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Dificuldades vivenciadas pela família e pela criança/adolescente com doença renal crônica

Resumos

INTRODUÇÃO: Este artigo enfoca um dos objetivos de um estudo mais amplo sobre a realização de diálise peritoneal (DP) em crianças e adolescentes no domicílio. Descreve e discute os relatos dos cuidadores sobre as reações e dificuldades vivenciadas pela família e pela criança/adolescente com doença renal crônica (DRC) para a realização da DP. MÉTODO: Realizou-se no período de março de 2004 a maio de 2006 estudo descritivo constituído de um universo de 30 crianças e adolescentes portadores de DRC, assistidos pelo HC/UFMG, abordando questões relativas às dificuldades dos cuidadores quanto à aplicação da técnica de DP e as queixas das crianças/adolescentes quanto à DP por meio de entrevista, acompanhamento de consulta de rotina e visita domiciliar. RESULTADOS: As principais queixas foram: limitações que a diálise traz para a vida do paciente e do cuidador e aquelas relativas à diálise peritoneal em si. CONCLUSÃO: O conhecimento da realidade vivenciada pela criança/adolescente com DRC e pela família pode subsidiar ações e medidas a fim de melhorar a qualidade de vida dos envolvidos e contribuir para o sucesso da técnica dialítica.

diálise peritoneal; visita domiciliar; cuidadores


INTRODUCTION: This article assesses one of the objectives of a larger study about home peritoneal dialysis (PD) in children/adolescents with chronic kidney disease (CKD). METHOD: Descriptive study carried out on 30 children/adolescents with CKD cared for at the Hospital das Clínicas of the UFMG from March 2004 to May 2006. A questionnaire was applied to their caregivers about the reactions and difficulties experienced by those patients and their families during dialysis programs. RESULTS: Their major complaints related to the limitations caused by dialysis to the patients'; and caregivers'; lives and to peritoneal dialysis itself. CONCLUSION: Knowledge about the reality experienced by children/adolescents with CKD and their families can promote actions and measures to improve the quality of life of all involved and consequently contribute to the success of the dialysis technique.

peritoneal dialysis; home visit; caregivers


ARTIGO ORIGINAL

Dificuldades vivenciadas pela família e pela criança/adolescente com doença renal crônica

Sarah Silva AbrahãoI; Janete RicasII; Darly Fernando AndradeIII; Fátima Chagas PompeuIV; Leila ChamahumV; Tâmara Miguel AraújoVI; José Maria Penido SilvaVII; Cristiane NahasVIII; Eleonora Moreira LimaVII

ICoordenação de Enfermagem do Setor de Sus/Convênios/Particulares do Hospital das Clínicas da UFMG

IIPediatria da Uiversidade Federal de São João del Rey, Assessoria do Reitor na UFS

IIIDiretoria da Gaus Estatística e Mercado

IVAssistência Social do Setor de Nefrologia e Hemodiálise do Hospital das Clínicas da UFMG

VSetor de Nefrologia e Hemodiálise do Hospital das Clínicas da UFMG

VICoordenação do Setor de Nefrologia e Hemodiálise do Hospital das Clínicas da UFMG

VIISetor de Nefrologia e Hemodiálise do Hospital das Clínicas da UFMG

VIIISetor de Nefrologia da FHEMIG

Correspondência para Correspondência para: Sarah Silva Abrahão Av. Alfredo Balena, 110, B Santa Efigênia Belo horizonte - Minas Gerais CEP: 30130-100

RESUMO

INTRODUÇÃO: Este artigo enfoca um dos objetivos de um estudo mais amplo sobre a realização de diálise peritoneal (DP) em crianças e adolescentes no domicílio. Descreve e discute os relatos dos cuidadores sobre as reações e dificuldades vivenciadas pela família e pela criança/adolescente com doença renal crônica (DRC) para a realização da DP.

MÉTODO: Realizou-se no período de março de 2004 a maio de 2006 estudo descritivo constituído de um universo de 30 crianças e adolescentes portadores de DRC, assistidos pelo HC/UFMG, abordando questões relativas às dificuldades dos cuidadores quanto à aplicação da técnica de DP e as queixas das crianças/adolescentes quanto à DP por meio de entrevista, acompanhamento de consulta de rotina e visita domiciliar.

RESULTADOS: As principais queixas foram: limitações que a diálise traz para a vida do paciente e do cuidador e aquelas relativas à diálise peritoneal em si.

CONCLUSÃO: O conhecimento da realidade vivenciada pela criança/adolescente com DRC e pela família pode subsidiar ações e medidas a fim de melhorar a qualidade de vida dos envolvidos e contribuir para o sucesso da técnica dialítica.

Palavras-chave: diálise peritoneal, visita domiciliar, cuidadores.

INTRODUÇÃO

A doença de um dos membros da família pode afetar os demais de diversas maneiras e em diferentes graus de intensidade. A família é um grupo de indivíduos em associação íntima e contínua que interagem constantemente e, ainda, individual e coletivamente com a comunidade e grupos culturais dos quais fazem parte.1 Por conseguinte, a criança tem com sua família interações físicas, emocionais, psíquicas e sociais.2

Como qualquer doença crônica, a doença renal crônica (DRC) envolve grande tensão psicológica para a criança/adolescente e sua família, tensão que persiste no decurso da doença e de seu tratamento.3

Todos os pacientes em diálise encontram-se, a despeito de sua vontade, dependentes de um procedimento, de um recurso médico ou da equipe de saúde e estão expostos também a outras condições estressantes.

A resposta psicológica de um determinado paciente à enfermidade dependerá de sua personalidade antes da doença, da extensão do apoio da família, dos amigos, dos profissionais de saúde envolvidos e do curso da doença de base.4

A família precisa enfrentar o choque da irreversibilidade da doença e o perigo iminente para a vida. O paciente deve passar por infinitas operações e procedimentos dolorosos. Numerosas instruções médicas precisam ser seguidas, o que drasticamente interfere na vida diária.3

Este artigo aborda um dos objetivos de um estudo mais amplo sobre a realização de diálise peritoneal (DP) domiciliar em crianças e adolescentes. Descreve e discute os relatos dos cuidadores sobre as reações e dificuldades vivenciadas pela família e pela criança/adolescente com DRC para a realização da DP.

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo no qual foi investigada toda a clientela de crianças e adolescentes portadores de DRC assistida no período de maio de 2004 a março de 2006 pela Unidade de Nefrologia Pediátrica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC/UFMG) e que utilizava a DP em casa, perfazendo um total de 30 pacientes. Todos estavam, no mínimo, há três meses em DP na época da coleta de dados. Esse tempo foi observado com o objetivo de garantir que o cuidador já tivesse realizado várias vezes o procedimento em domicílio, estando, portanto, treinado e já tendo vivenciado as dificuldades da prática.

Para a coleta dos dados totais foram utilizados um roteiro de visita domiciliar e um questionário contendo questões fechadas e abertas. As questões abertas utilizadas foram: 1. Quais as dificuldades encontradas para a execução da técnica? Principais queixas do responsável pelo procedimento; e 2. Principais queixas do paciente.

Para renda per capita, considerou-se inadequada ou baixa aquela < que um salário mínimo por pessoa, levando-se em consideração o valor do salário mínimo em março de 2006 (R$ 300,00 - Moeda Brasileira).

As entrevistas foram feitas exclusivamente pela enfermeira pesquisadora e tiveram uma duração de 40 a 80 minutos, com maior tempo gasto naquelas em que a enfermeira pesquisadora pôde assistir à realização da técnica de DP.

Todos os cuidadores concordaram com a pesquisa e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido após serem informados a respeito dos objetivos e procedimentos do estudo e dos seus direitos, de acordo com o item IV da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

Características da população estudada

Este estudo foi realizado no período de maio de 2004 a março de 2006 e inclui toda a população de pacientes assistidos pela Unidade de Nefrologia Pediátrica do HC/UFMG. Foram 30 crianças e adolescentes, portadores de DRC em tratamento dialítico (DPAC - Diálise Peritoneal Ambulatorial Contínua ou DPA - Diálise Peritoneal Automatizada). Destes, 15 (50%) eram do sexo feminino e 15 (50%) do sexo masculino.

As idades variaram de 1 a 16,5 anos, com média de 8,2 ± 4,0 anos. Na Tabela 1 pode-se verificar a variação das idades de acordo com as faixas etárias.

Para a realização da DP, a mãe era a responsável exclusiva em 24 (80%) casos sendo que apenas 3 (10%) das mães podiam contar com o pai e/ou tia e em 1 (1/3) desses casos, com a própria paciente (que preferia não realizar a tarefa, segundo relato da mãe); em 2 (7%) casos o pai foi o responsável pela DP, em 1 (3%) a avó paterna do paciente era a responsável pelo procedimento.

A escolaridade do principal cuidador estava acima da 4ª série primária em 22 (73%) dos casos.

Das famílias estudadas, 28 (93%) apresentaram uma renda per capita, contando com o benefício de prestação continuada (BPC),5 inadequada (menos que 1 salário mínimo por pessoa: R$ 300,00 - salário mínimo em março de 2006).

Queixas relativas à diálise peritoneal e afins

As queixas dos cuidadores foram agrupadas nas seguintes categorias:

• Medos e apreensões quanto a complicações de saúde da criança/adolescente relacionadas à realização da DP. Nesta categoria os cuidadores relataram, sobretudo, o medo de infecções e peritonites (5 relatos).

• Receios relacionados à realização da técnica em si. Nesta categoria, as mães relataram insegurança para abrir e fechar o cateter (1 relato), receio em perfurar a bolsa quando da aplicação de anticoagulante (1 relato).

• Incômodos associados ao procedimento. Nesta categoria os cuidadores se queixaram do fato de ter de realizar a DP (8 relatos); sentimento de excesso de responsabilidade (3 relatos); o tempo gasto para o procedimento englobando o número de trocas ao dia (6 relatos); da realização de tarefas preparatórias como lavar e passar compressas (1 relato), limpeza da bolsa de drenagem e do quarto (6 relatos); necessidade em se ter duas pessoas para a realização da diálise (2 relatos); o peso das caixas e bolsas de DP (3 relatos); dificuldade em abrir e fechar torneira com cotovelos devido ao sabão (1 relato); alergia ao PVPI degermante (11 relatos).

• Condições inadequadas para a realização da DP. Nesta categoria os cuidadores se queixaram das condições do quarto da diálise (2 relatos), da ausência de pia para antissepsia das mãos (1 relato); das condições para estocagem das bolsas (1 relato); dificuldade de acesso à água potável (1 relato); defeito nos materiais fornecidos para a DP (2 relatos).

• Repercussões sobre a vida familiar e social. Nesta categoria os cuidadores relataram insatisfação por ter de "ficar por conta do filho" e consequentemente com menos disponibilidade para sua vida pessoal - trabalhar (4 relatos), viajar (1 relato), estudar (1 relato), passear (4 relatos); transformações da rotina e dinâmica familiar (1 relato); aumento de custos/gastos com diminuição ou ausência de autonomia financeira (4 relatos).

• Cinco cuidadores não apresentaram queixas e disseram já ter se "acostumado com a tarefa".

As queixas das crianças/adolescentes foram reportadas pelos cuidadores e não pelos próprios pacientes. As respostas foram agrupadas nas seguintes categorias:

• Incômodos relativos à DP. Nesta categoria os cuidadores relataram que as crianças/adolescentes se queixam de ter de fazer a diálise (6 relatos); de precisar usar máscara (especialmente para as crianças menores de 5 anos de idade - 2 relatos); do uso de bolsas com conteúdo suficiente para 2, 3 ou mais trocas, impedindo a desconexão do paciente do equipo (1 relato), dor e prurido no orifício e caminho do cateter (8 relatos), de ter de sair do quarto de dormir para ir para o quarto reservado à diálise (1 relato), de deixar de assistir TV ou de realizar outra atividade para se submeter à diálise (4 relatos).

• Incômodos gerais associados à DRC. Nesta categoria os cuidadores relataram que as crianças/adolescentes se queixam de precisar tomar os medicamentos (1 relato), de presença do líquido no abdome (2 relatos), de dor abdominal (7 relatos), de inapetência ou diminuição do apetite (4 relatos).

• Limitações das atividades do dia-a-dia e desejos impostos pela DRC e pela DP: Nesta categoria os cuidadores relataram que as crianças/adolescentes se queixam de não poder brincar (9 relatos), não poder andar de bicicleta (2 relatos), correr e nadar (3 relatos), não poder comer o que queriam (1 relato), dormir fora (1 relato), viajar (1 relato), sair (3 relatos), ficar na casa dos outros (1 relato), ir à escola (1 relato).

• Queixas de repercussões psíquicas da DRC e DP: Os cuidadores relataram situações de depressões e tristezas (2 relatos), vergonha do cateter na barriga (1 relato), ansiedade e nervosismo (3 relatos), inquietude (2 relatos).

• Três cuidadores relataram não ter percebido queixas ou reações na criança/adolescente: "Não reclama, é tranquilo".

DISCUSSÃO

Para Ferreira,6 a palavra medo significa sentimento de grande inquietação diante de um perigo real ou imaginário, de uma ameaça. Esse conceito clareia algumas das reações e queixas apontadas pelos cuidadores a respeito da DP. Reais ou imaginários, medos e receios podem ser importantes para que os cuidadores estejam alertas para evitar falhas no processo da DP, mas podem também ser prejudiciais, quando geram outras modalidades de falhas, se em excesso.

O medo de infecções de peritonites geralmente está relacionado a várias interpretações e consequências que elas podem ocasionar na vida da criança/adolescente e mesmo do cuidador e dos familiares, como por exemplo a necessidade de internação, de medicação, mais tempo para retreinamento, além de apontar aparente falta de cuidado com a criança/adolescente, dentre outras questões.

As queixas informadas pelos cuidadores neste estudo, sejam aquelas do próprio cuidador ou dos pacientes relatadas pelos cuidadores, poderiam indicar, indiretamente, adesão inapropriada ou insuficiente ao tratamento ou risco para má adesão futura.

Estudos revelam que o conceito de adesão é relativo, não há um consenso firmado para este, nem um método validado para medir a adesão do paciente ao tratamento, podendo-se assim subestimar a taxa de incidência da não adesão.7

Mesmo não havendo ainda uma padronização da avaliação da aderência ao tratamento dialítico, autores como Reichwald-Klugger e Rosenkranz7 pontuam possíveis razões da má adesão ao tratamento, sendo elas:

• Não compreensão ou violação das instruções e orientações dadas durante os treinamentos e consultas;

• Instruções não exequíveis (por exemplo, por falta de equipamentos necessários à diálise, ambiente inadequado etc.) - daí a importância de se conhecer a realidade de cada paciente e família, a fim de adequar as instruções à situação avaliada, sem, é claro, comprometer a qualidade da assistência;

• Dúvidas sobre o processo de diálise, que podem acarretar modificações nas instruções dadas e prejudicar ou colocar em risco o paciente;

• Estresse humano (cansaço, excesso de atividades e responsabilidades para o cuidador, relação familiar alterada8 devido à doença do paciente ou outros problemas do dia-a-dia);

• Negação da doença, resistência ao tratamento por parte dos familiares (questões religiosas) ou por parte do paciente, sobretudo dos adolescentes.

Raj2 acrescenta outras formas que revelam uma má adesão: as trocas dialíticas de forma intermitente (ora realizadas, ora não), redução do tempo e número de trocas dialíticas, no caso da DPAC ou no número de ciclos na DPA, não cumprimento dos horários da diálise. Segundo o autor, até mesmo a dificuldade de aceitação da imagem corporal (principalmente entre os adolescentes), desconforto abdominal ou dor durante a DP podem comprometer a adesão adequada ao tratamento proposto.

Uma das queixas originadas tanto das crianças quanto dos cuidadores foi relativa ao número de trocas diárias da DP. Essa queixa está, logicamente, associada a outras como aquelas relacionadas ao tempo da criança e cuidador, interrupções de atividades, mal-estar e insegurança ligados ao procedimento etc. Um menor número de trocas diárias da DP poderia estar, portanto, relacionado ao aumento de adesão. Bernardini et al.9 apontam que o risco da não adesão é maior na DPAC que na DPA, o que se deve, possivelmente, à redução do número de procedimentos que a DPA exige. Nesse sentido, o uso de cicladora na DP, que exige menor número de conexões e desconexões, poderia também contribuir para o aumento da adesão. Sendo um processo que envolve uma conexão noturna e uma desconexão no dia seguinte, 10 a 12 horas após, pode contribuir significativamente para melhorar a qualidade de vida da criança ao deixá-la livre para brincar e realizar outras atividades, mesmo que limitadas pela DRC. Como corolário, também o cuidador fica mais livre para suas próprias necessidades e da família. Apesar de haver resistência por uma minoria de cuidadores ao uso da cicladora na DPA, seja pelas dificuldades encontradas para a manipulação da máquina, seja por julgarem que seu uso acarreta um aumento no gasto de energia elétrica, a maior parte dos responsáveis pela diálise já consegue enxergar os benefícios de sua utilização, tais como o menor risco de intercorrências clínicas e melhor qualidade de vida para a criança e a família.

Ao excesso de tarefas a serem desempenhadas, principalmente pelas mães, assim como a existência de outros filhos, somam-se a obrigação da rotina e a limpeza rigorosa do quarto da diálise, com higienização de paredes até o teto, chão e dos utensílios pelo menos uma vez por semana, necessidade que leva o cuidador a um grande cansaço físico e, às vezes, psíquico, que pode originar falhas no processo de diálise e dano para o paciente.

De maneira similar, em seu estudo Oliveira1 aponta a alteração do cotidiano familiar do doente crônico após o diagnóstico da doença, mudanças na estrutura física da casa, as limitações sociais, físicas, escolares, de trabalho e as mudanças nas relações e relata que para a criança/adolescente essas limitações são uma das consequências que mais as incomodam. Detecta também que a própria doença e o regime de tratamento impõem horários e exigem da família e da criança/adolescente maior disponibilidade e, ainda, que as mudanças ocorrem em toda a família, predominantemente com relação à criança doente e à mãe, frequentemente a principal responsável pelos seus cuidados.

Nota-se ainda, por meio dos relatos, como é difícil para os pacientes a questão da alimentação, devido às restrições impostas, necessárias à manutenção de um bom estado de saúde geral. Um dos maiores problemas é a restrição do sal na comida. Quando a ultrafiltração durante a diálise não é adequada e há retenção de líquido, recomenda-se também a restrição da ingestão de líquidos. Não poder comer chocolate, salgadinhos, biscoitos recheados e tomar um refrigerante representam sacrifício e tormento para muitos.

As crianças têm mais dificuldade em aceitar os medicamentos prescritos, normalmente não compreendem a importância de seu uso e rejeitam a ingestão, jogando fora ou vomitando o medicamento administrado.

Os cuidadores muitas vezes não conseguem modificar esta situação, daí a importância de se criar estratégias para reduzir a má adesão medicamentosa, como por exemplo seu uso próximo às refeições ou junto a algum alimento do gosto do paciente.

Dentre os medicamentos prescritos está o carbonato de cálcio e a vitamina D, que previnem a doença óssea metabólica associada à DRC, alteração presente em praticamente 100% das crianças. Esses medicamentos melhoram a doença óssea associada à DRC e reduzem os riscos de fraturas e deformidades.10

O nível de eritropoetina, hormônio produzido pelos rins (responsável pelo controle da produção dos glóbulos vermelhos), está reduzido nos pacientes portadores de DRC, e o medicamento deve ser administrado via subcutânea ou venosa, o que representa um problema adicional para crianças menores. Receber uma picada de agulha 1 a 3 vezes por semana representa mais um sofrimento, não só para os pacientes, mas para os cuidadores. Apesar de saber de sua importância, o cuidador fica consternado com a obrigação de submeter o filho a mais este tormento.

Ainda assim, no presente estudo, houve circunstâncias em que os cuidadores disseram estar acostumados com a realização do cuidado, assim como situações em que alguns pacientes não apresentaram queixas a respeito da diálise, conforme informação dos cuidadores.

Estes achados devem ser analisados com cautela, considerando que as condições da entrevista podem ter, até certo ponto, confirmado as respostas dos entrevistados. De fato, sendo a pesquisadora membro da equipe que presta assistência e realiza o acompanhamento aos pacientes, um receio consciente ou não de perda dos benefícios prestados à família e paciente pode ter levado ao desejo do entrevistado de agradar o interlocutor simulando uma situação sob controle. Além disso, sobretudo, quando se trata da mãe cuidadora, pode haver uma tendência à negação de percepções e sentimentos "negativos" relativos aos cuidados dos filhos, sobretudo os doentes, devido à imagem social e consequente autoimagem idealizada da função materna, que provoca fortes sentimentos de culpa nas mães mais abnegadas.

Com essas ressalvas, estes relatos poderiam indicar que apesar de todas as dificuldades reais, objetivas e subjetivas apontadas neste estudo e na literatura relativa à DP domiciliar, é possível uma adaptação à situação com preservação de uma satisfatória qualidade de vida segundo a percepção do paciente e/ou da família.

CONCLUSÃO

Acredita-se que as reações e dificuldades vivenciadas pela família e pela criança/adolescente com DRC descritas estimulam a busca de estratégias que sirvam como um instrumento de avaliação da aderência ao tratamento e melhora da qualidade de vida dos pacientes, uma vez que o conhecimento da realidade subsidia ações e medidas que consequentemente poderão exercer um papel positivo para o sucesso da técnica dialítica e para o bem-estar dos envolvidos.

Data de submissão: 13/10/2009

Data de aprovação: 19/11/2009

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

Este artigo foi modificado em 02/07/2010 em função de correções na filiação dos autores, na terminologia, na estética da tabela e na padronização das referências.

Errata para título em inglês.

  • 1. Oliveira AGC. Convivendo com a Doença Crônica da Criança: a Experiência da Família. São Paulo, 1994. 141p. Tese (Doutorado) - Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.
  • 2. Raj DSC. Role of APD in Compliance with Therapy. Seminars in Dialysis 2002; 15:434-6.
  • 3. Greenbaum L, Schaefer FS. The decision to initiate dialysis in children and adolescents. editors. Pediatric Nefrology, 4 ed. Baltimore: Lippincott Williams and Wilkins, 1999, pp. 177-96.
  • 4. Levy NB. Psicologia e reabilitação. In: Daugirdas JT, Blake PG, Ing TS. Manual de Diálise. 3 ed. Rio de Janeiro: Medsi, 2003, pp. 341-4.
  • 5. Previdência Social. Tudo o que você quer saber sobre a previdência social. 2 ed. Brasília: MPAS/ACS, 2002, p. 100.
  • 6. Ferreira ABH. Miniaurélio: o dicionário da língua portuguesa. 6 ed. Curitiba: Positivo, 2005.
  • 7. Reichwald-Klugger E, Rosenkranz J. Psychosocial care and adherence to medical regimens. In: Warady BA, Schaefer FS (eds.). Pediatrics Dialysis. Kluwer Academic Publishers: Printed in Great Britain, 2004, pp. 457-70.
  • 8. Correa C. Diagnóstico de Enfermagem da NANDA: definições e classificação 2005-2006/North American Nursing Diagnosis Association. Porto Alegre: Artmed, 2006, p. 312.
  • 9. Bernardini J, Nagy M, Piraino B. Pattern of noncompliance with dialysis exchanges in peritoneal dialysis patients. Am J kidney Dis 2000; 35:1104-10.
  • 10. Lima EM. Complicações da Insuficiência Renal Crônica. In: SILVA ACS et al Manual de Urgências em Pediatria. Rio de Janeiro: Medsi, 2003, pp. 324-39.
  • Correspondência para:

    Sarah Silva Abrahão
    Av. Alfredo Balena, 110, B Santa Efigênia
    Belo horizonte - Minas Gerais CEP: 30130-100
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Aceito
      19 Nov 2009
    • Recebido
      13 Out 2009
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