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Terapia de indução com alentuzumabe em receptores de transplante renal

Resumos

INTRODUÇÃO: Terapias de indução são usualmente utilizadas em receptores sensibilizados contra antígenos HLA, retransplantes e pacientes com risco de apresentar função tardia do enxerto (FTE). MÉTODO: Estudo retrospectivo com objetivo de avaliar os desfechos do transplante renal com doador falecido em pacientes que receberam indução com alentuzumabe (n = 9). Os pacientes do grupo controle, pareados conforme idade do receptor, tempo em diálise e tempo de isquemia fria, receberam timoglobulina (n = 18). RESULTADOS: Não houve diferença nas características demográficas entre os grupos. A idade média dos receptores foi de 47 anos e dos doadores, de 59 anos. Entre os doadores, 67% apresentavam critério expandido. A incidência de FTE foi de 55% e 56%, respectivamente. Ao final do primeiro ano, não houve diferença nas sobrevidas livre de rejeição aguda comprovada por biópsia (67,0% e 84,6%, p = 0,26), do paciente (83,3% e 81,2%; p = 0,63), do enxerto (62,5% e 66,7%; p = 0,82), do enxerto com óbito censorado (62,5% e 76,6%; p = 0,73) e na função renal (depuração de creatinina: 61,6 ± 18,2 versus 52,7 ± 26,1 mL/min, p = 0,503). Houve maior redução na contagem de linfócitos no sangue periférico no grupo alentuzumabe (dia 14:172 ± 129 versus 390 ± 195 N/mm³, p < 0,05; dia 30: 135 ± 78 versus 263±112 N/mm³, p < 0,05), porém com retorno mais rápido a valores normais após o transplante (dia 90: 683 ± 367 versus 282 ± 72 N/mm³, p < 0,05; dia 360: 1269 ± 806 versus 690±444 N/mm³, p < 0,05). O custo do tratamento com alentuzumabe foi de R$ 1.388,00, enquanto que o custo médio com timoglobulina foi de R$ 7.398,00. CONCLUSÃO: Essa experiência com alentuzumabe não demonstrou eficácia e/ou segurança superiores aos regimes com timoglobulina, apesar do custo ser em média cinco vezes menor.

transplante de rim; imunossupressão; anticorpos monoclonais


INTRODUCTION: Induction therapy has been used in sensitized patients, re-transplants, and in patients who have high risk to delayed graft function (DGF) after renal transplantation. METHODS: Retrospective study with aim to compare transplant endpoints between recipients of deceased donors which have received induction with alemtuzumab (n = 9) versus thymoglobulin (n = 18). Patients were matched for age, duration of dialysis treatment and cold ischemia time. RESULTS: There were no differences at demographic characteristics. All patients received kidney grafts from deceased donors and 67% of these donors met the expanded criteria. The incidence of DFG was similar in alemtuzumab and thymoglobulin groups, 55% and 56%. At 12 months, rates of rejection free survival (67% versus 89%, p = 0,13), graft survival (62,5% versus 76,6%; p = 0,73), graft with death censored (62,5% versus 76,6%; p = 0,82) and patient survival (83,3% versus 81,2%; p = 0,63) were similar between the two groups. Viral infections and renal function were similar between groups. At the end of the first month, alemtuzumab patients displayed a fewer lymphocyte number (135 ± 78 versus 263 ± 112 N/mm³, p < 0,05) followed by a more rapid recovery after 3 months (day 90: 683 ± 367 versus 282 ± 72 N/mm³; p < 0,05). Cost associated with alemtuzumab and thymoglobulin inductions therapies were R$ 1,388.00 and R$ 7,398.00. CONCLUSION: In this cohort of patients, alemtuzumab induction showed efficacy and safety comparable to thymoglobulin but with significant cost reduction.

kidney transplantation; immunosuppressive agents; monoclonial antibodies


ARTIGO ORIGINAL

Terapia de indução com alentuzumabe em receptores de transplante renal

Edison Luiz Mandia SampaioI; Tainá Veras de Sandes FreitasI; Nelson Zocoler GalanteI; Sung In ParkI; Kelly Miyuki HaradaI; Filipe Augusto Bettencourt HaollaI; Claudia Rosso FelipeI; Paul Henri Clesca TroconisI; Marcello Fabiano de FrancoII; Hélio Tedesco Silva JúniorI; José Osmar Medina PestanaI

IHospital do Rim e Hipertensão, Disciplina de Nefrologia, Departamento de Medicina, Universidade Federal de São Paulo

IIDepartamento de Patologia, Transplante Renal e Nefropatologia, Universidade Federal de São Paulo

Correspondência para Correspondência para: Hélio Tedesco Silva Jr. Rua Borges Lagoa 960, 11ºandar - Vila Clementino São Paulo, SP, Brasil CEP: 04038-002 E-mail: heliotedesco@hrim.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Terapias de indução são usualmente utilizadas em receptores sensibilizados contra antígenos HLA, retransplantes e pacientes com risco de apresentar função tardia do enxerto (FTE).

MÉTODO: Estudo retrospectivo com objetivo de avaliar os desfechos do transplante renal com doador falecido em pacientes que receberam indução com alentuzumabe (n = 9). Os pacientes do grupo controle, pareados conforme idade do receptor, tempo em diálise e tempo de isquemia fria, receberam timoglobulina (n = 18).

RESULTADOS: Não houve diferença nas características demográficas entre os grupos. A idade média dos receptores foi de 47 anos e dos doadores, de 59 anos. Entre os doadores, 67% apresentavam critério expandido. A incidência de FTE foi de 55% e 56%, respectivamente. Ao final do primeiro ano, não houve diferença nas sobrevidas livre de rejeição aguda comprovada por biópsia (67,0% e 84,6%, p = 0,26), do paciente (83,3% e 81,2%; p = 0,63), do enxerto (62,5% e 66,7%; p = 0,82), do enxerto com óbito censorado (62,5% e 76,6%; p = 0,73) e na função renal (depuração de creatinina: 61,6 ± 18,2 versus 52,7 ± 26,1 mL/min, p = 0,503). Houve maior redução na contagem de linfócitos no sangue periférico no grupo alentuzumabe (dia 14:172 ± 129 versus 390 ± 195 N/mm3, p < 0,05; dia 30: 135 ± 78 versus 263±112 N/mm3, p < 0,05), porém com retorno mais rápido a valores normais após o transplante (dia 90: 683 ± 367 versus 282 ± 72 N/mm3, p < 0,05; dia 360: 1269 ± 806 versus 690±444 N/mm3, p < 0,05). O custo do tratamento com alentuzumabe foi de R$ 1.388,00, enquanto que o custo médio com timoglobulina foi de R$ 7.398,00.

CONCLUSÃO: Essa experiência com alentuzumabe não demonstrou eficácia e/ou segurança superiores aos regimes com timoglobulina, apesar do custo ser em média cinco vezes menor.

Palavras-chave: transplante de rim, imunossupressão, anticorpos monoclonais.

INTRODUÇÃO

A administração de agentes biológicos que determinam depleção dos linfócitos do sangue periférico e dos tecidos linfoides é uma das estratégias de indução, além do uso de preparações de anticorpos monoclonais bloqueadores do receptor de interleucina-2 (IL-2). Essa estratégia tem hoje diversos objetivos e indicações após o transplante renal, entre os quais se destaca a redução da incidência e da severidade dos episódios de rejeição aguda, principalmente nos grupos de pacientes classificados tradicionalmente como de alto risco imunológico, em que se incluem os pacientes hipersensibilizados, os submetidos ao retransplante e os receptores pediátricos ou afroamericanos.1,2,3 Essa estratégia terapêutica também tem sido utilizada com maior frequência em pacientes cujos enxertos não apresentam função renal imediata, possibilitando o início tardio dos inibidores de calcineurina e consequentemente uma recuperação mais rápida da função renal.4,5,6 Finalmente, o uso desses agentes biológicos tem viabilizado regimes imunossupressores que utilizam ou não doses reduzidas de corticosteroides ou inibidores da calcineurina em alguns subgrupos de pacientes.7,8,9 A eficácia comprovada e a possibilidade da combinação com diversos regimes imunossupressores provavelmente são as principais razões para o aumento recente da utilização de indução, principalmente em centros de transplantes nos Estados Unidos. Entretanto, os benefícios dessa estratégia são, de certa forma, minimizados pelo seu elevado custo e pela maior morbidade e mortalidade observada após o transplante renal. Incidências mais elevadas de infecções (principalmente por citomegalovírus e poliomavírus) e neoplasias (especialmente doença linfoproliferativa) já foram relatadas em diversos estudos clínicos e em análises retrospectivas de base de dados.10

Timoglobulina (Timoglobulina®) é um agente imunossupressor composto de anticorpos policlonais direcionados contra uma grande variedade de antígenos de células T e B, antígenos do complexo maior de histocompatibilidade (MHC), de células NK, moléculas de adesão e receptores de quimiocinas.11,12 O mecanismo de ação é, predominantemente, resultado da rápida, intensa e prolongada depleção dos linfócitos T do sangue periférico e tecidos linfoides. Esse efeito farmacodinâmico ocorre de forma dose-dependente através de mecanismos que envolvem citotoxicidade mediada por anticorpo, citotoxicidade mediada por célula e apoptose, limitando a migração tecidual durante a reperfusão do órgão ou episódios de rejeição aguda.13,14 Em alguns estudos, o uso de timoglobulina foi associado a menor incidência e duração da função tardia do enxerto,4 menor incidência de rejeição aguda e melhor sobrevida do enxerto.14 No entanto, a timoglobulina é aprovada e registrada apenas para o tratamento de rejeição aguda. Dessa forma, sua posologia e a duração do tratamento nas estratégias de indução não foram testadas de forma sistemática e ainda necessitam melhor caracterização. Atualmente a dose total de 6 mg/kg é frequentemente utilizada, seja em dose única, geralmente pré-transplante, ou fracionada entre o primeiro e quinto dias pós-operatório.

Alentuzumabe (Campath®) é um anticorpo monoclonal humanizado dirigido contra o antígeno CD-52, cuja função biológica ainda é desconhecida. O antígeno CD52 é abundantemente expresso em todas as linhagens de linfócitos (excetuando os plasmócitos), macrófagos, monócitos e eosinófilos. Alentuzumabe causa rápida e profunda depleção das células T e B do sangue periférico, sendo que monócitos, macrófagos e células T de memória são relativamente mais resistentes ao seu efeito farmacodinâmico.15 Apesar de a droga ser aprovada somente para o tratamento de neoplasias linfoides, ela tem sido utilizada, devido ao seu mecanismo de ação, após o transplante renal e em doenças autoimunes, como artrite reumatoide, vasculites e esclerose múltipla.16,17 À semelhança da timoglobulina, a posologia de administração do alentuzumabe é variada, sendo as doses de 20 a 30 mg, em infusão única ou fracionada, no período perioperatório, as mais utilizadas.

Alentuzumabe foi primeiramente testado no transplante renal em 1998, demonstrando relativa eficácia na profilaxia da rejeição quando administrado em conjunto com ciclosporina em baixas doses.18 Em estudos subsequentes, a utilização isolada de alentuzumabe resultou em episódios de rejeição aguda córtico-sensíveis em todos os receptores, proscrevendo seu uso como agente de indução de tolerância imunológica.19 Posteriormente, alentuzumabe foi utilizado como terapia de indução em associação com vários regimes imunossupressores. Combinado com sirolimo, a incidência de rejeição aguda foi de 27,6%, sendo que vários desses episódios tinham componente humoral e necessitaram de tratamento específico.20 A utilização de alentuzumabe e manutenção da imunossupressão com inibidores da calcineurina e micofenolato mofetil, sem corticosteroides, resultou na redução da incidência de rejeição aguda para 9,1%,21 provavelmente porque as células T de memória, mais resistentes à depleção e à ação de corticosteroides e do sirolimo, são sensíveis aos inibidores de calcineurina, particularmente ao tacrolimo.22

O objetivo deste estudo foi avaliar a eficácia e a segurança do uso do alentuzumabe em uma série inicial de pacientes submetidos a transplante renal.

MÉTODO

Pacientes

Foram estudados nove pacientes que receberam terapia de indução com alentuzumabe entre 22 de maio e 20 de agosto de 2007.

Desenho do estudo

A terapia de indução com alentuzumabe foi utilizada: (i) em receptores de órgãos de doadores falecidos com critério expandido; (ii) em receptores de órgãos com tempo de isquemia fria acima de 24 horas; (iii) em receptores sensibilizados (anticorpos reativos contra painel de células maior que 50%); (iv) em pacientes submetidos ao segundo transplante.

Para a realização de uma análise comparativa foram selecionados dezoito pacientes que receberam timoglobulina entre 01 de novembro de 2005 e 09 de abril de 2006, cuja indicação de uso seguiu os mesmos critérios descritos para o uso do alentuzumabe. As seguintes variáveis foram utilizadas para o pareamento: (i) idade do receptor; (ii) tempo em diálise; (iii) tempo de isquemia fria. A análise foi realizada retrospectivamente com dados de pelo menos um ano de seguimento para todos os pacientes. Avaliações de eficácia e segurança foram realizadas pré-transplante, nos dias 7, 14 e 30 e nos meses 3, 6 e 12 após o transplante.

Definições

Doador falecido com critério expandido foi definido como doador com idade acima de 60 anos ou aquele com idade entre 50 e 59 anos combinado a pelo menos duas das seguintes condições: hipertensão arterial sistêmica, creatinina maior que 1,5 mg/dL e acidente vascular cerebral como causa de óbito.23

A perda do enxerto renal foi definida como a necessidade de diálise por mais de 30 dias consecutivos ou a realização de um novo transplante, e a função tardia do enxerto (FTE), como a necessidade de diálise nos sete primeiros dias pós-transplante. Os pacientes foram classificados como perda de seguimento quando transferidos definitivamente para acompanhamento em outro centro sem retornar para pelo menos uma consulta semestral.

Os episódios de rejeição aguda foram diagnosticados baseados na disfunção aguda do enxerto e classificados como rejeição aguda confirmada por biópsia (RACB) se houve confirmação histológica.

Receptores priorizados para transplante foram aqueles que não apresentavam acessos para diálise e claramente identificados no programa de transplante da secretaria estadual de saúde.

Diabetes mellitus após o transplante (DMPT) foi definido como a necessidade de iniciar tratamento com agentes hipoglicemiantes orais ou com insulina.

Terapia de indução de imunossupressão

O alentuzumabe (Campath, Millenium Pharmaceutics®, Cambridge, EUA, apresentação: 1 ampola = 30 mg) foi administrado em dose única de 30 mg no 1º dia de pós-operatório, diluído em 200 mL de solução fisiológica, através de infusão intravenosa durante 3 horas.

A timoglobulina (Timoglobulina, Genzyme®, New Jersey, USA, apresentação: 1 ampola = 25 mg) foi administrada na dose de 1 mg/kg/dia, diluída em 500 mL de solução fisiológica, através de infusão intravenosa, durante 6 a 8 horas. A administração diária da droga foi monitorada pela contagem periférica de linfócitos; a dose diária da droga era suspensa quando a contagem estava menor que 100 células/mm3; reduzida quando esta estava entre 100 e 150 células/mm3; mantida quando a contagem apresentava valores entre 150 e 250 células/ mm3; quando a contagem era superior a 300 células/mm3 a dose diária era aumentada. A duração do tratamento com timoglobulina variou entre 1 e 12 dias, dependendo da avaliação clínica diária do paciente, principalmente quanto a sinais de recuperação da função renal.

Imunossupressão de manutenção

Tacrolimo foi administrado na dose de 0,2-0,3 mg/kg/dia, fracionada em duas doses iguais diárias, e seu monitoramento foi realizado pela concentração sanguínea residual. A terapia adjuvante foi individualizada, sendo utilizadas doses fixas de micofenolato sódico (MPS, 1440 mg/dia), micofenolato mofetil (MMF, 2000 mg/dia) ou azatioprina (AZA, 1,5-2,0 mg/kg/dia). A prednisona foi administrada em todos os pacientes na dose inicial de 0,5 mg/kg/dia (máximo de 30 mg/dia), sendo reduzida progressivamente a 0,2 mg/kg/dia e alcançando 10 mg/dia após 90 dias de transplante.

Profilaxia

Todos os pacientes receberam profilaxia para pneumocistoses com sulfametoxazol e trimetoprima com início no pós-operatório, continuando até seis meses após o transplante renal.

Apesar de os pacientes terem feito uso de anticorpos antilinfocitários, não foi realizada profilaxia para a doença por citomegalovírus. Os pacientes receberam tratamento preemptivo com ganciclovir a partir da positivação do teste de antigenemia para citomegalovirus, que foi monitorado semanalmente.

Parâmetros de eficácia e segurança

Os desfechos primários analisados foram: a incidência de função tardia do enxerto (FTE) e análise das sobrevidas livre de rejeição aguda, enxerto e paciente ao final de 12 meses após o transplante.

Os desfechos secundários incluíram a análise dos quadros de infecção (número de pacientes com pelo menos um episódio de infecção, episódios de infecção por paciente, tempo de internação e diagnóstico), incidências de DMPT e doenças linfoproliferativas após o transplante (DLPT). Análises de segurança também incluíram avaliações hematológicas, glicemia de jejum e de função renal, mensurada pela creatinina sérica e pela estimativa de depuração realizada pelo método proposto por Cockroft e Gault.24

Análise do custo da terapia de indução

Foram contabilizados os números de ampolas de alentuzumabe e timoglobulina utilizados no protocolo de imunossupressão de cada paciente. A análise foi realizada pela relação do valor nominal unitário de cada produto (R$ 1.388,00 para 1 ampola de 30 mg de alentuzumabe e R$ 425,45 para 1 frasco de 25 mg de timoglobulina) e o número de ampolas administradas.

Análise estatística

As variáveis categóricas relacionadas às características demográficas, assim como as incidências de FTE e os episódios de infecção, DMPT e DLPT, foram comparadas entre os dois grupos utilizando o teste quiquadrado ou os testes exatos de Fisher, dependendo do número de observações. As variáveis não categóricas contínuas foram comparadas utilizando-se o teste t de Student independente. As taxas de sobrevida livre de rejeição aguda, do enxerto e do paciente, foram obtidas utilizando-se o método de Kaplan-Meier e as comparações entre os grupos foram realizadas pelo teste Log-Rank. O valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. As análises estatísticas foram realizadas pelo programa estatístico SPSS v 7.5 (SPSS Inc., Chicago, IL, USA).

RESULTADOS

Perfil dos pacientes

As características demográficas mostram que os grupos foram adequadamente pareados, visto que a idade dos receptores, o tempo em diálise e o tempo de isquemia fria foram similares (Tabela 1).

A população estudada foi composta exclusivamente por receptores de transplante com doador falecido, com idade média de 47 ± 9 anos, elevado tempo em diálise (67,9 ± 38,0 meses) e elevada porcentagem de receptores sensibilizados. Não foram observadas diferenças na compatibilidade HLA, grau de sensibilização e número de transplantes prévios entre os grupos estudados. Em 55% dos receptores a determinação mais recente da porcentagem de anticorpos reativos contra painel de células foi acima de 20%. A idade média dos doadores foi elevada (59 ± 9 anos) e 66% deles foram classificados como doador com critério expandido. O tempo de isquemia fria foi superior a 24 horas em 67% dos pacientes. Onze (40,7%) receptores não receberam inibidores de calcineurina no esquema imunossupressor inicial (Tabela 1).

Imunossupressão

Os nove pacientes receberam tratamento de indução com alentuzumabe na dose fixa de 30 mg no primeiro dia de pós-operatório. Os 18 pacientes do grupo timoglobulina receberam esquemas posológicos individualizados, com doses totais que variaram de 75 mg a 725 mg e duração 1 a 12 dias de tratamento. Comparado com pacientes que receberam timoglobulina, aqueles que receberam alentuzumabe apresentaram inicialmente uma maior redução na contagem de linfócitos no sangue periférico (dia 14: 172 ± 129 versus 390 ± 195 N/mm3, p < 0,05; dia 30: 135 ± 78 versus 263 ± 112 N/mm3, p < 0,05). Porém, entre o terceiro e o décimo segundo mês de transplante, foi observada uma recuperação mais rápida dessa contagem (dia 90: 683 ± 367 versus 282 ± 72 N/mm3, p < 0,05; dia 180: 842 ± 500 versus 439 ± 234 N/mm3, p < 0,05; dia 360: 1269 ± 806 versus 690 ± 444 N/mm3, p < 0,05) entre os pacientes que receberam alentuzumabe (Figura 1).


As doses de TAC foram menores no grupo alentuzumabe nos dias 14, 30, 90 e 180, mas as concentrações dessa droga foram similares nos dois grupos. Não houve diferença entre os grupos quanto às doses de micofenolato. As doses de prednisona também foram menores no grupo alentuzumabe nas consultas dos dias 14, 30 e 90 (Tabela 2).

Análise de eficácia

As incidências de FTE foram similares entre os grupos tratados com alentuzumabe e com timoglobulina (55% versus 56%). Apesar da sobrevida livre de RACB ter sido 17,6% maior no grupo que recebeu timoglobulina, essa diferença não atingiu significância estatística. Todos os episódios de RACB foram tratados com metilprednisolona. As sobrevidas do enxerto (62,5% versus 66,7%), do paciente (83,3% versus 81,2%) e do enxerto com óbito censorado (62,5% versus 76,6%) também foram semelhantes. Foi observado um óbito de causa infecciosa em cada grupo de tratamento (Tabela 3).

Análise de segurança

A proporção de pacientes com pelo menos um episódio de infecção foi maior, porém não estatisticamente significante nos pacientes que receberam alentuzumabe, quando comparados àqueles que receberam timoglobulina (89% versus 56%, p = 0,193). O número de episódios de infecção pulmonar bacteriana foi estatisticamente maior no grupo alentuzumabe (p = 0,029), enquanto a incidência das outras infecções, inclusive as virais (CMV e herpes), foi semelhante entre os grupos.

A incidência de DMPT foi similar entre os grupos, apesar de a glicemia de jejum de 12 meses estar mais elevada no grupo timoglobulina (76,0 ± 5,2 mg/dL versus 99,5 ± 12,2 mg/dL, p < 0,05). Não foram observados casos de DLPT entre os pacientes estudados. Os valores médios de creatinina (1,5 ± 0,6 mg/dL versus 2,1 ± 1,4 mg/dL) e depuração de creatinina (61,6 ± 18,2 mL/min e 52,7 ± 26,1 mL/min) foram similares entre os grupos ao final do primeiro ano após transplante. Os receptores do grupo timoglobulina apresentaram menores concentrações de hemoglobina nos dias 7 (10,3 ± 2,0 versus 8,5 ± 1,6 mg/dL; p < 0,05) e 14 (10,2 ± 2,5 versus 9,0 ± 1,2 mg/dL; p < 0,05) após o transplante (Tabela 4).

Análise de custo

O custo do tratamento com alentuzumabe foi de R$ 1.388,00 por paciente. O custo médio do tratamento com timoglobulina foi de R$ 7.398,00, variando entre R$ 1.276,35 e R$ 12.338,05 na dependência do número de doses recebidas por cada paciente.

DISCUSSÃO

A população incluída neste estudo caracteriza bem o cenário atual do transplante renal. A desproporção cada vez maior entre o número de doadores e receptores determina o aumento do tempo de espera (tempo em diálise) para o transplante e o aumento da proporção de pacientes sensibilizados aguardando o transplante, e faz com que um número crescente de transplantes seja realizado com órgãos de doadores com critério expandido. Não há definição do regime imunossupressor ideal nessas situações clínicas, o que é responsável, pelo menos em parte, pela diversidade de estratégias imunossupressoras já testadas. Além disso, os principais desfechos do transplante renal são significativamente inferiores nessa população.

A incidência de FTE foi elevada, provavelmente devido às características dos transplantes realizados, e não foi influenciada pela terapia de indução utilizada.25 A incidência global da rejeição aguda comprovada por biópsia (18,5%) foi relativamente maior se a compararmos com a incidência de rejeição observada naqueles pacientes que não apresentam FTE, usualmente da ordem de 10 a 12%.26 Nos pacientes que receberam terapia de indução com alentuzumabe observamos uma maior incidência de rejeição aguda (33,3% versus 11,1%) e de perda de enxerto (33,3% versus 22,2%) comparando-se com aqueles que receberam timoglobulina, provavelmente devido à menor duração do seu efeito farmacodinâmico, aqui analisado pela redução da contagem de linfócitos no sangue periférico. Todos os episódios de rejeição aguda ocorreram após o segundo mês de transplante, coincidindo com a fase de retorno para valores normais da contagem do número de linfócitos no sangue periférico. Esse dado já foi observado em estudo retrospectivo com 14.362 receptores, no qual a incidência de rejeição aguda, ao final do primeiro ano de transplante, foi maior no grupo de pacientes cujo regime de indução foi realizado com alentuzumabe quando comparado com timoglobulina (19,2% versus 10,2%; p < 0,001).27 Estudos prospectivos também compararam o uso de terapias de indução com timoglobulina e alentuzumabe em receptores de transplante renal que receberam TAC, TAC e MMF, ou SRL.20,21,28 As incidências de rejeição aguda foram de 18%, 23% e 28%, respectivamente.

Apesar da elevada proporção de órgãos de doador com critério expandido e da incidência de rejeição aguda, pacientes que receberam alentuzumabe alcançaram função renal em média 8,9 mL/min superior àquela observada nos pacientes que receberam timoglobulina (61,6 versus 52,7 mL/min). Quando imputamos o valor de 10 mL/min para pacientes que perderam o enxerto e carreamos o último valor da função renal para aqueles que faleceram antes de completar o primeiro ano do transplante, os resultados também foram semelhantes (44,0 ± 28,6 versus 40,0 ± 28,6 mL/min, p = 0,735). A ocorrência de DMPT foi semelhante entre os dois grupos (22%) e comparável a protocolos sem o uso de terapia de indução. A média da glicemia foi mais elevada entre os pacientes que receberam timoglobulina. Entre vários fatores envolvidos nessa observação, as maiores doses e concentrações de tacrolimo e as maiores doses de prednisona utilizadas nos pacientes que receberam timoglobulina podem ter determinado esse resultado.

O presente estudo também sugere que pacientes que receberam alentuzumabe apresentam maior incidência de infecção, comparando-se com aqueles que receberam timoglobulina (89% versus 56%).28,13 A pneumonia bacteriana foi mais frequente no grupo alentuzumabe (33% versus 0%, p < 0,029), assim como foi também reportado no estudo realizado por Vathsala et al.28 A infecção por CMV foi igualmente presente nos dois grupos (22% versus 39%, p = ns), porém com incidência maior que a referida em outra série (6,5% versus 3,3%),29 possivelmente pela não utilização sistemática de profilaxia em nosso centro. O uso de profilaxia foi associada a incidências reduzidas de infecção pelo CMV em outras séries, nas quais a terapia de indução foi realizada com alentuzumabe (5%)28 ou timoglobulina (10,4%).13 Não ocorreram casos de doenças linfoproliferativas durante o período de seguimento.

O custo foi uma clara diferença entre os esquemas de terapia de indução, como observado por outros autores.30 Apesar de não serem considerados outros gastos como novas internações, outras drogas e tratamento de complicações, o custo ao uso de timoglobulina foi em média 5 vezes maior do que o custo do uso de alentuzumabe (R$ 1.388,00 versus R$ 7.398,10).

Devido às limitações intrínsecas do estudo (natureza retrospectiva e reduzido tamanho da amostra), não foi possível obter informações conclusivas e robustas dessa análise. A ausência de significância estatística na comparação dos desfechos selecionados pode ser decorrência do tamanho reduzido da amostra (erro beta). Entretanto, a utilização de terapias de indução com alentuzumabe ou timoglobulina na população estudada determinou eficácia e segurança aparentemente insatisfatórias. A utilização de uma dose maior de alentuzumabe (40 mg em dose única ou duas doses de 20 mg) poderia, teoricamente, aumentar a eficácia na prevenção da rejeição aguda. Entretanto, a diversidade de regimes imunossupressores utilizando alentuzumabe como terapia de indução nos diversos centros e a possibilidade do prejuízo da segurança do tratamento impossibilitam conclusões mais robustas. Além da elevada incidência de rejeição aguda, três órgãos foram perdidos após o abandono da imunossupressão durante episódios de infecção grave e dois receptores faleceram em decorrência de infecção.

Os regimes imunossupressores, com a utilização ou não de terapia de indução com anticorpos monoclonais direcionados ao receptor de interleucina-2, produzem resultados considerados adequados na maioria dos receptores de transplante renal. No entanto, o regime imunossupressor ideal para receptores sensibilizados e receptores de órgãos de doadores com critério expandido, parcela crescente do total de transplantes realizados anualmente, ainda não foi identificado. Acredita-se que a terapia de indução seja necessária nessas situações clínicas, utilizando preparações de anticorpos que causam depleção dos linfócitos. Neste estudo exploratório, alentuzumabe aparentemente não determinou eficácia e segurança comparáveis às da timoglobulina, apesar do seu custo ser significativamente reduzido.

Data de submissão: 17/09/2009

Data de aprovação: 25/12/2009

Declaramos a inexistência de conflitos de interesse.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Mar 2010

    Histórico

    • Recebido
      17 Set 2009
    • Aceito
      25 Dez 2009
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