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Método acelerado de processamento de presunto cru

Accelerated method of dry-cured ham processing

Resumos

Nos métodos tradicionais de elaboração de presunto cru usa-se o pernil suíno inteiro, diferentemente da metodologia proposta neste trabalho, que combinou desossa, adição de transglutaminase, massageamento e moldagem das peças previamente à secagem e maturação, objetivando reduzir o tempo de processamento do produto. Avaliaram-se os efeitos de dois teores de NaCl adicionados (T1 - 3,5% e T2 - 5%), sobre características físico-químicas e microbiológicas dos presuntos crus ao longo do processo, além da avaliação sensorial dos produtos finais. Os presuntos crus obtidos atenderam aos padrões físico-químicos e microbiológicos determinados na legislação brasileira e não foram encontradas diferenças significativas (p < 0,05) entre os tratamentos quanto aos parâmetros avaliados no decorrer do processo e no produto final, com exceção da perda de peso, que foi maior em T1 (39,74 ± 4,02%) do que em T2 (37,22 ± 2,96%). Os presuntos crus desenvolvidos apresentaram formato e espessura apropriados para o fatiamento, excelente aparência, aroma característico e um sabor considerado muito próximo ao dos presuntos crus tradicionais comumente encontrados no mercado brasileiro, obtendo em torno de 80% de aceitação pelos consumidores.

carne suína; transglutaminase; desossa; moldagem


The traditional methodologies of dry-cured ham production use the entire ham, differently from the one proposed in this study that combined boning, addition of transglutaminase, and tumbling and moulding before the drying and ageing stages. The effects of two levels of added NaCl (T1 - 3.5% and T2 - 5%) on the physicochemical and microbiological characteristics of dry-cured hams during the process and the sensory analyses of the final products were evaluated. The dry-cured hams met the physicochemical and microbiological standards of the Brazilian legislation, and no significant differences (p < 0.05) were found between the two treatments in the parameters evaluated during the process and in the final products, except for the weight loss, which was higher in T1 (39.74 ± 4.02%) than in T2 (37.22 ± 2.96%). The shape and thickness of the dry-cured hams prepared in this research were adequate to slicing, and they had excellent appearance, typical aroma, and flavor similar to traditional dry-cured hams usually found in the Brazilian market receiving about 80% of acceptance by consumers.

pork; boning; transglutaminase; moulding


ORIGINAL

Método acelerado de processamento de presunto cru

Accelerated method of dry-cured ham processing

Walter Bergamin FilhoI; Marcela de Rezende CostaI; Pedro Eduardo de FelícioI; Expedito Tadeu Facco SilveiraII, * * A quem a correspondência deve ser enviada

IDepartamento de Tecnologia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, Rua Monteiro Lobato, n. 80, CP 6121, CEP 13083-862, Campinas - SP, Brasil

IIInstituto de Tecnologia de Alimentos, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Carnes, Av. Brasil, n. 2880, CEP 13070-178, Campinas - SP, Brasil, E-mail: tfacco@ital.sp.gov.br

RESUMO

Nos métodos tradicionais de elaboração de presunto cru usa-se o pernil suíno inteiro, diferentemente da metodologia proposta neste trabalho, que combinou desossa, adição de transglutaminase, massageamento e moldagem das peças previamente à secagem e maturação, objetivando reduzir o tempo de processamento do produto. Avaliaram-se os efeitos de dois teores de NaCl adicionados (T1 - 3,5% e T2 - 5%), sobre características físico-químicas e microbiológicas dos presuntos crus ao longo do processo, além da avaliação sensorial dos produtos finais. Os presuntos crus obtidos atenderam aos padrões físico-químicos e microbiológicos determinados na legislação brasileira e não foram encontradas diferenças significativas (p < 0,05) entre os tratamentos quanto aos parâmetros avaliados no decorrer do processo e no produto final, com exceção da perda de peso, que foi maior em T1 (39,74 ± 4,02%) do que em T2 (37,22 ± 2,96%). Os presuntos crus desenvolvidos apresentaram formato e espessura apropriados para o fatiamento, excelente aparência, aroma característico e um sabor considerado muito próximo ao dos presuntos crus tradicionais comumente encontrados no mercado brasileiro, obtendo em torno de 80% de aceitação pelos consumidores.

Palavras-chave: carne suína; transglutaminase; desossa; moldagem.

ABSTRACT

The traditional methodologies of dry-cured ham production use the entire ham, differently from the one proposed in this study that combined boning, addition of transglutaminase, and tumbling and moulding before the drying and ageing stages. The effects of two levels of added NaCl (T1 - 3.5% and T2 - 5%) on the physicochemical and microbiological characteristics of dry-cured hams during the process and the sensory analyses of the final products were evaluated. The dry-cured hams met the physicochemical and microbiological standards of the Brazilian legislation, and no significant differences (p < 0.05) were found between the two treatments in the parameters evaluated during the process and in the final products, except for the weight loss, which was higher in T1 (39.74 ± 4.02%) than in T2 (37.22 ± 2.96%). The shape and thickness of the dry-cured hams prepared in this research were adequate to slicing, and they had excellent appearance, typical aroma, and flavor similar to traditional dry-cured hams usually found in the Brazilian market receiving about 80% of acceptance by consumers.

Keywords: pork; boning; transglutaminase; moulding.

1 Introdução

As metodologias de processamento dos presuntos crus diferem em vários aspectos desde a matéria-prima, como raça, sistema de alimentação e idade de abate dos suínos, teor de gordura, peso e grupos musculares dos pernis, até as técnicas de processamento propriamente ditas, como tipo de cura e condições/duração das etapas de repouso, secagem e maturação (ARNAU, 1998).

Dentre os principais sistemas de elaboração de presuntos crus encontram-se o Presunto Serrano (TOLDRÁ; FLORES, 1998; ARNAU; GOU, 2001), o Presunto Ibérico (CÓRDOBA et al., 1994; ANDRÉS et al., 2004), o Presunto Parma (PAROLARI, 1996; PALMIA et al., 1992) e o Presunto Francês (BUSCAILHON; BERDAGUÉ; MONIN, 1993). Todos esses utilizam pernis inteiros, com couro e ossos, e o tempo necessário para se chegar ao produto final varia entre 10 e 24 meses. Vários procedimentos como remoção dos ossos (KEMP et al., 1980), tenderização (MARRIOT et al., 1985) e massageamento (LEAK et al., 1984; MARRIOT et al., 1987) já foram estudados para redução do tempo de fabricação. A remoção dos ossos foi o método considerado mais satisfatório para reduzir o tempo de processo sem alterar a qualidade sensorial dos presuntos crus.

A legislação brasileira (BRASIL, 2000) permite a elaboração de presuntos crus a partir de pernis inteiros ou de seus cortes. Assim, a desossa dos pernis, associada ao uso da transglutaminase (TG), uma enzima que vem sendo utilizada para reunificar músculos (MOTOKI; KUMAZAWA, 2000), poderia ser usada na fabricação de presuntos crus, visando a redução no tempo de processamento. Contudo, nenhum estudo sobre uso de TG para elaboração de presuntos crus foi encontrado na literatura disponível até o momento.

O objetivo deste estudo foi testar um novo conceito de elaboração de presuntos crus, utilizando desossa, cura individual dos principais grupos musculares do pernil suíno e reestruturação usando TG. Foram avaliados os efeitos de dois teores de NaCl adicionados (3,5 e 5,0%) em parâmetros físico-químicos e microbiológicos dos presuntos crus ao longo do processo, e em características sensoriais do produto final.

2 Material e métodos

2.1 Matéria-prima

Para a elaboração dos presuntos, foram utilizados pernis (peso médio = 14,23 ± 0,97 kg) de 32 animais provenientes de um cruzamento industrial com três raças de suínos (Landrace, Large White e Duroc), matéria-prima semelhante à utilizada na elaboração de presuntos tipo Parma.

2.2 Descrição do processo

Após a esfola e a desossa dos pernis, fez-se a separação de seus cinco principais cortes, os quais foram utilizados para elaboração dos presuntos crus: 1) patinho (Quadriceps femoris); 2) lagarto (Semitendinosus); 3) coxão duro (Biceps femoris e Gastrocnemius); 4) coxão mole (Semimembranosus, Adductor femoris e Gracilis); e 5) alcatra (Gluteus medius, G. accessorius e G. profundus). Foram realizados dois tratamentos variando os teores de cloreto de sódio (T1-3,5% e T2-5%). Além do NaCl, foram utilizados 400 ppm de nitrato de sódio e 200 ppm de nitrito de sódio. Esta mistura foi distribuída manualmente sobre os cortes que, em seguida, foram transferidos para uma câmara frigorífica, onde foram mantidos sobre prateleiras vazadas de aço inoxidável, sob condições de temperatura de 2,5 ± 1,31 °C e umidade relativa de 83,6 ± 2,75% por sete dias (Repouso). Após este período, fez-se a remoção do excesso de gordura externa dos cortes e a aplicação superficial de 1% de transglutaminase (Activa TG-B®, Ajinomoto) na forma de uma solução 25% e foi feito tumbling por 3 minutos a 7,5 rpm com a finalidade de homogeneizar a distribuição da enzima nos cortes. Para obtenção do formato desejado, fez-se a moldagem em forma de 5 kg para presunto cozido durante 24 horas a 4,5 ºC. Em seguida, os presuntos crus foram removidos das formas, embalados a vácuo e colocados novamente nas mesmas formas por 24 horas, a fim de diminuir a espessura das peças e facilitar a equalização do sal. Transcorrido o tempo, as embalagens foram removidas e os presuntos crus foram recolocados nas prateleiras da câmara frigorífica para Secagem (4,5 ± 0,85 °C e UR de 71,62 ± 1,75%) durante 21 dias. Decorrido este tempo, iniciou-se o período de Maturação. Nesta etapa, com duração de 90 dias, a temperatura da câmara foi elevada gradualmente em ± 1 °C a cada 10 dias. Os presuntos foram então embalados a vácuo e mantidos por 3 dias a 17 °C na câmara fria, para equalização da umidade no produto. Em seguida, as embalagens foram retiradas e a temperatura elevada para 27 °C por 2 dias, para acentuar os atributos sensoriais característicos de presunto cru. A temperatura foi reduzida para 15 °C por 24 horas e, finalmente, os presuntos crus foram embalados a vácuo e armazenados sob refrigeração.

2.3 Amostragem

Para as análises físico-químicas e microbiológicas da matéria-prima foram coletadas três amostras. Cada amostra foi constituída de duas subamostras de pernil (direito e esquerdo do mesmo animal), de 300 g de cada pernil. Em cada ponto de amostragem, descritos no item 2.4 e referentes às fases do processamento, foram coletados três pares de presunto. Cada peça foi dividida ao meio, sendo uma metade destinada às análises microbiológicas e a outra às físico-químicas.

A coleta de amostra para a contagem da microbiota superficial foi realizada através da técnica do esfregaço de superfície (SILVA; JUNQUEIRA; SILVEIRA, 2001). Para a obtenção da amostra destinada à contagem da microbiota interna, desprezou-se pelo menos um centímetro de toda superfície de cada presunto, restando assim a porção interna, a qual foi homogeneizada.

Quanto às determinações físico-químicas, realizou-se primeiramente a análise de atividade de água (aw), para evitar a perda de umidade da amostra. Para a leitura da aw superficial, retirou-se uma fatia de aproximadamente cinco milímetros da face cárnea (superfície sem a camada de gordura) do presunto cru. Em seguida, foram retiradas três fatias verticais do produto para leitura da aw interna. Em cada fatia, a determinação da aw foi feita em três sítios, formando uma diagonal. O ponto próximo à face cárnea foi denominado "Zona A", o ponto central da fatia, "Zona B", e o ponto próximo à face com a camada de gordura, "Zona C". O restante da peça foi homogeneizado para as demais análises físico-químicas.

2.4 Análises físico-químicas e microbiológicas

Quanto às análises físico-químicas, na preparação da matéria-prima foram realizadas análises de composição centesimal, teor de cloretos e pH. Durante o processo, os presuntos crus foram avaliados nos dias primeiro, décimo e vigésimo de secagem, e no trigésimo e sexagésimo dia de maturação quanto a aw, pH, teores de cloretos e de umidade. Já no produto final foram analisados composição centesimal, teor de cloretos, teores de nitrato e nitrito, pH e aw.

As análises de composição centesimal (teores de umidade, proteína, lipídios e resíduo mineral fixo), teor de cloretos, e teores de nitrito e nitrato foram realizadas de acordo com Instrução Normativa nº 20 de 21 de julho de 1999 do Ministério da Agricultura (BRASIL, 1999). Para mensuração do pH, fez-se medida direta nos pernis (matéria-prima) e nos presuntos crus com eletrodo tipo penetração (modelo DME-CF1, DIGIMED), utilizando peagâmetro DIGIMED modelo DM-21. A aw foi determinada utilizando-se um analisador AQUALAB modelo CX-2T.

Na preparação da matéria-prima, e no produto final foram realizadas as seguintes contagens microbiológicas: bolores e leveduras, mesófilos aeróbios totais, bactérias lácticas, Salmonella sp., Staphylococcus aureus, clostrídios sulfito-redutores, coliformes totais, Escherichia coli O157:H77 e Listeria monocytogenes, atendendo à legislação brasileira vigente. Durante o processo foram realizadas contagens de bolores e leveduras, microrganismos psicrotróficos e bactérias lácticas, no início e aos vinte dias de secagem, aos trinta e sessenta dias de maturação e ao final do processo.

As determinações de Listeria monocytogenes (ASSOCIATION OF OFFICIAL ANALYTICAL CHEMISTS, 2000), Salmonella sp. (ASSOCIATION OF OFFICIAL ANALYTICAL CHEMISTS, 2002) e Escherichia coli O157:H77 (ASSOCIATION OF OFFICIAL ANALYTICAL CHEMISTS, 1999) foram feitas pelo método da Polimerase Chain Reaction (PCR), utilizando o sistema BAX (Dupont/Qualicon). As demais determinações foram realizadas de acordo com as metodologias descritas no Compendium of Methods for the Microbiological Examination of Foods (DOWNES; ITO, 2001).

2.5 Análise sensorial

Um teste de localização central foi realizado com consumidores de presunto cru em um supermercado de Campinas-SP para avaliar a aceitação, preferência e intenção de compra em relação aos dois produtos elaborados. Os consumidores registraram suas notas de aceitação em relação à impressão global, aparência, aroma, sabor e textura em escala hedônica estruturada mista de 9 pontos (MEILGAARD; CIVILLE; CARR, 1999). Para a intenção de compra, foi utilizada uma escala estruturada verbal de 5 pontos, variando de "certamente compraria" a "certamente não compraria". Além dos testes de aceitação e de intenção de compra, foi realizado um teste de preferência dos consumidores em relação aos dois produtos avaliados.

2.6 Análise estatística

Os dados obtidos foram submetidos ao Teste T de Student, ao nível de 5% de significância, utilizando o programa SAS (SAS INSTITUTE, 1993).

3 Resultados e discussão

3.1 Parâmetros físico-químicos

A matéria-prima cárnea destinada à elaboração dos presuntos crus apresentou as seguintes características: teor de umidade de 73,48 ± 0,95%, teor de gordura de 3,49 ± 1,02%, teor de proteína de 21,93 ± 0,88%, teor de resíduo mineral fixo de 1,18 ± 0,03%, teor de cloretos de 0,13 ± 0,02% e pH 5,81 ± 0,06.

Os valores de proteína, umidade e gordura apresentados foram semelhantes aos obtidos por Virgili et al. (1998), que encontraram os seguintes valores na composição dos pernis utilizados para elaboração de presuntos Parma: proteína, 22,3%; umidade, 73,7%; e gordura, 3,89%. García-Rey et al. (2004) estudaram a relação entre o pH antes da salga e a qualidade do presunto cru espanhol, e classificaram o pH da matéria-prima como pH baixo, valores inferiores a 5,5, e pH normal, valores próximos de 5,8. Assim, os pernis utilizados na presente pesquisa apresentaram pH considerado normal.

Os resultados das análises físico-químicas dos presuntos crus maturados (Tabela 1) não apresentaram diferenças entre os tratamentos ao nível de 5% de significância, portanto, os dois teores de sal inicialmente adicionados (3,5 e 5%) não resultaram em diferenças nas características físico-químicas do produto final. Durante a salga, nem todo o sal adicionado foi incorporado na carne. Parte foi perdida nas bandejas de salga ou depois, através das prateleiras vazadas na câmara fria. Como no T2 mais sal foi adicionado, também mais sal foi perdido, o que provavelmente resultou na diferença não significativa de composição entre os tratamentos. O teor de cloretos nos presuntos após o período de salga, no dia 10 do processo, foi de 3,07 ± 0,23 e de 3,21 ± 0,35 (p > 0,05).

O sal promove maior solubilização proteica, aumentando a capacidade de retenção de água por capilaridade (OFFER; TRINICK, 1983). O valor mínimo para que a diferença entre os teores de umidade dos tratamentos fosse considerada significativa (p < 0,05) foi de 5,85 e a diferença observada foi de 4,39, sendo que T2 apresentou valor mais elevado (53,05 ± 2,38) em relação a T1 (48,65 ± 2,76), provavelmente devido à maior quantidade de sal incorporada no T2, embora o teor de cloretos não tenha apresentado diferença significativa entre os tratamentos.

Os dados apresentados atendem aos requisitos da legislação brasileira sobre os padrões de identidade e qualidade de presuntos crus (BRASIL, 2000). Segundo os regulamentos técnicos, produtos classificados como "Presuntos Crus" devem possuir no máximo 20% de gordura e no mínimo 27% de proteínas. Enquanto para ser considerado um presunto "Tipo Parma" ou "Tipo Serrano", o produto deve possuir no máximo 15% de gordura e no mínimo 27% de proteína.

Os resultados obtidos para os teores de nitrato e nitrito atendem aos limites estipulados pela legislação brasileira, cuja soma dos dois deve ser inferior a 300 mg.kg-1 de produto. Nos processos em que se usam somente nitratos, os teores de nitritos aumentam somente durante a fase de repouso e no início da secagem, especialmente nas zonas superficiais e praticamente desaparecem até o final desta última (ARNAU et al., 1995)

Toscani et al. (2000) estudaram os efeitos de três processos de fabricação (três diferentes fábricas), nas composições de presuntos Parma após 13 meses de processo e obtiveram diferenças nos parâmetros avaliados entre si. Os resultados variaram de 24,7 a 26,8% para proteína, de 5,3 a 6,9% para gordura, e de 59,5 a 62,9% para umidade.

Palmia et al. (1992), analisando as características físico-químicas dos músculos Semimembranosus e Biceps femoris de presuntos de Parma, observaram diferenças nos teores de cloretos, proteína e umidade entre os músculos. No músculo Semimembranosus, os valores de proteína variaram de 29,17 a 33,58%, entre 5,57 e 6,41% para cloretos e entre 48,64 e 51,54% para umidade. Já no músculo Biceps femoris, os valores de proteína variaram entre 28,40 e 31,95%, de 6,65 a 7,62% para cloretos e entre 53,15 e 55,95% para umidade.

Sánchez (2003) obteve teores de sal de 6,09 e 6,03% em presuntos crus elaborados sem e com cultura starter, respectivamente. Já Arnau et al. (1995), analisando pernis não desossados, obtiveram aos 122 dias de processo os seguintes valores de NaCl nos respectivos músculos: Semimembranosus, 6,9%; Gracilis, 2,9%; Biceps femoris, 5,9%; Semitendinosus, 4,2%; Gastrocnemius, 4%.

Apesar da composição dos produtos obtidos neste trabalho se enquadrarem nos requisitos da legislação brasileira de classificação de presunto cru, os valores de alguns parâmetros diferem da literatura internacional, pois as metodologias de fabricação apresentam diferenças desde o preparo da matéria-prima, tempo de processo, até a forma de apresentação do produto final.

Não foram encontradas diferenças significativas nos teores de umidade e de cloretos, e de pH entre os tratamentos (p < 0,05), em todos os pontos de amostragem no decorrer do processo (Tabela 2).

Durante o processamento de presuntos crus, ocorre perda de umidade e, como consequência, há aumento da concentração dos outros compostos, alterando as características físico-químicas e a composição centesimal dos produtos.

Arnau et al. (1995) concluíram que a distribuição de sal no pernil depende principalmente da distribuição de água, e que a concentração de salmoura tende a se equalizar nos músculos mais importantes com o decorrer do processo. De acordo com os autores, a concentração de sal do músculo Semimembranosus diminui durante a maturação, já que este segue em direção aos músculos mais úmidos, localizados mais internamente no pernil íntegro. Monin et al. (1997) observaram a mesma tendência de diminuição da concentração salina no músculo Semimembranosus, e aumento no músculo Semitendinosus, assim como no músculo Rectus femoris. A velocidade desta equalização pode ser reduzida pela presença de gordura ou de tecido conjuntivo ou de ossos, que podem atuar como barreiras físicas (ARNAU et al., 1995).

García Rey et al. (2004) verificaram que o pH do presunto se relaciona com o pH da matéria-prima, que pernis com pH baixo (5,41) dão origem a presuntos com pH baixo (5,86), e pernis com pH normal (5,79) originam produtos com pH normal (6,04). O pH final dos presuntos crus nos processos tradicionais (> 6,0) é atribuído às reações proteolíticas, como consequência da hidrólise de aminoácidos e da exposição de grupos básicos. Essa tendência não foi constatada no presente estudo, no qual, a partir de pernis com pH normal, foram obtidos produtos com pH mais baixo (~5,60). O curto período de maturação e as temperaturas abaixo dos 16 °C durante quase todo o processo podem ter retardado a ação enzimática, não levando ao aumento do pH. A velocidade da proteólise também pode ter sido reduzida pela ação do sal, já que os cortes cárneos foram salgados individualmente, levando a uma distribuição de sal mais uniforme nas peças, o que não acontece nos processos tradicionais, nos quais o sal demora a se difundir até as porções mais internas do pernil. Ao contrário do que normalmente é observado nos produtos tradicionais, neste estudo, o pH diminuiu ao longo do processo, o que provavelmente se deve à ação das bactérias lácticas, cujas contagens atingiram de 1,13 a 1,70 × 106 UFC.g-1 nos presuntos maturados de T1 e T2, respectivamente (Tabela 5).

Os pHs finais dos presuntos crus dos tratamentos T1 e T2 foram 5,60 e 5,56, respectivamente. Arnau et al. (1995) estudaram mudanças no pH em diferentes músculos de presuntos normais e PSE durante o processamento, como Vastus medialis, V. lateralis, V. intermedius, Rectus femoris, Gastrocnemius, Semitendinosus, Biceps femoris, Semimembranosus, Gracilis e Gluteus. De todos os valores finais de pH destes músculos após 207 dias de processo, o menor foi 6,2 nos músculos Semitendinosus, Semimembranosus e Biceps femoris.

Sánchez (2003) estudou os efeitos do uso de cultura iniciadora e da aplicação de gordura fundida sobre os presuntos crus para evitar a perda excessiva de umidade durante a maturação, e obteve pHs ao redor de 5,7 nos músculos Semimembranosus dos presuntos crus, o que foi atribuído ao menor grau de proteólise causado pela secagem excessiva na superfície.

Nos processos tradicionais de fabricação de presunto Serrano, somente partes do couro e da gordura subcutânea são removidas do pernil (ARNAU; GOU, 2001), o que não aconteceu no processo acelerado utilizado neste trabalho, em que todo o couro e parte da gordura subcutânea foram retirados. A ausência destes favoreceu a secagem e a redução da aw para os valores finais desejados. Os valores finais de aw obtidos em ambos os tratamentos, atendem aos requisitos da legislação brasileira sobre os padrões de identidade e qualidade de presuntos crus (BRASIL, 2000), os quais devem ser inferiores a 0,92.

No decorrer do processo há concentração do teor de NaCl no produto devido à redução do teor de umidade decorrente das perdas por evaporação. Com o aumento da concentração salina, há redução dos valores de aw (Tabela 3). A absorção de sal e a desidratação são consideradas as principais responsáveis pela estabilidade dos presuntos crus (GOU; COMAPOSADA; ARNAU, 2004), pois ambas contribuem para a aw final do produto.

Os valores de aw não foram homogêneos nas diferentes zonas de amostragem dos produtos durante o processamento, com o centro das peças (zona B) tendendo a apresentar os valores mais elevados. Só ao final do processo, quando os presuntos crus foram embalados a vácuo, a umidade e os valores de aw se tornaram uniformes em toda a peça.

Com relação à perda de peso acumulada ao final do processo (Tabela 4), observa-se que T1 apresenta um valor significativamente (p < 0,05) superior a T2. Em baixas concentrações, como as utilizadas neste trabalho, o sal faz com que a carne retenha a maior quantidade de água (OFFER; TRINICK, 1983) e, como a concentração final de sal do tratamento T2 foi levemente superior, isso pode ter acarretado em maior retenção de água e menores perdas de peso nestes presuntos crus.

Os valores de perda de peso ao final do processo foram similares aos encontrados em outros trabalhos, apesar do tempo de processamento ser menor. Para Barroso e López (2001), a perda de peso média do presunto Ibérico ao final do processo foi de 32% e Sánchez (2003) obteve valores de 36,7% em presuntos Serranos elaborados com cultura iniciadora. Já Palmia et al. (1992), avaliando as perdas de peso durante todo o processamento de presuntos crus, obtiveram os seguintes resultados: 4,82% aos 27 dias; 9,44% aos 55 dias; 14,89% aos 96 dias; e 28,38% aos 392 dias (final do processo).

3.2 Análises microbiológicas

Os resultados obtidos quanto ao perfil microbiológico da matéria-prima e dos produtos finais (Tabela 5) mostram que ela se encontrava de acordo com os padrões microbiológicos para o produto estudado, segundo RDC nº12 de 2001 da Agência Nacional da Vigilância Sanitária (BRASIL, 2001). Não foi verificada a presença de patógenos importantes para a saúde pública, como as bactérias Clostridium perfringens; E. coli O157:H7 e de Listeria monocytogenes.

As principais barreiras utilizadas no processamento (d, temperatura, nitrificantes) foram eficazes na manutenção da segurança microbiológica do produto para o consumidor. Inclusive a contagem de psicrotróficos, que incluem microrganismos deteriorantes de alimentos refrigerados, ficou no nível de 103 UFC.g-1, considerado baixo (SILVA; JUNQUEIRA; SILVEIRA, 2001). A população de fungos encontrada constitui-se basicamente de leveduras. Estas têm temperatura ótima de crescimento em torno de 25 °C, podendo se desenvolver sob temperaturas de refrigeração. Conforme esperado, a contagem final de fungos ficou no nível de 104 a 105 UFC.g-1, mesmos valores encontrados por Núñez et al. (1996). As contagens de cocos gram-positivos, bactérias lácticas e fungos algumas vezes aumentam durante o processamento de presuntos crus, como foi observado no presente trabalho, porque esses microrganismos são halotolerantes (KEMP et al., 1980).

3.3 Análise sensorial

O teste de localização central contou com a participação de 110 pessoas. Comparando os dois produtos (T1 e T2), com relação à aceitação global, aparência, aroma, sabor e textura, verificou-se que não houve diferença (p < 0,05) entre os produtos em nenhum dos aspectos questionados, sendo que, para ambos, cerca de 80% dos consumidores gostaram dos produtos de maneira geral. O teste de preferência dos consumidores também não detectou diferença significativa entre os produtos, confirmando a boa aceitação de ambos. A intenção de compra dos presuntos crus refletiu os resultados dos testes de aceitação e de preferência. A maioria dos consumidores provavelmente ou certamente compraria os dois produtos.

4 Conclusões

A remoção de barreiras físicas à distribuição do sal acarretou a redução do tempo das etapas de salga e equalização dos presuntos, diminuindo assim o tempo total do processo para 5 meses. O processo acelerado de elaboração de presunto cru desenvolvido permitiu a obtenção de presunto cru microbiologicamente estável e com características físico-químicas desejáveis. Apesar do curto tempo de maturação (cerca de 95 dias), os presuntos apresentaram gosto e aroma característicos de presunto cru, semelhantes aos de produtos tradicionalmente produzidos.

Agradecimentos

Os autores agradecem à FAPESP o financiamento do Projeto (02/10889-0) e ao CNPq as bolsas de Mestrado.

Recebido para publicação em 29/7/2008

Aceito para publicação em 16/5/2009 (003679)

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      29 Jul 2008
    • Aceito
      16 Maio 2009
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