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Impacto dos itens da especificação do açúcar na indústria alimentícia

Sugar specification parameters and their impact on the food industry

Resumos

Este trabalho apresenta de forma resumida a origem e a importância de alguns dos itens que fazem parte da especificação do açúcar cristal produzido no Brasil, bem como associa alguns destes parâmetros de qualidade aos impactos ou efeitos que eles trazem para a indústria alimentícia em geral. Em algumas ocasiões o atendimento aos limites máximos ou mínimos assumidos na especificação do produto pode ser ajustado durante o processo de produção do açúcar, e para alguns parâmetros são indicadas oportunidades para pesquisa e desenvolvimento, em uma parceria Indústria-Universidade.

açúcar; especificação de açúcar; qualidade de açúcar; indústria alimentícia


This paper presents a summary of the origin and importance of some items included in the specification of crystal sugar produced in Brazil, as well as to show a brief association of these quality parameters with the impacts or effects that they bring to the food industry in general. In some cases, reaching maximum and minimum limits assumed in the product specification can be achieved by process adjustments and for some parameters, opportunities for research and development in partnership between Industries and Universities are suggested.

sugar; sugar specification; sugar quality; food industry


Impacto dos itens da especificação do açúcar na indústria alimentícia

Sugar specification parameters and their impact on the food industry

Danilo Tostes OliveiraI, * * A quem a correspondência deve ser enviada ; Maria Madalena Mangue Esquiaveto; José Felix Silva Júnior

1 Cooperativa de Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo – COPERSUCAR, Av. Sargento Pessoto, 25, Vila Camargo, CEP 13486-083, Limeira - SP, Brasil, E-mail: dtoliveira@copersucar.com.br

RESUMO

Este trabalho apresenta de forma resumida a origem e a importância de alguns dos itens que fazem parte da especificação do açúcar cristal produzido no Brasil, bem como associa alguns destes parâmetros de qualidade aos impactos ou efeitos que eles trazem para a indústria alimentícia em geral. Em algumas ocasiões o atendimento aos limites máximos ou mínimos assumidos na especificação do produto pode ser ajustado durante o processo de produção do açúcar, e para alguns parâmetros são indicadas oportunidades para pesquisa e desenvolvimento, em uma parceria Indústria-Universidade.

Palavras-chave: açúcar; especificação de açúcar; qualidade de açúcar; indústria alimentícia.

ABSTRACT

This paper presents a summary of the origin and importance of some items included in the specification of crystal sugar produced in Brazil, as well as to show a brief association of these quality parameters with the impacts or effects that they bring to the food industry in general. In some cases, reaching maximum and minimum limits assumed in the product specification can be achieved by process adjustments and for some parameters, opportunities for research and development in partnership between Industries and Universities are suggested.

Keywords: sugar; sugar specification; sugar quality; food industry.

1 Introdução

Açúcar é alimento. Portanto, deve ser produzido, embalado e armazenado como tal, para chegar ao consumidor final mantendo esta característica básica.

É fundamental manter completa rastreabilidade na cadeia produtiva para garantir total segurança no uso do produto, qualquer que seja sua posterior utilização.

Para garantir um alto nível de qualidade do açúcar, é também de fundamental importância manter durante o processo de produção um controle rigoroso dos diversos itens da especificação do produto, com aplicação direta dos conceitos de BPF, APPCC, etc.

Alguns dos diferentes tipos e/ou nomes comerciais de açúcares produzidos e ofertados no mercado (Tabela 1) procuram seguir este princípio e, dentro deste contexto, são comentados, a seguir, os itens de qualidade considerados mais relevantes.

2 Material e Métodos

2.1 Polarização ou Pol ( ºZ)

A polarização do açúcar oficialmente expressa em ºZ (graus Zucker) define a porcentagem de sacarose no açúcar, cujo valor para açúcar de consumo direto é sempre superior a 99,7%. É considerado um produto de elevadíssima pureza, similar até mesmo a alguns produtos farmacêuticos, uma vez que os 0,3% de "impurezas" presentes correspondem a glicose/frutose (0,04%), água (0,04%), sais minerais (0,05%), outros sacarídeos (0,04%), sendo o restante constituído pela pequena participação de polissacarídeos, amido, partículas sólidas minúsculas, compostos coloridos das células e da casca da cana, etc.

Açúcares com teores de sacarose inferior a 99,5% são basicamente utilizados como matéria-prima para posterior refino e nunca são consumidos diretamente, exceto nos casos de açúcar mascavo, rapadura, etc.

2.2 Cor (U.I): unidades ICUMSA

O item denominado Cor, talvez o principal item de caracterização da qualidade do açúcar, mede a maior ou menor capacidade de passagem da luz através de uma solução de açúcar na concentração de 50%, em um comprimento de onda definido (420 nm).

Na sua quase totalidade, a indústria alimentícia utiliza açúcares classificados com cor <45 U.I, <100 U.I, <150 U.I, <200 U.I, e menor que 400 U.I. (Tabela 1), cuja escala ascendente indica visualmente um amarelecimento do cristal.

Apesar de não se ter uma correlação direta em virtude da presença de outros componentes no açúcar, sempre se associa um açúcar de menor cor a uma melhor qualidade do produto.

É bem conhecido o impacto que um açúcar de maior cor traz para produtos acabados que tem na sua cor ou transparência o diferencial de mercado, tais como: refrigerantes, bebidas alcoólicas amargas, balas refrescantes, fármacos, sorvetes, entre outros.

Açúcares que são comercializados como matéria-prima para posterior re-processamento, também mantêm uma relação direta entre cor e custos, com açúcares de menor cor representando menores custos industriais.

2.3 Resíduo insolúvel (mg.kg-1)

Este item caracteriza as partículas insolúveis presentes no açúcar, retidas em uma membrana de 8 µ e com seu teor expresso em mg.kg -1. São identificadas como: partículas minúsculas de bagaço, sílica, sais minerais, gomas, partículas magnetizáveis, açúcar carbonizado, etc.

O teor de insolúveis varia de 10 a 60 mg.kg -1 nos diferentes tipos de açúcar e determinadas metodologias são também classificados através de um escala visual comparativa de 0 a 10. As diferentes características das partículas presentes (densidade, composição, etc.) não permitem estabelecer uma boa correlação estatística entre as duas escalas.

A presença destas partículas no produto acabado pode ser percebida sensorialmente pela língua (balas, doces, sorvete, comprimidos, etc.) ou visualmente (licores, refrigerante, isotônicos e líquidos transparentes), criando a imagem de um produto acabado de má qualidade ou até mesmo deteriorado.

Acrescenta-se ainda que, quando em alguns processos de reprocessamento, em que o açúcar é dissolvido e posteriormente filtrado, estas partículas também contribuem parcialmente para redução do ciclo de operação dos filtros.

2.4 Partículas magnetizáveis (mg.kg -1)

Partículas magnetizáveis presentes no açúcar são provenientes das partes metálicas dos equipamentos de processo, e representam aquelas partículas que escaparam dos sistemas de separação magnética instalados nas usinas. Campos magnéticos de até 8.000 Gauss não têm sido suficientemente eficientes para a completa eliminação destas partículas, na sua maioria com dimensões inferiores a 1 mm.

O limite de detecção dos métodos analíticos disponíveis é da ordem de 0,5 ppm, o que, em alguns casos, é insuficiente para garantir um controle de qualidade mais rigoroso.

O maior impacto da presença destas partículas ocorre em alimentos mastigáveis como balas, caramelos, chocolates, podendo, em alguns casos, ser até mesmo responsáveis por uma operação de recall.

2.5 Dióxido de enxofre (mg.kg -1)

O enxofre é um dos agentes de branqueamento do açúcar de mais baixo custo, razão pela qual é ainda utilizado em vários países consumidores de açúcar branco direto (América do Sul, Egito, Paquistão, Índia, entre outros).

Alternativas técnicas existem para a produção de açúcar branco sem enxofre, porém todas elas irão sem dúvida, elevar o custo do produto acabado.

O Codex Alimentarius estabelece um limite de 15 mg.kg -1 em açúcar branco para consumo direto e movimentos internacionais existem na direção de reduzir este teor a 10 mg.kg -1.

No passado, a presença de elevados teores de SO2 no açúcar era responsável pela oxidação interna das embalagens metálicas e tampas de frascos de vidro.

Atualmente a principal preocupação ou tendência para a eliminação do enxofre no açúcar está associada a possíveis efeitos alergênicos, sentidos por uma pequena porcentagem de pessoas.

2.6 Amido (mg.kg -1)

O amido, produzido pela cana e presente nas folhas, internódios e pontas da cana, é somente parcialmente removido no processo de fabricação do açúcar, e parte dele se deposita no interior dos cristais de açúcar, processo que se agrava no caso da moagem de cana crua (sem queimar).

Teores de amido nas diversas variedades de cana no Brasil variam entre 150 e 600 ppm, podendo aparecer no produto acabado nos mais variados níveis, dependendo do processo de tratamento do caldo praticado.

A proporção entre amilose/amilopectina nas canas cultivadas no Brasil é pouco conhecida, assim como também é pouco conhecida a proporção destes componentes no amido presente no açúcar final.

Qual destes dois componentes tem impacto direto neste ou naquele segmento da indústria alimentícia não tem sido muito estudado. Falta investigação, existe desconhecimento de metodologia analítica adequada para caracterizar o problema, e é sempre mais fácil exigir do seu fornecedor um açúcar com baixo teor de amido. É um campo aberto para estudos através de parcerias indústrias e universidades.

O seu maior impacto na indústria alimentícia é associado com a maior dificuldade de filtração das soluções de açúcar, similares ao efeito citado no item anterior para resíduos insolúveis.

2.7 Dextrana (mg.kg -1)

A dextrana, um dos polissacarídeos mais conhecido e considerado dos mais problemáticos, é constituída de mais de 50% de moléculas de glicose ligadas linearmente na posição α – (1→ 6), sendo formada pela ação de microorganismos que atuam sobre a cana, seja ainda no campo ou no processamento do caldo extraído.

Em outras palavras, é um produto de deterioração da sacarose pela ação do microorganismo Leuconostoc mesenteroides, e não exatamente originária da cana de açúcar.

A experiência tem demonstrado que, uma vez presente, a melhor forma de eliminação da dextrana é a aplicação, durante a fabricação de açúcar, de enzimas tipo dextranase, que atuam no rompimento da elevada cadeia carbônica em compostos de menor peso molecular. O elevado preço das dextranases disponíveis no mercado tem um impacto direto no preço do açúcar final.

Como um dos principais efeitos na indústria, este polissacarídeo contribui para aumentar a viscosidade das soluções açucaradas, ou ainda pela alteração da viscosidade impede o endurecimento de balas dificultando a sua embalagem, aumenta o efeito "puxa – puxa" em barras de cereais, tem forte impacto na filtração de caldas de açúcar, entre outros.

2.8 Granulometria (AM = 0,5-0,8 mm) e (CV = 24-35%)

O controle da cristalização do açúcar define o tamanho médio do cristal (AM) e a sua uniformidade (CV), e pode-se dizer que poucos tipos de açúcar são produzidos com granulometria controlada para atender a segmentos especiais do mercado.

Em geral, o maior impacto da granulometria ocorre nas misturas sólidas (refrescos em pó), coberturas em geral (bolos, biscoitos) e com menor influência quando o açúcar é utilizado na forma dissolvida. Nestas ocasiões, cristais menores dissolvem mais rapidamente, podendo acelerar o processo ou facilitar a operação.

A não uniformidade do cristal reflete muitas vezes na calibração de sistemas dosadores, levando à necessidade de maior freqüência de reajustes. Como efeito adicional, acrescenta-se que cristais de açúcar uniformes com arestas bem formadas e não arredondadas, refletem mais a luz (como os diamantes), e causam a sensação visual de um açúcar mais branco.

Cristais de açúcar menores têm também uma maior higroscopicidade o que leva à ocorrência de maiores tendências de empedramento do produto.

Acrescenta-se ainda que, para um mesmo volume de açúcar, o tamanho do cristal influencia na dosagem estabelecida, podendo alterar o dulçor final, ou até mesmo comprometer o enchimento de embalagens de volumes bem definidos (densidade aparente variável).

2.9 Metais: Cu++, Fe++, Pb+++, As++ (mg.kg -1)

Os principais metais analisados no açúcar são Cu++, Pb+++ e As++ pela sua toxidez, e o Fe++ pela sua participação em reações secundárias de amarelecimento do produto.

É bem conhecido ser o Fe++ um agente ativo em reações químicas com os compostos fenólicos presentes no açúcar, o que pode levar a um aumento de cor do produto acabado.

Este fato exige que fabricantes de bebidas transparentes ou aqueles que têm na cor do produto o seu marketing procurem manter um controle rigoroso deste componente de forma a garantir o shelf-life do produto final.

Sorvetes de cor branca sofrem menor influência deste efeito, uma vez que a baixa temperatura é um fator preponderante na inibição das reações de desenvolvimento de cor.

2.10 Floco ácido e floco alcoólico (ausente)

A presença ou ausência destes componentes no açúcar está diretamente relacionada com a variedade de cana processada, período de ano, condições climáticas, etc., e tem sido um grande desafio em todo o mundo, a produção de um açúcar totalmente isenta destes polissacarídeos.

O aparecimento de flocos (precipitados esponjosos, "fios de algodão", etc.) principalmente em refrigerantes transparentes, causa a falsa impressão de produto deteriorado ou contaminado.

Estes flocos, originados pela presença de resíduos de polissacarídeos da cana, em nada afetam o produto acabado além do aspecto visual, são totalmente redissolvidos mediante ligeira agitação do frasco, e também podem voltar a se formar após 2-3 meses de vida de prateleira.

2.11 Resíduos de agrotóxicos (mg.kg -1)

O cultivo da cana de açúcar, em larga escala comercial sem o emprego de agrotóxicos (pesticidas, herbicidas maturadores, etc.) é possível, porém tornaria a comercialização do açúcar impraticável nos preços atuais do mercado.

Atualmente, mais de 40 princípios ativos dos produtos químicos aplicados na cana de açúcar são analisados no produto acabado, e os resultados indicam, para estes resíduos, valores abaixo do limite de detecção do método atualmente em uso, atendendo plenamente aos limites em mg.kg -1, estabelecidos pelo Codex Alimentarius e ANVISA.

3 Conclusões

Em resumo, a produção industrial de grandes volumes de açúcar a partir de uma matéria-prima extremamente variável (são cultivadas no Brasil mais de 50 variedades comerciais), plantada em solos de composição múltipla (identificadas mais de 20 diferentes texturas de solo, desde latosol roxo estruturado até uma areia quartzoza), insuficiente e/ou inadequado controle de processo de produção, falta de capacitação técnica da mão-de-obra disponível, entre outros, são fatores que contribuem para a dificuldade de se ter um produto único que atenda às exigências dos diferentes segmentos da indústria alimentícia.

A utilização de açúcar refinado nos diversos países do mundo, produzido a partir da redissolução do açúcar cristal e posterior purificação e recristalização, minimiza para os diversos segmentos da indústria alimentícia uma grande parte dos problemas apresentados, evidentemente a um custo mais elevado.

Por outro lado, no maior país produtor de açúcar do mundo, é bem conhecida a carência de estudos voltados para o açúcar, seja em nível de pesquisa aplicada ou em nível de mestrado ou doutorado, o que poderia ser uma excelente contribuição para a indústria alimentícia em geral.

  • 1
    CC-DE 048. Documento interno Copersucar não divulgáve, 2005/2006, p. 3-5, Março/2006.
  • 2. HOG-JUN, F. White Sugar quality Improvement in China. International Sugar Journal, v. 97 n. 11158, p. 272-274, 1981.
  • 3. TERMAMYL 120 L. Product Sheet Enzyme Business. Novo Nordisk, p. 1-3, 1995.
  • 4. DEXTRANASE PLUS L. Product Sheet Enzyme Business. p. 1-2, 1995.
  • *
    A quem a correspondência deve ser enviada
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2007
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