0 g Sn.m–2), fundo em folha cromada e tampa em alumínio, em três versões de envernizamento interno, denominadas Normal, Repair e Pó, cuja descrição do envernizamento encontra-se detalhada na Tabela 1.

As latas denominadas Normal, Repair e Pó possuíam camada seca de verniz no corpo de 14,1 g.m–2, 14,2 g.m–2 e 5,8 g.m–2, respectivamente, enquanto a região do side -stripe apresentava 31,2 g.m–2, 36,6 g.m–2 e 95,8 g.m–2, respectivamente. A tampa e o fundo de todas as latas apresentavam praticamente o mesmo valor de camada seca de verniz, 12,1 g.m–2 e 7,0 g.m–2, respectivamente.

2.2 Métodos

Determinação da concentração de ácido ascórbico

O método para a avaliação do conteúdo de ácido ascórbico do suco de maracujá baseou-se em uma adaptação da metodologia descrita por LAM, HOLCOMB e FUSARI11. Para tanto, foi utilizado um cromatógrafo marca Shimadzu, modelo Class-LC10, com bomba binária para gradiente de solventes, sistema de injeção tipo Rheodyne, modelo 7125, munido com alça de amostragem de 20 µL, detector de conjunto de diodos, com monitoração a 260 nm. O registro e tratamento de dados foram feitos com uso de programa específico do equipamento Class-LC10. A concentração de ácido ascórbico foi determinada nas épocas de 0, 15, 180 e 360 dias de estocagem a 25 °C e 35/°C, em cinco replicatas.

Avaliação da cor

A avaliação instrumental da cor do suco de maracujá acondicionado nas diferentes embalagens estudadas, ao longo do tempo de estocagem (0, 15, 30, 60, 120, 180, 240, 300 e 360 dias) nas duas condições de temperatura de estocagem de 25/°C e 35 °C, foi realizada utilizando-se um colorímetro marca Macbeth, modelo Color Eye 2020, operando em software COMCOR1500Plus, obtendo-se os valores de L* (luminosidade), a* (vermelho), -a* (verde), b* (amarelo) e -b*(azul)6.

Avaliação sensorial

Pré-seleção

Inicialmente foi feita uma pré-seleção dos provadores através de entrevistas onde foram informados os objetivos gerais do estudo, tempo estimado de dedicação para a condução das sessões, freqüência dos testes e a necessidade da seleção e treinamento, a fim de se verificar quais os provadores interessados e com disponibilidade para participarem das avaliações.

Seleção

A seleção da equipe de provadores foi feita aplicando-se a análise seqüencial pelo teste triangular usando o procedimento tabular. Como a dissolução dos metais constituintes da lata, principalmente do ferro, é uma conseqüência das reações de interação lata/produto, que pode provocar o desenvolvimento de sabor metálico no suco, realizaram-se testes triangulares usando duas amostras de suco de maracujá pronto para beber, sendo um natural e outro adicionado de concentrações de ferro e estanho conhecidas, o qual foi preparado através do contato de placas de folha-de-flandres, sem revestimento polimérico e com cortes de aproximadamente 2 mm por todo seu comprimento, por um período de 20 dias a 40 °C, com suco concentrado de maracujá.

Após o contato, os teores de ferro e estanho migrados para o suco foram quantificados no suco de maracujá concentrado pelo método de digestão ácida a quente em sistema fechado de digestão por microondas, marca CEM, modelo MARS 5. Os teores dos metais foram quantificados em espectrômetro de emissão atômica induzida por plasma com detector óptico (ICP-OES), marca Perkin Elmer, modelo OPTIMA 2000DV14.

O grau de dificuldade na identificação da amostra diferente foi determinado pela concentração de ferro adicionado ao suco pronto para beber, o qual foi reduzido até que fosse possível selecionar provadores com um número de respostas corretas igual ou superior a 80%. Atingido este valor, foram aplicadas sete séries de testes triangulares, com a mesma condição, selecionando-se os candidatos que alcançaram um número significativo de respostas corretas, superior a 60% de acertos em todos os testes2,7. Foram selecionados 15 provadores, sendo 9 mulheres e 6 homens, com idades entre 18 e 41 anos.

Treinamento

O treinamento da equipe foi conduzido pelo método da análise descritiva quantitativa (ADQ), utilizando-se escala linear não estruturada de 9 cm de comprimento e extremidades fixas13. Os atributos sensoriais estabelecidos e definidos em conjunto com os provadores foram aroma, sabor (maracujá, ácido, doce, amargo, oxidado, aguado, estranho e residual) e perda da qualidade.

Análise sensorial periódica

A avaliação sensorial periódica dos produtos acondicionados nos três diferentes tipos de embalagem, estocadas nas condições de temperatura de 25 °C e 35 °C, juntamente com a referência acondicionada em embalagem cartonada, foi realizada nas épocas de 0, 15, 30, 60, 120, 180, 240, 300 e 360 dias de estocagem, sendo que a boa qualidade sensorial do suco, observada ao término dos 360 dias de estocagem, permitiu estender a avaliação por mais 60 dias, totalizando 420 dias de estocagem. O método aplicado na avaliação sensorial foi de análise descritiva quantitativa (ADQ), utilizando-se escala linear não estruturada de 9 cm de comprimento e extremidades fixas13.

Teste de Aceitação

Ao término do estudo (420 dias de estocagem) foi aplicado um teste de aceitação às amostras de suco de maracujá reprovadas pelos provadores treinados, que atribuíram notas próximas a 4,5 (50% do fundo da escala) no atributo perda da qualidade, a fim de verificar a aceitação do suco por consumidores não treinados. As amostras reprovadas no estudo de estabilidade e avaliadas pelo teste de aceitação foram os sucos das latas Pó 25 °C, Pó 35 °C e Repair 25 °C, tendo sido solicitado aos provadores que indicassem o quanto gostaram ou desgostaram das amostras2,7. O teste foi realizado com 50 provadores, sendo 40 mulheres e 10 homens.

Análise estatística

Os resultados obtidos nas avaliações periódicas do suco foram avaliados estatisticamente para cada tipo de embalagem, ao longo do tempo de estocagem nas duas condições de temperatura, através de análise de variância (ANOVA), ao nível de erro de 5%, a fim de avaliar os efeitos da temperatura, do tempo de estocagem e do tipo de revestimento interno, assim como a existência de possíveis efeitos de interação entre esses fatores. Para tanto, utilizou-se o programa Statistica versão 5.0.

3 Resultados e discussão

3.1 Determinação do conteúdo de ácido ascórbico (vitamina C)

A Tabela 2 e a Figura 1 apresentam os resultados obtidos na determinação da concentração de ácido ascórbico (vitamina C) do suco de maracujá acondicionado nos três tipos de latas, demonstrando o comportamento desta vitamina durante o período de estocagem do produto.


A concentração de ácido ascórbico determinado ao zero dia de estocagem nas três embalagens apresentou-se semelhante, havendo um acentuado decréscimo ao longo dos 180 dias iniciais, mantendo-se estável até os 360 dias de estocagem nas duas temperaturas e para todos os tipos de latas. Foram verificadas diferenças significativas (p < 0,05) entre as temperaturas de estocagem, porém não foram verificadas diferenças significativas entre os três sistemas de envernizamento interno avaliados.

A degradação do ácido ascórbico ao longo do tempo de estocagem deve-se provavelmente à concentração de oxigênio presente no espaço livre das latas, a qual se apresentou semelhante para as três embalagens (média de 14%), ao teor de oxigênio dissolvido no produto, além da dissolução de íons ferro, presentes no material metálico, levando à perda do conteúdo da vitamina C.

Também se observou um decréscimo mais acentuado da concentração de ácido ascórbico no produto condicionado à temperatura de 35 °C quando comparado ao condicionado a 25 °C, que demonstrou o efeito de aceleração da degradação do ácido ascórbico pela estocagem à temperatura mais elevada5.

3.2 Avaliação da cor

Os resultados obtidos na avaliação instrumental de cor, luminosidade (L*), vermelho (a*) e amarelo (b*), do suco de maracujá acondicionado nas latas com diferentes sistemas de envernizamento interno, para as duas condições de estocagem, são apresentados nas Figuras 2 a 4.


Em análise estatística ANOVA, realizada para os parâmetros luminosidade, vermelho e amarelo, para os resultados obtidos durante os 360 dias de estocagem do suco, verificou-se que foi significativo (p < 0,05) o efeito do tempo de estocagem na alteração dos parâmetros de cor avaliados. Não foi observada diferença significativa entre os três sistemas de envernizamento interno e entre as temperaturas.

A partir dos 120 dias de estocagem ocorreu um decréscimo da luminosidade e um aumento do vermelho e do amarelo, mantendo-se estável entre os 120 e 300 dias de estocagem, como observado nas Figuras 2 a 4, indicando o escurecimento do suco, provavelmente associado às alterações ocasionadas ao ácido ascórbico. Nas fases finais de decomposição do ascorbato há formação de compostos ou precursores de sabor, que resultam na formação de pigmentos de cor caramelo, os quais contribuem para o escurecimento não enzimático5,9.

Posteriormente, entre os 300 e 360 dias de estocagem, houve um aumento da luminosidade e decréscimo do vermelho e do amarelo, indicando a descoloração do suco, a qual já era esperada como resultado das possíveis alterações de degradação dos carotenóides. Os carotenóides são compostos lipossolúveis moderadamente estáveis ao calor e sujeitos à perda de cor por oxidação, sendo facilmente catalisados pela presença de duplas ligações em sua cadeia. Em processos que envolvem tratamento térmico, como no caso do suco estudado, o b-caroteno sofre isomerização da forma trans para cis. A formação dos isômeros cis por vezes não afeta a cor do produto, mas sim a atividade pró-vitamínica deste composto, alterando as características nutricionais do produto. A degradação do b-caroteno, que resulta em alteração de cor, também é esperada quando se submete o produto a longo tempo de estocagem1,5.

Apesar do desempenho similar do parâmetro cor entre os produtos acondicionados nos três diferentes sistemas de envernizamento interno, sabe-se que íons metálicos, como o ferro proveniente do material da embalagem, agem como catalisadores de processos oxidativos em compostos como os carotenóides presentes no suco, que caracterizam a cor do produto.

3.3 Avaliação sensorial periódica

Os resultados da avaliação sensorial dos atributos de aroma, sabor e perda da qualidade do suco de maracujá acondicionado nas diferentes latas e temperaturas e do suco referência, nas épocas inicial e final de estocagem, são apresentados nos gráficos da Figura 5.


A análise estatística (p < 0,05) dos resultados obtidos para os atributos sensoriais, avaliando as interações entre os tipos de latas, tempo e temperatura de estocagem, mostrou que os efeitos do tempo e da temperatura influenciaram na alteração de todos os atributos avaliados no suco durante o período de estocagem.

Os resultados dos atributos avaliados durante os 420 dias de estocagem indicaram que o suco de maracujá apresentou perda de aroma, sabor característico e qualidade global nas três latas, principalmente à temperatura de 35 °C, mantendo, no entanto, a qualidade global aceitável para consumo.

O limite mínimo de percepção do sabor metálico no suco de maracujá pronto para beber pela equipe de provadores treinados foi de 20 mg.kg –1 (ppm) de ferro. Os teores deste metal determinados no suco de maracujá aos 360 dias de estocagem estavam na ordem de 15 mg.kg –1 (ppm), os quais eram inferiores aos percebidos pelos provadores treinados. Apesar dos teores de metais apresentarem-se baixos, os provadores atribuíram notas mais elevadas para este atributo, principalmente para os sucos da lata Pó (2,2 para 35 °C e 1,9 para 25 °C).

O desempenho inferior da lata Pó em relação a este parâmetro, observado em relação às demais latas, provavelmente foi associado à menor camada de verniz aplicada no corpo e também pela ocorrência de defeitos verificados na solda elétrica. Estes defeitos podem ter ocorrido pela produção das latas Pó em escala piloto, diferente das demais, que não permitiu realizar um controle eficiente da condição de soldagem antes da aplicação do verniz em Pó, acarretando a exposição metálica e propiciando, assim, as reações de interação lata/produto e conseqüentemente maior dissolução metálica.

Os resultados da determinação de metais nos sucos e da avaliação do atributo sabor metálico indicaram que as notas de perda de qualidade atribuídas ao suco de maracujá, na avaliação sensorial realizada ao final da estocagem, provavelmente ocorreram em função da degradação natural das características iniciais do próprio suco e não pelo desenvolvimento de sabor metálico.

A presença de sabores estranhos no suco foi percebida por alguns provadores, sendo que quando identificados foram denominados como sabores de "suco cozido" ou "fruta-passada". Essa percepção ocorreu para os produtos de todos os tipos de latas e condições de estocagem, sendo provavelmente atribuídos aos sucos devido à perda do frescor em relação à amostra referência.

De um modo geral, a avaliação sensorial demonstrou um desempenho similar para todas as latas, sendo um pouco inferior apenas na lata Pó. A avaliação estatística dos resultados (p < 0,05) não demonstrou diferenças significativas entre os diferentes tipos de latas estudados ao longo dos 420 dias de estocagem.

3.4 Teste de aceitação

As amostras reprovadas pelos provadores treinados na avaliação sensorial e avaliadas pelo teste de aceitação foram os sucos das latas Pó 25 °C, Pó 35 °C e Repair 25 °C, as quais receberam, respectivamente, notas 4,1, 4,8 e 4,2 para o atributo perda de qualidade. As latas Normal 25 °C, Normal 35 °C e Repair 35 °C receberam, respectivamente, notas 3,8, 3,3 e 3,7 para o atributo perda de qualidade.

Os resultados obtidos no teste de aceitação realizado por consumidores não treinados com as amostras Repair 25 °C, Pó 25 °C e Pó 35 °C aos 420 dias de estocagem, estão apresentados na Tabela 3.

A avaliação estatística ANOVA (p < 0,05) realizada nos resultados do teste de aceitação indicou que o suco acondicionado na lata Pó condicionada a 35 °C apresentou menor preferência, sendo rejeitada por 40,8% dos provadores. Em seguida encontra-se o suco acondicionado na lata Repair 25 °C, reprovada por 16,3% dos provadores e finalmente a amostra Pó 25 °C, com reprovação de apenas 12,2% dos provadores.

4 Conclusões

O estudo realizado permitiu verificar que a degradação do ácido ascórbico (vitamina C) no suco de maracujá acondicionado nas latas de três peças em folha-de-flandres eletrossoldadas ocorreu principalmente nos primeiros 15 dias de estocagem, para ambas as temperaturas de estocagem e em todas as variáveis de envernizamento interno das latas, mantendo-se o teor desta vitamina praticamente constante a partir dos 180 dias de estocagem.

Foram observadas ligeiras alterações de cor no suco de maracujá ao longo do período de estocagem, caracterizadas por leve escurecimento do suco até 120 dias e posteriormente por uma leve descoloração entre os 300 e 360 dias de estocagem, os quais foram associados aos processos de degradação intrínsecos do suco, não sendo relacionados à interação do produto com a embalagem.

As avaliações sensoriais indicaram que ao término dos 360 dias previstos de estocagem, o suco apresentava boas condições de consumo, para todas as variáveis de temperatura e latas avaliadas, demonstrando que os três sistemas podem ser utilizados para acondicionamento de suco de maracujá pronto para beber, garantindo que, do ponto de vista de qualidade sensorial, a bebida apresente uma vida-de-prateleira mínima de um ano.

Agradecimentos

À Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo suporte financeiro ao projeto.

Às pesquisadoras científicas Marta Gomes da Silva e Valéria Delgado Anjos do Instituto de Tecnologia de Alimentos pela colaboração na realização de ensaios no produto.

Aceito para publicação em 30/3/2007 (002109)

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  • *
    A quem a correspondência deve ser enviada
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      30 Mar 2007
    • Recebido
      29 Nov 2006
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